Pesquisar este blog

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Resenha Game: Star Wars - The Force Unleashed II


E eu me lembro... Me lembro como se fosse ontem, da sensação de Jogar Star Wars - The Force Unleashed, até por quê eu tenho boa memória e joguei anteontem. Era uma ótima sensação. Finalmente poder usar os poderes da Força, brandir um sabre de luz, enfrentar stormtroopers e AT-STs, e finalmente ver um personagem da série Star Wars fazer o caminho inverso ao de Anakin Skywalker... Era a trama central do game de 2008, um aprendiz secreto de Darth Vader era enviado em missões de caça aos últimos Jedi que ainda viviam após o expurgo da Ordem 66, mas, em determinado ponto do Game, o aprendiz secreto em questão, de codinome Starkiller, acabava se vendo obrigado a mudar de lado, e, sob o treinamento de um jedi, o mestre Rahm Kota, via seu poder aumentar enquanto abandonava o lado negro da força.
Era sensacional, apoteótico, o personagem era extremamente poderoso, o jogo, na maior parte do tempo se resumia a esmagar os botões e exterminar as hordas imperiais, mas a história... A história era tão bem elaborada, com tanto carinho pelo cânone de Star Wars, e preenchia com tanta elegância uma lacuna da história que todos conhecem, que era impossível para os fãs da saga não gostarem do jogo. Eu nem sei quantas vezes terminei o modo history, não sei quantos upgrades fiz nos poderes jedi, não sei com quantos sabres de luz de cores diferentes eliminei meus inimigos, ou quanto vasculhei cada cenário em busca dos holocrons escondidos em cada um.
Em suma, pra mim, Star Wars, The Force Unleashed, tinha apenas um defeito: Ser muito curto. Eram apenas dez fases, que passavam voando, e mais três ou quatro fases extras que podiam ser adquiridas na PSN, ainda assim, muito pouco para quem, como eu, se divertia a valer percorrendo o caminho de Starkiller em busca de redenção.
Não preciso dizer, então, que, desde que anunciaram a sequência do game no ano passado, eu estava praticamente babando para colocar as minhas mãos em um sabre de luz novamente, e passar o terror em Palpatine, Vader e companhia limitada. Acompanhei os anúncios do game, assisti aos vídeos disponibilizados na internet, e mal podia me conter conforme se aproximava o dia 26 de outubro.
Foi faceiro como guri de kichute novo que eu fui, na quarta-feira, buscar o meu exemplar exemplar de The Force Unleashed II em uma loja no shopping perto da minha casa, e, após terminar o game em tempo recorde, preciso dizer:
Que decepção.
Tudo o que o game anterior tinha de positivo foi por água abaixo nessa sequência caça-níqueis que tem muito barulho, cor e movimento mas que não tem história, e sim uma desculpa.
Estamos novamente cara a cara com Vader e Starkiller no molhado planeta Kamino, lar dos melhores clonadores da galáxia. Vader conta ao herói que ele é um clone. Um projeto mal acabado, desenvolvido para acabar com os inimigos do Imperador e a Aliança Rebelde que surgiu na esteira das ações do Starkiller original.
Ele é apenas uma cópia, e assombrado por visões de um passado que não é seu (Ou é?) não tem utilidade alguma. Mas o clone (Ou será o verdadeiro Starkiller?) consegue escapar, rumo a Kato Neimodia onde... Bom, onde o jogo vai se tornando mais e mais sem sentido. Nenhuma resposta é dada, jamais sabemos se aquele Starkiller é o original ou uma cópia, ao invés de lutar por redenção como no primeiro game, Starkiller (Ou sua cópia, não sei...) é um love junkie, que só quer saber de encontrar Juno Eclipse, interesse romântico do personagem no primeiro game. Tirando algumas boas interações do personagem principal com o mestre Kota, muito pouco se aproveita do enredo, que começa e termina no mesmíssimo lugar, e ainda dá umas bordoadas na cronologia canônica de Star Wars. Em termos de jogabilidade, segue sendo um esmaga-botões dos infernos, a diferença é que, agora, não existe desafio. No game anterior, Starkiller ia evoluindo durante o jogo, era importante pegar todos os holocrons e realizar as missões bônus de modo a chegar à última fase com poder o bastante para enfrentar Vader e Palpatine ser levar uma coça das brabas, nesse jogo isso não existe, desde a primeira fase o personagem tem poder o bastante pra catar um Tie Fighter no ar e esmigalhá-lo como se fosse feito de papel, então, é basicamente destruir tudo.
De positivo há os gráficos, que já eram ótimos no game de dois anos atrás mas agora estão sublimes, chega a ser irritante (no bom sentido.) a quantidade de cores, texturas e efeitos na tela. A possibilidade de lutar empunhando dois sabres deixou as sequências de combate mais coloridas e bonitas, mas eu senti uma falta danada dos combos "Light Saber Flurry" que era um combo acrobático plasticamente lindo, e fácil de executar, além, claro, de toda a parte técnica, como o som, a resposta dos comandos e a boa equipe de dublagem encabeçada por Sam Whitwer.
Ah, esse jogo também é curto, tem apenas quatro cenários em cinco fases, uma das quais a gente não luta nem um único e miserável combate, mas, nesse caso, nós nem sequer ficamos tão ressentidos, exceto pela grana torrada em um game que se mata em oito horas...

Boca Fechada


O Alício, ficou frente a frente com o Gilmar, do estoque, e várias pessoas em volta começaram a gritar palavras de ordem do tipo "quebra ele!", "pega!", "Porrada!" e outras da mesma estirpe.
O Alício, que trabalhava no setor fiscal se desentendeu com o Gilmar num jogo de futebol no campeonato da empresa durante o final de semana, dividiram uma bola, foi uma chegada dura dos dois, que na hora de jogar futebol todo o homem se transforma naquele proverbial atleta que é expulso aos oito minutos do segundo tempo após quase arrancar a perna do adversário com um voadora reversa demolidora, e, na entrevista diz que é um pai de família, que nunca foi um jogador violento, e que dentro do campo toda bola é um prato de comida e bibibi... Enfim, o Alício e o Gilmar, no campeonato da firma, numa dessas quadras de grama sintética lá perto do aeroporto, entraram na tal da dividida, e o Gilmar, que era um sujeito grande, bem grande, sólido, forte, com aquela testa projetada dos homens de Neandertal e cabelo de cantor de heavy metal dos anos noventa, levou a pior. Ficou no chão uns dez minutos, gemendo, teve que ser amparado e levado pra fora do campo pra se recuperar, logo ele, que era o pilar defensivo do time dos estoquistas, e acabou que, naquele tempo em que o Gilmar estava se recuperando fora de campo, o Alício marcou o gol da vitória do Fiscal sobre o Estoque, garantindo vaga na final, que acabou perdida pros office-boys, mas isso não vem ao caso.
A questão é que, depois do jogo Fiscal 2 x 1 Estoque, os colegas do Alício o saudaram muito, não só pelo gol marcado, mas também por ter nocauteado o Gilmar. Não que tivesse sido uma dividida do tipo Davi x Golias, o Alício, pra pequeno também não servia, tinha lá seu metro e oitenta e cinco, pesava seus oitenta quilos, então, não era nenhum raquítico, mas o Gilmar... Pô, o Gilmar era uma parede. Enfim, o Alício foi festejado, os outros funcionários do Fiscal lhe davam tapinhas nas costas e perguntavam se ele tinha comido o espinafre dele hoje, se ele tinha Kryptonita no bolso, e, como ser humano que é, o Alício acabou se empolgando com os festejos à sua pessoa, e soltou até uma frase de efeito sobre o lance, disse "Um braço vigoroso não é mais aguerrido contra a lança do que um braço frágil; são o caráter e a coragem que fazem o guerreiro." ou alguma outra referência, o Alício adorava referências e citações. A questão é que a tal da frase alcançou os ouvidos do Gilmar, que ficou ainda mais descontente do que já estava com as chacotas de seus colegas que o rotularam como "O cara que levou uma 'feupa' do Alício do Fiscal".
Acabou que o Gilmar, com o orgulho ferido, resolveu que a melhor forma de recuperar sua honra perdida era dar uma sonora surra no Alício, de preferência em algum lugar onde todos os funcionários pudessem ver. E lá estavam, na segunda feira, no estacionamento da empresa, o Gilmar e o Alício. O Gilmar com o macacão azul do estoque, o Alício com uma camiseta do Demolidor, jeans e óculos, sendo instigados pela pequena turba ao redor.
O Gilmar andou até o Alício e estapeou a lata de Fanta que ele tinha na mão, derrubando-a.
-Tu não é muito macho jogando bola, trouxa? Quero ver a macheza, agora.
O Alício, entre o incrédulo e o assustado, via aquele sujeito gigante parado em frente dele com cara de quem iria moê-lo inteiro com as mãos, não sabia o que fazer. Não brigava desde os dezenove anos, quando trocara empurrões com um sujeito dentro de uma danceteria. O que faria? Claro, se Gilmar batesse nele e ele ficasse acordado, teria que revidar, mas como? Não era nenhum mestre de artes marcias, nem assistia MMA pra ter uma noção de golpes de imobilização ou algo do tipo, teria que partir para os sopapos com Gilmar, mas... Como? Além de Gilmar ser muito maior e provavelmente mais forte, Alício não se imaginava desferindo um soco no rosto de ninguém, nem do brutamontes que se agigantava diante dele. Pro Alício, até tapa na cara era um abuso, deixava ele aflito até quando via em novela, imagina um soco, de mão fechada, na cara de alguém? Credo. Tentaria argumentar, afinal, eram dois adultos:
-Olha, Gilson-
-Gilson o cacete, bichona, é Gilmar!
É, não foi a melhor das tentativas.
-Olha, Gilmar, o que aconteceu na quadra foi um lance normal de jogo, cara, eu me desculpei na hora e tudo, é só um jogo.
-O lance do jogo é do jogo, sim. O que não é é tu ficar metendo banca e posando de bacana depois, babaca.
-Tá, olha Gils, Gilmar, Gilmar, eu, talvez tenha me excedido um pouco na comemoração, mas é por que partida foi difícil, vocês tavam jogando um bolão, e, pôxa, tu é uma fortaleza, tchê, é um sujeito parrudo, fortão, não vou mentir, eu, que sou um sujeito mediano, me orgulhei, sim, de ter entrado naquela dividida contigo, eu sei, que tu provavelmente não estava entrando como eu estava, que se tu tivesse entrado á morrer naquela bola eu provavelmente teria levado a pior, mas a questão é que, pô, ganhar a dividida de um sujeito com a tua compleição física é motivo de orgulho pra mim. De qualquer forma, ó, me desculpa se eu te ofendi, não era minha intenção, beleza? Eu sei que tu é uma pessoa sensata, e que eu dei motivo pra te deixar fulo, e peço desculpas por isso também. Tu pode me desculpar?
o Alício encerrou a frase estendendo a mão direita em direção ao Gilmar. Ninguém mais gritava palavras de ordem, nem nada, apenas olhavam em silêncio. O Gilmar olhou em volta, parecia estar assimilando, ainda, todo o discurso de Alício.
Olhou, indeciso para seu desafeto, suspirou, e estendeu a mão, cumprimentando-o.
Alívio geral de alguns, desapontamento de outros tantos. Gilmar ainda foi até a máquina de refrigerante e comprou outra Fanta pro Alício, que agradeceu muito. Quando saiu da empresa ainda deu um efusivo "Até amanhã, colega." pro brutamontes, e foi-se embora feliz da vida.
No outro dia, na contabilidade, só se falava do desdobre que Alício dera em Gilmar, que já sobrepujara Gilmar fisicamente jogando bola, agora fizera-o novamente, mas intelectualmente, vencera-o de maneira tão absoluta que até obrigara o cavalão a comprar-lhe um refrigerante. Quando lhe perguntaram como tinha sido aquilo, o Alício ainda pensou em dizer algo como "Força, sem inteligência, é como movimento sem direção", mas lembrou que, em boca fechada não entra mosca, e achou melhor ficar na sua, vai que o Gilson ouvisse.
Gilson, não, Gilmar, Gilmar...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Gerações.


Foi depois do futebol, no vestiário. Um dos colegas de time mais velho, já virando a casa dos cinquenta e poucos pros cinquenta e tantos, viu a cueca do colega mais novo e perguntou:
-Que que é isso? Cueca do Super-Homem?
Á despeito de saber que a Warner/DC agora demanda a não tradução do nome do personagem em prol do favorecimento da marca, ele não respondeu "Super-Homem, não, Superman.", sorrindo ele disse:
-Pois é. Maneira, né?
-E que camiseta tu vai vestir agora?- Quis saber o mais velho.
-Essa.- Disse o mais novo abrindo a camiseta preta estampada com a efígie do Stallone Cobra e os dizeres "Se o Crime é a Doença, eu sou a Cura".
O mais velho riu como quem não acha muita graça e falou com outro, mais ou menos da mesma idade que estava entrando:
-Essa geração nova é assim. Não quer crescer. Tã com quase trinta anos e ainda usam cuequinha de super-herói, camiseta de filmezinho...
-Tênis também, respondeu o mais novo, mostrando seus tênis Adidas Star Wars com Darth Vader estampado na lingueta.
-Olha só... Acende luzinha quando tu anda? -Perguntou, irônico, o mais velho.
-Não, mas ia ser fera se acendesse, né? -Respondeu o outro.
-Tô falando- recomeçou o coroa, discursando. - Essa geração é assim. Tem medo de crescer. É video game, é revistinha, é desenhinho, roupinha de super-herói. Não querem assumir responsabilidade, não saem da frente do computador, têm medo de viver...
O mais jovem pensou em dizer que trabalhava desde os quatorze anos, tendo feito, inclusive, trabalho braçal em obras de construção civil, que pagou pelos próprios estudos a partir do segundo grau e que agora também pagava a faculdade do próprio bolso, que se comprava video games, computadores, DVDs de filmes e temporadas inteiras de séries, gibis, brinquedos, roupas e sapatos relacionadas a tudo isso, eventualmente por preços que podiam parecer exorbitantes, era com dinheiro ganho com o fruto de seu trabalho, e que conciliava perfeitamente sua vida profissional, acadêmica e social achando tempo, até, pra uns quebra-canelas semanais com um bando de velhos rabugentos que aliás, não só não eram capazes de instalar um programa, de dizer quem era Venom, ou dizer quem é o pai do Kratos, como também não aguentavam o tranco dentro de quadra.
Ele pensou em dizer isso, mas achou melhor deixar por essas. Vestiu sua camiseta e sua calça, calçou os tênis e se despediu com um "Até semana que vem." que soou como um "Semana que vem vai ter".

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O apartamento na André da Rocha



A Julia estava meio deslumbrada naqueles dias. Tão deslumbrada que sua beleza natural ganhara um aspecto ainda melhor. Seus cabelos louros, seus lábios rosados e seus olhos castanhos carregavam um brilho que fazia os homens virarem a cabeça para vê-la melhor quando ela passava com seu corpo longilíneo pela rua.
Finalmente as coisas iam bem.
A faculdade, o trabalho, e, até que enfim, um relacionamento com o homem dos seus sonhos, um sujeito que era tudo o que ela queria da vida, que era o extremo oposto de todos os namorados que ela já tivera:
O Vanderlei.
Vanderlei era mais velho que a Julia. A mãe dela diria que ele era bem mais velho, mas ela não achava tanto assim, e ainda que fosse muito, Julia achava o máximo ele ser mais velho, achava o máximo ele ganhar mais dinheiro que ela, achava o máximo o seu apartamento de solteiro bem decorado e repleto de janelas na André da Rocha... Tudo relativo ao Vanderlei era o máximo.
Conhecera o Vanderlei em um bar, saindo da faculdade em uma sexta-feira.
Bar, não, pub.
O Vanderlei sempre a corrigia, ela achava genial quando ele a corrigia colocando a mão dele sobre a sua em uma atitude quase paternal.
O fato de o Vanderlei não ter vergonha de agir como se fosse mais velho também era genial pra Julia. Ela gostava demais do modo como ele tomava as rédeas da relação em tudo. Logo ela, que durante toda a vida afetiva se vira no papel de equilibrista, tendo que coordenar seus namoros com sujeitos da sua idade, agora ser paparicada, praticamente gerenciada por um homem seguro e mais velho tinha um sabor muito especial. Era uma delícia poder agir como uma menininha mimada de quando em quando, afinal de contas Julia não tivera muito daquele privilégio enquanto crescia, seu pai e sua mãe se separaram quando ela era muito pequena, e pouco tempo depois, ele morreu. Sua mãe, consumida por algum sentimento de culpa, nunca mais se relacionou com outro homem. Julia fora uma criança e adolescente sem presença paterna alguma, e, talvez, o namoro com Vanderlei, de certo modo, preenchesse uma lacuna em sua formação.
Julia estava feliz, muito feliz. Via-se em uma relação confortável e estável, e, embora soubesse que aquele namoro não se tornaria um casamento, podia aproveitar enquanto durasse o encanto.
Não era, claro, um namoro perfeito.
Vanderlei era um profissional liberal, nunca foi muito claro sobre o que fazia, aparentemente tinha a ver com representação comercial para uma grande empresa farmacêutica.
Por conta de seu trabalho, Vanderlei viajava, em média, três ou quatro dias por semana, de modo que, os dias que tinha para ver Julia eram na terça, ou quinta-feira, além dos finais de semana. Durante a semana, eles se encontravam na casa dele, o apartamento com decoração descolada na André da Rocha, nos finais de semana variavam, viajavam para a serra, ou litoral, ou apenas saíam, comiam em um lugar, passeavam em outro, dormiam em motéis, era sempre diferente e divertido.
Julia adorava.
Adorava a liberdade e a imprevisibilidade da relação, os finais de semana com Vanderlei nunca eram iguais.
Foi por sentir que Vanderlei se esforçava tanto para fazer coisas diferentes por ela que Julia sentiu-se na obrigação de fazer algo de diferente por ele, também.
Bolou um estratagema para fazer-lhe uma deliciosa surpresa. Na segunda-feira, dia em que Vanderlei estaria fora da cidade, Julia iria para o apartamento dele, prepararia um jantar espetacular, encheria o apartamento de velas aromáticas, colocaria uma música relaxante, e se vestiria de maneira levemente oferecida e disporia-se a fazer algumas alegorias de alcova diferenciadas naquela noite, tudo como prova de seu apreço pelo homem dos seus sonhos, que iria se fartar quando chegasse na terça.
O primeiro passo para colocar seu plano em prática foi dado ainda na noite de domingo, quando Julia sorrateiramente surrupiou a chave do apartamento de Vanderlei e, com a desculpa de que precisava de absorventes (homem algum jamais questiona esse tipo de necessidade, mulheres, podem usar sempre.), saiu e foi até o chaveiro da esquina onde fez uma cópia. Voltou para os braços de Vanderlei satisfeita com a própria engenhosidade e antevendo o que faria depois.
Cedíssimo, na manhã de segunda, despediu-se de Vanderlei perguntando se ele iria viajar, o que ele confirmou. Perguntou quando voltava, e ele disse que, provavelmente na terça à tardinha.
Julia quase riu de alegria, tudo correria conforme ela planejara.
Assim que ele virou as costas, Julia saiu às compras. Velas coloridas, um CD da Sade, espaguete, peito de frango queijo de búfalo e requeijão, ingredientes indispensáveis ao seu especialíssimo frango descabelado, um vinho chileno não muito pretensioso e um conjunto de lingerie e um baby-doll que faria sua avó ficar de cabelos em pé. Trabalhou, foi à aula, tudo muito normal, tudo como sempre fazia, mas, à noite, ao invés de voltar ao apartamento que dividia com duas primas, dirigiu-se ao lar de Vanderlei.
Chegou quase às dez da noite, não tinha problema, pensou, podia fazer alguns preparativos entre as dez e a meia-noite, e depois iria para a cama, no dia seguinte terminaria os preparativos.
Ao entrar no apartamento algo chamou-lhe a atenção:
Música.
Música vinha do quarto.
Mas como? Se Vanderlei estava viajando?
A menos que o safado houvesse mentido e estivesse... Com uma amante! Claro! Era dolorosamente óbvio.
Sujeitos adultos, altos, educados, seguros e asseados como Vanderlei precisavam ter algum defeito, e, como seu cartel de qualidades era demasiado amplo, seu defeito tinha que ser proporcional. O pulha era um calhorda que tinha amantes.
Como um decidido furacão de um metro e sessenta e sete, Julia invadiu o quarto com seus cabelos louros esvoaçando furiosamente e os olhos faiscando de ira.
Arrá! Uma mulher, mais ou menos da mesma idade que Julia estava sentada na cama em trajes sumários, se é que meias sete oitavos e sapatos de salto agulha podiam ser considerados "trajes" na acepção da palavra.
A moça fez cara de susto quando viu Julia e cobriu-se com o lençol. No banheiro contíguo podia ouvir-se o barulho do chuveiro. Fosse qual fosse o ato libidinoso que houvera ali, já fora plena e inapelavelmente consumado.
Julia olhou a mulher semi-nua na cama e fez sinal de silêncio para ela com o dedo indicador a frente dos lábios e uma expressão que não dava lá muita margem para réplicas de qualquer espécie. Adentrou o banheiro na ponta dos pés, parou em frente ao box, ainda em silêncio, e abriu a cortina como um Norman Bates deparando-se com o homem que...
Não era Vanderlei!
O sujeito sob o chuveiro, escondendo a própria nudez com as mãos e perguntava o que diabos estava havendo ali tinha mais ou menos a mesma idade de Vanderlei, quarenta e tantos, talvez cinquenta anos, tinha o mesmo tipo de físico, mas não era Vanderlei, nem se parecia com Vanderlei.
Julia ainda olhou em volta, para ver se estava no apartamento certo, e estava. Saiu do banheiro sem entender nada. Sentou-se na cama atordoada sem nem perceber a moça que se vestia apressadamente atrás de si.
Alguns minutos mais tarde, o sujeito saiu do banheiro. Vestia calças cáqui e camisa azul-clara. Estava descalço e cheirava bem. De cabelos molhados escorou-se na parede com uma expressão preocupada e fitou Julia.
Ela se pôs de pé, perguntou quem ele era.
Ele disse que era o dono do apartamento e que ela tinha que ir embora.
Ela quis saber onde estava Vanderlei, ele disse que não sabia e que ela estava invadindo.
Ela disse que se ela era uma invasora ele devia chamar a polícia e eles resolveriam tudo na delegacia. Foi quando ele deixou os ombros caírem e sentou na cama. Tirou a carteira do bolso da calça, deu duzentos reais em notas de cinquenta para a moça que ainda estava ali, meio perdida, e acendeu um cigarro enquanto ela ia embora. Tragou longamente, e então olhou de novo pra Julia.
-Que putaria é essa? -Ela perguntou.
O sujeito, muito a contragosto, explicou tudo.
O apartamento da André da Rocha era dele.
E de Vanderlei.
E de outros dois amigos.
Eles compraram o lugar juntos, mobiliaram, decoraram, aparelharam, e mantinham o apartamento em sociedade.
Era um covil. Um "abatedouro" onde os quatro levavam moças que conheciam. Namoradas, amantes, prostitutas...
Eram todos casados. Nenhum deles morava em Porto Alegre, eram empresários, médicos, profissionais liberais, podiam dar-se ao luxo de matar um ou dois dias de trabalho por semana, mentiam às esposas que viajavam a trabalho nos finais de semana e voilá. Tinham o seu recanto.
Um lugar secreto onde viviam vidas duplas como se fossem homens com a metade de sua idade. Quiçá menos.
Julia perguntou onde Vanderlei morava.
-Tu sabe que eu não vou te dizer isso, guria. -Foi o que ele respondeu.
Era verdade. Ela sabia. Se pôs a chorar.
Ele esfregou seu ombro, "isso passa", disse.
Arrumou algumas coisas que estavam fora de lugar. Colocou uma toalha, um roupão e alguns DVDs dentro de uma bolsa de viagem elegante, calçou as meias e os sapatos. Disse que Julia dormisse ali. Não viria mais ninguém, e Vanderlei apareceria na terça. Poderiam conversar.
Julia seguiu o conselho, mas, no dia seguinte, saiu cedíssimo para o trabalho. Trabalhou quase no piloto automático, matou a aula da noite, foi pra casa e preparou seu especialíssimo frango descabelado. Colocou a comida em uma travessa com tampa e foi para o prédio de Vanderlei, onde ficou esperando que ele chegasse.
Assim que dobrou a esquina Vanderlei viu Julia e abriu um sorriso. Andou até ela devagar, e, quando estava a poucos metro dela abriu os braços. Ela andou até ele e o abraçou de leve. Ele a beijou, ela deixou, mas não retribuiu de maneira lá muito efusiva.
Subiram, ele entrou no apartamento, jogou a bolsa sobre o sofá, e perguntou o que Julia tinha consigo que cheirava tão bem. Ela mostrou a iguaria dentro da travessa, e disse que ele tomasse banho enquanto ela esquentava e servia, ao que ele atendeu prontamente.
Enquanto a comida rodopiava dentro do microondas e Vanderlei tomava seu banho, Julia, como uma larápia, vasculhou sua carteira. Encontrou um porta-cartões de visita, e dois telefones celulares, um deles desligado. Ligou rapidamente o aparelho enquanto guardava um cartão de visita no bolso da calça jeans. Ali estava, na letra C, "casa", e um número de oito dígitos. Julia anotou nas costas da mão, desligou o celular e guardou-o de volta onde o encontrara.
Quando Vanderlei saiu do banho encontrou a mesa posta com o especialíssimo frango descabelado de Julia.
Ela sorriu e disse que recebera uma ligação da prima. Estava doente e precisava de ajuda, se desculpou, deu um beijo rápido e meio sem graça em Vanderlei e saiu. Parou na primeira lan house que encontrou, foi direto á lista telefônica on-line, onde encontrou o endereço referente ao número de telefone que encontrara na agenda de Vanderlei.
Era em São Leopoldo.
Não se preocupou, estava no Centro, em cinco minutos assomava na fila de trabalhadores e estudantes que aguardavam o ônibus de volta a São Leo, em quarenta minutos estava desembarcando na cidade do Vale dos Sinos, entrou em um táxi e deu o endereço.
Pouco mais tarde parava em frente a um condomínio elegante. Andou decidida até o interfone, e, quando se preparava para tocar o botão do número correspondente, parou.
O que ia fazer?
Dizer a uma mulher que seu marido era um pilantra, um salafrário, ou algo que o valha. OK... Parecia um plano. Mas onde esse curso de ação iria desembocar?
Um divórcio? N
ão é o fim do mundo, certo, mas... E se houvesse uma família? O que a intervenção de Julia faria com os filhos de Vanderlei? Com as filhas? E se uma família fosse destruída por culpa de Julia? Ela não queria essa responsabilidade. Não fora amante (Nossa, como ela odiava essa palavra.) de Vanderlei de propósito, fora tão vítima das circunstâncias quanto a esposa dele, não é?
Por mais que quisesse ver o Vanderlei, aquele sujo pusilânime e asqueroso se dar mal, não podia aparecer na casa dele dizendo que ele tinha uma amante. Suspirou e deu as costas ao painel repleto de números, e voltou com passos lentos em direção ao ponto de ônibus mais próximo.
Naquela noite dormiu mal, pensando no que fazer. No dia seguinte, estava decidida. Ligou para Vanderlei e marcou um encontro. No pub onde se conheceram. Pontualmente ás seis e meia da tarde, Julia estava entrando no bar e dando de cara com Vanderlei. Sentou-se na mesa sem parar quando ele abriu os braços. Disse-lhe que sabia de tudo. Do consórcio de salafrários que gerenciava o apartamento da André da Rocha, da família em São Leopoldo, das amantes, tudo. Disse que não queria mais vê-lo naquela vida, nem pintado de ouro, e que se, no futuro próximo, o visse na mesma calçada que ela, gritaria "estupro" do alto de seus pulmões.
-Tu tem filhos?- Quis saber.
Vanderlei, com a cabeça baixa respondeu:
-Dois guris e uma guria.
-Qual a idade deles?
-O mais velho tem vinte e dois, a Sofia tem dezenove, e o Carlos tem treze.
Julia tremeu de raiva. O filho mais velho do Vanderlei tinha a idade do ex-namorado de Julia. Era só dois anos mais moço que ela.
Julia respirou fundo, e sugeriu a Vanderlei que contasse tudo a sua esposa. Disse-lhe que o modo como ele levava sua vida não era justo para com ela, e nem consigo próprio se não estava feliz.
Não lhe diria para pensar nas crianças, achava que, como pai, ele sabia o quanto elas eram importantes.
-Pensa na tua vida, Vanderlei.
Julia foi embora, enquanto andava, pensava que não sabia o que Vanderlei faria. Talvez ele ficasse com medo de Julia desmascará-lo e agisse com correção, talvez apenas encontrasse outra moça de vinte e quatro anos para substituí-la, ela não sabia, não podia, e, pra ser bem franca, nem queria saber.
Só o que ela sabia, é que dali por diante, teria os dois pés atrás quando encontrasse um quarentão charmoso e seguro de si em um pub.
Pub, o cacete. Em um bar.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mola Ram


Jorge estava inquieto no salão de desembarque do aeroporto. A toda hora ele olhava no relógio, alisava os cabelos, cofiava a barba. Andou alguns passos e sentou-se em um dos bancos próximos, ficou ali por alguns minutos, balançando o pé direito quase como se sofresse de um extremamente localizado mal de Parkinson. Levantou-se depois de dois ou três minutos, andou até um display próximo com folhetos de agências de viagem, apanhou um, abriu, ficou olhando para as letras do papel sem absorver nada, estava nervoso.
Era justificado, afinal, Jorge estava ali esperando Natália. Natália, que fora o grande amor de sua vida. Natália, com seus cabelos negros e seu rosto e colo repletos de sardas, seus faíscante olhos verde-caribe, com seu corpo esguio, suas pernas ágeis, suas mãos e pés delicados. Natália, a quem Jorge declarou juras de amor eterno que de fato tencionava cumprir e por quem jurara mudar seu comportamento em qualquer aspecto que a desagradasse. Natália, por quem Jorge, um homem-criança de vinte e três anos de idade abandonara gibis, futebol e video-game para se tornar um homem sério e trabalhador e se dedicar com mais afinco a faculdade. Por quem Jorge abraçara conceitos que lhe eram totalmente estranhos como planejamento financeiro e medicina preventiva. Natália que fizera de Jorge um homem mais adulto, maduro e responsável, Natália a louca gananciosa que se mudara pra Argentina pra concluir a faculdade lá e o abandonara em Porto Alegre sob promessas de que se veriam sempre nos finais de semana. Natália, a cretina mentirosa que apareceu apenas duas vezes no primeiro semestre e que não estava em casa na segunda vez em que Jorge foi visitá-la em Buenos Aires. Natália, a megera desalmada que mandara um e-mail (UM E-MAIL!!!) dizendo que precisava de tempo para se dedicar aos estudos, que a barreira da língua era mais difícil do que ela esperava inicialmente, e que precisava estar sozinha um pouco para se encointrar naquele novo momento. Natália, a piranha "doble-chapa" que, dois meses, seis dias e dezesseis horas após mandar aquele fatídico e-mail tinha o Orkut inundado de fotos suas abraçada vigorosamente por um discípulo de Cláudio Caniggia. Natália, a traidora desprovida de qualquer moral ou decência que morreu para Jorge no instante em que sua mensagem no MSN era "muy feliz e enamorada". Natália, que assombrou os sonhos de Jorge enquanto ele dormia as duas da manhã fazendo trabalhos de faculdade e acordava as seis para chegar a tempo na imobiliária onde trabalhava... Natália que arrancou o coração de Jorge de dentro do peito como Mola Ram fazia com os servos no Palácio Pankot.
A Natália por quem Jorge não sentia nada exceto raiva (saudade), desprezo (amor) e asco (desejo), e ainda assim, não conseguia esquecer por mais que tentasse.
Essa Natália.
A mesma Natália que lhe mandara outro e-mail, quatro anos após o último, avisando que estava voltando ao Brasil de posse de seus sonhado diploma e que gostaria de vê-lo novamente. A mesma Natália que fez com que Jorge, pasmem, fosse cortar o cabelo, comprar roupas novas e um perfume para estar apresentável ao recebê-la, Jorge que achou melhor calçar sapatos naquela dia ao invés do seu tênis Nike cheio de molas no calcanhar pra causar uma impresão melhor. A mesma Natália com quem Jorge pensava, por que não? Em se reconciliar, e formar uma família. A Natália que, aparentemente usara aquele tempo na Argentina como um interlúdio de irresponsabilidade e de desafogo enquanto estudava, e, ora bolas, Jorge podia perdoá-la, afinal, também fizera sua cota de festas e sexo casual nos últimos anos, não é (Não.)?
Talvez aquele tempo na Argentina, com aquele magrelo cabeludo, seboso e barbudo tivessem mostrado à Natália tudo o que ela tinha com Jorge e não tinha com aquele sujeito. Intimidade, romance, cálidos momentos de intimidade entre longos períodos de olhares apaixonados e cúplices... Sim, Natália estava voltando para Jorge, e ele mal podia se conter de antecipação. Pessoas começaram a sair pelo portão, em meio à pequena movimentação, Jorge discerniu a silhueta harmoniosa da dona de suas afeições. Ela parecia ainda mais bonita do que ele se lembrava, e, quando ela o viu, sorriu para ele, e ele teve, naquele momento, a certeza de que os dois estariam juntos para sempre, e seriam felizes para sempre, e nada poderia separá-los. Andou até ela, e se abraçaram. Um longo abraço (por Deus, como ela cheirava bem!) em que nada foi dito. "Melhor assim", pensou Jorge. "Não há nada a ser dito em palavras que esse abraço não possa simbolizar.". Andaram juntos, lado a lado até a esteira. Esperaram por alguns minutos a mala de Natália passar, apanharam a bagagem e saíram do aeroporto em direção ao ponto de táxi.
"Entramos no táxi e eu dou o meu endereço antes de ela falar qualquer coisa.", disse a si mesmo, Jorge, achando o silêncio perfeito.
mas Natália falou:
-Tava com saudades tuas, Jorge.
Jorge apenas sorriu "Como eu amo a voz dessa mulher." pensou.
-Me conta... O que tu anda fazendo? Tá... Tá namorando?
"Não. Não. Eu me guardei pra ti! Pra ti, Nati! Tu é o amor da minha vida!" Jorge pensou. Mas disse apenas:
-Nah... Não. Nada sério.
-E tu ainda trabalha na imobiliária?
"Sim. Minha vida profissional e acadêmica ficaram em segundo plano quando tu foi embora levando contigo meu sopro de vida, eu estive morto nos últimos quatro anos e hoje eu ressuscitei com o teu retorno como um Lázaro do amor!", ele quis dizer, mas falou:
-Arram.
-Tô com vontade de alugar alguma coisa. Perto do Centro, de preferência. Um apartamento pequeno, perto de um super-mercado, que é pra facilitar a vida do Pablo.
-Quem?
-Pablo. Meu noivo. Ele vai vir morar aqui, comigo. Também se formou, a gente vai ver se monta um consultório juntos.
"Vaca! Vaca fria e cruel do inferno! Como uma pessoa pode ter essa desfaçatez! Como tu te olha no espelho à noite sua vadia sem coração de satã?" gritou Jorge dentro de si:
-Ah, que legal.
-Pois é. Bom, quatro anos, né... Não tenho mais muitos amigos por aqui, é bom saber que dá pra contar com alguém, especialmente alguém que nem tu, Jorge.
-Ah, que é isso...
-Sério.
Chegaram aos táxis. Natália perguntou:
-Quer dividir um?
-Não... Vou pro outro lado.
-Tá bem. Olha, obrigado por me encontrar aqui hoje, hein? Te ligo na segunda feira pra gente ver o apartamento, pode ser?
-Claro.
-Valeu. Ó... Brigada, viu? Tu é um amigão.
Natália entrou no táxi, e acenou para Jorge da janela. Ele acenou de volta, sem prestar atenção. Em sua mente só conseguia visualizar uma cena:
Natália dizendo:
-Bali Mangthi Kali Ma. Shakthi Degi Kali Ma. Bali Mangthi Kali Ma. Shakthi Degi Kali Ma.
Enquanto ele, amarrado e indefeso dizia:
-Om Namha Shivaye! Om Namha Shivaye! Om Namha Shivaye! Om Namha Shivaye!
E ela arrancava seu coração do peito. De novo.
Seriam uns dias bem longos o que estavam por vir...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A perspectiva certa.


A Alice entrou na sala do apartamento que dividia com seu amigo Marcão usando nada exceto uma toalha e perfume 212 e sentou no braço do sofá onde ele estava sentado.
Os dois se davam bem, ele havia vindo do interior e ela saíra poucos meses atrás da casa dos pais. Estudavam na mesma faculdade e eram bons amigos. Havia até um quê de flerte entre os dois, que amigos do Marcão diziam ser tão óbvio que ele era um imbecil de não aproveitar, afinal de contas, a Alice era uma gata, e, se estava dando mole, ele tinha que aproveitar pois não é sempre que chove na horta. Mas Marcão, respeitador que era, embora achasse que, de fato, haviam algumas afinidades e uma sugestão de namoro na relação com Alice, não queria cair matando pois, se tomasse uma atitude e estivesse errado, morar com a Alice seria uma pesadelo a lá Freddy Kruegger, e ela iria querer se mudar e ele, mesmo sem levar as coisas ás vias de fato, gostava de tê-la por perto, então...
Enfim, ela entrou na sala e sentou no braço do sofá, bem do ladingo do Marcão. Ficou ali, do lado dele, olhando TV. Como Funciona o Universo, no Discovery Channel, ele, super compenetrado, parecia um astrofísico. Ela, meio de saco cheio, mexendo o pé esquerdo como se estivesse com pressa para que alguma coisa acontecesse logo, mas o Marcão nada. Ali, perdido nas imagens e na narração sonolenta e repleta do sotaque sonolento do Marcelo Gleizer. Alice se pôs a passar a mão no braço de Marcão. Ele olhou pra ela e sorriu de trás dos óculos, passou a mão na perna dela como quem emaranha o cabelo de um moleque, e continuou olhando pra TV.
Alice não gostou, e nem se deu por vencida, se pôs a raspar a unha, bem de leve, na nuca dele. Imediatamente ele se virou para ela com cara de quem pergunta "quié isso?", expressão que ela respondeu fazendo cara de mulher fatal, algo entre a Angelina Jolie e a Sophie Marceau, e se aproximando de Marcão até quase não haver espaço entre os dois, e perguntou ao seu ouvido:
-Tá gostando?
Marcão não sabia direito o que fazer. Eram excitação e pânico em demasia, ele ansiara por aquele momento praticamente desde o instante em que Alice fora morar lá, e agora não sabia muito bem o que fazer. Pensou que o ideal seria deixar ela conduzir a coisa toda, não fazia sexo com tanta frequência assim, e ainda menos com mulheres por quem estava apaixonado de maneira platônica desde a primeira vez em que dividiram pizza assistindo House. Gaguejou meio sem jeito um "sim" quase inaudível, ao que ela respondeu se levantando de maneira serelepe e dizendo:
-Beleza, tô saindo com um cara e a gente vai na casa dele hoje, tô praticando pra seduzir ele. Valeu Marquinho.
E voltou pro quarto saracoteando. Marcão levou uma fração de segundo pra digerir o acontecimento enquanto pensava na vergonha que acabara de passar e se a Alice tinha notado o quanto ele ficara abalado pela proximidade dela.
-Tomara que o apartamento desse cara seja grande.
-Quê? -Perguntou Alice colocando a cabeça pra fora do quarto.
-Nada, nada.
Marcão teve, por um breve instante, vontade de se matar, mas aquela pequena tragédia comparada à Eta Carinae, à Betelgeuse e à VY Canis Majoris não era nada.
Ele sobreviveria...

Tarrafa


Ataliba engatilhou a arma, um revólver Taurus calibre .38 que fora de seu pai, antes de pertencer a ele. O revólver pesava em sua mão. "Sempre fora pesado assim?" questionou-se Ataliba enquanto balançava a arma. Não lembrava. Suava muito, e nem sequer estava tão quente naquele dia de outono. Secou a testa com a mão e limpou a mão suada na parte de trás das calças jeans. Respirou fundo. Abriu o tambor da arma para averiguar a munição, devia ser a nonagésima vez que fazia aquilo nas últimas horas, mas não conseguia evitar. Conferiu. Tudo certo. Seis balas no tambor. Balas novas, compradas recentemente, não eram as da caixa de papelão amarelo e preto toda embolorada que estavam com a arma quando seu pai morreu prematuramente. Essas eram novas, compradas em uma obscura loja de caça e pesca na avenida Júlio de Castilhos, de um sujeito magro e de rosto encovado que olhou Ataliba por cima dos óculos quando este perguntou se ele tinha munição calibre .38.
-Não conheço ninguém que caça com revólver.- Disse o sujeito por trás do balcão com a voz encharcada de ironia.
Ataliba chegou a virar as costas pra ir embora, nervoso que estava, mas o sujeito o impediu, disse que tinha, sim, a munição, mas que ia ser cara. Ataliba disse que não tinha problema, e comprou uma caixa com 50 munições. Achou um exagero, mas não quis regular. Pagou os cento e quarenta reais sabendo que era mais que o dobro do preço de mercado, enfim, munição de ponta oca, sem perguntas, nem registros, valia a pena, pensou.
Agora ali estava Ataliba, silenciosamente do lado de fora do próprio quarto, segurando um revólver, agachado e silencioso, sentindo as pernas adormecerem por conta do desconforto da posição em que se encontrava, ouvindo apenas o som da própria respiração e os risinhos maliciosos que vinham de seu quarto. E eram os risinhos que o faziam suar de ira. Não eram as respirações ofegantes, tampouco o rangido compassado das molas de sua cama, em última instância nem o fato de, lá dentro de seu quarto, sobre a sua cama, com a sua esposa, não ser ele. Eram, mesmo, os risinhos. Parecia que estavam rindo dele, caçoando dele, em seu inconsciente, Ataliba ouvia aquelas pequenas risadinhas como gargalhadas, e aquilo o enfurecia. Aquilo o enfurecia tanto que Ataliba se viu prestes a explodir de ódio. Mas Ataliba não era pessoa de explodir. Não era de seu feitio externar suas emoções. Ataliba não era de chorar, de ter aqueles pequenos e corriqueiros acessos de fúria que eventualmente as pessoas têm, de bater portas e gritar ou chorar. Ataliba era comedido, contido, sorumbático. Ataliba guardava pra si as coisas que o desagradavam, afligiam e incomodavam, e as digeria silenciosamente. Via de regra se afastava. Não achava que tivesse o direito de tentar mudar as pessoas pois não queria que ninguém o mudasse. Se não estivessem satisfeitos com a forma como se comportava bastava que não o procurassem mais. Ataliba era assim. Não exigia que ninguém mudasse pois não queria mudar, dera-se relativamente bem na vida assim. Transformara a pequena loja de seu pai em uma empresa de porte médio com dezenas de funcionários e que fazia negócios com fornecedores de todo o estado.
Se sentia bem sozinho, fazendo as coisas a seu modo sem se preocupar com o que pensavam os outros. Achava que era uma boa vida, até que, aos trinta e dois anos, conheceu Rosana. Rosana que era bonita, que era innteligente e viva. Rosana que acabou despertando em Ataliba uma fagulha que ele próprio desconhecia. Uma porção quase secreta de seu ser, capaz de pequenas extravagâncias como decidir viajar para o litoral em uma terça-feira chuvosa, ou pegar o telefone no meio da madrugada e fazer uma sonolenta declaração de amor incondicional.
O efeito de Rosana em Ataliba foi tamanho que ele, outrora um solitário convicto, viu-se disposto a casar, ter filhos, formar uma família, comprar uma casa no subúrbio, um utilitário familiar, uma casa no litoral onde pudesse ensinar seus filhos a pescar de tarrafa como seu pai fizera com ele, quando pequeno.
Ataliba pediu a mão de Rosana em casamento em uma sexta feira ao entardecer. Ela disse sim, e ficou ainda mais linda com a luz do pôr do sol do Guaíba iluminando-lhe o rosto. Ataliba teve ali, a certeza de que aquele era o momento mais feliz de sua vida, e que só poderia igualar aquela felicidade. Jamais superá-la.
Foi com dificuldade e um pouco de desapontamento que Ataliba percebeu que estava certo com relação a felicidade do instante em que Rosana disse-lhe sim. Aquela felicidade não foi superada. Pra ser bastante honesto, Ataliba não voltou a experimentar nenhum tipo de felicidade após aquilo.
Como todas as decisões tomadas de forma apressada seu casamento com Rosana naufragou, em parte por responsabilidade dela, que praticamente se tornou outra pessoa após agregar o sobrenome de Ataliba ao seu, em parte por causa de Ataliba, que ingenuamente achou que um namoro com encontros regulares e um casamento de vida comum diária eram a mesma coisa e podiam ser administrados da mesma forma. Não eram. Não podiam.
Infelizmente, até se dar conta disso, Ataliba já estava em um casamento onde nenhum dos dois era feliz e onde a birra e os bens do casal impediam uma separação de comum acordo. E, se Ataliba estava infeliz antes, só piorou ao descobrir que Rosana tinha um amante. Um sujeito mais ou menos da mesma idade que Ataliba, que não era nem sequer bonito. Um tipo bem comum desses que encontramos em qualquer boteco com camisa listrada de mangas curtas bebendo cerveja naqueles copos pequenos divididos em gomos. O sujeito sequer se dignava a levar Rosana para sua própria casa, encontrava-se com ela, o miserável, na casa de Ataliba quando este viajava a negócios.
Ele foi alertado por seu vizinho fofoqueiro, Walter, que lhe informou, não de maneira altruísta, querendo avisar um amigo para qe não fizesse papel de bobo, mas querendo saborear um bocadinho da tragédia alheia como convém aos seres humanos e após já ter contado pra praticamente todos os vizinhos. Disse tudo, em detalhes a Ataliba. Como o sujeito era, a que horas chegava e quando saía, tudinho.
Ataliba, ainda que não tivesse motivos para duvidar, resolveu tomar uma atitude apenas quando visse com seus próprios olhos. Inventou uma viagem, mas, ao invés de deixar a cidade, se pôs de tocaia na frente de casa. Viu o sujeito chegando por volta das oito e meia, e saindo pouco antes da meia-noite. No dia seguinte a mesma coisa. No terceiro, o sujeito chegou perto da meia-noite e saiu de manhã bem cedo, antes das seis.
Ataliba imediatamente soube o que faria. Procurou na garagem, em meio as muitas caixas que lá estavam empilhadas e encontrou o velho revólver de seu pai. Uma arma já com seus vinte anos, mas que certamente ainda funcionava.
Seguiu-se a isso a compra das munições e uma viagem de fachada para fora da cidade. Sete dias. Viajou, de fato, para uma cidade próxima. Hospedou-se em um hotel, e, no dia seguinte, sem fazer check-out, voltou.
Chegou antes das oito à frente de sua casa, onde estacionou e pôde ver, de dentro do carro, o amante sendo recebido novamente por Rosana. Esperou algumas horas e entrou sorrateiro na casa que era sua. Sacou do bolso do paletó a arma. E esperou.
Agora estava ali, imaginando o que faria após encher a desalmada e seu amante de chumbo. Voltaria para o hotel da cidade vizinha, e marcaria, por telefone, uma reunião para o dia seguinte com um fornecedor local e pronto. A morte de Rosana e seu amante teria sido apenas outra fatalidade torpe, mais um zero vírgula alguma coisa por cento nas estatísticas da criminalidade. Precisava lembrar de simular um assalto subtraindo algumas coisas. DVD, Televisor, aparelho de som, dinheiro... Precisava manter a cabeça fria. Repassou seu plano:
Entraria no quarto, arma em punho como convém ao corno enfurecido que era. Falaria baixo para não atrair a atenção dos vizinhos, confrontaria Rosana e o amante, e então mataria ele primeiro. Não tinha nada pessoal contra o sujeito, mas, enfim, era o amante, um dos responsáveis pelo seu infortúnio, e, além do mais, matá-lo primeiro deixaria Rosana apavorada, e ele queria isso. Falaria para ela dos planos que tinha, e de como ela fora vil e estúpida o suficiente para, em dois anos, transformar um conto de fadas em uma história de Nelson Rodrigues. Esperava que ela chorasse. Queria usar a expressão "Lágrimas de crocodilo" e não faria sentido se ela não chorasse.
Concluiu, pelo silêncio, que aquele era o momento de fazer sua entrada.
Abriu cuidadosamente a porta do quarto, e, na penumbra, discerniu as formas de Rosana e do amante sobre sua cama, resfolegando sob os lençóis que ele pagara com o suor de seu rosto. Mirou os dois por longos momentos, segurou com força o cabo do revólver. Apanhou uma almofada da poltrona que ficava próxima da cama, atiraria através da almofada, já que não se lembrara de comprar um silenciador. Será que abafaria o som como nos filmes? Empunhou a arma com a almofada colada ao cano, e pensou no que diria. Talvez devesse acender a luz, antes. Mas e se alguma coisa desse errado? E se na hora em que ele acendesse a luz a Rosana acordasse? Ou o amante? E Ataliba não estaria com a arma empunhada e, vai saber, e se o sujeito fosse faixa preta de caratê e o desarmasse com facilidade? Melhor não arriscar. Ataliba deu mais alguns passos pra longe da cama, de modo a enxergar o quarto todo. Pigarrearia. Pigarrear? Será que eles acordariam? Faria o quê? Um ruído? Chamaria Rosana e mandaria ela acordar o amante? É. Isso. É assim que ele faria. E assim que ela acordasse o pulha, Ataliba o alvejaria através da almofada. Daquela distância era difícil errar, certo? Então faria seu discurso, "história de Nelson Rodrigues", "Lágrimas de Crocodilo", etcetera... Respirou fundo, dali pra frente não haveria mais volta. Estava escrevendo um novo capítulo em sua vida, sendo pego, ou não, seria um assassino. Poderia justificar e racionalizar o quanto quisesse, e Ataliba era bom em racionalizar e justificar, mas a verdade era uma só: Seria um assassino. Ponto final.
Mas... Valia a pena? Cogitando a hipótese de não ser preso... Mesmo assim. Valia a pena matar Rosana e o amante? Ter aquilo em sua consciência pra sempre? Matar os dois e pronto? Friamente? De maneira premeditada? OK, Rosana matara seus sonhos, mas foram sonhos que aquela vaca miserável plantou nele, então, no final das contas, eram um pouco dela. Isso não justificava as ações da cachorra, mas vai saber, né?
Rosana se virou na cama e jogou a perna nua por cima do amante. Ataliba engatilhou a arma, respirou fundo, engoliu em seco e... Guardou o revólver no bolso novamente.
Andou na ponta dos pés até o escritório contíguo, fez uma ligação breve pelo celular e apanhou sua máquina fotográfica.
Esperou que Walter, seu vizinho pusilânime aparecesse na janela e deixou que ele entrasse. Voltou ao quarto acompanhado de Walter, acendeu a luz e tirou várias e várias fotos. Fotos e Rosana e do amante dormindo, foto dos dois acordando nus, fotos de ambos protegendo a nudez com expressões de puro espanto.
Houve um longo processo judicial. Ataliba conseguiu se livrar de Rosana que, eventualmente acabou casando com seu amante, Cássio, e foram felizes. Mais do que eram com sua relação clandestina. Walter, o vizinho fofoqueiro, foi testemunha no processo de divórcio de Ataliba e Rosana, e ficou feliz da vida com a possibilidade de poder contar, em primeira mão, à toda a vizinhança, todos os detalhes sórdidos da noite em que Ataliba apanhou a mulher com a boca na botija.
Ataliba vendeu a casa, e passou a morar no litoral, administrando seus negócios quase que inteiramente pela internet.
Caminhava na praia de manhã, e, de vez em quando, ainda pensava em como seria bom ensinar uns moleques a pescar com tarrafa. Mas, se aprendera alguma coisa com tudo o que aconteceu, além de dar ouvidos aos seus instintos foi a ter paciência e saber esperar.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Dia infernal


Tem dias em que nada dá certo. São dias em que parece que, se há o tal do equilíbrio cármico, o teu está desregulado, é a única explicação, ou é carma desregulado ou então em alguma encarnação anterior tu foi Pizarro, ou Mussolini. Enfim, isso serve apenas para quem acredita em reencarnação, bobagem, claro. Tu sabe que, depois de passar uma vida inteira na terra e conhecer esses dias em que nada dá certo, ninguém, em sã consciência, iria querer voltar, certo?
Não há nenhuma razão. Nem pra reencarnação, nem pra vida após a morte (A gente trabalha, se esforça, luta, se esfalfa inteiro, sofre com desapontamentos pra, depois, ainda ter uma segunda vida pela frente? E ainda eterna? Credo!).
Enfim, são esses dias em que tu tem a nítida impressão de que, se tivesse seguido seus instintos e ficado na cama, teu apartamento teria pegado fogo e tu nem sequer teria morrido queimado, teria tido quarenta e dois por cento do corpo coberto por queimaduras de segundo grau e sobrevivido apenas pra sofrer mais por um período mais longo.
São dias em que a gente acorda atrasado pro trabalho. Com aquela dor de cabeça persistente localizada bem em cima do olho direito, por baixo da pálpebra, sabe? Aqueles dias em que nada dá certo, em que tu decobre que só pode sacar o abono do PIS-PASEP se tiver um cartão do cidadão, em que tu decide sair de camiseta branca e imprudentemente acha que pode comer um cachorro quente de carrocinha no almoço, ou beber uma Fanta, e a tragédia se instaura porque tu, como se tivesse seis anos de idade, se suja comendo. E aí passa o resto do dia com a camiseta manchada, trabalhando fantasiado de porquinho, ou sai em desespero e tenta achar um lugar perto do trabalho pra comprar uma camiseta básica limpa.
São aqueles dias em que um cliente extremamente chato aparece na loja onde tu trabalha querendo trocar um sapato que comprou exatamente oitenta e nove dias atrás e que tu não tem mais em estoque, em que a mãe de um aluno porra-louca acha que tem colegas que são má influência pro moleque, quando, na verdade, ele é má influência pro mundo em geral, em que o teu chefe tem uma epifania no meio da madrugada e acha que hoje é um bom dia pra repaginar todo o funcionamento da empresa á despeito de tu estar com mais da metade do balanço de final de ano encaminhado.
São dias em que a tua tia te liga pedindo ajuda pra formatar o computador, e tu, a despeito de saber quase nada de informática e estar louco por um banho e um filme, se vê na obrigação de ajudar por ela, afinal de contas, entender nada de fato.
Dias em que o rangido do pé esquerdo do teu tênis se torna mais irritante que o de costume. Dias em que tu vê tanta gente besta e ruim fazendo tanta coisa besta e ruim que te pergunta se o D-Fens Foster não estava com a razão, afinal de contas.
São dias em que tu gostaria de falar sobre futebol com teu avô, mas ele não está mais lá. Dias em que tu queria ir à praia e ficar dentro do mar até os dedos murcharem, mas as obrigações não permitem. Dias em que tu compreende por que as pessoas precisam acreditar em religião e nas recompensas além-vida e nas segundas chances, mas ainda assim, essas coisas continuam forçando o teu discernimento além da conta. Dias em que tu quer abraçar alguém, beijar alguém, ter o colo de alguém onde apoiar a cabeça, mas está irremediavelmente sozinho. Em que tu te pergunta qual é o ponto de tudo isso. Em que tu te interroga pra que toda essa porcaria... E encontra a resposta nela. No seu amálgama adorável de texturas, cores, cheiros e sabores, quando ela sorri, ou melhor ainda, quando ri após falar uma bobagem. Quando ela te desarma e te deixa ainda mais inseguro que o habitual, e tu te esforça pra endireitar a postura, e não resiste a tocar o pescoço dela quando vão atravessar a rua... Aí tu percebe o ponto:
Mesmo esses dias miseráveis trazem a sua recompensa.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O que Hannibal faria?


Horácio acordou naquela manhã se sentindo meio Hannibal Lecter. Não que quisesse saborear o fígado de um recenseador com vagem e um bom chianti, ou fazer swis-shiwsh-swhis pra uma agente do FBI, nada disso. Ele apenas se acordou naquela manhã ciente da maldade do mundo, e, por que não, da sua própria. Havia sido um final de semana particularmente horroroso, no qual não fizera nada do que queria ter feito, apenas fora confrontado com a pequenez e a mesquinharia da raça humana, aí incluídas as suas próprias medidas de pequenez e mesquinharia. Vira a desfaçatez com que o mundo trata a si mesmo, e foi dormir assustado. Tudo naqueles dias de suposto descanso serviu apenas para deixá-lo apreenssivo, inquieto, irritadiço. Política, futebol, a condição humana, a falência do mundo ocidental, e, claro, sua própria atitude com relação a vida, o universo e tudo mais. Saiu de casa disposto a fazer a sua parte. Já que era pra ser podre, com mil diabos, ele sabia ser podre. Até a raíza da alma.
Tomou se banho matutino, se vestiu com a primeira roupa que encontrou no armário, se penteou com desdém, e nem sequer fez a barba. Calçou os sapatos e saiu para trabalhar. "Cuidado, Mundo.", pensou.
Apertou o botão do elevador, viu a luzinha acender no painel, ouviu o ruído alto do motor e ficou esperando. Poucos segundos depois sua vizinha de meia idade, dona Tônia, que vivia sozinha com três cães, um poodle, um yorkshire e um chihuahua, saiu também. Os três bichos à tira-colo.
Assim que os cães puseram os olhos nele, começaram a latir desesperados. Oito e sete da manhã, e aquela cachorrada esganiçada cuspindo seus latidos estridentes no corredor do prédio como se estivessem na presença do anti-cristo, latindo alto, de formar hérnia. A velha sorriu levemente embaraçada, e disse, casual:
-Ai, não sei o que houve, eles são sempre tão bonitinhos, néah?
Aquela era a hora de despejar de volta pro universo o que recebera em doses cavalares no sábado e no domingo, era o momento de cuspir misantropia e asco, era o momento de abrir a boca e dizer:
-Não.
Ela não entenderia:
-Como assim, não... Não o quê?
-Não. Eles não são bonitinhos. Eles são estridentes, desagradáveis e fedidos, três características, aliás, que a senhora partilha com essa bicharada cretina. A quarta é que vocês todos devem ter o mesmo Q.I..
-Mas como o senhor se atreve-
-E digo mais. A pior parte, é que a culpa não é deles. É da senhora. Eles são animais irracionais e desagradáveis por não mais que sua natureza, a grande culpada é a senhora, que em teoria devia ser uma criatura racional e se utilizasse um mínimo de discernimento saberia que pode aplacar a falta de sentido da sua vida solitária e miserável com um mascote só, mas ainda assim, resolveu abrir um mini-zôo com os três cachorros mais detestáveis do universo, que nem sequer foram adotados, mas comprados de criadores.
-Francamente-
O elevador chegaria enquanto a dona Tônia falava. Ele abriria a porta e entraria:
-A senhora e esses animais asquerosos não entram no elevador comigo, passar bem.
E iria embora com a certeza de uma perversa satisfação, como a de Hannibal quando remove a máscara de pele humana que usou para escapar da prisão!
Mas ele achou, entre outras coisas, que não saberia ser tão mal-educado de forma gratuita, e que não conseguiria articular todos os insultos nos quais pensara, e, por fim, achou que nenhum ser-humano valia o esforço que aquele curso de ação lhe custaria. Então, só olhou pra velha com uma expressão muito séria e fechada sem dizer palavra, e ela, de tão sem graça, acabou voltando pra casa balbuciando que esquecera de pegar a carteira.
Enquanto ela fechava a porta do apartamento o elevador chegou, e ele entrou, sentindo uma pequena fagulha de satisfação. Menor, é verdade, como aquela do Hannibal quando informa o doutor Chilton que seu livro foi recusado pela editora novamente, menor, mas não menos maquiavelicamente saborosa.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eu mato...


-O Mágico de Oz, beibe...
Ela e ele sentados no bar. Namoravam firme já tinha alguns anos. Ela gostava dele, embora, em certas ocasiões, tivesse a nítida impressão de que poderia matá-lo. Eram pequenas coisas, pequenas besteiras que ele fazia, algumas manias, como falar em inglês macarrônico com ela.
-Cala a boca, Orlando.
-Somuér ouver dê reinbou... Blúbãrds flai... En, dê drims dat iú drim of...
-Pelo amor de Deus, Orlando, olha o vexame...
-Som dei ai luiche upon a istar...
-Chega, eu vou embora, se tu não parar. Eu pego as minhas coisas e me mando.
Em momentos como esse, ela se perguntava se não era melhor se mandar, mesmo. Ela, ás vezes, não via futuro naquele relacionamento. O Orlando era muito bacana, muito divertido, era um amor de pessoa, mas fala sério. Aquele tipo de coisa que ele fazia era completamente idiota. Francamente, um sujeito que, áquela altura da vida ainda não tinha amadurecido, talvez não amadurecesse mais.
-Uér problems melts laique lemon drops, raig above dê chimini tops dats uér...
-Eu vou embora, é isso. Tô indo, fui. ó, nem me liga amanhã por que eu não vou querer falar contigo. Por favor, tá todo mundo olhando pra gente, cala a boca, Orlando.
Quando ele fechava os olhos e sorria, então, a vontade dela era arrebentar o crânio dele com um machado. Todo mundo olhando, e ele nem aí, pra ele era farra. O imbecil achava que tava abafando, nem ligava pro que os outros pensava, ela, no entanto, queria cavar um buraco e se enterrar, qualquer coisa pra sumir dali e parar de ver as pessoas rindo e apontando.
-iu faindmi-iiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, ou somuér ouver dê reinbou... blúbãrds flai, en dê drims dét iú dér tu, ou uai, uai, quén a-a-ai? A-a-ai, U-uuuuuuuuuuuuuuuu-u-u, u-u-uu...
Era isso. Tava acabado. As pessoas rindo dela, dela e daquele paspalho na mesa com ela. Era isso. Aquele namoro chegara ao seu limite. Dali não passava, ela estava de saco cheio do Orlando e das suas infantilidades.
-Cala essa boca Orlando, cala a boca, cala a boca! Olha o papelão que tu tá me fazendo passar! Eu te odeio tanto nesse minuto que... Olha, nem sei, viu? Pra mim deu. Chega.
-Casa comigo, beibe.
-Cala essa boca.
-Sério, beibe. Casa comigo. Eu te amo. Quero que tu seja a mãe dos meus filhos. Quero dormir e acordar contigo todos os dias pelo resto da minha vida, por que só assim eu sei que vou ser feliz. Quero estar contigo, passar trabalho contigo, viver contigo, por que é só assim, contigo, que eu sei viver agora. Casa comigo?
O Orlando levantou, ajoelhou na frente dela e abriu a caixa com a aliança dentro.
Ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas.
-Sim.- Ela disse.
As pessoas do bar aplaudiram, eles se beijaram, ele sentou, segurando a mão dela e começou:
-Somuér ouver dê reinbou... Blúbãrds flay... En, dê drims dat iú drim of...
Ela suspirou e pensou:
"Vou casar com esse palhaço imbecil e ser feliz pra sempre. Se, claro, eu não matar ele antes..."

A sorte que temos


O Paulo não sabia a sorte que tinha. Ele jamais havia pensado a respeito, na verdade. O Paulo era namorado da Lucinha fazia uns dois, três meses. O Paulo, que não era lá um sujeito dos mais bonitos, nem dos mais atléticos, era um nerd, um nerdão dos mais meia boca, e lá estava ele, deitado sob um lençol do Homem-Aranha abraçado com a Lucinha. Com a Lucinha!
A Lucinha era tudo de bom. Era um amor de menina. A Lucinha era bonita, bonita de uma forma pura, quase angelical, tinha uma pele alvinha, tinha cabelos castanho-claros ondulados emoldurando-lhe o rosto, grandes olhos castanho-esverdeados que fariam o gato de botas de Shrek chorar, era muito bonita.
Era inteligente, também, muito. Era craque em matemática, desde o ensino média, era tão craque em matemática que, aos dezesseis anos, formulou um planejamento financeiro pro seu tio Serapião, que estava ameaçado de ter que vender sua chácara ou sua caminhonete Rural por conta de dívidas, e, adivinhe só? O tio Serapião não precisou vender nada e ainda deu uma festança de aniversário.
Lucinha era prendada e dedicada, também. Sabia cozinhar, sabia borbar, imagine. Também era capaz de lavar louça com aquela última gotinha de detergente que só cai quando a gente deixa o frasco virado de ponta-cabeça por alguns longos segundos, sabe? Pois é, com aquela gotinha ínfima de detergente, que a gente imagina que não vai fazer espuma nem com reza brava, a Lucinha conseguia lavar a louça, e, digo mais, a louça ficava limpa de verdade.
A Lucinha também era uma pessoa abnegada. Quando sua avó teve um câncer agressivo de pulmão após sessenta e oito anos fumando feito uma chaminé, a Lucinha cuidou dela sem descanso. A amparava quando ela tinha acessos de tosse que faziam todos os outros parentes fugirem de pavor, e segurou sua mão quando ela se foi.
Quando Rejane, amiga de Lucinha engravidou aos dezessete anos e foi expulsa de casa pelo pai alcoólatra, Lucinha a ajudou a encontrar um abrigo, ficou ao seu lado quando ela deu à luz, e a convenceu a não largar os estudos e conciliar as duas coisas, ajudou Rejane com matemática e cuidou do bebê para a amiga fazer as provas do supletivo de ensino médio. Além disso fazia trabalho voluntário em uma casa de amparo para dependentes químicos e em outra para animais abandonados.
Algumas pessoas poderiam pensar que, sendo bonita e inteligente e prendada, Lucinha seria uma tremenda de uma CDF chata pra danar. Mas essas pessoas estariam erradas. Lucinha era divertida, também. Gostava de cinema, gostava de piadas, lia quadrinhos, e entendia referências que outras meninas de sua idade não seriam capazes de decifrar, além de tudo isso, ainda era boa de cama. Não que fosse uma luxuriosa devoradora de homens, não, mas tinha um saudável apetite sexual. Tudo isso, ali, deitada com o Paulo, em seus braços. E o Paulo, que jamais havia sido tão feliz, que amava a Lucinha da maneira mais intensa que um homem pode amar uma mulher, de repente, teve a súbita compreensão da sorte que tinha. Ou, pior, não teve. Acordou com olhos esbugalhados na penumbra do quarto, e deu uma sacolejada na Lucinha:
-Lúcia... Lúcia? Tá acordada?
-Hmmmm... Não, Paulo, tô dormindo, né? Olha a hora...
-Lú... Eu... Eu tava pensando... Por que tu tá comigo?
-Por que tu não acorda de madrugada pra fazer pergunta sem sentido. Vai dormir, Paulo...
-Não, não... Sério. Tipo... Olha eu, e olha pra ti...
-Vai ver eu sou burra...
-Tu não é! Esse é o meu ponto. Tu não é burra. Tu é inteligente, mais inteligente que eu, mais inteligente que quase todo mundo que eu conheço... É linda, muito linda-
-Brigada, amor...
-Divertida como mulheres bonitas como tu não deviam ser... Tu... Tu sabe quem é Khan! Tu sabe quem é Khan! Tu conhece o Adão Negro! Meu deus do céu, tu conhece o Adão Negro, tu sabia quem ele era! Quando tu vê um desenho do Homem-Aranha com o sentido de aranha ativado tu não acha que ele tá com calor, ou fedendo, tu sabe que é o sentido de aranha, tu nem chama de "sensor aranha", tu usa direitinho a expressão sentido de Aranha, como é que pode?
-Eu lia gibi...
-Não! Tu lê, gibi, mulher! LÊ! Verbo no presente!
-Tá, me processa, então.
-Não, não, e não é só gibi! Tu assistia Star Trek, é fã de Star Wars...
-Blade Runner...
-BLADE RUNNER! -A voz de Paulo saiu como um sussurro gritado.-Tu gosta de Blade Runner! Isso não pode ser normal...
-Ai, cala a boca e dorme, Paulo...
-Quem era o sexto replicante, Lú? Pra ti, quem era o sexto replicante?
-Quinto, Paulo, quinto replicante... Eram cinco. E, eu acho que era o Deckard.
-Ah, meu Deus! Não, mas não mesmo!- Gritou Paulo saindo da cama sob o olhar aturdido de Lucinha.
-Não, isso é armação, só pode, só pode! Tu, linda, inteligente, gente boa, cheirosa, gostando das mesmas coisas que eu, não. Não, a gente não sai por aí simplesmente esbarrando com a mulher dos nossos sonhos, e, se esbarramos, ela nunca, jamais iria cair na minha lábia meia-boca...
-Mas do que tu tá falando criatura? Se fui eu que fui falar contigo?
-Arrá! Ainda mais isso! Tu foi falar comigo, e não eu contigo! Claro, por que eu conheço meu lugar! Nunca me sujeitaria a ser humilhado por uma deusa como tu! Mas aí tu vai lá e fala comigo. É pegadinha, conspiração governamental, invasão de skrulls, alguma coisa dessas, só pode!
-Para de bobagem, Paulo. Apaga essa luz e volta pra cama.
-Não. Não. Não até que tu me dê uma, uma única e solitária razão pra alguém como tu se interessar por alguém como eu. Uma razão plausível.
Lucinha sentou na cama, esfregou os olhos e falou:
-Por que tu é o extremo oposto do meu ex-namorado. Ele era tudo o que tu não é. Atlético, expansivo, metido a galã... Mas também era mulherengo, pretencioso e me magoou. A minha razão pra estar contigo é vulcanamente lógica, Paulo. Eu parto do pressuposto de quê se tu é o extremo oposto do meu ex-namorado, e ele me magoou, tu vai me fazer feliz. É uma explicação factível pra ti?
Paulo deixou os ombros caírem, olhou pro chão e assentiu:
-É... É extremamente factível. OK... Obrigado por ter sido honesta.
-De nada, agora volta pra cama.
Paulo apagou a luz, ajeitou os lençóis e deitou novamente, abraçando Lucinha.
-Eu não vou te magoar nunca, viu?
-Eu sei.
Dormiram e seguiram suas vidas. E, com os anos, eventualmente, Paulo ficou sabendo que Lucinha jamais tinha tido um namorado atlético e mulherengo e pretencioso, ela apenas procurou em Paulo qualidades com as quais se identificava, e com as quais se sentia confortável, pois, no final das contas, por mais bonita e divertida que Lucinha fosse, ela também era uma nerd, e estava muito satisfeita assim e se considerava sortuda por ter encontrado em Paulo sua cara-metade. E foram muito felizes juntos da maneira mais nerd que um casal pode ser.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O quê Rick faria?



Viktor de SanMartin (pronuncia-se SanMartân) estava no carro quando, de seu bolso, ecoou 1979, do Smashing Pumpkins, ele ficou confuso, aquele era o toque do telefone de Denise, sua namorada, quando ele ligava.
Apanhou, atordoado, o telefone do bolso, e constatou que carregava consigo o telefone dela.
Burro, pensou ele para si próprio. Deve ter sido a pressa, saíra da casa dela em cima do laço, atrasado que estava, e, na ânsia de cumprir seu horário, acabara apanhando, por engano, o aparelho de Denise, um smartphone preto retangular igual ao seu.
Atendeu sorrido consigo próprio como se Denise pudesse ver a sua cara de bobo:
-Aaa-lô. Tu viste que eu tô com... Quê? Barciane? Que Barciane? Não... Não sei... Não sei quem é... Mas eu tô te dizendo... Não. Não mesmo... Não sei. Ligou? Deve ter sido engano... Do que é que tu estás rin- Ora e daí que ela perguntou pelo Viktor? Ora bolas, tem um monte de Viktor por aí. Coincidências existem, pôxa. Não lembra? Em todos os bares, em todas as cidades a Ingrid Bergman entrou logo no Café do Humphrey Bogart... A Ingrid... Como quem é Ingrid? Não... Não. É uma atriz. A atriz de... A atriz do Casablanca. A Ilsa Lund. Ou Land...? Quê? Ilsa é a personagem... Ilsa é a personagem da... Meu Deus do céu, tu beija tua mãe com essa boca, mulher? Pres'tenção, Pres... Ouve, criatura! Ilsa Lund, ou Land, não lembro, a Ilsa essa que eu tô dizendo, é a personagem da Ingrid Bergman- Quê? Não. BERGMAN! BERGMAN! INGRID BERGMAN! Casablanca. O filme que a gente- Quê? Motel? Não é motel, burra, é um filme! Casablanca é um filme! Tu me disse... Logo que a gente se conheceu tu... Não! Tu me disseste que adorava o filme! As Time Goes By! A música. Tu me enganou, tu nem sabe que é um filme. Tu esqueceu! Todo o nosso relacionamento foi construído sobre uma mentira, tu não gosta de Casablanca, tu- Quê? Não muda de assunto! E eu vou lá saber quem é Barciane? Eu te digo, sim, eu te digo quem é Barciane se tu me disser o nome do pianista do café do Rick, sua bandida. Me diz qual era o nome dele, não precisa me dizer quem era o Paul Henreid, não precisa me dizer quem era o Claude Rains, só me diz o nome do- Quê? Meiguinha? E eu com isso se a tal da Barciane é toda meiguinha ao telefone? O que te faz pensar que eu ligo? Agora eu sei como o Rick se sentiu abandonado pela Ilsa em Paris! Agora eu sei por que ele era um cínico, eu sei, de uma maneira dolorosamente real, como é ser um sujeito parado em uma plataforma de embarque sob chuva com uma expressão cômica no rosto por que suas entranhas foram cuspidas pra fora, eu- Quê? Não, eu não quero que tu me desculpe, eu não vou te desculpar- Como? Como assim, "te desculpar pelo quê"? Por ter mentido! Tu nunca deve ter visto Casablanca sua- Quê? Não! Não! Tá tudo acabado entre nós, alguém vai pegar as minhas coisas na tua casa. Passar bem! Bom dia!
Desligou.
Viktor trabalhou até o fim daquele dia. Mandou um mensageiro da firma levar o telefone de Denise para ela e pegar o seu. Quando o mensageiro retornou com seu telefone, ele apanhou o aparelho, e vasculhou a agenda, pressionou o botão de chamada sobre um nome, levou o aparelho até o ouvido e esperou até ouvir:
-Aloa?
-Sou eu, Barci, posso dormir na tua casa hoje?

Viktor de SanMartin, o asqueroso, atacara novamente.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Um Ano


Um ano. Doze meses. Quarenta e oito semanas. Trezentos e sessenta e cinco dias. Oito mil, setecentas e sessenta horas. Quinhentos e vinte e cinco mil e seicentos minutos.
Isso é a duração do carnaval da Bahia. Do Halloween da Lady Gaga, é a duração das juras de amor de pessoas que não sabem a sorte que tem. É mais ou menos o tempo de pós produção de um filme de grande orçamento, é quanto dura a nossa relação com muitos professores, é o tempo que a Terra leva para dar uma volta completa ao redor do Sol, o tempo que levamos para esquecer algumas pessoas e também o tempo que levamos para perceber que não esqueceremos outras.
Em um ano saem doze edições de Homem-Aranha, em um ano se vai ao cinema cerca de cinquenta vezes, se forem lançados cinquenta filmes promissores, e se assiste pelo menos um filmaço estrelado pelo Leonardo Di Caprio, e um filme muito ruim estrelado pelo Adam Sandler.
Em um ano uma pessoa muito querida pode voltar de longe, no curso de um ano se pega uma boa gripe, e por "boa" eu quero dizer daquelas que te derrubam a ponto de tu pensar que um terrorista curdo lançou uma versão modificada da influenza em ti pra ver se era bem fatal, mesmo.
No período de um ano é provável que tu te arrependas de alguma coisa, e seria bom se esse arrependimento não fosse por algo que tu deixou de fazer.
No período de um ano nós podemos perder uma ou mais pessoas que nos são caras, e nós nunca estamos preparados pra isso. No período de um ano, não dá pra contar quantas vezes o teu cachorro te arranca um sorriso sincero em um momento em que tu achava que estava sem a menor disposição para sorrir.
No período de um ano se troca presentes e pensamentos com amigos menos ocultos do que imaginam ser, e se conhece pessoas tão bacanas que é uma pena que vivam tão longe. No período de um ano se erra muito, mas também se aprende muito. Em um ano, tudo pode mudar, e muitas coisas podem permanecer as mesmas. Quem sabe as coisas boas. Em um ano, se faz um aniversário.
Hoje a Casa do Capita completa um ano. Valeu por continuarem vindo, gente, e sejam sempre bem-vindos.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O Tempo de Tudo


É sempre um momento doloroso quando encaramos o fim. Não o nosso próprio fim, como nos duelos empoeirados disputados em lugares áridos à moda dos caubóis vividos por Clint Eastwood em filmes de Sergio Leone, não. Nada tão visceral, dramático e cinematográfico. Me refiro a encarar o fim de pessoas próximas de nós. Pessoas que conhecíamos, familiares que nos ensinaram coisas, pessoas com quem conversávamos, discutíamos política e futebol, amigos com quem ríamos e fazíamos rapel.
É difícil enfrentar o fim. Qualquer fim, especialmente um tão definitivo como é a morte. O adeus definitivo é difícil de digerir, mesmo para aqueles que se agarram nas crenças religiosas de que existe algo além do que temos aqui.
Saber que não veremos mais alguém que nos é caro é uma sensação amarga, o luto é egoísta, pois é feito para nós, que ficamos, e não para quem se foi, a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação são o que nós precisamos, são as searas que nós precisamos desbravar até conseguir conviver com a ideia de que alguém próximo não estará mais lá.
A despeito de ser uma parte da vida, quiçá a mais inexequível, a morte nos assusta, fragiliza, e perturba. Não importa se é a morte de uma pessoa doente e que já viu muitos e muitos invernos, ou o fim abrupto e precoce de alguém que deveria estar vivendo o melhor momento de sua vida, nós nunca estamos preparados, e sempre achamos que a morte é chocante, fora de hora, injusta como um ladrão que chega de madrugada e rouba tudo o que tinha na sua casa fazendo ela parecer um lugar estranho.
Para quem fica, resta se conformar, lembrar que existe um tempo pra tudo na vida, mesmo que nos pareça o tempo errado, mesmo que machuque, pois os finais, por menos bem vindos que sejam, sempre acenam com a possibilidade de novos começos e novos tempos, nem que seja o começo do tempo de sentir saudade.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ducentésima Postagem


Jucelino não estava bem. No sentido mais amplo imaginável. Jucelino estava mal de emprego, de dinheiro, de amor... Estava mal fisicamente, também, não que estivesse doente, nem nada, mas não tinha vigor nem pra subir dois lances de escada sem ficar ofegante. Alguns diriam que Jucelino passava por uma maré de azar, se era verdade, era a maré mais longa da história. Era tão longa e tão constante, que Jucelino tinha, guardado a sete chaves na memória, o último momento feliz de que se lembrava:
Foi aos sete anos, quando ganhou de aniversário um skate dado por seu pai.
Ele estava na praia, em Rainha do Mar, e seu pai estava trabalhando em Porto Alegre, nos finais de semana ele ia à praia para ficar com a família, naquele final de semana, seria o aniversário de Jucelino, e seu pai atendeu suas súplicas e lhe deu um skate.
Era um skate bonito, grande, de uma rabeta, verde e preto com rodas cor de laranja, Jucelino ficou maravilhado quando viu. Imediatamente levou o novo brinquedo pra calçada de lajotas cor-de-laranja em frente à casa de veraneio da família e se pôs sobre o skate, tomou impulso com o pé direito enquanto se equilibrava com o esquerdo em cima da prancha como se fosse um Marty McFly.
Um passo, dois, três, e, quando colocou de novo o pé direito sobre o skate, e sentiu a brisa marinha lhe beijar a face, caiu.
Caiu, não. Se estabacou. Se fosse feito de louça, teria se espatifado em milhares de pedaços. Ralou cotovelo e joelhos, bateu com o rosto no chão e abriu o supercílio como se tivesse lutado boxe sem luvas com Mickey Um Soco.
Chegou em casa lavado de sangue, chorando como um recém nascido, só que com mais fôlego. Foi ao hospital, precisou de pontos, e bandagens. Em poucas semanas estaria pronto pra outra, disse o médico, desencadeando outro acesso de choro em Jucelino.
Ele não estaria, jamais, pronto pra outra.
Advertiu sua mãe e seu pai que não queria estar pronto pra outra, que não queria, nunca mais, se machucar daquele jeito.
Seus pais assentiram, disseram que estava tudo bem, que ele não precisava se preocupar, pois não precisaria passar por outra daquelas. Acharam que era por causa do susto.
Ao chegar de novo em casa, Jucelino se refugiou no quarto, de onde não saiu pelos próximos dias. Nem sequer quando seu pai lhe presenteou com um capatece, cotoveleiras e joelheiras para garantir sua segurança na próxima vez em que fosse andar de skate.
Mas Jucelino decidira, jamais andaria de skate de novo. E manteve sua decisão. Nunca mais subiu em um skate. Como resultado, jamais caiu de um skate de novo. Aquela perspectiva lhe agradou. Se alguma coisa tinha potencial para ferí-lo, Jucelino se abstinha dela.
Futebol? Não, posso quebrar a perna.
Vôlei? Não, posso levar uma bolada no rosto.
Andar de bicicleta? Não, posso cair e me machucar.
Funcionou tão bem para Jucelino que ele passou a evitar, também, atividades que pudessem magoá-lo. Amigos podiam desapontá-lo, melhor não tê-los. Tentar conseguir um emprego melhor? Não, podiam rejeitá-lo, e ele ficaria arrasado.
Aquele foi o último momento feliz da vida de Jucelino. Dali em diante, apenas momentos pasteurizados de alguma satisfação. Felicidade, mesmo, pura, como aquela do skate, nunca mais.
Agora, ali estava ele, trinta anos depois, sem esposa, sem filhos, abstendo-se de tentar por conta do medo de fracassar.
E, de certo modo, satisfeito. Tudo bem, uma satisfação morna, algo sem graça, aquela confusão que muitas pessoas fazem de marasmo com segurança.
A satisfação de Jucelino, porém, ganhou data para acabar. Foi quando seu chefe avisou aos funcionários que estava contratando uma firma de consultoria para informatizar a empresa, dar uma mexida geral e fazer as coisas acontecerem. Tudo o que Jucelino não queria. Enfim, resignou-se, para o que não havia remédio...
A consultoria e a informatização chegaram paulatinamente na forma de Carmem, uma mulher pouco mais jovem que Jucelino, e que agia como se fosse uma exterminadora do futuro movida pela bateria do coelinho da Duracel, não parava jamais, não parecia sentir sede, fome ou cansaço.
Jucelino a detestaria se ela não fosse linda, inteligente e cheirasse divinamente bem, como ela detinha todos esses predicados, Jucelino a tratava com distante cordialidade, em mais de uma ocasião, flagrou-se beirando o flerte com Carmem, para seu próprio espanto.
Indagava-se o que estava fazendo. Como podia abandonar daquele modo, a filosofia que por tanto tempo o mantivera seguro? Precisava resguardar-se, manter-se longe de tudo o que pudesse lhe fazer mal, era bom nisso, praticara essa arte ao longo de trinta anos, afinal de contas.
Todavia, um gesto estava destinado a mudar tudo. Jucelino estava sentado em sua mesa, resfolegando de ódio enquanto lutava com o cabeamento da internet em seu computador, quando Carmem passou, perguntando o que estava errado. Jucelino respondeu que nada, apenas uma dificuldade técnica.
Carmem, então, se debruçou sobre a escrivaninha de Jucelino desenhando um arco por sobre o ombro dele com o torso, enquanto delicadamente ajeitava o plugue de alimentação do cabo. Levou poucos segundos para que ela reolvesse o problema.
Era um dia quente. Jucelino suava feito um suíno aguardando pelo abate, Carmem, porém, não. Estava fresca como se recém houvesse deixado o chuveiro, exalava um cheiro suave e agradável que depunham em nome de um banho recente, também. Enquanto ela estava ali, tão perto de Jucelino, ele foi levado de novo até aquele aniversário de oito anos. Uma vez mais, sentiu aquela sensação de felicidade que não experimentava havia tantos anos.
Carmem se endireitou, enquanto advertia que ele precisava aprender aquilo rápido, já que ela estava de saída no final da semana e não poderia salvá-lo sempre. Mostrou mais três vezes, detalhadamente, como se ajustava o plugue do cabo de ethernet do computador, então saiu.
Era uma terça-feira. Jucelino passou a quarta e a quinta lutando com todas as forças para resistir à tentação e não chamar Carmem para sair. Precisava suportar, se ela o rejeitasse, e ela o rejeitaria, afinal, era linda, inteligente e cheirava divinamente bem, ele provavelmente se transformaria em um molusco de concha e viveria o resto de seus dias se martirizando por ter se exposto ao risco de sofrer um novo tombo. Foi na madrugada de quinta para sexta, porém, que tomou sua decisão. Na manhã seguinte, tomou um banho caprichado, como não tomava fazia tempo. Se perfumou, penteou os cabelos, escolheu uma roupa ao invés de simplesmente vestir a primeira coisa que viu no armário, e saiu.
Passou o dia todo evitando suar, fez seu trabalho mecanicamente, perdido em pensamentos, e, meia hora antes do fim do expediente, quando os funcionários se ornganizavam para fazer a despedida de Carmem, Jucelino se aproximou dela, a parabenizou pelo ótimo trabalho, e fez uma pergunta que não imaginava, jamais, ouvir sair de sua boca:
-Tu quer sair depois do trabalho? Beber algum coisa, ou jantar?
Carmem sorriu sem graça, e mostrou a mão esquerda. Era casada. Desculpou-se, disse que lamentava, mas Jucelino deu de ombros. Disse que ela não precisava se desculpar, que ela não tinha culpa de nada. Desejou-lhe boa sorte, e aproveitou a festa para ir mais cedo para casa. Bateu o ponto e saiu.
Andou duas quadras e entrou em uma loja de departamentos, dez minutos depois saiu. Em frente à loja, vestiu um capacete e largou um skate no chão. Era bem menor do que se lembrava, tinha duas rabetas. Pousou o pé esquerdo sobre a prancha e respirou fundo enquanto tomava impulso com o pé direito.
Sentia-se bem. Feliz como não se sentia em muitos anos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Rapidinhas do Capita



Antenor finalmente pegou a agenda de Edith, não sabia com certeza quando se apaixonara por ela, mas sabia que era irremediável. No auto de seus dezesseis anos Antenor sabia que a meiguice loura de Edith era tudo o que ele queria da vida naquela hora e pelos próximos anos a fio.
Agora, ali estava ele, com a agenda aberta no dia de seu aniversário, caneta em punho, apreenssivo com o que podia escrever.
Matutou, matutou, e matutou, até que, finalmente, algo lhe ocorreu.
Um poema.
Um poema que mostrasse como ele se sentia em relação a Edith.
Começou escrevendo "Edith:", então escreveu o poema, escreveu com esmero, quase desenhando cada letra, e finalizou com um "do sempre teu: Antenor.". Entregou a agenda para Edith e foi embora, sem esperar para ver a reação dela.
Que foi ótima.
Edith praticamente chorou lendo a poesia.
Na primeira vez em que se encontraram após a declaração, Edith se aproximou de Antenor e perguntou:
-Antenor, aquele poema na minha agenda... É teu?
Antenor levou uma fração de segundo para responder, mas quando o fez, fez com autoridade:
-É. É meu. É a forma como eu te vejo.
Naquele instante, uma faísca surgiu entre eles, uma faísca como nunca antes houvera, e ela incendiou no beijo longo e profundo que Edith deu em Antenor. E aquela amizade distante se tornou um pequeno romance, e então um namoro sério, e então um casamento feliz.
Nas ocasiões em que se encontravam com amigos de antigamente ou quando celebravam o aniversário de seu casamento, Edith sempre contava aos amigos sobre o poema de Antenor, como era sensível e belamente escrito, como fizera ele sentir que estava nas pontas dos pés, que Antenor era o primeiro, quiçá o único homem que a via como ela gostaria de ser vista.
Antenor desconversava, sorria, jamais falava sobre o poema, mas enfim, não importava, Edith era feliz ao seu lado, e ela era feliz mantendo-a assim.
O que Edith nunca soube foi que aquele poema não era de Antentor, era um poema de Pablo Neruda que ele achava excelente e do qual trocou meia dúzia de palavras para parecer que era seu.
Antenor não era um poeta, ele não sabia apreciar amor à distância, não via beleza ou potencial criativo na solidão e no sofrimento, nem era capaz de expressar em palavras aquilo que via no mundo ao seu redor, mas amava Edith, só precisou emprestar as palavras do poeta chileno para convencê-la, e, como ela nunca soube da farsa, viveu feliz para sempre.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Alice chamou seu namorado, Viktor de SanMartin (Pronuncia-se SanMartã), pois precisava discutir com ele os rumos que a relação de ambos estava tomando.
Ela não estava satisfeita, sabia que se conheciam a pouco mais de um mês, apenas, mas ela gostara dele, e, apesar de ele parecer algo reticente com relação a um compromisso sério, ela não estava disposta a deixar que aquilo fosse apenas uma aventura. Não se via mais como uma menina, não queria mais ficar saltando de um namoro relâmpago pro outro. Era hora de mudar, e ela estava disposta a dar o próximo passo.
Então o chamou, e, quando sentaram na casa dela para conversar, ela iniciou o diálogo:
-Olha, Viktor... A gente precisa decidir como a gente fica... Não dá pra gente ficar nesse vai não vai, eu preciso de uma definição tua. Tu é um homem adulto e eu espero que tu possa agir como adulto comigo e ser responsável pelo modo como as coisas vão ser, e assumir o que tu sente ou não sente, então... Honestamente, o que nós somos?
Viktor, olhando para ela com uma expressão séria mas com os olhos de cílios longos risonhos, respondeu:
-Como assim? "O que nós somos" em que sentido?
-Como em que sentido, Viktor? - Perguntou Alice, confusa...
-No sentido biológico? Filosófico? Religioso? - Ele inquiriu, tirando os cabelos negros desalinhados da testa.
-Não... Não. Nada disso. O que nós somos um pro outro. Somos o quê? Ficantes? Namorados? Amigos que fazem sexo? - Ela indagou, afastando as demais conjecturas dele com um gesto de repúdio.
-Gostei dessa última... Tá aí. Podemos ser amigos que fazem sexo? - Ele perguntou, erguendo brevemente as sobrancelhas bem desenhadas.
Alice não pôde esconder a raiva em sua voz:
-Tu pode ser o que tu quiser, Viktor... Mas eu não. Eu não quero ser a tua amiga que faz sexo.
-Ah... Tá vendo? É por isso que eu odeio essas conversas. As pessoas pedem honestidade e depois ficam bravas... - Ele resmungou, esticando as pernas compridas.
-Oh, não, Viktor. Essa conversa foi extremamente proveitosa. Eu descobri que tu não me respeita... - Disse Alice, com as narinas dilatando de ódio.
-Eu não te respeito? Alice, meu anjo, tu não te respeita. Qualquer mulher com o mínimo de amor-próprio teria saltado fora dessa canoa furada depois de três dias, mas tu, não. Tu continuou ali, mesmo depois da segunda semana quando eu, obviamente já não estava mais dando a menor bola pra essa pseudo-relação, tu continuou. - Ele acusou, mexendo as mãos de dedos finos. E continuou:
-Eu vou ser franco contigo, esse mês, pra mim, foi uma pesquisa antropológica, eu já sabia que nós, no sentido de tu e eu enquanto casal, não iríamos a lugar nenhum, ainda assim, resolvi ficar, não mais do que por curiosidade acadêmica, e testemunhar por quanto tempo tu sustentava essa farsa, e, depois dessas quatro semanas, só posso dizer que tu tens problemas sérios, moça. Fui.
E saiu, deixando atrás de si uma boquaiberta Alice, que nunca mais viu homem algum como digno de confiança.
Viktor, o calhorda, atacara novamente.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

TRADUÇÃO:

Ele disse:
-Nunca, meu amor. Prefiro mil vezes ir contigo até o shopping, te ajudar a escolher uma blusa e depois ver Comer, Rezar, Amar no cinema do que ir ao jogo, imagina...
Mas na verdade ele quis dizer:
-Ah, é. Tá louca que eu vou perder de ver o jogo pra ter que te aturar experimentando vinte e seis mil setecentas e oitenta e quatro blusas no shopping e depois ver um filme romântico rançoso com a Julia Roberts, que, diga-se de passagem, embarangou legal depois de velha, imagina...

Ele disse:
-Ah, não, eu acho maiô muito mais bonito, tem mais classe, valoriza mais o corpo da mulher, biquíni é meio revelador demais, tira um pouco da graça...
Mas na verdade ele quis dizer:
-Ah, tá, tu é louca se acha que eu vou querer a minha namorada praticamente de calcinha e sutiã na beira da praia no meio daquele monte de gavião. Se as outras querem parecer bife no açougue e os namorados cornos em potencial não se importam isso é entre eles, comigo, não. Aliás, digo mais, minha biza ainda deve ter o maiô dela, daqueles listrados com manga e pernas, eu acho que te serve...