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domingo, 31 de janeiro de 2010

Top 10 Cinema: Filmes de AÇÃO!


Algum tempo atrás fiz duas listas de 10 mais, foram a de adaptações de gibis, e a de comédias. Além, claro, das listas de melhores e piores filmes de 2009.
Vamos brincar de listas de novo. Agora com uma outra categoria maneiraça:
Filmes de ação!
Antes de iniciar os trabalhos, quero deixar claro que, alguns dos filmes que vou listar podem ser categorizados em outro gênero, mas tem sequências de ação tão competentes que não poderiam, em hipótese alguma, ser impedidos de entrar na lista.
Vamos lá, então, com mais um Top-10 Casa do Capita. Enjoy:

10 - Fervura Máxima (John Woo, 1992)
O diretor John Woo, hoje em dia, pode dar a impressão de ter perdido a mão após filmes duvidosos como Códigos de Guerra e O Pagamento, porém, houve uma época em que ele era um papa dos filmes de ação.
Entre seus melhores trabalhos está Fervura Máxima (Eita, título cretino.), seu último trabalho no oriente antes de ser "importado" por Hollywood.
Na trama, nada original, o detetive Tequila (Chow-Yun Fat) é envolvido em uma trama de traição e vingança após a morte de seu parceiro durante uma investigação à uma quadrilha de traficantes de armas, nada original, mas bem conduzida o suficiente pra prender a atenção entre uma cena de ação e outra.
A trama, afinal, é o que menos importa quando estamos diante de alguns dos tiroteios mais inspirados do cinema, o primeiro, na abertura do filme, na casa de chá, e o tiroteio (Acredite!) na maternidade, são geniais.
Não faltam, claro, a cena do impasse, onde mocinho e bandido colam suas amas na cabeça um do outro, nem as pombas brancas cruzando a tela, duas marcas registradas na filmografia do diretor.
"Dê uma arma á um sujeito e ele pensa que é o Superman. Dê duas e ele pensa que é Deus."

9 - Os Caçadores da Arca Perdida (Steven Spielberg, 1981)
Indiana Jones desembarcou pela primeira vez no cinema em 1981, poucos minutos após conhecê-lo, fomos presenteados com a cena da pedra gigante rolando atrás do arqueólogo bom de briga e sem uma exata noção do perigo.
Á partir dali, somos colocados numa montanha russa de cenas de encher os olhos e tirar o fôlego que vão da cena da pedra até a invasão ao submarino alemão, passando por tiroteios com os nazistas na cantina de Marion Ravenwood, lutas com um gigantesco mecânico alemão enquanto as hélices de um avião dançam perigosamente ao redor dos antagonistas, e perseguições automobilistícas regadas á adrenalina.
"Não é a idade, doçura, é a quilometragem."

8 - Aliens - O Resgate (James Cameron, 1986)
Alien - O 8º Passageiro, de Ridley Scott era um suspense tenso vestido de ficção científica, que mostrava a tenente Ellen Ripley (Sigorney Weaver, linda de tão estranha.) presa na espaçonave Nostromo com o mortífero alienígena que matava, um á um, os membros da tripulação.
Quando James Cameron põs as mãos na segunda parte da franquia, provavelmente pensou que não dava pra superar o suspense do primeiro filme. O que ele fez, então? Mudou tudo.
Saiu o suspense de vislumbres rápidos de Scott, e entrou a ação sem freios onde a tensão não estava no fato de não saber onde estava o perigo, mas sim no fato de ele estar em toda a parte.
Weaver retorna ao papel de Ripley, despertada de sono criogênico de 57 anos e convidada para servir de consultora á equipe de fuzileiros que vai ao planeta LV-426 descobrir o que houve com os colonos do local.
Ao chegarem, se deparam com uma infestação de aliens com uma única sobrevivente, a menina Newt.
O filme é repleto de sequências de ação tensas de fazer roer as unhas, na melhor delas Ripley veste um traje empilhadeira para enfrentar a rainha Alien.
"Eu não sei que espécie é pior, Burke. Você não vê eles foderem uns aos outros por causa de uma maldita porcentagem."

7 - O Ultimato Bourne (Paul Greengrass, 2007)
Desde o primeiro filme da série do espião desmemoriado criado na literatura por Robert Ludlum nós meio que sabíamos que aquele era um herói de ação interessante.
Se o primeiro filme, dirigido com mão meio pesada por Doug Liman, era apenas um filme de ação bem intencionado com algumas sequências de ação memoráveis (A perseguição de carros em Paris, a luta de Bourne com Castel...), a segunda parte, A Supremacia Bourne, já de Greengrass, era um filmão que além de excelentes sequências de ação mostrava um personagem crível e frágil, á despeito de todos os prodígios que era capaz de realizar.
Foi, porém, na terceira incursão de Bourne nas telonas que vimos até onde ia a habilidade de Bourne de fazer coisas espetaculares nas mãos do diretor britânico.
Fosse dando um nó na CIA em plena estação Waterloo, em Londres, fosse numa insana correria á pé pelos telhados do Marrocos, fosse enfrentando Dash e sua navalha usando uma toalha como arma(Aliás, isso é recorrente nos filmes de Bourne, no primeiro, uma bic contra uma faca de luta chinesa, no segundo, uma revista enrolada contra uma faca de cozinha.), ou em uma genial perseguição automobilística nas ruas de Nova York, nós seguimos o espião amnésico sem desgrudar os olhos da tela nem sair da ponta da cadeira imaginando se ele conseguirá escapar da programação de Treadstone, se sobreviverá, se conseguirá, enfim, descansar de novo.
Tudo isso orquestrado com maestria por Greengrass, auxiliado por um elenco de personagens secundários ótimos com intérpretes idem, e encerrando com a trilha já clássica de Moby. "Extreme ways are back again, extreme places i don't know..."
"Olhe só... Olhe tudo que eles te fazem dar..."

6 - Máquina Mortífera (Richard Donner, 1987)
Martin Riggs é um sujeito problemático. Autosdestrutivo, alcoólatra, instável, suicida em potencial. Uma ameaça ambulante com uma arma e um distintivo.
Roger Murtaugh é um tira boa praça. Prestes á se aposentar ele já pensa mais em pescarias e nos estudo dos filhos do que em investigações e tiroteios.
Obrigados á trabalharem juntos, acabam envolvidos em uma investigação de suicídio que os leva a cruzar o caminho de uma quadrilha de traficantes formada por ex-soldados do vietnã.
Riggs (Mel Gibson) e Murtaugh(Danny Glover) são tão diferentes que só podem se complementar, o roteiro de Shane Black, dirigido com a mão firme de Richard Donner (Superman - o Filme) resulta no primeiro capítulo de uma das melhores cinesséries policiais do cinema, as cenas de ação são tão competentes quanto os diálogos que, se hoje podem soar meio datados, eram maneiraços na década de 80.
"Essa é um distintivo de verdade, eu sou um policial de verdade, e essa é uma porra de arma de verdade!"

5 - O Predador (John Mctiernan, 1987)
Arnold Schwarzenegger era o astro de ação de filmes como Conan, Jogo Bruto e O Exterminador do Futuro. Havia ainda Carl Weathers, o Apolo Creed que fez purê da cara de Rocky Balboa em Rocky - Um Lutador, Jesse Ventura, estrela de luta livre da WWF, Bill Duke, o negão mal-encarado que trocara sopapos com o próprio Schwarza em Comando Para Matar, além de uma porção de outros fortões feiosos formando uma equipe de soldados de elite em missão de resgate nas florestas da Guatemala.
Era um time de meter medo em qualquer um, mas, para o Predador, o "filho da puta feio" mais temido do espaço, era apenas o equivalente á uma pelada de final de semana.
O monstro de espaço que empurrou os Aliens pro segundo lugar na lista de extraterrestres mais casca-grossa do cinema caçou sistematicamente os membros da unidade de Dutch (Schwarzenegger, surpreendentemente interpretando!) até que o militar se vê em um tenso e violento mano á mano onde o monstro é franco favorito.
O elenco bruto, a atmosfera tensa e opressiva da floresta tropical, e o monstro espacial mais maneiro do cinema sob a batuta do competene John Mactiernan fazem um clássico absoluto do cinema porrada dos anos 80.
"Se sangra, pode morrer."

4 - A Outra Face (John Woo, 1997)
John Woo entrou em holywood pela porta da fente, fez O Alvo com o então astro Jean-Claude Van Damme, depois fez A Última Ameaça, com John Travolta e Christian Slater, e, finalmente, em 1997, fez o que seria o grande filme de sua carreira nos EUA. A Outra Face mostra o agente do FBI Sean Archer (John Travolta), que caça obstinadamente o terrorista Castor Troy (Nicolas Cage), responsável pela morte de seu filho. Após uma violenta caçada humana, ele consegue capturar Troy, que entra em coma, porém Sean descobre que o bandido plantou uma bomba em algum lugar de Los Angeles, e a única pessoa, além de Castor, que conhece a localização do dispositivo, é Pollux, irmão de Troy.
Archer, então, se submete á uma revolucionária técnica de cirurgia que permite que ele personifique Troy, infiltre-se na prisão onde está Pollux, e obtenha a localização da bomba.
Porém, enquanto Archer está em missão, Castor desperta do coma, e descobrindo o que aconteceu, obriga o médico á realizar o processo nele, assumindo a identidade de Archer, seu trabalho e sua família.
Uma vez mais, as marcas registradas de Woo estão lá, a cena do impasse, com armas apontadas ao mesmo tempo, os pombos, e os toroteios belíssimamente coreografados, em especial aquele que acontece ao som de "Somewhere over the rainbow", filmaço.
"Bem, se você é Sean Archer, então acho que eu sou Castor Troy."

3 - O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (Peter Jackson, 2003)
Alguém vai chiar, eu sei, que O Senhor dos Anéis não é, nem de longe, um típico filme de ação. Que ele pode ser uma aventura, um épico, talvez até um drama. Bem, meu amigo, eu digo que uma série que tem batalhas como a de Moria, do Amon-Hen, do Abismo de Helm, a luta de Gandalf com o Balrog, e a chegada de Éomer ao forte da trombeta não pode ser eliminada da disputa.
Em O Retorno do Rei, o ritmo do filme entra num cescendo ao longo das três horas e meia mais rápidas da história do cinema, á partir do momento em que os orcs tomam Osgiliath, passando pela traição de Gollum á Frodo, a luta de Sam contra Laracna, o sítio á Minas Tirith, a derrubada do portão da cidade branca, a inacreditável cavalgada final do rei Théoden à fente dos Eorlingas (Quem não sentiu, pelo menos uma ponta de vontade de gritar "morte" com os Eorlingas não tem espinha.), e chegada de Aragorn e o exército dos Mortos, até a luta no portão negro nós ficamos na ponta da cadeira roendo as unhas sem imaginar o que acontecerá á seguir. Se isso não é um senhor filme de ação, então eu não sei o que é.
"Ergam-se, ergam-se cavaleiros de Théoden! Lanças serão brandidas, escudos serão partidos! Um dia de espada, um dia vermelho ao nascer do sol! Cavalguem agora! Cavalguem agora! Cavalguem! Cavalguem por ruína e o fim do mundo!"

2 - O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (James Cameron, 1991)
Em 1984 nós conhecemos o futuro. Um futuro sombrio em que as máquinas dominavam a terra com mão de ferro(eh, eh.) e os poucos humanos que sobreviveram á guerra nuclear eram caçados de maneira impiedosa pelos exércitos infinitos do inimigo.
Desse futuro veio Kyle Reese (Michael Biehn), que protegeu Sarah Connor (Linda Hamilton), futura mãe de John Connor, líder da resistência e única esperança humana, da mais terrível arma das máquinas: O andróide T-800, um organismo cibernético composto de um endo-esqueleto mecânico coberto com tecido vivo, capaz de se passar por humano até que fosse tarde demais.
Em 1992, um novo T-800 (Arnold Schwarzenegger) foi enviado do futuro. Sua missão? Proteger John Connor (Edward Furlong) de um outro andróide ainda mais avançado:
O T-1000 (Robert Patrick).
Em uma sequência de cenas e ação, uma mais increditável que a outra (A perseguição do T-1000 de caminhão ao T-800 e John Connor, numa Harley, o resgate de Sarah, no hospital psiquiátrico, a destruição do prédio da Cyberdyne, a perseguição do T-1000 de helicóptero á John, Sarah e o T-800, numa van da polícia, a luta final na metalúrgica...) embaladas por frases que marcaram o cinema "Eu voltarei.", "venha comigo se quiser viver." "Hasta la vista, baby." Cameron produz outra pérola do cinema-pipoca. Depois de recolher o queixo, nós agradecemos.
"O futuro desconhecido se desenrola á frente de nós. Eu o encaro, pela primeira vez, com alguma esperança, porque, se uma máquina, um exterminador, pode aprender o valor da vida humana... Talvez nós também possamos."

1 - Duro de Matar (John McTiernan, 1988)
Não há como escapar. John McLane e sua desventura no Nakatomi Plaza dominado por terroristas/ladrões europeus é a quintessência do cinema de ação.
Bruce Willis emprestou um cinismo e um sarcasmo que depois virariam regra ao policial de Nova York que se vê envolvido em um roubo fantasiado de sequestro na sede da multinacional japonesa onde sua esposa (Bonnie Bedelia) trabalha em Los Angeles.
Numa época de heróis de ação que iam de peito aberto pro tiroteio e não se machucavam, exceto de raspão, McLane se esconde o tempo inteiro, se arrebenta até os cabelos, briga com as autoridades locais e salva os reféns enquanto explode o prédio e mata os capangas e Hans Grübber (Alan Rickman) sem nunca perder o humor.
"Yippee-ki-yay, filho da puta..."

Resenha Cinema: Invictus


Clint Eastwood é foda.
Pronto, agora que tirei isso do peito, podemos continuar.
Ontem assisti o novo filme como diretor do ator aposentado (Tomara que não!).
A história de como Nelson Mandela, e a seleção sul-africana de rúgbi mudaram os rumos da áfrica do Sul pós apartheid.
Confesso que, á despeito do elenco de primeira, e do diretor ser um dos realizadores que mais me agrada no cinema atual, eu estava meio reticente pro filme.
"Ah, bacana... Nelson Mandela, rúgbi... Nhé..."
Porém, quando fui assistir Sherlock Holmes semanas atrás, vi o trailer do filme, e meu interesse aumentou. E, ontem, na estréia, me dirigi ao Shopping Barra Sul pra ver o filme.
Não me arrependi, e tive uma constatação, aquela, lá do início: Clint Eastwood é foda.
Ele já era nos tempos de Dirty Harry, e do Blondie da trilogia dos dólares de Sergio Leone, mas como diretor, ele se tornou mais ainda, se tal coisa era possível.
No filme temos Nelson Mandela (Morgan Freeman, competente como de hábito.), recém eleito presidente da África do Sul ele se vê entre a cruz e a espada:
Como governar para a maioria negra que o elegeu e que sofreu por anos com os abusos do infâme apartheid, sem negligenciar a minoria branca que controla a economia e os serviços do país?
Ele encontra a resposta no rúgbi, esporte preferido dos brancos, ignorado pelos negros, e na desacreditda seleção nacional do país, os Springboks, capitaneados por François Pienaar (Matt Damon, em outro bom trabalho.).
Traçando o paralelo entre a juventude vigorosa de Pienaar e a maturidade sábia de Mandela, Estawood mostra como o plano do presidente progrediu na tentativa de oferecer um sentido de união ao povo Sul-Africano, buscando prosperar mesmo sob o estigma do racismo de a intolerância de um passado muito recente, usando uma estratégia pragmática e cheia de riscos políticos.
Sequências como a dos seguranças negros de Mandela se encontrando com os seguranças brancos que trabalharam na administração anterior, ou a dos jogadores da seleção, inicialmente desgostosos com a ideia de se aproximar de jovens torcedores negros nas favelas de Johanesburgo dão o tom da situação racial no país após a eleição de Mandela.
O filme, claro, não é perfeito, há momentos em que o discurso fica demasiado técnico, explicando as regras do rúgbi, e outros em que se percebe uma tentativa algo sacana de arrancar algumas lágrimas da platéia com cenas dramáticas e o heroísmo emprestado ao personagem de Damon, porém tudo isso fica pra trás conforme Pienaar e Mandela avançam e sucedem em sua missão, até a apoteótica final contra os temidos All Blacks da Nova Zelândia decidindo a Copa do Mundo de Rúgbi de 1995 numa partida emocionante, tensa e violenta.
Pois é, meus amigos. Clint Eastwood é... Bom, vocês sabem.

"Eu sou o dono do meu destino.
Eu sou o capitão de minha alma."

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Intimidades...


"Charlote", ela disse com voz lânguida.
Celso não segurou o riso.
Estava pelado, em um quarto pequeno e sem janelas, iluminado por duas lâmpadas, uma vermelha e a outra azul, gelado por causa de um ventilador ligado em rotação máxima no canto.
Sobre a cama tipo box coberta com lençóis cor-de-rosa assomava a figura distinta de Charlote. Ela tinha, em seus quarenta e poucos anos, os cabelos pintados de um louro alaranjado muito particular. A sombra verde brilhante cintilava sobre suas pálpebras criando um contraste todo particular com o vermelho-bombeiro do seu batom.
Ela não estava no auge da forma física. Não era uma mulher feia, mas Celso podia dizer, conforme esquadrinhava seu corpo revestido parcialmente por meias arrastão sete oitavos, cinta-liga e sutiã de um conjunto vermelho-vinho, que aquele corpo já vira dias melhores.
Celso encontrara Charlote quase por acaso. Seguindo conselho de um colega de trabalho saíra do trabalho e fora ao Centro procurar um alfaiate que pudesse fazer um reparo no casaco de couro da Ellus que ganhara da ex-namorada. Adorava aquele casaco. Já tinha ele á mais de cinco anos, mas era uma peça que combinava com tudo, tinha um corte bonito que caia bem, e, com mil demônios, era um caríssimo casaco de couro da Ellus, provavelmente a única frescura no guarda-roupas sóbrio de Celso. Além disso, o lembrava de uma época em que ele era mais feliz. Se hoje tinha um bom emprego, era independente e dono do próprio nariz, não se sentia feliz, de fato, desde que terminara o namoro com Tatiane. Não que fossem o casal mais feliz do mundo, pelo contrário, batiam cabeça feito dois cabritos monteses disputando uma fêmea, não concordavam em praticamente nada, tudo virava discussão, tudo. Quem era o vocalista daquela banda? Onde jantariam naquele dia? Quem lavava a louça naquela noite? Almoçariam na mãe dela ou com os pais dele? Cinema ou danceteria?
Todas as conversas que envolvessem múltipla escolha acabavam em uma acalorada discussão que beirava a briga. Porém, Celso gostava disso, pois geralmente, depois que brigavam, faziam sexo apaixonadamente. Era o melhor sexo. Aquele depois das discussões. Funcionava sempre. Funcionava tão bem que Celso, quando chegava perto da hora de dormir, iniciava discussões de propósito, pois eram mais fáceis e eficazes do que qualquer outra preliminar.
Entretanto, uma relação baseada mais em brigas e sexo do que em amor e cumplicidade não era feita pra durar. Na verdade, entre Celso e Tatiana durara além do que os amigos do casal esperavam. Quase quatro anos.
Terminaram amigavelmente. Eram civilizados e educados quando não discutiam, e, se tivessem, de fato, brigado não teriam se separado, teriam acabado na cama.
O problema foi que, depois do relacionamento quente com Tatiane, Celso não se interessara novamente por mulher alguma. Tivera encontros, até iniciou arremedos de namoro, mas faltava a paixão e a pimenta que sobrava com Tatiane e suas brigas e discussões e arranhões e mordidas nos lábios. De modo que o interesse de Celso em tentar encontrar novos relacionamentos foi rareando, e nos últimos meses ele levava uma vida de monge, e a natureza tinha seus desígnios. Então, foi um pouco pensando nos sonhos molhados que tinha, um pouco pensando nos inconvenientes de começar um novo relacionamento que ele acabou naquela situação.
Enquanto vagava pelos andares da galeria do rosário acabou deparando-se com a placa "Bata e Aguarde" em uma porta do décimo oitavo andar.
Curioso, bateu e aguardou. E deparou-se com a mulher semi-nua que lhe propôs prazer sexual em troca de dinheiro. Ainda movido pela curiosidade e pela necessidade fisiológica, Celso, que jamais estivera com uma prostuituta em um ambiente fechado (Pelo menos que ele soubesse.) aceitou a proposta.
Entrou pela porta deparando-se, ao invés das salas comerciais que via no resto do prédio, em um pequeno quarto, e, enquanto tirava a roupa, ela perguntou seu nome. Ele respondeumentindo com convicção:
-Alaor.
Embora depois tivesse pensado que diferença faria ter dito que se chamava Celso? Não pagaria pelos serviçoes dela com um cheque ou cartão de crédito.
E perguntou o nome dela, mais por educação do que por estar, de fato, minimamente interessado. E, quando ela respondeu "Charlote", ele riu. Não por causa do nome. Não achava o nome Charlote particularmente engraçado. Era a combinação de fatores.
A iluminação brega, a decoração idem, o conjunto de lingerie usado por charlote, a maquiagem pesada, e, por fim, o tom lânguido de voz dela quando se identificou, estalando a língua nos dentes superiores com a boca entreaberta enquanto pronunciava o "lo" do nome.
E agora ele não conseguia parar de rir.
O fato de não querer rir tornava a tarefa de parar ainda mais difícil. Ele não fazia ideia de que tipo de regras de educação se devia seguir quando se tratava com prostitutas, mas se eram as mesmas dos demais convívios sociais, ele estava sendo, na melhor das hipóteses, inconveniente.
Ele ria muito, quando fechava a boca o riso escapava-lhe pelo nariz, seus olhos se encheram de lágrimas. Ele olhou para Charlote procurando um alento para o acesso de riso, ela o encarava com uma das sombrancelhas erguida bem alto e a outra deitada por cima do olho. Isso o fez rir mais.
Ele se desculpou, endireitou o corpo. respirou fundo. e disse mais pra si mesmo:
-Pronto, pronto.
Charlote não disse nada. Engatinhou por cima da cama até a beirada, agarrando Celso pelas nádegas e o puxando de encontra á ela.
O beijou e lambeu, olhando pra ele com uma expressão algo doentia.
Ainda assim, pareceu sexy, Celso achou que gostava daquilo. Poderia fazer mais vezes, tirando, claro, o ataque de riso.
Quando ela o segurou com firmeza pela sua zona particular, ele achou interessante, mas aí ela disse:
-Acarca a titia.
E ele desandou á rir novamente. Rir muito. Rir de chorar.
Vestiu-se, pagou os vinte reais de Charlote pelo serviço incompleto, e saiu pela galeria de consciência pesada, com a certeza de que jamais seria feliz ou satisfeito de novo no tocante á intimidade com uma mulher.
Por outro lado, encontrou um alfaiate que pôde consertar seu casaco por um preço módico. Não era bem o que ele tinha em mente, mas enfim... Melhor do que nada.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Mágoa recíproca


Haroldo andava pela rua de madrugada, era uma quinta-feira, ele tinha bebido além da conta, tinha que acordar cedo pra procurar por trabalho no dia seguinte e sabia que seria difícil conforme constatava que as ondulações que a rua estava fazendo não podiam ser mais, senão fruto de sua bebedeira.
Conforme avançava no que acreditava ser a direção de sua casa ouvindo os próprios tênis golpeando as calçadas irregulares da Cidade Baixa, Haroldo lembrava de Taline.
Taline era, em parte, a culpada pela bebedeira de Haroldo, não pela dessa noite, particularmente, mas pelas primeiras do que ele considerava a "retomada" de sua vida etílica.
Aqui, cabe explicar. A mãe de Haroldo não era uma grande pessoa, nem seu pai o era. O pai de Haroldo, Herson, era um alcoólatra, quem o conhecesse não diria. Homem sério, uma calvície que sugeria seriedade, bigodes bem aparados, paletó e gravata. Em trinta anos de emprego jamais faltou. Tinha um cargo de chefia em uma empresa de eletrônicos e era um homem austero e dedicado. Isso era sua vida profissional. Na pessoal era um pai ausente e truculento, bebia muito, batia nos filhos e até na esposa bateu. Achava-se nesse direito, uma vez que provia uma vida confortável e não deixava que nada de material faltasse á sua família.
A mãe de Haroldo, Tânia, era uma mulher de pouca instrução, caira de amores por Herson logo que o conhecera, ele, tão educado, tão sério, dando trela para ela, uma moça simples... Apaixonou-se, não titubeou em dizer sim quando ele a pediu em casamento. Casou-se, teve quatro filhos do homem que amava, era mãe e esposa. Tornou-se uma feliz e dedicada dona de casa, isso porém não durou, os anos foram roubando a felicidade de Tânia. Herson bebia muito, quando permanecia em casa estava sempre casmurro e bebendo, e, quando bebia, tornava-se violento.
Tânia, em uma tentativa desesperada e pouco inteligente de impedir que Hérson bebesse em demasia, encorajava os filhos á bebericarem do copo do pai.
Com isso além de ser a esposa de um alcoólatra, tornou-se a mãe de outros quatro.
Haroldo era o segundo filho, como um dos mais velhos, sentia-se na obrigação de proteger a mãe, apanhara muito na infância, e sempre que via o copo do pai desprotegido, bebia. Tomou gosto pelo álcool, cresceu bebendo, e bebendo muito.
Saiu cedo de casa, não aguentava a vida que levava com a família.
Haroldo era magoado com o pai, magoado com a mãe, magoado com os irmãos e acima de tudo, magoado com a vida á qual fora relegado.
Não concluiu o segundo grau, tampouco ingressou na faculdade, entendia um pouco de motores, arranjou emprego em uma mecânica pouco recomendável em uma zona pouco recomendável do Centro da cidade, sem grandes perspectivas.
Até conhecer Taline. Taline, com seus cabelos castanhos lisos, com seus olhos verdes e marotos no rosto de menina. Taline com seu corpo bem torneado...
Haroldo á conheceu em um bar, como não poderia deixar de ser. Estava bebendo com os amigos logo depois do trabalho, e a viu. Ela estava com um grupo numeroso e barulhento de jovens. Todos idiotas na opinião de Haroldo, embora não conhecesse nenhum deles.
Ela conversava com alegria, ria jogando a cabeça pra trás, quando levava os lábios finos e bem desenhados ao canudo de onde bebia um drinque colorido, as maçãs de seu rosto se tornavam salientes e ela olhava para os lados como se estivesse desconfiada.
Haroldo foi falar com ela. Não era muito disso, tinha suas noites casuais de sexo, geralmente com mulheres feias e judiadas, era apenas pela necessidade fisiológica. Haroldo não as amava, nem sequer gostava delas. Se um poste na rua tivesse o calor e a umidade que Haroldo encontrava nelas, provavelmente ele iria preferir o sexo com o poste pela praticidade, o poste não falaria de sua vida, não faria perguntas, não iria pedir pra usar o banheiro...
Mas aquela moça, aquela moça era bonita, era radiante e cheia de vida. Ela era alguém que Haroldo quereria por perto.
Quando ele a cumprimentou, ela sorriu sem graça, e respondeu olhando para as amigas que estavam á seu lado na mesa segurando o riso. Haroldo não gostou daquilo. Na verdade, sua vontade era de dar um tapa nela. Mas conteve-se. Ela olhou pra ele novamente, e ele perguntou o nome dela.
Ela sorriu e disse:
-É Taline.
Ele repetiu: Taline. Então falou novamente, separando bem as sílabas. Riu e foi embora sem dizer nada.
Taline levou poucos segundos para se levantar e seguí-lo até onde ele estava, no balcão. Perguntou brava o que havia de engraçado no seu nome.
Haroldo respondeu honestamente que nada. Explicou que usara aquele estratagema para tirá-la da mesa e falar com ela á sós. Ofereceu-lhe um drique colorido como o que ela tomava na mesa com os amigos. Ela sorriu sem jeito, e aceitou sentando-se ao lado dele.
Conversaram por horas. Ela falava muito, ele, quase nada. Ela tinha dezenove anos, cursava faculdade, Geologia, gostava dos trabalhos de campo, gostava de viagens, de pequenas aventuras, gostava de estar ao ar-livre e de contato com a natureza. Morava com a mãe, que era viúva, o pai havia morrido quando ela tinha doze anos. Câncer, no estômago, tinha um irmão mais velho que morava na Bahia, trabalhava na Petrobrás, o grupo no bar era de colegas da faculdade, não tinha muitos amigos, especialmente naquele grupo. Gostava de esportes, menos futebol, sua cor preferida era verde, não assistia muita TV, não fumava, adorava dançar e ouvir música, mas tinha consciência que só ouvia porcaria, lia pouco, mas por falta de tempo, por causa da faculdade.
Haroldo ouviu tudo com atenção. Ela era linda. Os braços, os ombros, os seios, as pernas e os quadris. Os pés, as mãos o pescoço, tudo no corpo dela estava exatamente onde devia estar e tinha exatamente o tamanho que devia ter, pelo menos para o gosto de Haroldo.
Taline foi pra casa de Haroldo, mesmo estando levemente embriagada sabia o que queria, era dona de si. E entregou-se á Haroldo. O desempenho dele não foi particularmente memorável, nada de extraordinário aí, ele não era particularmente memorável, Taline, por outro lado, mereceria uma estátua pelo seu desempenho, mereceria canções. Haroldo se apaixonou, primeiro pelo sexo, é verdade. O sexo fora glorioso. Era algo que ele queria fazer de novo. Porém, ele achava que tinha poucas chances, não tinha nenhum grande atrativo. Não era particularmente bonito, muito menos inteligente. Não tinha dinheiro, morava mal, tinha um trabalho medíocre, uma educação medíocre, era um sujeito medíocre em uma vida medíocre.
Mas, talvez pela aura de cachorro abandonado que envolvia Haroldo, ele ganhou o coração de Taline. Ele acordou na manhã seguinte e encontrou um recado escrito com batom no espelho do banheiro, era o telefone de Taline com a recomendação "Me liga!" e vários asteriscos que, mais tarde, Haroldo descobriria representarem beijos.
Haroldo trabalhou melhor na manhã daquele dia. Na hora do almoço pensou em ligar para Taline, mas desistiu. Não queria parecer desesperado, e, pra ser franco, não sabia se o recado deixado em seu banheiro era sincero ou apenas uma delicada formalidade.
Á tarde trabalhou mal, não parava de pensar em Taline, mas não queria ligar. Depois do trabalho voltou ao bar da noite anterior para tentar encontrá-la por acaso, mas não logrou sucesso.
No dia seguinte, após uma manhã de trabalho pouco produtiva, tomou coragem e ligou.
Taline atendeu o telefone com voz musical, ele se identificou quase murmurando, ela repetiu seu nome bem alto, ele a convidou pra sair, ela aceitou na hora, sugeriu cinema e jantar, ele assentiu, embora pensasse em bebida e cama.
Foi um bom encontro, Haroldo nem lembrava como era fazer um programa que não envolvesse botecos e bêbados. Repetiram dois dias depois, e novamente depois de mais um dia. Logo, Haroldo e Taline namoravam.
Ele passou á se cuidar mais, estava se apaixonando por ela e queria estar á sua altura.
Ele conversava com pessoas, trabalhava melhor, bebia muito menos, vivia mais.
Não queria mais ser um auxiliar de oficina mecânica pelo resto da vida, procurou um supletivo, concluiu o segundo grau, fez pré-vestibular e passou numa boa faculdade privada. Engenharia mecânica.
Foram quatorze meses de felicidade com Taline, ela o pegou pelas mãos e o ergueu do fundo do poço onde estava, guiando-o até uma vida de verdade.
Ela o convidou para dividir um apartamento. Haroldo aceitou de imediato. Se divertiu procurando um apartamento com Taline, ambos se divertiram reformando o lugar, se divertiam assistindo filmes, ouvindo músicas e comendo juntos. Ele gostava de dormir com ela aninhada em seu peito, gostava do jeito como ela cantava enquanto fazia as unhas dos pés, gostava da palavra "delicadeza" tatuada em seu pé, gostava do modo como ela fechava os olhos e mordia o lábio inferior quando faziam amor (áquela altura o sexo com Taline já adquirira um novo significado para Haroldo.).
Mas os meses se passaram, e Haroldo começou á ficar entediado. Taline se ausentava com frequência por conta do final de seu curso universitário, e sozinho, Haroldo bebia enquanto estudava. No começo com moderação. Mas os velhos hábitos custam á morrer, e as doses de álcool aumentavam de acordo com a melancolia de Haroldo. E o álcool aumentava a melancolia de Haroldo num círculo vicioso que só podia levar à tragédia.
Num final de semana Taline viajou, nos três dias em que esteve sozinho, Haroldo não fez outra coisa exceto beber. A bebedeira levou à lamúria. A Lamúria levou à fúria.
Quando Taline voltou, na segunda pela manhã, encontrou a casa destruída por Haroldo em seu acesso hébrio de fúria injustificada.
Taline era gentil, era centrada, e perdoou o deslize de Haroldo, disse á ele que ainda o amava, mas que aquilo não podia acontecer de novo, ele precisava agir como uma pessoa normal, reparar seu erro.
Eles seguiram adiante. Haroldo trabalhou em turno dobrado para repôr o que havia destruído durante seu "chilique de bêbado" como Taline classificou o episódio.
Taline se formou, arranjou um emprego, Haroldo seguia trabalhando e estudando com relativo sucesso, mas surgiu um novo problema. Um problema que ele já havia visto. Ele se entediou com a vida calma que estava levando. Ficava casmurro, e bebia, ás vezes tinha crises de choro, se trancava no quarto, chorava feito uma mulher grávida, ou então fechava a cara e não respondia quando falavam com ele.
Faltava ao trabalho, á faculdade, discutia com Taline por bobagens e transformava tudo em confronto.
O cenário se estendeu além da conta. Haroldo perdeu o emprego, sua matrícula da faculdade foi trancada automaticamente quando o semestre virou e ele não procurou a renovação. A gota d'água veio quando ele saiu do quarto uma manhã e encontrou um bilhete de Taline. Ela estava se mudando pra Bahia. Iria trabalhar com o irmão, desejava sorte á ele, e se despedia com asteriscos.
Haroldo afundou feito pedra. Teve que sair por apartamento depois que venceram os meses de aluguel que Taline deixara pagos. Morou em quartos alugados, dormiu na rua. Trabalhava por curtos períodos e apenas o extritamente necessário para pagar o próximo porre. Ali, parado na rua, enquanto procurava ébrio pelo próprio equilíbrio perdido, olhava para o céu e reforçava suas posições. Ainda guardava mágoa do pai, da mãe, dos irmãos, guardava mágoa de Taline, e, acima de tudo, ainda guardava mágoa da vida. E, se a vida pudesse se manifestar verbalmente, provavelmente Haroldo saberia que a recíproca era verdadeira.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Resenha DVD: Se Beber Não Case


E finalmente saiu em DVD uma das melhores comédias de 2009, que abocanhou, inclusive, o Globo de Ouro na categoria comédia ou musical: Se Beber Não Case (Título cretino, burro, e imbecil para The Hangover, em inglês: "A Ressaca".), que foi um absurdo sucesso de bilheteria, com orçamento de 35 milhões de dólares faturou mais de 465 milhões no mundo inteiro, quase 280 milhões só nos EUA, e, quando revemos o filme, entendemos por quê.
Doug (Justin Bartha) vai casar com Tracy, a dois dias do casório, ele e seus amigos Phil (Bradley Cooper), professor casado e pai, Stu, dentista dominado pela namorada infiel, e o cunhado Allan (Zach Galifianakis), segundo o próprio pai "ruim da cabeça", fazem uma viagem á Las Vegas para a despedida de solteiro de Doug. Tudo conforme o figurino, road trip, suíte luxuosa no hotel cassino Caesar's Palace, brinde no terraço, e promessa de festança para celebrar o matrimônio do amigo.
Corta pra manhã seguinte. Stu, Allan e Phil acordam no quarto devastado pelo que parece ter sido a mãe de todas as festas, há um bebê no armário, um tigre no banheiro, galinhas passeando entre bonecas infláveis, Stu perdeu um dente, Doug sumiu, e, o pior de tudo, eles não fazem nenhuma ideia de onde o noivo pode estar faltando menos de 24 horas para o casamento. Começa então uma corrida contra o tempo e uma ressaca homérica, para descobrir o que eles aprontaram na noite anterior e onde pode estar Doug, o amigo desaparecido.
Não parece lá uma grande trama, Cara Cadê Meu Carro tinha uma parecida, Las Vegas, a cidade do pecado é cenário recorrente em comédias diversas, e os filmes onde a amizade masculina é a verdadeira estrela são moda desde O Virgem de 40 Anos, o que, então, tornou Se Beber Não Case um grande fenômeno de público e crítica?
Pode ter sido o timming, (Há até a piada recorrente que diz que timming é a coisa mais importante na comédia.), os norte-americanos sobreviveram á crise e estavam no pique de uma boa comédia, o que faz sucesso nos cinemas de lá, tirando os filmes de Tyler Perry, geralmente fazem sucesso no resto do mundo, o elenco divertido e que se complementa, formado por Bradley Cooper, ex-coadjuvante em comédias de outros, Ed Helms, egresso da versão americana de The Office, e Zach Galifianakis, um monstro de fazer rir, ou, quem sabe, tudo isso aliado á um roteiro divertido, que prende a atenção, e não abre concessões á nada, nem holocausto, nem 11 de Setembro, nem racismo, ou machismo, o politicamente correto é mandado lá pra casa do Capita e tudo vira piada ao longo do filme, e, com mil demônios, isso é legal.
Embora as mulheres possam se sentir ofendidas, se não pelo baixo-calão das piadas pelo fato de praticamente todas as mulheres do filme, á exceção da stripper/prostituta de Heather Graham, serem vacas sem coração, ainda vale levar o filme pra casa, entre mafiosos chineses, Mike Tyson, traficantes incompetentes e mesas de Vinte e Um, Se Beber Não Case é, se não a melhor, umas das três melhores comédias de 2009, e merece muito ser assistida. Desligue a moral e a decência e ria adoidado.

"-A prostituta está usando o anel da minha avó!
-Quê?
-O anel do Holocausto da minha avó! A prostituta está usando!
-Eu não sabia que eles davam anéis no Holocausto."

sábado, 23 de janeiro de 2010

Resenha DVD: O Sequestro do Metrô 123


Tony Scott, irmão mais jovem do cultuado Ridley Scott, é um bom diretor. Ele tem, como o irmão, uma noção de visual por vezes genial, claro, ele tem umas manias irritantes, como aquelas câmeras aceleradas e borradas que parecem coisa de video clipe, mas, de modo geral, ele é um bom diretor, com bom domínio de câmera e técnica narrativa apurada.
Ele, á exemplo de Martin Scorcese, tem seu ator feitiche. Se Scorcese passou anos associado á Robert De Niro, e agora repete o processo com Leonardo Di Caprio, Scott adotou Denzel Washington como seu "homem de confiança" á frente das câmeras.
Junto com Washinton, Scott realizou Maré Vermelha, Chamas da Vingança, Déjà-Vu, e, agora esse O Sequestro do Metrô 123, refilmagen do filme O Sequestro do Metrô, de 1974, trazendo, além de Denzel, John Travolta.
No filme Washington é Walter Garber (Walter, uma singela homenagem á Walter Matthau, que interpretou o papel em 74.), executivo da empresa de metrô sob investigação de suspeita de aceitar suborno em uma licitação da companhia, e punido com a tarefa de controlar as linhas de trem, durante seu "castigo", Garber é contatado por Ryder (John Travolta, finalmente fazendo um bom vilão.), que acaba de sequestrar o trem da linha Pilham, da 01:23 da tarde, fez reféns e dá o prazo de uma hora para receber a quantia de dez milhões de dólares antes de começar á matá-los, um por um á cada minuto de atraso.
Conforme conversa com o sequestrador, Garber vai descobrindo coisas á respeito de Ryder, e vice versa, um certo laço de confiança é formado, Ryder proclama que ambos foram traídos pela cidade após servi-la por anos, e, á partir daí, o sequestrador não aceita falar com ninguém, exceto com ele.
Aí, entra um dos pontos altos do filme, Garber e Ryder são personagens profundos, cheios e nuances e com motivações críveis, as boas performances de Travolta (Pra variar.) e de Washington (Como sempre.) nos mantém ligados durante toda a primeira metade do filme, o elenco de apoio com John Turturro, James Gandolfini e Luíz Guzman ajudam bastante, embora seus personagens apenas orbitem ao redor de Garber e Ryder, porém, nada que prejudique o filme.
O que prejudica o filme, e isso é recorrente na filmografia de Scott, é que, em determinado momento, seus personagens parecem despirocar e passam á agir de forma completamente despropositada, e a história manda a coerência lá pra casa do Capita.
Claro, verossimilhança não é item de primeira necessidade em filmes desse gênero, o problema é a súbita "bipolaridade" dos personagens, até certo ponto tão bem construídos.
O desfecho é repleto, ainda, de um drama desnecessário, que dá um tom meio piegas ao final do filme, que capenga nesse terceiro ato.
Não é ruim, mas obrigatório, nem de longe. Á menos, claro, que seus atores preferidos sejam, casualmente, Washington e Travolta. Se for o caso, você pode curtir á vontade.

"-Quanto deu a conta, Walter?"
"-Dez milhões de dólares e um centavo."
"-O centavo é a sua comissão de intermediário."

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Os Tarados da Chama Preta




Foi Eduarda quem perguntou com alguma angústia na expressão diante do prato de frango com espaguete:
-Como vai ser a cerimônia? A religiosa? Vai ter?
Arhtur, com a boca cheia de ravióli de frango, respondeu com pouco caso:
-Ah, tanto faz, meu amor, o importante é que, daqui a pouco mais de dois meses, nós vamos estar casados.
E sorriu sinceramente.
Conhecera Eduarda oito meses antes, de imediato se interessara por ela. Nenhuma surpresa, Eduarda era bonita, tinha rosto de boa moça, estilo princezinha de história infantil, cabelos e olhos castanhos, nariz arrebitado, boca em forma de coraçãozinho, era linda de uma forma pura, virginal. De estatura média, tinha uma aparência flexível, o corpo sem nenhum volume exagerado, esguio sem ser esquelético como as modelos de passarela, Arthur a viu na festa de um amigo, pediu que o apresentasse, mas o amigo também não a conhecia, ela devia ser convidada de outro convidado.
Arthur lamentou a possibilidade de ela ser namorada de alguém, mas resolveu arriscar-se, se aproximou, parou ao seu lado e fez um comentário qualquer, ela sorriu, conversaram, e ele descobriu que ela estava com uma amiga. Passaram a noite toda falando, trocaram telefones, ele ficou de ligar.
Esperou três dias e ligou, convidou-a pra sair, viram um filme, jantaram, ele a deixou em casa, ligou no dia seguinte... Tudo conforme o figurino, Arthur combinou um segundo encontro, foi quando se beijaram e ele soube que ela era uma garota especial.
De fato, encantara-se por Eduarda.
Ela era gentil, ouvia o que ele dizia, falava pouco de si, mas não escondia nada, estudava nutrição na PUC, trabalhava como recepcionista em um consultório médico para pagar a faculdade. Nascera em São Sebastião do Caí, veio pra Porto Alegre ainda menina com o pai, seu Walmor, e a mãe, dona Ruth, não tinha irmãs, nem irmãos. Gostava de azul, mas torcia pro Inter, embora não conhecesse nenhum jogador desde a saída de Fernandão, namorara um colega de faculdade nos dois primeiros semestres, mas não dera certo, ele era ciumento e não a respeitava.
Arthur ouvia a tudo com atenção, pra saber que erros não deveria cometer. Os encontros, em pouco tempo, viraram namoro.
Quando ele e Eduarda dormiram juntos pela primeira vez, Arthur, inseguro como qualquer homem, temeu fazer alguma bobagem, mas a respiração compassada de Eduarda se tornando arfante, suas mãos delicadas agarradas com firmeza a seu corpo, o modo como ela sussurrou "Ah, Arthur", em seu ouvido... Arthur a amava verdadeiramente, e o namoro, após seis meses, se tornou um noivado curto, de pouco mais de dois meses, pois Arthur queria casar com Eduarda, ela era a mulher de sua vida, era perfeita, e ele queria tê-la a seu lado até que a morte os separasse, era, afinal de contas, um apaixonado.
Ele a pediu em casamento numa sexta-feira, estavam no restaurante Chéz Felipe, ele se ajoelhou, tirou o anel do bolso e fez a proposta. Ela, de olhos marejados, aceitou com um beijo.
Agora os preparativos vinham tomando forma.
Estavam almoçando no shopping Rua da Praia, meio do caminho do trabalho de ambos, e aproveitavam para organizar algumas coisas.
Arthur não estava preocupado, tinha dinheiro guardado e queria a festa para unir os amigos, a família e celebrar seu amor, por isso a pergunta de Eduarda, aquela lá do início, não o preocupava muito. Cerimônia religiosa parecia uma convenção que merecia ser seguida, ele não tinha preferência. Perguntou para Eduarda:
-Tu prefere alguma igreja em especial? Será que não tá meio em cima pra marcar?
-Pois é... - Ela respondeu hesitando. -... É que a minha família não é católica.
-Ah, sem problema. Quer dizer, a minha mãe é, um pouco, mas o velho nem liga pra isso, e eu também não dou bola.
-Tu não tem religião?
-Ah, eu fui batizado, fiz primeira comunhão, crisma... Mas não sou frequentador. Me caso onde tu quiser. Tua família é o que? Evangélica?
-Não. Não somos evangélicos...
-Judeus?
-Não.
-Muçulmanos?
-Dã, claro que não, ninguém é descendente de árabe na minha família.
Arthur pensou em retrucar que nem todo muçulmano é de ascendência árabe, mas desistiu. Na verdade, começara a ficar curioso.
-Não me diz que tu é da Igreja Universal, ou daquela do cara da bandeirantes?
-Não! Que horror.
-Ah, bom... Tu é batuqueira?
-Não, bobo.
-Candomblé? Macumba? Mórmom? Santos dos últimos dias? Espiritismo? Evangelho quadrangular? Xintoísmo? Budismo? O quê?
-Não, nenhuma dessas... Olha... A gente nunca falou disso, é uma religião diferente...
-Como diferente? Que religião é?
-Tipo, não é bem uma religião...
-É um culto?
-É, é tipo um culto... Sei lá, acho que é mais uma seita.
-Seita? -Arthur não conseguiu esconder uma ponta de terror na voz.
-É, mas não é nada de ruim, sabe? A gente se reúne nas quintas-feiras, conversa, faz umas orações, participa dos cultos...
-Ah... Bom, e... Tu quer que a gente case na tua... Qual o nome da tua seita?
-Os Tarados da Chama Preta.
-Quê?
-Tarados da Chama Preta. -Ela repetiu, separando bem as sílabas.
-Ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah! Não, não, sério, meu amor, qual o nome?
O olhar de Eduarda fulminou Arthur.
-É sério. É esse o nome. Eu sabia, sabia que tu ia ficar julgando, por isso eu nunca contei nada.
Arthur, percebendo a seriedade dela, se recompôs, preocupado:
-Não, não... Desculpa. Tu tem razão... Eu fiquei surpreso. Tarados, então... Da chama preta. Qual a origem do nome? -Arthur fazia uma força sobre-humana pra não rir.
-Nós somos adoradores da Chama Preta. É ela quem nos conecta ao mundo.
-E qual... Qual a razão do "Tarados"?
-É por que a comunhão dos seguidores com a Chama Preta é tão forte, que é quase sexual. Além disso, os Tarados celebram sua comunhão com a Chama Preta através da comunhão carnal.
-Quê?
-Através do sexo, Arthu-ur! Tu não tá levando a sério, tu tá rindo!
-Não, não, eu tô levando a sério, sim... Só fiquei meio chocado com essa lance da "comunhão carnal". Tu já esteve em "comunhão carnal" em algum culto dos... Dos tarados?
-Não, meu amor. Só depois de casada. Eu tinha esperança de me conectar à Chama Preta junto contigo.
-Ah, meu anjo... Eu adoraria me conectar à... Adoraria fazer isso contigo. E a gente, bom, meio que já fez, não foi?
-É, bom, a gente já esteve em comunhão carnal, mas ainda não foi na presença da Chama Preta.
-Como é que é?
-É... A gente só consuma a comunhão com a Chama Preta na presença Dela.
-E ela não é tipo... Onipresente, ao algo que o valha?
-Não, a Chama Preta vive dentro daqueles que comungaram na Sua presença, só então Ela passa a acompanhar aquela pessoa.
-Ah... E como a gente... Comunga na presença da... Da chama?
-É na cerimônia de casamento dos Tarados. Nós temos a nossa comunhão carnal diante da Chama Preta.
-Ah... Peraí? No templo? ...É templo?
-Sim, é templo, e, claro que a comunhão é no templo, né, Arthur? Tu acha que eu ia levar a Chama Preta pra casa? Claro que não, né?
-É, por que isso não faria sentido, como é que alguém sai por aí levando a sua chama preta pra casa... Óbvio... E os... Os tarados têm um espaço pra gente comungar, daí?
-Sim, é em cima do altar, é tão lindo...
-Em cima. Tá... Em cima do altar? Meio profano, isso, não é?
-Não, não, é super puro, o altar não é como tu imagina por causa da tua criação, altar, altar, mesmo, é uma Pedra de Oferendas, onde a gente vai oferecer nosso amor pra Chama Preta.
-...
-Quê foi?
-... É... É na frete de todo mundo ou só da chama?
-É na frente da Chama Preta.
-Ah.
-...Personificada por aqueles que já comungaram na presença Dela.
-...
-Que cara é essa Arthur?
-... Sei lá... Eu... Eu não sei se me sentiria a vontade fazendo isso... Tu sabe... Na frente de estranhos... Sei lá.
-Mas não são estranhos, são a minha família!
-Tá... Ainda assim, da tua família só conheço o seu Walmor e a dona Ruth, e-
-Eles vão estar lá.
-Quê?
-É, meu pai e minha mãe são Tarados.
-Meu deus...
-Que foi?
-Tu espera que eu consume o casamento na frente do teu pai e da tua mãe?
-Ué... Tu acha que eles não sabem o que um casal faz?
-É diferente! Eu sei como uma galinha é abatida pra fazer meu ravióli, isso não significa que eu queira presenciar a morte dela!
-Ah, Arthur, em nome da Chama Preta, viu...
-Quê?
-É uma expressão dos Tarados, tipo "Pelo amor de Deus". Olha, deixa pra lá, tá? Todo o lance da Chama Preta. Esquece que eu falei disso, o importante, é que eu te amo. Não importa se tu é conservador demais pra entender a minha fé, eu vou continuar te amando. Se tu quiser casar na igreja católica, eu vou, se tu quiser um padre, pastor ou mulá, não importa, se tu quiser que eu me case vestida, eu caso, mas significaria muito pra mim casar no templo da Chama Preta e comungar contigo na presença Dela.
-Olha... Olha, desculpa, tá? Eu... Eu exagerei. Tu tem razão. Não tem motivo pra esse meu pânico. Teu pai, tua mãe e os outros... Os outros tarados já devem ter visto inúmeras conjunções carnais na presença da chama... preta. O que teria de mais em outra, né?
Os olhos de Eduarda se encheram de lágrimas, ela sorriu e abraçou Arthur.
-Sério? Tu vai fazer isso?
-Claro. Eu te amo, é importante pra ti. Eu caso na presença da chama. Consumo o casamento na frente dela e da... Da congregação de tarados.
-Ah, Arthur... Eu vou pedir pro meu pai arrumar uns dias pra te preparar pra cerimônia, ele vai te explicar tudinho, tu vai ver que não tem nenhum bicho de sete cabeças.
-Tá espero que não tenha nenhum bicho mes... Como assim? Não é só entrar e consumar?
-Ah, isso é o básico, mas tem outros detalhes, umas coisinhas da tradição da Chama Preta, eu vou estar nua em cima da pedra, agindo feito um animal, tu tem que entrar e fazer isso também, te conectar com a tua besta interior, que é pra nossa conexão com a Chama Preta não sofrer interferência pelos nossos temores e convenções da civilização...
-Então teu pai vai me preparar pra agir feito um animal na hora de consumar o nosso casamento?
-Arthur...
-Na presença dele?
-Arthur...
-E da tua mãe?
-Ai, Arthur...
-Não, não. Só pra saber.
Aqueles dois meses foram duros pro Arthur, especialmente quando ele se encontrava com o futuro sogro nas reuniões pra aprender como proceder na cerimônia de casamento dos Tarados da Chama Preta.
No final, ficou acordado que haveria uma cerimônia pra todos, na igreja, seria na Sagrada Família, e depois uma festa. Na semana seguinte, antes de partir pra lua de Mel em Porto de Galinhas, o casal passaria pelo ritual dos Tarados da Chama Preta, só pros pais de Eduarda e os outros Tarados.
Se no dia da cerimônia na igreja Arthur estava muito relaxado no seu fraque e de gravata prata, no outro ele estava nervosíssimo, nu, exceto pelo chapéu esquisito que sua sogra lhe presenteara, sozinho em uma sala, se conectando à sua besta interior (Um lobo guará).
Mas amava Eduarda, era um apaixonado, e se aquela bizarria de circo de horrores era necessária para fazê-la feliz, bom, ele faria.
Mais tarde, no avião, Eduarda o beijou nos lábios, acariciou seu rosto e perguntou:
-E então? O que achou da cerimônia?
-Olha... Confesso que, quando estava treinando os movimentos da minha besta interior, eu tava meio nervoso, meio travado. Mas quando vi o seu Walmor e a dona Ruth lambendo os pés um do outro pelados e sentados no chão, ficou bem mais relax.
Abraçou Eduarda e deu um gole no refrigerante que tinha diante de si, tinha a certeza do dever cumprido.
Arthur era assim... Um apaixonado...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Natanael Kopesh




O Milton Kopesh sempre lembrava de seu tio Natanael quando se encontrava nas encruzilhadas da vida.
Natanael Kopesh era um cavalheiro. Ele se outorgava esse título com certa pompa. Natanael tinha o cavalheirismo como profissão. Ele era o cavalheiro de um cavalheiro. Natanael não era mordomo, não era assessor, não era secretário. Era o cavalheiro de um cavalheiro, e isso era ser uma combinação de todos os títulos mencionados, além de ser cúmplice e conselheiro de um cavalheiro.
O cavalheiro em questão era o Doutor Gillmar Bernardes de Oliveira e Sant'Anna, médico cardiologista, ex-vereador, membro emérito do Lion's Club, ex-dirigente do Grêmio Porto Alegrense. Era um homem de posses o doutor Sant'anna, nascera abastado em família tradicional, ele e seus quatro irmãos eram criados desde a tenra infância para serem homens públicos.
Eram médicos, engenheiros, advogados, administradores, todos desempenharam, em algum momento da vida, cargos públicos, eletivos ou por indicação. Eram amigos de governadores e de deputados federais. Eram homens de família, todos tinham muitos filhos e muitas filhas, exceto pelo doutor Sant'Anna.
Doutor Sant'Anna era um solteirão.
Ele prezava demais a profissão e todas as obrigações que se impunha. "Não tinha tempo para valorizar uma família como achava que era o correto", era o que todos diziam.
Natanael Kopesh, porém, conhecia a verdade.
O doutor Sant'Anna era, de fato, um homossexual enrustido. Sim, aquele grande homem público, convidado á festas no Palácio Piratini, debatedor costumeiro de programas de rádio, amigo íntimo dos Sirotsky, cidadão modelo, acima de qualquer suspeita, era uma rematada bichona, de dar gritinhos agudos de susto vendo filmes de terror, que tanto adorava... De suspirar olhando fotos de namorados, de chorar aos soluços, de bruços na cama, cara enterrada no travesseiro sacudindo as pernas quando um amante o abandonava.
Natanael Kopesh sabia.
Mas ninguém jamais ficou sabendo de qualquer coisa por ele, que era um cofre de segredos tratados com extrema discrição e zelo.
Era depositário dos segredos do doutor. Era, afinal de contas, seu cavalheiro, e um cavalheiro não sai por aí fazendo indiscrições sobre a vida privada de outrem, especialmente se estas pudessem lhe causar desconforto público, de modo que ninguém, exceto os eventuais amantes do doutor, jamais ficaram sabendo.
Nem a mãe de Natanael, dona Mirtes Kopesh, nem seu pai, Amaury Kopesh, nem seus irmãos, ninguém jamais ouviu palavra que fosse sobre as preferências de alcova do doutor Sant'Anna.
Kopesh acompanhava o doutor em suas viagens de férias e a trabalho, era nesses momentos que o doutor Sant'Anna encontrava outros homens, de preferência de posição e estofo semelhantes, com quem dividiria seu leito por algumas noites.
Apenas em uma ocasião o doutor Sant'Anna levou um homem pra casa em Porto Alegre, era um enfermeiro jovem, o doutor Sant'Anna se apaixonou pelo rapaz, chegou a cogitar a hipótese de assumir sua homossexualidade publicamente.
Foi dissuadido por Kopesh, que sabia que seria uma tragédia para sua família e um escândalo público sem precedentes. Um dos irmãos do doutor ocupava uma cadeira no secretariado estadual, o momento era delicado, não era hora.
O caso seguiu em segredo até que o jovem disse ao doutor Sant'Anna que não queria viver uma mentira, que precisava encontrar alguém que o assumisse e esses "papos de viado" como lembraria Natanael, mais tarde, e abandonou o doutor.
Foram meses difíceis após o rompimento. Natanael Kopesh ajudou o doutor a segurar as pontas, e, com o tempo, superar. Não por que fosse sua obrigação profissional, mas porque Kopesh era um bom homem.
Era uma pessoa humilde. Embora tivesse uma excelente educação, era uma pessoa de origem pobre, que sabia viver com pouco, era muito econômico, cuidava bem de suas roupas, gastava com tanta parcimônia que beirava o pão-durismo, adorava fazer compras em lojas de R$1,99, onde dizia, se podia encontrar de tudo, e, acima de tudo, se importava verdadeiramente com o doutor, embora tivessem lá suas discordâncias.
Kopesh jamais entendeu, por exemplo, como o doutor podia preferir dividir sua cama com outros homens quando haviam tantas e tão belas mulheres disponíveis para um homem com sua fama e suas posses. Kopesh não era religioso nem supersticioso, e o doutor era, e muito, era um devotado espírita, que realizava sessões em sua casa e acreditava piamente que o lugar era infestado de almas penadas. Espiritismo era outra bobagem completa para Kopesh... Kopesh era colorado, o doutor gremista... Mas essas divergências jamais causaram nenhum atrito entre eles, que além de patrão e empregado, eram amigos.
Anos se passaram, o doutor seguiu sua vida, até adoecer e morrer aos 82 anos. Foi uma morte tranquila, morreu dormindo em sua cama, no quarto que ocupara nos últimos 40 anos no casarão da Lopo Gonçalves.
Na leitura do testamento, estavam presentes apenas Kopesh, o fiel escudeiro do doutor Sant'Anna e Tobias, sobrinho-neto, bon vivant, aos vinte e sete anos fora o primeiro Sant'Anna a não concluir os estudos na universidade, e jamais trabalhara na vida, por um acaso familiar, Tobias fora batizado pelo doutor Sant'Anna, que lhe enviava presentes e cartões nos aniversários e em datas especiais, mas com quem jamais teve nenhum contato mais próximo.
O testamenteiro lia o documento diante do olhar desinteressado de Tobias e do olhar perdido de Kopesh, ouvidos e olhos atentos a tudo o que ocorria. Em seu coração Natanael tinha esperanças de herdar a casa onde morara desde os 23 anos de idade, mas sabia que, provavelmente, o destino da residência, assim como dos demais bens do doutor, era algum membro da família Sant'Anna.
Foi, então, uma surpresa, tanto para Tobias quanto para Kopesh, quando o testamenteiro disse que a casa seria de seu afilhado, Tobias, mas apenas se ele passasse uma noite inteira sozinho na residência, exatamente no dia seguinte à leitura do testamento.
Kopesh havia ganho uma boa soma em dinheiro, não uma fortuna, mas uma quantia interessante, talvez suficiente para comprar um bom carro, ou fazer uma bela viagem, mas Kopesh trocaria, sem pestanejar, o dinheiro pela casa à qual se afeiçoara, e agora, ali estava, a apenas dois passos de distância, Tobias, que não falava com o tio-avô desde os treze anos de idade, e agora surgia como um abutre para pilhar os bens do defunto.
Eis que Kopesh teve um estalo!
Tobias precisava dormir uma noite na casa para ter direito a herdá-la. Para ter direito à posse da residência, Kopesh apenas precisava impedir Tobias de cumprir a cláusula imposta pelo doutor Sant'Anna.
Quando saiam do escritório do advogado testamenteiro, Tobias sorriu de maneira zombeteira para Kopesh, desejando-lhe bom dia enquanto girava a chave da casa no dedo.
Kopesh sorriu de volta. Sabia o que faria. Aproveitaria a superstição do doutor, sua crença em espíritos e bobagens do tipo, e usaria isso para afugentar Tobias e ficar com a casa.
Passou em uma loja de R$1,99 e comprou um daqueles despertadores que fazem "li,li,li,lí", e então numa ferragem onde comprou um metro de corrente. Municiou-se também de um lençol branco e, à noite, adentrou o pátio da casa do falecido doutor, sentou-se sob a janela do quarto onde seu patrão morrera, ajustou o despertador para as três da manhã, hora em que daria início á sua sinfonia macabra, cobriu-se com o lençol, segurou a corrente firmemente com a mão esquerda, e resolveu tirar um cochilo.
Acordou ao ouvir um grito, por sob o lençol, ainda com sono, reconheceu Tobias, de imediato sacolejou a corrente e gemeu imitando a voz grave do doutor, fez isso por alguns segundos, até perceber o céu azul atrás de Tobias, que o olhava com uma expressão confusa. Largou a corrente e olhou o despertador, ele marcava oito e quinze.
Tobia perguntou o que estava acontecendo.
Kopesh levantou, recolheu a corrente e o despertador, enrolou o lençol no braço, e disse, furioso:
-Lilili de merda!
O Plano de Natanael talvez tivesse funcionado... Tobias era um cagalhão, morria de medo de fantasmas, espíritos e coisas do além. Infelizmente, conforme lembraria nos anos vindouros, Natanael fora vítima de seu próprio pão-durismo. Não tivesse se municiado de um despertador "lililí" de 1,99, talvez tivesse conseguido se tornar dono da casa à qual tanto amara.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Horizontes...


Jamir era um sujeito em seus vinte e poucos anos, anos demais pra ser um "guri", mas responsabilidades e vivências de menos pra ser um homem. Jamir se sentia nada. Ele ainda era office boy na firma em que trabalhava. Jamir começara tarde no trabalho, arranjou o primeiro emprego somente aos vinte e um anos! Como não tinha nenhuma experiência e nem o ensino médio completo, Jamir precisou aceitar qualquer emprego, não que se importasse, Jamir era um sujeito de horizontes limitados.
Na verdade, se dependesse dele, Jamir seguiria vivendo da pensão da mãe. A mãe de Jamir, dona Cremilda, era viúva, Jamir jamais conheceu seu pai. Ele morreu atropelado por um caminhão de cerveja quando Jamir tinha quatro meses de idade.
Wilmar, era o nome do pai de Jamir, era um homem correto. Fizera um seguro de vida e deixara dinheiro o bastante pra que Cremilda comprasse uma casinha. Havia também a pensão, que se não permitia uma vida de luxos, ao menos não deixaria faltar o básico á Cremilda e Jamir.
Cremilda sentia falta da atenção de Wilmar, mas não se casaria novamente, nem namoraria. Era muito devota, a Cremilda. E feia. Cremilda era gorda, não fofinha, não reforçada, ou fornida. Cremilda era uma porca de tão gorda. E feia. Cremilda tinha o nariz de um boxeador peso pesado, tinha peso de peso pesado, também. E altura de peso mosca, o rosto dela tinha pele demais. Wilmar não sabia como uma mulher tão gorda podia ter excesso de pele. Ele temia que Cremilda seguisse engordando pra preencher toda aquela pele que parecia solta no rosto. Quando Cremilda deitava, sempre de barriga pra cima, ela parecia outra pessoa. A pele ia escorrendo em direção ás orelhas dela, mudando as suas feições. Para Wilmar, era quando ela ficava mais bonita. Wilmar á amava, também não era bonito, o Wilmar, mas era consenso que podia ter se casado melhor. Mas ele amava Cremilda, casou com ela na igreja, engravidaram, e nasceu Jamir, á quem Wilmar não pode ensinar seu ofício. Era encanador.
A mãe de Jamir sofreu muito com a morte do marido. Sofreu tanto, e tanto, por que Wilmar vivia pra ela. E quando Wilmar morreu, houve uma comoção dos familiares, e Cremilda teve atenção e amparo de todos, mas menos de um ano depois todos voltaram á suas rotinas. E Cremilda, embora estivesse bem financeiramente, não tinha amor ou atenção. Por isso ela se mudava. Quando chegava á uma nova vizinhança, ela sempre era bem tratada, e contava histórias diferentes de vida em cada novo bairro. Ás vezes dizia que a bebida tinha matado o marido, não era mentira, fora um caminhão da Malte 90 que o atropelara, em outras dizia que ele havia morrido de amor por ela, não era mentira também, ele morreu indo ao mercado por que ela estava cansada.
Enfim, Cremilda sustentava Jamir até além do tido como básico, não lhe cobrava que estudasse, nem lhe dava obrigações. Cremilda cuidava de tudo. Á sua maneira, mas cuidava. Só lavava a louça após uma semana de comunhão de pratos e talheres sujos, limpava a casa em períodos bissextos, tomava banho á cada três dias.
Ela era repelente ás outras pessoas, e Jamir, criado naquele ambiente, com aquela companhia, cresceu igual.
Jamir odiava o próprio nome. Jamir... Rearranjando as letras surgia a palavra "mijar", e Jamir detestava isso. Ninguém jamais fez esse trocadilho com Jamir, e ele vivia sob a sombra de duas possibilidades:
Ou as pessoas não diziam isso na sua cara, preferindo rir dele pelas costas, ou ele não conhecia ninguém inteligente o suficiente pra fazer o trocadilho.
Qualquer uma das possibilidades o desagradavam profundamente.
Jamir também não era um gênio, aos 17 anos estava cursando a sexta série do ensino fundamental, foi na escola que conheceu Heloísa. Se Jamir não era brilhante, Heloísa era burra. Burra, burra, burra. Todos os professores diziam que ela era desatenta, relapsa, carecia de reforço em casa. Mas a verdade é que Heloísa era burra. Era burra como uma porta. Era, nas palavras do próprio pai, uma "tamanca".
Mas, á despeito da falta de dotes intelectuais, Heloísa era deveras dotada fisicamente. Era o tipo de menina que se desenvolve cedo. Tinha seios fartos, cintura fina, quadris generosos, pernas torneadas. Pintava o cabelo de loiro, se maquiava e usava roupas provocantes como as moças do Big Brother que via sempre que passava e achava lindas.
Povoava os sonhos masturbatórios de seus colegas de sala, todos fedelhos de onze ou doze anos de idade. Exceto por Jamir. Jamir era mais velho, e Heloísa, aos quinze anos, o achava atraente, algo perigoso.
Burrice dela, claro. Jamir era inofensivo. Ele era, de fato, relapso, desatento, mas não era perigoso, não era um marginal. Jamais infringira a lei, exceto fazendo downloads ilegais de músicas e filmes na internet. Se vestia como um rapper, apesar de ser branco, usava correntes grossas no pescoço, viseiras com a aba apontando para o ombro, óculos escuros, camisetas de times de basquete e calças com a barra da cintura na altura do púbis e, como os fedelhos da classe, também tinha Heloísa e suas roupas sumárias como musa do onanismo.
Acabou que Jamir não era tão inofensivo quanto se pensava, e, numa tarde, em sua casa, sob o pretexto de fazer um trabalho de História que Heloísa jamais faria sozinha, Jamir provou sua astúcia fazendo sexo com Heloísa, que não aproveitou muito, mas ficou feliz pois pelo que vira em Malhação a maior preocupação das garotas de sua idade era transar.
Cremilda, que estava em casa dormindo durante a consumação do ato, ficou chocada ao receber a notícia pelo pai de Heloísa dois meses depois, mais chocada ainda ao saber que Heloísa estava grávida. Como devota que era, levou Jamir e Heloísa até o pastor, e, após uma longa conversa, ficou combinado que casariam.
Porém, se há um Deus no céu, ele foi sábio, e impediu que a prole daquele casal caminhasse sobre a terra. Heloísa sofreu um aborto espontâneo, para alívio de seu pai, que tremia de horror ao imaginar uma família chefiada por Jamir e sua filha.
Cremilda, secretamente ficou satisfeita. Ela chamou Jamir para uma conversa séria, explicou-lhe com paciência o que diziam as escrituras á respeito de fornicação, e lhe disse que Deus o protegera naquele episódio, mas que poderia não protegê-lo depois.
O assunto morreu.
Jamir largou a escola sob o pretexto de cursar um supletivo, o que jamais se concretizou, e se tornou um completo vagabundo. Cremilda não ligava, ela achava que, se desse tempo á Jamir, ele poderia receber o chamado divino e se tornar um pastor. Era o sonho de Cremilda, por isso ela seguia alimentando seus desejos além do básico. Video games de última geração, internet rápida, TV á cabo, tênis de marcas estrangeiras com grandes molas sob os calcanhares... Tudo para que ele visse o quanto era afortunado.
Até, que, numa tarde fatídica, Cremilda acordou por volta de quatro da tarde, estava com fome, saiu andando com dificuldade por dentro de casa e, ao passar pelo quarto de Jamir ouviu um ruído estranho e compassado. Uma respiração ofegante. Pensou em bater na porta, mas ignorou a ideia. Abriu-a.
Lá estava Jamir, nu, exceto pela viseira, pelas meias e os tênis, engajado em atividades fornicatórias com Heloísa. Pior de tudo, uma modalidade que Cremilda abominava desde que lera á respeito na Bíblia.
Cremilda gritou, esperneou, jogou as roupas de Heloísa na moça e ordenou que se vestisse, fez o mesmo com Jamir.
Com sangue nos olhos disse que ele estava expulso de casa. Que se queria ser um vadio e um sodomita que o fosse sob outro teto que não o dela.
Jamir não discutiu. No fim daquele dia ele arrumou as malas e foi embora. Andou quatro quarteirões e foi amparado por seu Francisco, o pai de Heloísa.
Francisco construiu um sobrado onde permitiu que Heloísa e Jamir morassem. Ambos conseguiram emprego, condição imposta por Francisco para lhes dar onde morar, Jamir como boy, Heloísa como manicure.
Jamir e Heloísa viviam como marido e mulher. Francisco respeitava a privacidade do casal, e, pra ser franco, lhe tranquilizava ter a filha por perto, "sob suas vistas", como dizia.
Heloísa gostava daquela vida, não tinha muito do glamour com o qual ela sonhava, mas as regras eram simples, ela trabalhava, dava parte do dinheiro ao pai para ajudá-lo com as despesas e tinha o direito de passar o tempo livre com Jamir, o bad boy á quem ela tanto amava. Ou, pelo menos achava que era amor o que sentia. Gostava de passar tempo com ele, por mais que nem sempre estivesse confortável com o que faziam juntos.
Quanto á Cremilda, ela permaneceu devotada, doou ao templo todos os mimos que comprara em 36 vezes para o pecador que fora seu filho. Ela nunca ficou sabendo que nenhuma obra de caridade jamais chegou sequer perto de ver as coisas, todas foram parar nas mãos de parentes do pastor. Morresse naquele dia, seria com uma única mágoa, não ter criado melhor o filho.
E Jamir... Jamir sentia falta, se não da mãe, da vida fácil que ela representava. Sentia falta do video game, do computador, da TV á cabo... Principalmente quando Heloísa se instalava em frente á TV para acompanhar o Big Brother, pelo qual Jamir nutria velado desprezo, ele não gostava do emprego, e ficava cansado ao final do dia, mas, ao mesmo tempo, ele tinha Heloísa. E, mais do que isso, tinha o que Heloísa representava. E isso o deixava muito satisfeito. Satisfeito o suficiente para aceitar aquela vida.
Jamir era, como já foi dito, um sujeito de horizontes limitados.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Resenha DVD: Tá Rindo do Quê?


OK, á essas alturas vocês já deve saber: De dez comédias engraçadas do cinema, ultimamente, pelo menos nove têm alguma interferência de Judd Apatow.
O Âncora, A Lenda de Ron Burgundy, Superbad, O Virgem de 40 Anos, Ressaca de Amor, Quase Irmãos, Segurando as Pontas, Ligeiramente Grávidos...
Apatow geralmente produz os longas, deixando a direção á cargo de outros, ele, em pessoa, dirigiu apenas três filmes, O Virgem de 40 Anos, Ligeiramente Grávidos e, Tá Rindo do Quê?, esse lançado no Brasil direto em DVD, á despeito da cara de Adam Sandler, que eu, particularmente não acho engraçado, mas chama público, no pôster.
Tá Rindo do Quê, Funny People no original, conta a história de George Simmons, alter ego de Sandler, comediante egresso do Stand-Up (Um dos lances americanos bacanas que não viraram febre por aqui, em compensação, American Idol a gente tem, né? Vão se ferrar lá na casa do Capita, TVs abertas.), George ficou podre de rico com comédias cretinas como Tritão (Em que interpreta um sereio.), e Re-Do (Em que está preso no corpo de um bebê.), solitário ele leva uma vida vazia regada á sexo casual, sem amigos ou família, até descobrir que sofre de um tipo raro de leucemia, e pode não ter muito tempo de vida.
É nessa toada depressiva que conhece Ira Wright (Seth Rogen, pé de coelho do diretor.), jovem comediante tentando a sorte em Los Angeles, e o contrata para escrever algumas piadas e ser seu assistente.
Bem, eu não vou contar mais pra não estragar nenhuma surpresa, mas devo deixar uma coisa clara. Á despeito do que disseram algumas críticas, Tá Rindo do Quê? não é uma "comédia de sorriso", é uma comédia de gargalhada exatamente como as outras de Apatow, se ela tem alguns momentos mais sérios e melodramáticos, isso não tira, em momento algum, a graça das horas em que é pra rir alto.
Adam Sandler interpretando um reflexo de si mesmo está bem, não chega á ser novidade, ele não foi mal em Embriagado de Amor, e Reine Sobre mim, mas é interessante ver Sandler fazendo rir de verdade, sem repetir o papel do caipira infantilóide de coração puro que bate em todo mundo. A última boa comédia que eu havia visto com Sandler era Afinado no Amor, mas Tá Rindo do Quê é bem superior, além desse Adam Sandler á vontade, temos Seth Rogen, engraçado como de costume, Jonah Hill (Outro recorrente da filmografia Apatowniana.) e Jason Schwartzman, roubando as cenas em que aparecem, Leslie Mann (Mais uma figurinha carimbada dos filmes de Apatow.) com bons momentos, e Eric Bana, surpreendentemente engraçado, fazendo um marido instável com um sotaque australiano carregadíssimo.
De qualquer forma, Tá Rindo do Quê, título bem intencionado, tentando manter um pouco da ironia do original, é uma boa comédia, o ritmo ás vezes parece tropeçar, o último terço do filme se estica um pouco além do que devia, mas isso não tira, de forma alguma, os méritos da comédia. Vale a pena ser visto, tanto os fãs de Apatow quanto os de Sandler vão gostar. E, aqueles que, como eu, não são fãs dele, podem ver que, bem dirigido, ele ainda pode ser engraçado.

"O que você está tentando fazer com esse seu número? Quer ter certeza de que não irá transar de novo? É tudo sobre masturbação e peido. Acha que alguma garota irá dizer depois do show "Oh, Ira, masturbe-se pra mim e depois peide na minha cara."?"

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Erro.


Nós, os seres humanos, aprendemos a chorar antes de aprender á falar. O que isso significa? Que nossa capacidade de lamentar é superior á de raciocinar? É uma forma de compreender as coisas, não é? Isso deve servir para ilustrar algumas particularidades de nossa natureza. Não as inexplicáveis, claro, mas as explicáveis, ou, pelo menos, as ponderáveis.
Temos tendência ao pesar, temos tendência ao medo, á reclamação pela reclamação. Demoramos á perceber o poder que possuimos, a nossa força coletiva, e infelizmente, quando descobrimos, é fazendo algo hediondo que preferíamos esconder nos rodapés da História. Mas não fazemos isso, racionalizamos, tentamos aprender com nossos erros, temos essa capacidade, pelo menos na teoria. Porém, aparentemente, nossa habilidade de gerar novos erros supera a de aprender com os antigos.
Aqui estamos, á despeito de guerrar travadas desde tempos imemoriais, lutando guerras em cada canto do globo. Aqui estamos, á despeito da total desregulação do clima, destruindo nosso planeta. Sem nos lembrar de raças extintas, trabalhamos com afinco na extinção de outras. A ânsia de lucro, de conforto, de poder dessa raça medonha que domina esse pobre planeta está destruindo tudo.
Não se faz tanto mal uns aos outros e ao nosso ambiente sem que, em algum momento, isso volte pra nós. Não há nada de divino, espiritual ou místico nisso, é apenas uma constatação baseada em causa e efeito. Ou alguém tem ainda a esperança de que o planeta se recupere sozinho e em tempo recorde do abuso recorrente ao qual o estamos expondo e que isso não terá nenhuma consequência prática e de igual proporção seja no curto, médio ou longo prazo?
Os seres humanos são o câncer, não da Terra, mas da própria raça humana. Avançamos á passos largos em direção ao momento em que não haverá mais volta, e toda a riqueza que alguns acumularam não terá mais valor do que um punhado de cinzas. Ainda assim, essa marcha inexorável em busca de novos horizontes á explorar segue, e só pode encontrar um único final, a extinção, ou dos seres humanos, ou do nosso equivocado modo de vida.
E, tanto em um dos casos, quanto no outro, ouviremos muitas lamúrias.
O ser humano é um erro grave da natureza, e ela notou isso. Ou mudamos, ou enfrentamos as consequências quando ela resolver reparar o erro, aí, não haverá espaço pra choro.
Pense nisso.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Resenha Cinema: Sherlock Holmes.


Sou fã de Robert Downey Jr., sempre achei ele um bom ator, e lamentava o fato de seus problemas pessoais atravancarem sua carreira. Então, fiquei feliz quando ele "ressucitou" pro cinema com Homem-de-Ferro, e achei bacana essa sede de trabalho dele, que do ferroso pra cá emenda um trabalho no outro sem cessar. Como fã de Downey Jr, e de Guy Ritchie, ontem corri pro cinema pra conferir Sherlock Holmes, estrelado pelo primeiro e dirigido pelo segundo (que apesar de ter cometido Destino Insólito em parceria com a Madonna, fez "Snatch", fez "Jogos, Trapaças, e Dois Canos Fumegantes", e fez "Rock'n Rolla".).
É com certa vergonha que admito que jamais li um dos livros de Sir Arthur Conan Doyle, meu conhecimento de Sherlock Holmes se deve á filmes como O Enigma da Pirâmide, e Sherlock Holmes e o caso das meias de seda, nenhum dos dois particularmente memorável, logo, não ficaria escandalizado com nenhuma alteração com relação ao personagem dos livros.
No filme (Baseado em uma série de gibis escritos por Lionel Wigram, que excluiam alguns elementos consagrados das adaptações costumeiras de Holmes em prol de outros, presentes nos livros, mas menos reverenciados, como o pugilismo e a esgrima), Sherlock Holmes (Downey Jr., se divertindo á beça.) e seu fiel colega, o Dr. John Watson (Jude Law, extremamente á vontade.) investigam os crimes de Lorde Henry Blackwood (Mark Strong, que ultimamente tá em todas.), nobre inglês praticante de magia negra e que já matou cinco jovens em rituais de sacrifício. Na sequência inicial Holmes e Watson impedem o sexto assassinato e prendem Blackwood, condenado á forca e executado em seguida.
Porém, o impossível acontece, e Blackwood ressucita, dando sequência á seus planos de domínio global.
A trama é divertida e prende a atenção, mas mais importante do que os crimes investigados por Holmes é a nova roupagem do detetive.
Aqui some aquele personagem magérrimo de testa alta e nariz aquilino, usando aquele chapéu lamentável. Sherlock Holmes é atlético, sabe brigar (As sequências em câmera lenta, mostrando como Holmes planeja suas ações friamente antes de executá-las são geniais.), suas frases e respostas são tão afiadas quanto seu raciocínio lógico, ele é um excêntrico, não se interessa por regras de convívio social e quando não está envolvido na resolução de crimes enigmáticos tende ao auto-exílio, seu elo com o mundo exterior é Watson, que nesta versão, não guarda nenhuma semelhança com o gorducho e sempre surpreso personagem da literatura, é um personagem tão interessante e bacana quanto Holmes, que também sabe usar os punhos, persegue a justiça e tem uma inclinação á aventura comparável á do amigo. Os melhores momentos do filme envolvem os dois.
Há, também, Irene Adler, (Vivida pela "coisa querida" Rachel MacAdams, que também anda em todas.), que faz as vezes de interesse romântico e rival intelectual de Holmes, personagem charmosa e boa de briga, e Mary (Kelly Reilly.), a noiva de Watson, com que o médico se casará em breve, para inconformidade do detetive.
Guy Ritchie explora bem as características de Holmes e Watson, os diálogos dos dois são impagáveis e deixam claro que os dois são amigos inseparáveis, o ritmo do longa é ágil, as sequências de luta são muito boas, a recriação da Londres Vitoriana é ótima, mostrando um lado decadente da capital inglesa, a fotografia escura aumenta a atmosfera de mistério e a música é ótima.
O filme, claro, não é perfeito, Blackwood, o vilão, é algo raso, meio como os vilões de James Bond, querendo dominar o mundo, o final, com tudo muito bem explicadinho, nos mííííííííííínimos detalhes, apesar de seguir o modelo literário e de ser necessário pra que ninguém na audiência saia sem entender direito o que aconteceu, é um pouco xarope, assim como o desespero do roteiro em deixar portas abertas pra uma continuação, mas a verdade é que o ritmo do filme é tão ágil que mal dá tempo de reparar nesses detalhes.
Enfim, Sherlock Homes é um filme divertido, entretenimento escapista e aventuresco do bom, e, com mil demônios, por que deveria almejar mais do que isso? Que venha Sherlock 2, e o professor Moriarty.

"O quê você fez, Watson?"

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Aos Colorados.



Vai começar. Você tranca a respiração e ouve só silêncio. De olhos fechados você revê os grandes momentos, as glórias de dias passados, alguns distantes, outros recentes, mas você estava lá, mesmo que não estivesse no estádio, mesmo que não estivesse acompanhando pela televisão, mesmo que estivesse com a cabeça sob o travesseiro, nervoso demais pra olhar, você estava lá.
Torcendo, acompanhando, roendo as unhas e os dedos, apertando os olhos.
Você estava lá.
Você saltou e defendeu de mão trocada com Clemer. Você correu e cruzou junto com Ceará e com Jorge Wagner. Você afastou o perigo da área com Bolívar e Fabiano Eller. Você trombou com o adversários ao lado de Edinho e Fabinho, armou e lançou com Alex e Tinga. Você chutou com Rafael Sóbis e cabeceou com Fernandão, saiu do banco para entrar na História junto com Rentería e, que Deus nos perdoe, com Michel e Gabirú, e regeu o time junto com Abel Braga.
Cada um de vocês, como uma tribo de índios usando suas peles vermelhas entoou cânticos de guerra, fosse á plenos pulmões ecoando no Gigante lotado, fosse em silêncio dentro de casa, juntou as mãos orando de forma contrita, sabendo que merecia aquela glória e que ela estava ali pra ser colhida, bastava chegar, bastava tentar com força, com vontade, com coração.
E, foi assim, não inventando mitos de David contra Golias, mas enfrentando de igual pra igual o adversário, fosse qual fosse, que provamos nosso valor e erguemos a América, e quatro meses depois erguemos o Mundo.
Nós sabemos como é, todos temos idade pra lembrar. Nós defendemos, marcamos, corremos, e lutamos ao lado de nossos heróis quatro anos atrás. Nós estivemos lá, ao lado de todos e cada um deles, e toda a vez que um adversário encarava aquele time estava, de fato, diante de uma nação de milhões.
Quatro anos se passaram, as coisas mudaram, algumas pra pior, é verdade. Mas uma coisa não mudou, a mais importante:
Nós ainda somos uma nação de milhões, ainda temos peles vermelhas, nós ainda sabemos entoar cânticos de guerra, e sabemos entrar em campo com nosso time.
Quatro anos atrás, nós entramos em campo através de nosso grito, fosse da arquibancada, fosse de casa, fosse de sob o travesseiro. Quatro anos atrás, nós choramos, gritamos e comemoramos com o Internacional de 2006. Agora vamos chorar, gritar e comemorar com o Inter de 2010.
Vai começar.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

2010, o ano em que não conseguimos parar de fazer contato.


E aqui estamos nós, 2010, esperando que alguém faça o contato prometido no filme. Ou, quem sabe, querendo evitar um pouco de contato. Temos contato demais ás vezes. O contato pode ser tenebroso em certas ocasiões, não é? Você sabe, já esteve nessa situação. Alguém insuportável que te conhece vagamente ancora ao teu lado como um transatlântico de incoveniência, se põe á falar sobre seus problemas com riqueza de detalhes enquanto você age no modo reativo-bovino, balançando a cabeça e fazendo "Mmmmmmmmm..." como se ligasse a mínima pra o que ouve.
Outra situação de contato não requerido é quando tu entra em uma loja, olhando de maneira isuspeita pros produtos expostos e aquele vendedor murrinha, aquele com cara de irmão mais novo de namorada aparece do nada com uma cara entre o solícito e o jocoso dizendo com voz musical "Oi, tudo bem? Posso te dar uma ajuda?", a resposta sai no automático "Não, não, tô só dando uma olhada.", "Fique á vontade, se precisar de mim, meu nome é Gervásio.". O diálogo termina com aquela falsa sensação de liberdade, tu volta á olhar os produtos, menos furtivo, afinal, já deixou claro que está só olhando. Aí, de maneira incauta, tu pega uma camiseta pra olhar o tamanho, e aquela voz surge detrás de ti:
"Se quiser algum tamanho é só avisar. Eu tenho outras cores, também.".
Pronto. Pra mim, a experiência acaba aí. "Muito obrigado." que é pra não passar por mal educado, e adeus, mala.
Mas esse é um jogo pra dois. Tem cliente chato pra cacete, também. O vendedor lá, sentado, tranquilo. O camarada entra, avisando que só queria dar uma olhada, beleza, fique á vontade. Mas o cara não quer só dar uma olhada. O xarope diz isso pra se eximir de ter que comprar alguma coisa. Mas ele quer mais que olhar. Ele quer olhar, quer pegar, quer saber...
"Posso dar uma olhadinha nesse?"
"Claro."
"Bacana... Pra que serve?"
Putz. Tu explica, afinal, melhor perder tempo ensinando um idiota do que deixar ele morrer na ingnorância, mas a tua explicação não é suficiente, e o cara que queria só dar um olhada, já pegou o item, ouviu a explicação teórica de pra que ele serve, e viu uma complexa demonstração prática de como funciona. Assim que a tal demonstração termina, ele repete o processo com outra coisa, sem absolutamente nada á ver com a primeira.
É... Contato não requerido.
No trabalho, aquele colega que adora falar, e te conta coisas da vida de outros colegas que adoram falar e fizeram a besteira de falar com ele. E tu, que não tinha o mais remoto interesse no implante de cabelo do Henrique, nem no tratamento dentário da Vera, nem em pra quem o Junqueira, a bicha do departamento pessoal, andou arrastando a asa, se vê subitamente exposto á vida de todos, de um modo ou de outro, por que as pessoas adoram se expôr. Adoram contato.
Deve ser um reflexo desse tempo louco em que vivemos nos últimos dez anos, cada vez temos menos contato de fato com outras pessoas, tudo se resolve via internet, via SMS, via telefone, tudo em um mundo virtual que não respeita o espaço individual (Aí está o telemarketing, invadindo sua casa pelo telefone para vender coisas que você não quer, que não me deixa mentir.), aí estão os sites de relacionamento, onde as pessoas fuçam umas na vida das outras sem dó, os sites de compartilhamento de videos, onde a intimidade de todo mundo vira domínio público, até os medonhos reality shows onde pessoas comuns agem como pessoas comuns servem pra isso, pra tirar o espaço privado do indivíduo e, por que não, criar uma falsa sensação de intimidade via televisão.
As pessoas carecem de contato. E vivemos em um tempo de solidão, não temos tempo pra manter contato com quem amamos, ás vezes nem temos tempo de amar, então, algumas pessoas mandam o senso do ridículo lá pra casa do Capita e se apegam ao contato com qualquer pessoa. Ou até com bichos, quem não conhece aquela clássica velhinha apaixonada pelo seu cachorro ou pelo seu gato? É um paradoxo interessante, vivemos em uma época tão solitária, individualista, que as pessoas nos forçam ao contato sem respeitar nosso espaço.
E aqui estamos, sendo atacados por pessoas que nem conhecemos com um inerminável arsenal de coisas que não queremos saber, enquanto, as pessoas que queremos por perto estão longe de nós.

"Quem me dera ao menos uma vez..."

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Época mágica


Pois é, segunda-feira, a primeira do ano.
O dia primeiro de Janeiro desse nosso 2010, ainda com cheirinho de novo, caiu, apropriadamente, em uma sexta, os dias 2 e 3, obviamente, acabaram em um sábado e um domingo, respectivamente. Então, pra fins práticos, o ano começou hoje, dia 4, primeiro dia útil do ano.
O primeiro dia útil do ano é um período ideal para essa época mágica em que as pessoas dão início aos seus projetos pro ano novo. As tais resoluções de fim de ano hoje farão muita gente agir diferente do que fez ao longo de 2009, pelo menos aqueles que já não tentaram na sexta, no sábado e no domingo e desistiram.
Resoluções de fim de ano incluem parar de fumar. Parar de beber. Voltar a estudar. Ir mais ao teatro. Fazer dieta. Se exercitar mais ao ar livre...
Todas essas coisas que, se não nos tornarão pessoas melhores, ao menos mais saudáveis, ou mais cultas, o problema é que geralmente essas resoluções não duram mais do que a ressaca da festa de fim de ano.
É como a história do Pereira.
Pereira era um cara legal. Baixinho, barrigudinho, inteligente, bom de papo. Tinha trinta e tantos, quase quarenta. Casado com Filomena havia quatorze anos, tinha um filho de onze, o Pereirinha, tinha um emprego estável em um órgão estatal desses que não funcionam direito mas pagam em dia, estava se não com a vida ganha, com a vida tranquila.
O Pereira era gente boa, querido pelos amigos, não deixava faltar nada à esposa nem ao júnior, ia ao mercado, levava o lixo na rua, raramente esquecia datas especiais, ensinava equações de segundo grau pro guri, mas, claro, Pereira era humano. E isso não é um elogio.
O Pereira fumava feito uma chaminé. Acendia um cigarro no outro. Acordava de madrugada pra ir ao banheiro, e, no caminho da cama até a privada, acendia um cigarro, dava duas ou três tragadas, e só depois voltava a dormir.
O Pereira também estava engordando bastante. Jogava futebol uma vez por semana, exercício insuficiente pra sua vida sedentária. Ia de carro pro serviço, trabalhava sentado oito horas diárias, almoçava e jantava em porções generosas, passava no mercado no caminho do trabalho pra casa... Isso tudo estava sendo prejudicial pra silhueta do Pereira, e, se ele não ligava pra isso, chegava numa idade em que começava á temer pela própria saúde. Nem lembrava a última vez em que fora ao médico, mas sabia, com certeza, que se fosse á um não ouviria notícias animadoras.
Mas, acima de todos esses, o traço mais desprezível da personalidade de Pereira, pelo menos na opinião do próprio, era o fato de ele trair Filomena.
A Filó. Sua santa esposa.
Pereira não era desses sujeitos endinheirados que têm amante fixa, tipo um "coroné" nordestino com teúda e manteúda, nem era frequentador de casas e tolerância iluminadas por abajures lilases, não. O modus operandi do Pereira era diferente...
No sábado, depois do futebolzinho com os amigos, esticava até algum boteco com o pessoal, lá, entre chopinhos e iscas de filé, ou tábuas de frios, ou sanduíches abertos, ás vezes apareciam mulheres, digamos, dadas. Conhecidas de amigas de alguém da mesa, e, eventualmente, alguma coisa acontecia.
A primeira vez fora quase sem querer, O Pereira estava conversando com a moça, sendo educado, talvez flertando um pouco, mas só pelo esporte, sem nenhuma segunda intenção prática, quando, sem aviso prévio, a mulher enfiou-lhe a língua garganta abaixo. Uma coisa levou a outra, e o Pereira acabou em um motel com a estranha amigável. Cheio de culpa depois de conhecê-la no sentido bíblico disse a ela que fora um erro, que se deixara levar pelo momento, mas que era casado, que amava a esposa que tinha um filho. A resposta da jovem o desconcertou.
Ela disse que também era casada, e que aquilo fora apenas por diversão, e que Pereira não se preocupasse. Racharam a conta do motel sob protestos do Pereira, e cada um seguiu seu caminho. Na semana seguinte se cumprimentaram com cortesia no bar como ex-colegas de trabalho ou de faculdade.
Pereira , a despeito do assombro inicial, gostou daquilo, e transformou a novidade em hábito. Não deixou, jamais, de amar Filomena, na verdade, racionalizava que era bom para o casamento e a família que eles tivessem um tempo para si próprios, fazendo um loucurinha aqui e ali.
Claro, ele convenientemente não quis incomodar Filó partilhando essa teoria, de modo que jamais descobriu se ela estava de acordo com a nova prática.
Entretanto, o final do ano chegou, e Pereira, tomado por aquele espírito dos feriados de Natal e Ano novo, fez algumas caridades mundanas e tomou suas resoluções de fim de ano.
Ele se decidira a, após o reveillon, parar com o cigarro, caminhar um hora todo dia de manhã bem cedo, e parar de trair a esposa, Filó.
Munido de chicletes, adesivos de nicotina e de tênis de corrida da Adidas, acordou com o lilili do despertador ás seis da manhã, e deu início a seu ano com uma longa caminhada na orla do Guaíba, seus pulmões arderam um pouco, seus pés e pernas idem, mas ele gostou. Ao contrário do que imaginara a orla estava bastante fresca naquela manhã de verão, e algumas pessoas caminhavam e corriam em número suficiente pra que Pereira não tivesse nem medo do deserto, nem o incômodo da multidão.
Passou por pessoas de todas as idades e gêneros que vez ou outra o cumprimentavam como se estivessem o aceitando em uma irmandade.
Feliz da vida chegou em casa, tomou café e banho e foi trabalhar.
Repetiu o ritual durante a semana inteira, sem desanimar com as dores musculares, fez até uma amizade, Letícia, pouco mais nova que Pereira, o viu mancando de dor no quarto dia, e passou a lhe dar dicas de alongamento, na segunda semana caminhavam juntos em ritmo acelerado, conversando.
Letícia era casada, tinha dois filhos, não trabalhava fora, e aproveitava as manhãs para caminhar tentando manter a forma, como Pereira estava tentando largar o cigarro, mas se tinha mais sucesso no exercício seguia perdendo a briga pro vício. O marido dela, Sérgio, era gerente regional da Microsoft, e viajava muito.
Os filhos tinham 6 e 8 anos e estavam com os avós em Atlântida, ela só iria pra lá no final do mês, quando Sérgio chegasse de São Paulo.
Pereira gostou dela, era uma pessoa centrada. Podia ser amiga de Filó. Convidaria ela e o marido para um jantar, ou almoço um dia desses.
Enquanto lutava contra os cigarros, com eventuais recaídas, especialmente após o almoço, quando tomava um cafezinho, Pereira já perdera peso, e, mais importante, parou de esticar no bar depois do futebol, onde o fôlego renovado melhorara seu desempenho.
Depois do esporte, voltava como um cordeirinho pra casa, via a Sessão Super-Estréia do Telecine com Filó e Júnior, e se recolhia cedo para jogar futebol no parque Marinha na manhã de domingo. Estava satisfeito com o novo modelo de vida que levava e ao qual se adaptou ao longo dos primeiros meses do ano.
Até que, numa manhã de segunda, não encontrou Letícia. Imaginou que o marido houvesse voltado de São Paulo, ou que ela tivesse ido à praia com os filhos e os sogros.
Na terça e na quarta ela não apareceu de novo, nem na quinta. Pereira pensou em ligar para saber o que houvera, mas não tinha o telefone dela nem sabia se seria de bom tom telefonar pra parceira eventual de caminhada.
Na sexta, porém, ela estava lá, alongando no ponto próximo à Usina do Gasômetro, onde se encontravam sempre. A cumprimentou com um sorriso, ela respondeu um pouco seca, ele puxou assunto, ela foi monossilábica, deixando-o desconfortável, até que, sem aviso, Letícia se pôs a chorar copiosamente. Pereira pousou a mão sobre o ombro macio dela, perguntando o que acontecera. Ela respondeu entre soluços que a vida dela era vazia, que não se sentia importante, que queria fazer coisas mais importantes do que apenas ser dona de casa, que o marido não a valorizava, estava sempre viajando, que devia ter um caso, que os filhos eram muito jovens para apreciar o trabalho que ela tinha com a casa e tudo mais, e ninguém a apoiava.
Pereira, um pouco desconcertado, a consolou, disse que ela era jovem, inteligente, bonita, que assim que os guris estivessem maiores ela podia fazer o que quisesse, que seu marido era um idiota se não a valorizava, logo ela, bonita, inteligente, ativa...
A abraçou, colocando a mão na cabeça dela, de encontro ao seu ombro. Ela parou de chorar, ergueu os olhos e o beijou. Quando Pereira deu por si, estava em um motel, atrasado pro trabalho.
Correu em casa, lavou-se, pulou o café, e foi trabalhar.
Na manhã seguinte, sem saber bem como agir, foi caminhar como sempre. Encontrou Letícia, ela lhe disse que entenderia se ele não quisesse mais vê-la, mas que gostara demais do que acontecera na manhã anterior.
Disse isso olhando Pereira nos olhos, com a mão pousada em sua coxa. Uma vez mais, ele mandou sua resolução de fim de ano lá pra casa do Capita e eles acabaram no motel.
Pereira continuou saindo todo dia de manhã usando calção, tênis e regata, mas, ao invés de caminhar, ia para o motel com Letícia. No carro dela.
Após uma semana de encontros tórridos, deitado na cama ao lado de Letícia ficou olhando enquanto ela catava da bolsa um maço de cigarros e acendia um, tragando longamente. Ela o espiou de esguelha e estendeu a mão perguntando:
-Quer um pega?
Ele chegou a se recostar para alcançar o filtro do cigarro com os lábios, mas parou um segundo, e endireitou-se na cama agradecendo com um não.
"Uma em três é melhor que nada", pensou.

Bueno, eu não vou fazer como o Pereira, tenho só duas resoluções de fim de ano, perder peso, qualquer peso, e voltar a jogar futebol. Sábado joguei, as dores musculares inacreditáveis estão aí pra provar. Agora só falta perder peso.

"...And a happy new year!"