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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Achocolatado


Quando criança o Lélis adorava achocolatados em pó. Nescau, Toddynho, o Nesquik que na época se chamava apenas Quik... Ele gostava de todos. O preferido era Toddy, mas naquela época o Toddy era pouco solúvel, então o Lélis via-se normalmente tomando Nescau, que se diluia rapidamente no leite e que alardeava ser o mais vitaminado dos achocolatados em pó.
Lélis tinha as melhores lembranças de sua vida na infância misturadas a achocolatados em pó como o Nescau.
Ele vira grandes filmes, ótimos desenhos e lera gibis sensacionais sorvendo generosos copos ou canecas de Nescau. Ainda era pequeno o Lélis quando sua mãe, atarefada que era cuidando de sua irmã caçula o aconselhou a fazer, ele mesmo, o seu Nescau.
Foi uma combinação de emoções conflitantes que sentiu Lélis diante daquela ordem. Se por um lado "Tu já tá grandinho, Lélis, pode fazer o teu Nescau." implicava que Lélis já não gozava do mesmo prestígio infantil dentro de casa, o que era natural considerando que ele tinha uma irmã que era pouco mais que um bebê; Por outro declarava que Lélis não apenas já era considerado autônomo o suficiente pra fazer o seu próprio lanche na cozinha, como ainda teria possibilidade de fazê-lo à sua própria maneira.
Lélis não era diferente de nenhuma outra criança, e tinha lá suas preferências com relação a achocolatados. A maioria das crianças gosta que a proporção leite/achocolatado seja de um copo de leite para achocolatado pra cacete, então, quando Lélis recebeu a colher e o copo de leite e se viu diante da lata de Nescau, ele se preparou pra mandar às favas a receita recomendada no rótulo de duas colheres de sopa. Não foram duas, e nunca eram duas. quatro, cinco, várias.
E ele ficava tremendamente satisfeito de beber aquele leite que, de tão achocolatado, parecia um copo de noite e deixava um bigode de fazer José Sarney corar de inveja.
Mas apenas atolar o leite com chocolate não era o suficiente pra ganância infantil de um Lélis carente... Não... Era necessário mais. Era necessário um toque a mais de extravagância. E esse toque a mais era dado na forma de duas generosas colheres de açúcar.
Isso mesmo.
Açúcar no achocolatado.
Não é necessário dizer que, se o Lélis vivesse no universo Marvel teria virado alguma espécie de Homem-Formiga sem o charme de Hank Pym, felizmente não era o caso. Lélis não desenvolveu presas, nem membros extras, e nem antenas. Na verdade, a única coisa que Lélis desenvolveu, além de um pouco de sobrepeso, foi um apreço todo particular pelo lodo adocicado que se formava no fundo do copo de onde ele sorvia sofregamente o achocolatado. Aquela mistura de Nescau, açúcar e leite adoçava sua boca, língua e garganta e lhe enchia de calorias e satisfação e mandava pra longe aquela ponta de tristeza por ter subitamente deixado de ser a criança da casa, e era uma boa sensação saber que doses generosas de açúcar e chocolate em pó no leite amainavam a tristeza.
E foi lembrando-se disso que Lélis, com o coração particularmente dolorido numa das noites passadas, se levantou feito um zumbi do sofá e caminhou trôpego até a cozinha, onde encheu uma caneca com leite e derramou cinco colheres de Toddy, hoje muito mais solúvel do que era na sua infância, e duas colheres de açúcar.
Mexeu bem a mistura, e caminhou até a sala onde se sentou e sorveu a beberagem, quase uma calda, enquanto assistia Star Wars, The Clone Wars no Cartoon Network.
Ao terminar de beber o leite, ele inclinou a cabeça pra trás e deixou que o lodo de toddy e açúcar escorresse pela parede da caneca até a sua boca.
Depois de lavar a caneca e escovar os dentes, Lélis ficou em dúvida. Ele não sabia se os achocolatados de hoje em dia já não eram a mesma coisa que haviam sido nos anos oitenta e noventa, ou se, simplesmente algumas das dores da idade adulta são à prova de achocolatado.

terça-feira, 29 de maio de 2012

O Brasil e o Notebook do Spielgelman



Pois é, tchê... Art Spielgelman, artista sueco naturalizado norte-americano que fez "apenas" coisas como MAUS e é o único quadrinista a ter vencido o prêmio Pulitzer está no Brasil, mais precisamente em São Paulo, onde participa do 4° Congresso Internacional Cult de Jornalismo Cultural, pois ontem antes da palestra que ministraria na PUC, em São Paulo, um desconhecido subiu ao palco passando-se por um técnico e trocou o notebook de Spielgelman por um gravador.
Pois é...
Roubaram o laptop do palestrante dentro da universidade.
Spielgelman ficou, obviamente, chateado com o furto. Disse que tinha muitos trabalhos no computador fora inúmeras outras informações pessoais. Nada de muito diferente de qualquer outra pessoa que tenha o seu notebook ou tablet roubado. A questão não é o Art Spielgelman. Não é o artista estrangeiro que vem fazer uma palestra e tem o seu notebook roubado. Não.
A questão é que praticamente todo mundo conhece alguém que teve o notebook roubado. As pessoas aqui no Brasil roubam. OK, não é como se roubassem apenas aqui. Roubam em qualquer lugar do mundo exceto, talvez, na Dinamarca e na Suécia natal de Spielgelman, onde, diga-se de passagem, existem outros problemas, mas aqui se rouba, e se rouba bastante, especialmente de turistas.
E ano que vem tem Copa das Confederações...
E no ano seguinte tem Copa do Mundo...
E mais adiante Olimpíadas...
E eu duvido que o investimento que vem sendo feito em segurança Pública e especialmente em EDUCAÇÃO vá resolver essa mazela (sem contar todas as outras, e são muitas) até lá...

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Rapidinhas do Capita


Ontem foi dia do aniversário do conde Drácula. Do mago Saruman, líder do conselho Branco e senhor de Orthanc. Do ex-mestre jedi Conde Dooku, que mais tarde foi aliciado por Darh Sidious e passou a ser conhecido como o lorde Sith Darth Tyrannus. É aniversário do livreiro da estação de trens de Paris. Do pai de Willie Wonka. Do lorde Summerisle, do senhor Francisco Scaramanga e do Jaguadarte.
Toda essa penca faz, de algum modo, aniversário junto com Christopher Lee. Ator britânico nascido em Londres, Inglaterra num 27 de maio do distante ano de 1922 e conhecido pela altura generosa de 1,96m e pelo vozeirão de fazer o Batman se encolher de medo.
A despeito de ter completado 90 invernos Christopher Lee ainda não se aposentou, e só nesse ano ele ainda poderá ser visto e ouvido em Sombras da Noite, Frankenweennie e o primeiro O Hobbit. Haja fôlego...
Vida longa e próspera a de Christopher Lee. Que a Força esteja com ele, afinal de contas...

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O Arivélton entrou em casa com dificuldade, se apoiando na muleta que fazia com que sua perna enfaixada não tocasse no chão mas comprimia sua axila, onde um hematoma muito dolorido se ocultava sob a roupa. Ele largou a muleta de encontro à parede do lado da porta, e, com decisão, pulou em um pé só até o sofá da sala.
Conforme cada impacto do pé bom com o chão fazia o seu corpo inteiro reverberar e despertava dores que Arivélton julgava curadas pelos analgésicos que ele ingerira no hospital ele foi percebendo que saltitar até o sofá havia sido uma péssima ideia.
Quando finalmente se encontrava a menos de um metro do sofá, tomou um impulso, um fôlego, e rangendo os dentes, saltou deitando-se sobre o assento duplo. Nova onda de dor. Em especial na perna enfaixada, na mandíbula e nas costelas e costas.
Deixou escapar o ar dos pulmões em um misto de dor e alívio. E finalmente relaxou.
Bateram à porta.
-Quem é? - Bradou Arivélton.
-O Camargo. - Responderam de fora.
-Tá aberta. - Respondeu Arivélton.
Camargo entrou fechando a porta atrás de si. Ao se deparar com a muleta ao lado da porta balançou a cabeça negativamente. Caminhou até a sala e encarou o vizinho com cara de quem avisou:
-Eu te avisei...
-Tchê... Ao invés de me recriminar, tu pode por favor descer até a farmácia ali na frente e me comprar isso aqui? - Respondeu Arivélton estendendo ao Camargo uma receita médica.
-Posso... - Respondeu o Camargo passando os olhos sobre o papel.
-Obrigado. - Respondeu Arivélton. -Minha carteira tá em cima da mesa, do lado do vaso. Tu pode me alcançar o controle remoto da TV, por favor?
-Posso. - Assentiu Camargo enquanto apanhava em cima da mesa de centro três controles remotos.
-Valeu. - Disse Arivélton, apanhando dois e descartando um terceiro atrás de si com uma careta.
Camargo ficou parado entre Arivélton e a TV. Olhando o vizinho.
-E aí...? Eu não tinha razão? - Inquiriu.
Arivélton não respondeu. Continuou olhando pra frente como se pudesse ver TV através de Camargo.
-Tinha ou não tinha? - Insistiu Camargo.
Arivélton fez uma careta enquanto virava a cabeça pro lado.
-Tinha, né? - Quis saber Camargo, novamente.
-Tinha! - Explodiu Arivélton. -Tinha. Tu tinha razão. Tu estava certo e eu errado. Tá bem? Não era o que eu pensava e tá aqui o resultado de eu não ter te ouvido, satisfeito?
Camargo não disse nada. Apenas deu as costas ao Arivélton e saiu advertindo que voltava logo com os remédios.
Deitado no sofá cheio de dores, Arivélton não se deu por vencido:
-Mas alguém devia explicar isso na TV. Alguém devia ter dito que era uma manifestação, que não tinha nada a ver com o nome... Pô, quem é que não ia ter a mesma ideia que eu ao ler que "a Marcha das Vadias ia acontecer na Redenção no domingo", tchê?

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-E digo mais, esse Dorival é uma anta. Onde já se viu, escalar três volantes de marcação no meio? Ele já não tinha visto que isso não funcionava quando levou um sacode do Santos na Libertadores? O que é que tem na cabeça um cara desse? E já não bastasse a diretoria que não se mexe pra contratar um zagueiro, um zagueiro pelo menos, pois que diga-se de passagem nem é nossa única carência, já que falta lateral direito e reserva pro ataque... Olha, vou te contar, velho, dá vontade de matar um.
-Hm... É isso que tá te incomodando, é?
-Claro.
-Por isso tu anda mal-humorado a semana inteira?
-É.
-Quanto tempo?
-O quê?
-Não te faz... Quanto tempo?
-352 dias.
-Quase um ano...
-Quase. Um ano dia onze.
-E teu problema é o Inter?
-Te fode...

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Orgulho Nerd 2012


A despeito de ter traído aqueles que confiavam nele.
A despeito de ter se voltado contra aqueles que lutavam a seu lado.
A despeito de ter se unido ao lado sombrio.
A despeito de ter se tornado o malho do Império.
A despeito de ter sido o mais terrível lord Sith da Nova República
A despeito de ter ferido a mulher que amava.
Ele ainda pôde se arrepender e recebeu uma chance de redenção.
Vamos manter isso em mente.

Feliz dia do Orgulho Nerd.

Ainda era. Sempre seria.


O Igor vinha andando pela rua com a mochila pendurada nas costas por apenas uma das alças. Vestia uma camisa clara e calças pretas além de um tênis branco e na mão direita carregava uma garrafa de Fanta. óculos escuros, fones de ouvido, parecia um kit de "deixe-me alheio a tudo", mas há coisas às quais simplesmente não dá pra ficar alheio. Como a Juliane.
Igor e Juliane eram desses casais que haviam sido feitos pra estar juntos.
Verdade.
Se tu apanhasse um deles, individualmente, e procurasse em algum banco de dados do mundo quem era o seu par ideal, e o tal banco de dados fosse minimamente confiável, o resultado apontado seria o outro.
O interessante foi que, de imediato o Igor reconheceu na Juliane a sua cara metade, e a Juliane pareceu seguir pelo mesmo caminho, tanto que, a despeito de os dois terem uma qualidade inerente meio de bicho do mato, eles acabaram vencendo seus instintos naturais, e se aproximaram.
Hoje, olhando em perspectiva, Igor não acreditou na velocidade e na naturalidade com que aquilo havia acontecido... Seus pouquíssimos relacionamentos anteriores, pareciam ter sido paridos a fórceps, com muito esforço de parte à parte até se transformarem em alguma coisa, pois pra ele, era impossível simplesmente ir se entregando de corpo e alma e coração à uma pessoa nova, mas com Juliane... Com Juliane foi diferente. Do primeiro abraço que ele deu nela, na noite em que se conheceram, até o último, quando se despediram com promessa de se verem novamente na sexta depois de ir ao supermercado juntos, Igor sabia que ela era diferente.
No primeiro beijo, em frente à janela do quarto do sexto andar ao último, na calçada no Menino Deus, do primeiro carinho no queixo, na fila do cinema pra ver um filme de super-herói, ao último, naquela mesma calçada do Menino Deus, depois do último beijo, e na primeira vez em que fizeram amor, termo que ele achava tremendamente brega mas que, que diabos, se aplicava àquele caso... Ele sabia...
Ele sempre soube. Ela a mulher de sua vida.
O problema é que a vida prega peças nas pessoas, e aparentemente prega peças mais pesadas nas pessoas mais incautas. E Igor era incauto como só sabem ser incautos os homens que se veem de coração partido.
E entre o primeiro e o último beijo, entre o primeiro e o último abraço, entre o primeiro e o último carinho no rosto... Muita coisa havia acontecido. Muitas coisas haviam mudado mesmo em tão pouco tempo... E eles se separaram.
Se apartaram um do outro seguindo caminhos opostos e tocando a vida. Não se falaram mais. Não se viram mais, embora, pro Igor, fosse impossível não pensar em Juliane. Não querer saber dela, e tentar deixá-la feliz de alguma forma, por pequena que fosse. E foi à distância e em silêncio que viu sua presença diminuir na vida dela até minguar e ela estar pronta pra seguir em frente e preparada para encontrar um novo amor.
Foi dolorido. Ainda estava sendo e provavelmente seria sempre. Mas Igor, que tinha todos os defeitos do mundo, não era incoerente, e sabia que não tinha direito de ficar se lamuriando, nem magoado, nem nada do tipo. Não com ela. Não depois de tudo o que ela havia feito por eles.
E agora, ali estava ele, de mochila e tomando refrigerante, e ela vinha andando na direção contrária. Ele ficou sobressaltado, passou a mão nos cabelos desalinhados, alisou a camisa que usava e endireitou a mochila no ombro para poder cumprimentá-la direito, diminuiu o passo enquanto ela se aproximava, e, assim que ela estava perto o suficiente para enxergá-lo, ele sorriu meio sem jeito, e ergueu a mão em um aceno tímido.
E ela acenou de volta, também sorrindo. Não o sorriso amplo e iluminado que ele aprendera a amar. Um sorriso menor. Daqueles que se reserva ao colega da sexta série com quem encontramos na fila do banco e o síndico do prédio.
Ela sorriu esse sorriso comedido e perguntou "Tudo bem?", e seguiu andando. Seguiu na direção oposta. Seguiu em frente.
Igor continuou caminhando por instinto, agradeceu aos céus por aquele instinto. Ficou pensando quão ridículo seria se ele tivesse ficado parado enquanto ela passava. Virou a cabeça e ainda a viu, pequenina, sumir entre os transeuntes.
Sorriu enquanto balançava a cabeça negativamente e entendeu que, a despeito do que almejava e ansiava, não era o amor da vida dela.
Mais doloroso, porém, foi continuar com a certeza de que ela era o amor da sua.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Rapidinhas do Capita


E depois de se tornar a maior bilheteria da América Latina em todos os tempos ao superar Avatar e Titanic no meio da semana, Os Vingadores alcançou a maior bilheteria da História do cinema no Brasil (Sem correção inflacionária). Superou Tropa de Elite 2 e Avatar e chegou a uma arrecadação de R$104,3 milhões de reais. Eu contribuí com quatro ingressos, cerca de oitenta reais, já que assisti ao filme em 3-D todas as vezes que fui ao cinema, mas ainda não terminei de enriquecer a Disney. Pretendo ver o filme mais uma vez, pelo menos, e, quem sabe, levar minha mãe e minha irmã, que são apaixonadas pelo Chris Hemsworth...

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Descobri que hoje é dia do café. Conheço um bocado de gente que não dispensa um café. Eu, particularmente nunca gostei de café. Talvez porque, em uma época da minha vida em que ficava bastante na casa da minha avó, tenha bebido muito café. Muito café, MESMO.
Era um tempo menos politicamente correto, de modo que ninguém se preocupava em encher um piá de nove, dez anos de café antes de dormir.
E com leite em pó!
Olhando em perspectiva, talvez isso explique o fato de eu, ainda hoje, dormir pouco.
O que será que o fato de eu nunca (Isso mesmo: NUNCA.) ter comido verduras explicaria?

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"O mais doloroso é se olhar no espelho e saber que não valeu os sacrifícios dela.", pensou Irineu em frente ao espelho após constatar que era um homem feio.
"Feio ainda se perdoa", pensou. "Foge ao teu controle. Ninguém pode escolher não ser feio. Mas feio e burro... Feio e burro não tem perdão.", apagou a luz e saiu do banheiro sem saber se voltaria.

Meio Assim...


A Fernanda era uma loira alta de quase um metro e noventa de altura. Era bonita, a Fernanda, não era linda, mas era bonita, como uma versão 2.0 da deputada Manoela D'avila. E, claro, chamava a atenção, com seus cabelos loiros bem claros, olhos muito azuis e pernas quilométricas. E eram quilométricas as pernas da Fernanda. A Fernanda tinha de perna o que muitas outras moças têm de altura.
Era moderna e antenada, a Fernanda. Lia muito, livros, revistas, jornais. Não se fixava a nenhum estilo. Não era dessas pessoas a quem se recomenda um livro e entorta a boca fazendo uma careta e dizendo "Ah, não... Não é bem o meu estilo...". Não. A Fernanda não se importava de ler coisas que não lhe eram de gosto se achasse que podiam lhe acrescentar algo. Costumava dizer que até lendo O Segredo aprendeu alguma coisa. Aprendeu a valorizar mais o tempo após cinco dias lendo aquela besteira toda.
Via muitos filmes a Fernanda, também. Não era fã de blockbusters, preferia cinema europeu, mas não excluía nada. Seu filme preferido era Sonhos, do Akira Kurosawa, mas ela foi assistir Homem-Aranha no cinema porque era filme-evento, e ela achava que eventos merecem platéia.
Bonita e com conteúdo, a Fernanda.
Se formara cedo na faculdade e foi trabalhar com relações públicas, área de que gostava e que pagava bem àqueles que eram pertinazes o suficiente para alcançarem excelência no campo.
Fernanda ainda não alcançara a excelência, mas era pertinaz e sabia que alcançaria.
Não era lá muito bem humorada, mas sabia rir de gracejos, de piadas e da vida, que muitas vezes é uma piada.
Com seus vinte e seis anos, a Fernanda, bonita, inteligente e resolvida trabalhava como relações públicas em uma agência de publicidade e estava mirando uma pós graduação ou um MBA. Estava guardando dinheiro para comprar um carro ou para viajar pela Europa no próximo verão, ainda não havia decidido, mas precavida que era, já começara a economizar.
Não estava preocupada em encontrar um marido, namorado nem nenhuma espécie de relacionamento, naquele momento não era prático, além do mais, a imensa maioria das pessoas não parecia ter pique pra acompanhar Fernanda no momento em que ela vivia, e, sendo assim, paciência...
Fernanda era assim, prezava a eficiência, prezava a praticidade, o conteúdo sobre a forma, e, entendendo que não se podia ter tudo, estava feliz assim.
Bom... Feliz é um exagero, mas ela não estava infeliz... Não muito, de qualquer forma.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Rapidinhas do Capita


Ás vezes acontece alguma coisa que me faz pensar que ainda há esperança pra humanidade. Ao menos em certos aspectos...
Semana passada fui passear com meu cachorro, e ao virar uma esquina, vi uma mãe com seu filho de quatro, talvez cinco anos. O piazinho estacou ao ver meu cão e eu nos aproximando, puxou a mãe pela roupa e cochichou algo.
Eu já me preparava pra começar meu discurso de "tudo bem, ele não morde, é manso" e talicoisa, mas a moça sorriu após ouvir o menino e disse:
-Ah, a camiseta. Eu vi, é o Lanterna Verde que tu gosta tanto.
Sim, eu estava com a camiseta do Lanterna Verde, e fiquei feliz, não só pelo guri curtir o personagem, mas também por saber que não se tratava do Ben 10.

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Outra:
Cheguei do trabalho e me deparei com meu pai, na sua cadeira favorita assistindo Thor no sistema de filmes da TV a cabo.
Ele olhava atentamente a sequência em que Loki, após mentir para Thor sobre o estado de saúde de Odin na estação da SHIELD construída ao redor do Mjolnir, tenta remover o martelo do deus do trovão da pedra onde ele está preso.
Enquanto o deus nórdico da mentira resfolegava para tentar, sem sucesso, pegar o malho encantado, meu pai cochichou:
-Tu não é digno, filhadaputa.

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E ás vezes acontecem coisas que fazem pensar que não há mais esperança em outros aspectos...
Ele sempre pensou em si mesmo como o Obi-Wan Kenobi do seu Star Wars particular.
Quando a conheceu, porém, imaginou como seria maravilhoso se ele pudesse ser o Han Solo da Léia Organa dela.
Mas descobriu-se, no final das contas, como o seu Darth Vader...

terça-feira, 22 de maio de 2012

Apenas Uma


-Eu não me preocuparia com isso. - Disse o Ernesto, tirando os pés do chão e equilibrando a cadeira apenas nos pés de trás enquanto a escorava na parede atrás de si e tomava um gole da cerveja em lata que tinha na mão.
-Tu não te preocuparia com isso porque tu não te preocupa com nada, Ernesto. - Foi o que retrucou o Fábio, com o controle vermelho do video-game na mão e os olhos colados na tela. -Pra falar bem a verdade eu nem sei porque eu continuo falando desses assuntos contigo. Tu já demonstrou em inúmeras ocasiões que é totalmente desprovido de qualquer tipo de sensibilidade.
-Tá precisando de sensibilidade, boneca? - Ernesto riu e arrotou. Então quase se desequilibrou e caiu, apenas aí endireitou a cadeira, largou a lata de cerveja no chão e apoiou os cotovelos nos joelhos:
-Mas falando sério - começou - Digamos que a Elena encontre uma pessoa de quem ela goste? De quem ela goste muito. Alguém que ela ame. E que não seja uma mercadoria danificada que nem tu, que tomou uma decisão importantíssima baseado apenas em medo-
-Não foi medo. - Interrompeu o Fábio, pausando o jogo. -Não foi medo. Eu só... Só não quis repetir um erro.
-Que erro? - Inquiriu Ernesto.
-Eu... Eu já te falei disso, velho... Eu tinha sido dispensado-
-Tu assumiu que tinha sido dispensado. - Dessa vez quem interrompeu foi o Ernesto.
-Tá... Eu assumi que tinha sido dispensado por alguém que... Enfim... Eu achei que tinha sido dispensado-
-Não sem razão. - Interrompeu de novo o Ernesto.
-Não sem razão - Assentiu em um suspiro o Fábio. E continuou:
-Eu assumi que tinha sido dispensado, não sem razão, por alguém que era tudo o que eu queria da vida. Alguém que parecia gostar das mesmas coisas que eu gosto, alguém com quem eu podia passar horas falando sem jamais ficar sem assunto, alguém que estava disposta a vencer distâncias pra ficar comigo, e que parecia, de verdade, contra todas as probabilidades, gostar de mim.
-E aí?
-E aí que eu sou um imbecil... Mercadoria danificada que nem tu disse. Eu tava com tantos problemas, sabe...? Na primeira vez que a gente se encontrou... Era junho. Tava tudo bem. Eu tinha tido um par de percalços, mas tava tudo bem... A gente ficou junto tanto tempo... Foi mágico, sabe? Parecia... Sei lá... Coisa de filme da Meg Ryan...
-Quem?
-Meg Ryan... A loirinha do orgasmo na cafeteria.
-Tu anda vendo uns pornôs muito estranhos, brother...
-Não, imbecil. Harry e Sally... Sintonia de Amor, Mensagem pra Você... Puta merda, velho... Mensagem pra Você...
-Não sei quem é... - Manteve Ernesto.
-Não importa. Era assim. Era perfeito. E quando ela voltou... Nas duas vezes em que ela voltou, tava tudo tão bagunçado... Tudo tão errado pra mim. De um jeito que eu não sabia como ia se resolver e nem quando. Tudo tão virado de ponta-cabeça. E eu não podia estar com ela como eu queria... Eu não pude estar com ela o tempo que eu queria. E aí... Aí eu faltei e ela se despediu de mim. Se despediu de mim com tanta doçura... Mas de um jeito tão definitivo, sabe?
-Ou tu assumiu que ela tenha se despedido de ti de maneira definitiva... - Corrigiu Ernesto.
-É... Enfim... Foi baseado nisso que... Sei lá. Um mês depois, nem isso...
-Tu tomou uma decisão extremamente complicada baseado em uma informação incorreta. - Disse Ernesto.
-Velho, para de falar comigo em termos militares. - Pediu Fábio.
-Desculpa, força do hábito. Mas não são termos militares.
-Tá... Que seja. De qualquer forma, a Elena tinha se despedido de mim... Eu tava reduzido a cacos... E, sabe... Não podia cometer o erro que eu tinha cometido com ela de novo. Ela era alguém que parecia gostar de mim, e eu a afastei. Eu não podia fazer aquilo de novo. Quem sou eu pra ficar afastando as pessoas que gostam de mim? Que tipo de cretino, nesse mundo desgraçado, fica se dando ao luxo de afastar afeto, carinho? E aí...
-Aí, cagado de medo, tu te decidiu. - Completou Ernesto.
-Não foi medo... - Retrucou Fábio.
-Claro que foi. Foi medo de repetir o erro.
-... É... Pode ser...
-Mas aí eu volto a perguntar: E se ela encontrar alguém? Alguém que ela ame de verdade, que saiba receber esse amor e dizer e demonstrar isso. Alguém que esteja lá quando ela precisar e que seja tão recíproco quanto tu diz que ela merece? - Perguntou Ernesto, olhando pro Fábio com um meio sorriso.
-Qual é a pergunta, aí? - Inquiriu o Fábio, vermelho de raiva contida.
-Tu acha que ela deveria renegar isso pra ficar te remoendo o resto da vida? - Quis saber.
O Fábio largou o controle no chão, e segurou a cabeça entre as mãos. Ernesto chegou a temer que ele fosse começar a chorar, mas não era do feitio do amigo. Fábio esfregou as mãos com força no rosto, e respirou fundo. Então, juntou o controle e olhou de novo pro Ernesto, sentenciando:
-Não. Ela merece encontrar esse cara, passar por cima de mim e ser a pessoa mais feliz do mundo. Qualquer coisa menor do que isso seria a maior sacanagem da História da humanidade.
-E então? - Deu de ombros Ernesto, vendo a obviedade.
-Então eu vou me esforçar pra me sentir bem por ela, mas a verdade é que eu nunca vou conseguir. Eu vou ser consumido pela culpa e pelo arrependimento e provavelmente é o que eu mereço.
-Quanto drama. - Provocou Ernesto.
-É... Eu ando meio dramático, mesmo. - Aquiesceu Fábio largando o controle no sofá.
-Minha vez! - Disse Ernesto, se curvando pra apanhar o controle, mas foi impedido por Fábio:
-Não. Joga com o controle preto. Só tem uma pessoa no mundo autorizada a jogar com esse controle vermelho. E ela não tá aqui. - Impediu Fábio.
E, com um aperto no peito, pensou:
E eu acho que ela nunca mais estará...

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Resenha Cinema: Plano de Fuga


Eu já mencionei neste espaço, em mais de uma ocasião, que o Mel Gibson não bate bem da cacholeta, não é? Claro que sim. É público e notório que o astro de cinquenta e seis anos tem um parafuso a menos. O fato de ser alcoólatra, fanático religioso, espancador de mulheres e anti-semita (Especialmente trabalhando em Hollywood, onde os judeus controlam quase toda a grana) por si só já deixariam claro que ele não é bem certo. Mas, pra convencer os indecisos, ele ainda resolveu ir contra tudo o que Hollywood faz, e bancar e rodar épicos em línguas mortas que não só o encheram de grana e prestígio como realizador cinematográfico mas também fizeram uma grande parte do público achar estranho o pessoal falando inglês em filmes sobre o Egito antigo, a Grécia Clássica e a Roma dos tempos do Império. Enfim... O Mel Gibson é doente da cabeça.
Isso não o torna, porém, uma persona cinematográfica com menos volume, outra coisa que eu já disse antes. Gibson ainda é um ator competente o suficiente pra carregar um filme nas costas, um diretor sabido o bastante pra fazer filmes do naipe de Apocalypto, A Paixão de Cristo e Coração Valente, e um produtor/roteirista cara de pau que chegue pra fazer coisas como esse Plano de Fuga, que chegou aos cinemas brasileiros na sexta-feira e que eu fui conferir no sábado.
Plano de Fuga mostra Mel Gibson como um criminoso de carreira que, após um assalto que não acaba bem, se vê em uma prisão mexicana diferente de todas por onde já passou. Na penitenciária de El Pueblito, praticamente uma cidade intra muros, com regras muito particulares e uma população carcerária incrivelmente heterogênea as únicas coisas em que o herói pode confiar é um moleque de dez anos viciado em nicotina e o fato de que todo mundo quer a sua cabeça. Nesse ambiente novo e hostil o gringo precisa aprender como as coisas funcionam e trabalhar rápido para sobreviver e, quem sabe, recuperar o fruto do seu roubo.
É divertido o filme de Adrian Grunberg, diretor argentino radicado no México e ex-assistente de Gibson em Apocalypto, o roteiro do próprio Grunberg e de Gibson não tem medo de pintar um retrato extremamente estereotipado do México, mostrado como um lugar quente, cheio de gente suada com imagens de santos em todas as peças de roupas, prostitutas baratas e onde todo mundo é corrupto até não mais poder.
Mas muito da graça do filme, que se perfila nesse espaço das comédias policiais de ação, é exatamente o fato de brincar sem vergonha do ridículo com os estereótipos que vão do bandido boa-praça durão e que não tem nome (Gibson), passando pelos policiais corruptos, a mãe abnegada e o bandido desprovido de alma.
E funciona.
Provavelmente Plano de Fuga não seria o filme bacana que é se incorresse no erro de se levar a sério demais, por mais competente que seja a ação do filme, onde Gibson mostra que ainda tem gás pra correr, saltar e esmurrar como fazia em Máquina Mortífera, e por interessante que seja tentar descobrir como o personagem vai sair da enrascada em que se enfiou, então, ponto para Grunberg e Gibson por saberem rir de si mesmos e não terem pudor de explorar o humor em vários matizes, da imitação de Clint Eastwood ao pastelão à moda Os Três Patetas, e entregarem um produto de entretenimento maneiro e com personalidade.
Enfim, enquanto segue brigado com os grandes produtores dos grandes estúdios norte-americanos, Gibson vai fazendo e lançando seus próprios filmes ele mesmo, e ainda arruma seu espaço nos filmes de terceiros como fez em Um Novo Despertar de Jodie Foster e com Robert Rodriguez, que o escalou como o vilão do novo Machete. Nessa toada o astro e deixa claro que, se Hollywood não precisa dele, ele também não precisa de Hollywood.
Longa vida ao beberrão espancador de mulheres mais carismático do cinema.

"Agora que eu já dei uma olhada em como as coisas funcionam por aqui, é hora de fazer o que eu faço melhor..."

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Rapidinhas do Capita


Segunda-Feira:
09:00
-Bom dia.
-Bom dia.

12:00
-Filézinho mal passado?
-Por favor.
-Vai queijinho?
-Obrigado.

16:00
-Quatro horas, até amanhã.
-Até amanhã, chefe.

Terça-Feira:
09:00
-Bom dia.
-Bom dia.

12:00
-Filézinho mal passado?
-Por favor.
-Vai queijinho?
-Obrigado.

16:00
-Quatro horas, até amanhã.
-Até amanhã, chefe.

Quarta-Feira:
09:00
-Bom dia.
-Bom dia.

12:00
-Filézinho mal passado?
-Por favor.
-Vai queijinho?
-Obrigado.

16:00
-Quatro horas, até amanhã.
-Até amanhã, chefe.

Quinta-Feira:
9:00
-Tu nem sabe o que aconteceu ontem!
-Bom dia.

12:00
-Hoje estamos sem o filézinho, pode ser outra coisa?
-Por favor.
-O que tu vai querer?
-Obrigado.

16:00
-Tu pode ficar até mais tarde, hoje?
-Até amanhã, chefe.

A vida no piloto automático. Tentando sintetizar normalidade. Funciona só até certo ponto...

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Ontem vi Sherlock Holmes - O Jogo de Sombras, outra vez. Filmão, divertido, engraçado, movimentado.
Mas enquanto assistia, comecei a bocejar no sofá da sala, e fiquei pensando que estava faltando alguma coisa naquele filme. O que seria? O que seria?
Ah... Claro... O Hulk arrebentando tudo.

Deve ser depressão pós Vingadores. Cadê o Homem-Aranha e o Batman quando precisamos deles?

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E por falar em arrebentar tudo:

"Eu não consigo te esquecer
Você de mim tá tão distante
Tua lembrança é o que me faz viver
A solidão, em mim, é tão constante.

E a solidão é um punhal agundo
Mexendo aqui por dentro, rebentando tudo
A solidão é um punhal agudo
Mexendo aqui por dentro, rebentando tudo"

Reginaldo Rossi. Mestre...

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Como eu nasci...


Na mesma mesa, no mesmo bar, com as mesmas bolachas de chope fazendo número enquanto copos desenhavam anéis d'água sobre guardanapos na madeira judiada, o Paulo Roberto, casualmente olhou pra TV e viu o anúncio de um documentário de James Cameron sobre o fundo do mar. Suspirou:
-Sabe, Everaldo... Se eu pudesse escolher como morrer, acho que morreria afogado. Deve ser uma boa morte... O Dorival Caymmi não cantava que era doce de se morrer no mar?
O Everaldo, que estava observando atentamente as formas geométricas que desenhava enfileirando amendoins nem se dignou a levantar os olhos de sua atividade:
-Vai te foder, Pê Erre. Tu só pode ter merda na cabeça... Morrer afogado deve ser uma agonia sem par, criatura. Imagina a fodelança de tentar encher os pulmões de ar e entrar água? O desespero de saber que, não importa o quanto tu inspire, teus pulmões não vão se encher de ar? Que o fôlego não vai ser renovado? Vai tomar no teu cu, Pê Erre, que morte fodida do caralho...
O Paulo Roberto encarou o seu copo de Coca-Cola por um instante, e então disse:
-Morrer dormindo, então... Ataque fulminante do coração...
-Cagalhão. - Retrucou Everaldo, ainda enfileirando amendoins.
-Quê? - Surpreendeu-se Paulo Roberto.
-Tu é um cagalhão, Pê Erre. Morrer dormindo pra não ter que encarar o fim? Francamente... Tu caiu no meu conceito, irmão. - Disse Everaldo, sem olhar pro Paulo Roberto.
-Mas te decide, criatura. Antes tu me criticou porque afogamento era muito doloroso, agora me critica porque morrer dormindo não é agonizante o suficiente?
-Porra, Pê Erre... Olha, não querer uma morte tenebrosa não é a mesma coisa que não se comprometer com o fim. Eu não quero sofrer feito um condenado pra morrer, mas quero entender o que está acontecendo, vai que é um momento de iluminação espiritual pra um incréu nato que nem eu, eu preciso estar presente.
O Paulo Roberto maneou a cabeça como quem entende:
-Tipo no hospital... Preparado pra coisa toda...
-Não, Pê Erre... Caralho, velho. Eu não posso estar hospitalizado, iriam me sedar e eu não ia estar com a minha mente íntegra pro processo, eu preciso estar conectado à vida pra lidar com a morte, porra...
-Tá... Larguei. Me diz então, Everaldo. Como é que tu gostaria de morrer se pudesse escolher?
O Everaldo pensou brevemente, então finalmente desviou os olhos do amendoim, e disse:
-Como eu nasci, Pê Erre: Nu, ensanguentado e gritando enquanto sou arrancado da mulher que eu amo.
O Paulo Roberto não respondeu. De algum modo torto, aquilo fazia sentido. Ergueu o braço pra pedir mais uma coca.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Afinidade


Importante, mesmo, pro bom andamento de um relacionamento é afinidade. Quase tão importante quanto o afeto, o amor, ou a atração física. Afinidade.
Atração física faz com que as distâncias sejam vencidas. As pessoas se aproximam de quem as atrai, é básico. Mas atração física é um lance rápido, e, normalmente, as pessoas são capazes de se sentir fisicamente atraídas por mais de uma pessoa de cada vez. É biológico.
Aí entra o afeto. Uma pessoa normal se afeiçoa à outra, e isso basta para mantê-la por perto ainda que haja atração física por outras pessoas. A afeição garante que apenas aquela pessoa seja o que a outra precisa.
Parece que está resolvido o problema, mas não.
Afeição e atração física podem não ser o suficiente no médio e longo prazo. Se nos primeiros meses é suficiente, chega um momento em que o ser humano acaba percebendo que, talvez, não seja apenas aquilo.
Que precisa de mais.
É um pouco como aquela história do perigo de se obter aquilo que se deseja... Quando tu consegue aquilo que quer, passa a não ter mais objetivo, e isso pode ser danoso. Especialmente pra um relacionamento, onde há apenas duas pessoas e não uma família. É a monotonia. A falta dos rituais sociais de conquista e essa pataquada toda...
É onde entra a afinidade.
Afinidade relaciona criaturas análogas, faz com que elas percebam como são certas uma pra outra, faz com que entendam que, embora não se precisem mutuamente, embora uma seja linda e a outra uma bagunça, são melhores juntas... A afinidade une criaturas com tatuagens improváveis. Gostos semelhantes pra música, cinema e literatura. A afinidade faz com que pessoas se encontrem contra todas as probabilidades, seres humanos que não tinham nenhuma razão pra achar um ao outro, mas que quando se encontram sabem o que é o azar dos Parker.
Afinidade é quando uma pessoa diz "A" e a outra entende "A", é quando ambas são capazes de pensar em Palpatine quando leem "eh, eh, eh, eh, eh..." e quando em um universo de milhares, todos sabem que apenas aqueles dois usam a palavra despautério... Isso é que é afinidade.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Duas Certezas


O Gilberto estava correndo em um parque da cidade com alguma dificuldade. Recuperava-se de uma desagradável inflamação e de algum período sedentário, e resolveu aproveitar a temperatura amena do fim de tarde para recuperar o ritmo. Correu pouco, é verdade, mas o suficiente pra se sentir bem consigo mesmo. Parou um vendedor ambulante e comprou uma água e sentou-se em um banco do parque para descansar brevemente e seguir para casa. Foi quando ele percebeu, quase ao acaso, onde estava. E a viu. A viu e se perguntou se aquilo fora um acidente ou se ele propositadamente se colocara ali, naquela hora, com o intuito de vê-la? Não importava. Ela estava ali. Tão perto dele...
Ele ficou olhando pra ela enquanto ela caminhava da loja em que trabalhava até o outro lado da rua, onde apanharia o ônibus que a levaria pra casa. Observou suas pernas, lindas, lindas, lindas alternando-se para impulsionar seu corpo pequeno e ágil pela rua. Seus cabelos longos e escuros dançando conforme ela apertava o passo para vencer a primeira faixa da movimentada avenida que a separava do ponto, estariam tão cheirosos quanto estavam da última vez em que se viram? Decerto que sim... Ela sempre cheirava bem. Seus cabelos, seu pescoço, suas orelhas seus ombros e barriga e região ilíaca... Tudo cheirava bem.
Ele observou enquanto ela projetava ligeiramente o queixo e olhava pra um lado e outro com os olhos atentos sob suas sobrancelhas arqueadas. Lembrou-se das outras vezes em que notara isso... Como ela projetava o queixo quando se concentrava em algo. Como era adorável vê-la fazer isso... Como ela ficava linda ao se concentrar... Como em inúmeras ocasiões ele tivera vontade de beijar-lhe a ponta do queixo, mas acabara não fazendo isso pois era seu instinto natural sempre procurar pelos lábios dela.
Será que ela sabia?
Será que ela sabia como era difícil pra ele não beijá-la nos lábios quando se viam? Será que ela entendia qual era o nível de contrição necessário pra ele tocar nela apenas eventualmente...? Como ele ansiava para que chegassem à beira da calçada, e assim ele poderia colocar a mão espalmada na altura da lombar dela enquanto a conduzia até o outro lado da rua? Como a única coisa boa de se despedir dela era poder abraçá-la com força e colocar o rosto entre seus cabelos?
Ele a observou com os olhos cheios de ternura e tristeza. Ternura porque ela era o depoimento da vida em autodefesa. Ela era o manifesto de que o mundo não precisava ser sempre encardido, ocre e cheio de pontas desagradáveis. Ela parecia ser a vida dizendo "Calma, eu também sei fazer coisas boas, ó.". Por tudo isso, a ternura lhe transbordava quando ele a olhava. Porque ela era, além de linda e atraente e desejável, boa. Era cálida. Era viva e verdadeira de uma forma tão singela e tão complexa... E não tinha como não sentir ternura. E ela e ele se deram tão bem... "Nós éramos ótimos juntos", era só em que ele pensava.
A ficou observando de longe conforme prometera. Não correu em sua direção sorrindo como queria. Não andou até ela de braços abertos e pronto pra beijá-la. A olhou de maneira contrita e reverente, pensando em como fora fortuito poder vê-la, ainda que de longe, ainda que rápido ainda que ela não o visse. Quando ela entrou no ônibus, porém, a ternura foi se desvanecendo conforme o veículo ganhava distância, até que ficou apenas a tristeza. A tristeza da oportunidade e da felicidade perdida. Das decisões tomadas de forma apressada. Dos desencontros, atrasos e medos a que ele se sujeitou e a sujeitou e os sujeitou... E apenas uma certeza.
Não...
Duas.
Que ele não sabia como superar aquilo. E que era irremediavelmente apaixonado por ela.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ofensa


A Fabíola viu o Venâncio no mercado. Ela e ele não se falavam havia algumas semanas, e ela estava insegura de como se dirigir a alguém que até pouco tempo atrás era potencialmente o amor de sua vida mas que, por uma série de fatores, não apenas parecia ter abdicado desse papel, mas também pedira a ela que desaparecesse de sua vida de maneira bastante específica e literal. Fabíola fez o que lhe foi pedido. Estava magoada, claro, terrivelmente magoada, ficou arrasada, demolida, inclusive porque aquela fora a segunda vez que o Venâncio lhe pediu que fosse embora.
Na primeira, Fabíola insistiu, tentou ficar por perto, mas deu no que deu... Desencontros, desenganos, e o Venâncio pedindo que ela se fosse de novo.
Não foi orgulho ferido que fez a Fabíola assentir na segunda vez em que Venâncio a mandou embora, nem tampouco falta de vontade de estar por perto. De certo modo foi perceber que, talvez, ficando por perto, ela fosse estar causando mais mal do que bem a ele. Pra ela, não. Pra ela, estar com o Venâncio era sempre bom, era sempre um ganho. Mas ela temia se transformar em um parasita emocional sugando o Venâncio sem oferecer nada em troca. Por mais que se esforçasse, ela percebeu que, como as coisas estavam, ela não tinha como oferecer, ao menos não em um futuro próximo, o que o Venâncio e um relacionamento com ele mereciam, de modo que, quando lhe foi pedido, pela segunda vez, que fosse embora, ela se viu quase na obrigação de ir, embora houvesse se negado a se despedir dele, tarefa que seria demais pra ela suportar.
Só de se imaginar dando adeus a Venâncio sabendo que estaria o vendo pela última vez, abraçando-o e beijando-o pela última vez... Não. Sair da vida dele de maneira definitiva já era demais. Acatar ao pedido por espaço dele já era demais pra ela suportar.
Ela engoliria seus sentimentos e iria embora.
E foi. Com o coração partido, a alma alquebrada, cheia de arrependimentos e mágoas e raiva dos enganos que cometera Fabíola seguiu sua vida. Ainda pensando em Venâncio de manhã à noite, ainda remoendo seus equívocos, ainda se lembrando com ternura de todos os momentos que haviam passado juntos... Ela seguiu, tentando se manter funcional embora fosse uma tarefa hercúlea, evitando sua vontade de entrar em contato com o Venâncio, e lidando com a saudade que sentia da melhor forma possível.
E agora ali estava o Venâncio... Pouco mais de trinta passos dela, comprando refrigerante no super mercado enquanto ela comprava um pacote de ração pra cachorro.
Lhe doeu lembrar que Venâncio, que adorava cachorro, jamais tivera oportunidade de afagar o pelo macio do seu cão.
O que ela devia fazer? Devia continuar na sua, comprar suas coisas e ir embora? Fingir que não o tinha visto? Não... Já havia feito isso antes e era uma das coisas de que mais se arrependia e se envergonhava na vida. Venâncio, fosse como fosse, era uma pessoa importante pra ela. Uma das mais importantes. Ela devia ser educada, agir direito, e cumprimentá-lo.
Ficou ali, apanhou a ração do cachorro, colocou no carrinho, e andou, a passos lentos, em direção ao Venâncio. Ele colocou a garrafa de Coca-Cola no cestinho que carregava junto à cintura e se virou com decisão, mas parou por um instante quando levantou os olhos e se deparou com a Fabíola olhando pra ele.
Ela sorriu, tanto porque era polido sorris ao cumprimentar, quanto porque ficou, francamente, honestamente, feliz em vê-lo. E disse:
-Oi, menino Venâncio. Tudo bem?
Ele se recompôs do desconcerto breve, e acenou de maneira firme com o queixo enquanto dizia "oi, tudo bem contigo?".
Ela disse que sim, que estava bem. Perguntou o que ele estava fazendo, ele mostrou as compras com um meio sorriso, mas ficou sério de novo.
Ela também perdeu o sorriso, então, tocou-lhe de leve no braço, e disse:
-Vai melhorar, sabe?
E procurou pelos olhos dele com os seus. Mas ele tirou o braço como se a mão dela estivesse em chamas, e dizendo um tchau quase mudo, andou a passos rápidos na direção oposta à de Fabíola.
Ela o observou sumir entre os corredores do mercado com seu passo ligeiro, perguntando-se se agira mal ao cumprimentá-lo. Se passara alguma impressão errada ou fizera algo que o ofendera ao falar com ele.
Talvez ela houvesse soado santimonial ao lhe dizer que as coisas iam melhorar. Talvez tivesse dado a impressão de que fazia pouco da dor dele. Que houvesse superado a sua ausência e que, se as coisas estavam bem pra ela ,iriam ficar bem pra ele, também...
Em um primeiro momento Fabíola se ofendeu com a reação de Venâncio. Chegou a pensar em ir atrás dele e lhe perguntar se ele era idiota o suficiente pra supôr que ela era capaz de esquecê-lo e superar sua ausência. Se ele achava, realmente que ela estava feliz, alegre e saltitante após ter sido mandada embora não uma, mas duas vezes pelo amor de sua vida. Se ele sabia o que era, pra uma pessoa adulta e resolvida, se ver ilhada dentro de casa pois todas as suas coisas, TO-DAS, a lembravam de uma pessoa que lhe pedira distância. Em pegá-lo pelo braço, dar-lhe um safanão e beijá-lo com fúria dando o adeus que ele pediu e ela não pôde dar por ainda amá-lo em demasia.
Mas refletiu brevemente e concluiu tanto que não tinha direito de se ofender com ele e suas reações, quanto que, independente do que ele fizesse, magoado que estava, ela ainda continuaria o amando, de maneira tão inapelável e incoercível quanto fizera desde que o conhecera.

Dança


Mesmo que eu jamais aprendesse a dançar como um presidiário filipino, eu ainda iria estar disposto a dançar contigo...

terça-feira, 8 de maio de 2012

Não tenha medo


Não tenha medo.
Tudo vai dar certo.
Não no final. Coisas que dão certo no final não servem.
Tudo vai dar certo em breve. Logo, logo.
Parece ser mais largo que uma milha, mas não é... É só uma fase. Só um momento.
Esse nó na garganta. Essa dificuldade pra dormir. Essa falta de fome e de vontade de fazer tudo...
Vai passar.
Não tenha medo.
Logo as cores vão estar brilhantes de novo. As sombras serão menos opressivas. Tornozelos e corações doerão menos, o gás da Coca-Cola vai voltar, e o sorvete voltará a ser massudo.
Logo o riso vai se abrir. Logo as lágrimas serão só vendo filmes do Spielberg.
Não tenha medo.
Vai se resolver.
Em breve a música vai te fazer querer dançar. Em breve tu vai estar fazendo as coisas novamente por gosto, e não por hábito, e quem sabe terá aprendido uma coisa ou duas e terá mais sabedoria além de paz...
Não tenha medo.
É só uma mudança. E há tantas mudanças na vida... E tantas tão mais dolorosas do que essa, não é?
Tu vai tirar de letra. Pessoas são adaptáveis, especialmente aquelas que são corajosas, pertinazes e obstinadas, e o que dizer então daquelas que são tudo isso e ainda são mestres no uso da Força? Aí é até covardia...
Não tenha medo.
Tudo vai se resolver. Tudo vai passar.
Tudo, menos uma coisa... O que eu sinto por ti.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Jogo Rápido


O Manoel e a Fernanda estavam sentados no restaurante. Haviam acabado de jantar, ela havia comido ravióli de moranga, que o Manoel detestava, e ele comera, pra irritação dela, um filé com fritas, que ela achava o fim da picada comer filé com fritas em um restaurante como aquele, com um cardápio vasto e repleto de boas opções, mas ele era um sujeito simples, de simples aspirações, e ela, apesar de achar que ele podia aspirar um pouquinho mais, pelo menos quando eles comiam naquele restaurante, o amava assim mesmo.
Eles já haviam jantado, e estavam esperando a sobremesa. Ela havia pedido sagu. Ele achava o fim da picada pedir sagu em restaurante. Geralmente tem sagu em buffet livre daqueles em que se almoça durante a semana e o sagu fica ali, juntando mosca entre o pudim de leite e a torta de bolacha, mas ela gostava, e o que é de gosto é regalo da vida, ele sempre dizia. Ele havia pedido uma torta de sorvete daquelas bem afrescalhadas que são hiper mega caras e deliciosíssimas. Estavam ali, olhando pro infinito e antecipando o sagu com creme e a torta de sorvete quando o Manoel viu, na mesa vizinha, a moça e o rapaz se levantarem. Ele a ajudou a colocar o casaco, e, assim que ajeitou os ombros na peça, ela disse:
-Vou no banheiro, tá, amor? Te encontro ali na frente.
E o beijou. Não um selinho. Um beijo, beijo mesmo, lábios colados, cabeça virada pro lado, movimentos com queixo e todos os músculos da face, tudo conforme mandava o figurino.
O Manoel viu quando o sujeito desgrudou os lábios dos da moça e saiu em direção à saída sorrindo enquanto sua acompanhante se dirigia ao toilette.
Manoel levou uma fração de segundo absorvendo aquilo. Veja você... O casal dera um beijo de despedida enquanto ela ia ao banheiro...
Ao banheiro!
Quanto tempo ela levaria lá? Era um banheiro de restaurante. Era muito improvável que ela fosse lá fazer qualquer coisa que não fosse retocar a maquiagem ou fazer xixi. Coisa de quê? Cinco minutos? Dez no máximo? E eles trocaram um beijo. Beijo, mesmo, não selinho. Beijo de verdade, com direito a suspiro durante e resfolegadoiro depois... O que será que eles faziam de manhã, quando saíam pra trabalhar? Ou o que eles fariam na eventualidade de um deles ter que viajar?
Pensava nisso quando ela saiu do banheiro. Manoel ainda olhou no relógio. Pouco mais de três minutos. Esse fora o tempo em que aquela moça ficara apartada do rapaz que a acompanhava.
Achou bonito. Achou bacana os dois sentirem falta um do outro naquela proporção. De precisar se despedir formalmente para uma ausência de três minutos. Cinco, adicionando o tempo de "viagem" do banheiro à saída do restaurante.
Chegou sua torta de sorvete e o sagu da Fernanda. Comeram sem falar nada. Quando terminaram Manoel pediu a conta, Fernanda quis dividir, ele insistiu em pagar, e ela acabou, após uma breve cena, assentindo. Com a conta paga, ele se levantou e segurou o casaco dela para que ela vestisse. Uma vez encasacada, Manoel colocou a mão nas costas dela para sair, mas ela o interrompeu:
-Peraí, vai indo que eu vou ao banheiro.
Ele, iluminado, inclinou-se pra frente com um bico montado para um beijo. Nem precisava ser beijo, beijo, mesmo, com suspiros e resfolegadoiros, ele se contentava com um beijinho, um selinho estalado que fosse. Inclinou-se pra frente, e Fernanda inclinou-se pra trás:
-Quié isso, Manu? Tá bobo?
Ele protestou:
-Mas eu só quero um beijinho.
Não - Ela replicou. -Eu tô com bafo de comida e sobremesa. Além do mais só vou fazer xixi, não seja fiasquento.
E saiu, serelepe em direção ao banheiro, deixando atrás de si um homem repleto de dúvidas sobre o amor.

Resenha Cinema: Anjos da Lei


Foi no sábado, precisando desesperadamente de umas boas risadas que resolvi dar mais uma chance ao desastrado novo cineplex do shopping Praia de Belas (que me sonegou a cena pós créditos de Os Vingadores além de ter interrompido a sessão 3 vezes) e assistir Anjos da Lei. Remake em forma de comédia da série que, entre 87 e 91, transformou Johnny Depp em ídolo aborrescente.
Confesso que nunca gostei de Anjos da Lei. Naquela época, acho que as séries que me agradavam eram A Bela e a Fera, com Ron Perlman e Linda Hamilton, a Profissão: Perigo do McGuyver Richard Dean Anderson, e Um Homem Chamado Falcão... Os tiras com pinta de adolescentes do QG na igreja nunca me fisgaram, de modo que o fato de o remake ter se transformado em uma comédia não me incomodou como foi o caso quando Ben Stiller e Owen Wilson cometeram Starsky & Hutch - Justiça em Dobro, por exemplo.
Além do mais, a reencarnação de Anjos da Lei, tinha a mão de Jonah Hill, o Seth de Superbad - É Hoje, que andou empilhando papéis coadjuvantes hilários nas comédias de Judd Apatow e até indicado ao Oscar foi nesse ano com seu papel em O Homem Que Mudou O Jogo ao lado de Brad Pitt, e que escreveu o roteiro do filme além de estrelá-lo.
O que, confesso, não me agradou de primeira, foi o fato de a co-estrela de Hill ser Channing Tatum. Vamos ser francos, até aqui o sujeito tem intercalado filmes de ação duvidosos como G.I. Joe com filmes melosos como Querido John. Ele não merece lá muito crédito.
A direção, nas mãos da dupla de Tá Chovendo Hambúrguer, Phil Lord e Chris Miller era uma incógnita, mas, como eu já disse, eu estava, mesmo, precisando rir um pouco.
Cento e nove minutos depois, preciso dizer que Anjos da Lei, na sua versão comédia, cumpriu sua função.
No longa conhecemos Schmidt (Hill, surpreendentemente magro) e Jenko (Tatum, surpreendentemente engraçado.), dois alunos do ensino médio totalmente opostos. Schmidt é o refugo nerd, Jenko o atleta descolado. Ambos têm em comum apenas o fato de que não irão ao baile de formatura, embora por razões bem diferentes.
Anos mais tarde, porém, eles descobrem mais uma afinidade: Ambos se juntam à academia de polícia. Lá, o atlético Jenko e o estudioso Schmidt se tornam grandes amigos, e, apoiando um ao outro, passam pelo curso e realizam seu sonho de se tornarem policiais.
A vida na força, porém, não é bem o que os dois imaginavam, e após uma primeira ação bastante desastrada, eles são enviados à rua Jump, 21, onde se unirão à um esquadrão de operações disfarçadas realizados por policiais que sejam capazes de se passar por adolescentes.
Eles são escalados pelo capitão Dickson (Ice Cube, ótimo) para se infiltrar como irmãos entre os traficantes que estão espalhando uma nova droga em um colégio da região e descobrir quem é seu distribuidor.
Daí pra frente é um festival inacabável de piadas grosseiras, toscas e politicamente incorretas, todas de fazer chorar de rir. O estranhamento dos dois policiais frente à nova fauna do ensino médio é sensacional, e as tentativas de ambos de se enturmarem nesses grupos é hilariante, especialmente depois que, por conta da negligência da dupla na hora de estudar suas novas identidades, Schmidt acaba entre os alunos populares e Jenko entre os nerds, o que abala a amizade dos dois e pode comprometer a investigação e a carreira dos jovens policiais.
Hill e Tatum estão ótimos no filme, os dois têm na tela uma química ótima e convencem como melhores amigos, o elenco de apoio, com Ice Cube, Chris Parnell, Rob Riggle e Ellie Kemper ajuda a arrancar risadas, mas quem comanda a festa mesmo, são os protagonistas, que continuam senhores do espetáculo mesmo após duas participações muito especiais para os fãs da série original.
Pra concluir?
Anjos da Lei cumpre o prometido, e vai te arrancar boas risadas por toda a sua hora e quarenta e nove minutos. Nos vemos de novo na faculdade?

"-Vocês estão aqui por que são uns filhos da puta com a cara do Justin Beaver e da Miley Cyrus."

sábado, 5 de maio de 2012

Rapidinhas do Capita


Revi Os Vingadores, ontem.
Como prometi na resenha do filme que mencionaria eventuais defeitos do longa se os notasse em um futuro review, tenho que dizer que a trilha sonora de Alan Silvestri não é das mais inspiradas, e que, ao menos no tocante à incidência de música no filme, Joss Whedon mostra que ainda guarda vícios de diretor de TV. Há apenas tons incidentais no filme a maior parte do tempo.
Um "taram" de um lado, um "pó-roró" de outro, e era isso.
Há também uma sequência no aeroporta aviões da SHIELD em que há um recurso visual descaradamente chupado de Batman - Cavaleiro das Trevas, com a câmera se invertendo para mostrar que há algo fora de lugar na cena.
Nada, porém, que estrague a experiência. Aliás, nos momentos em que a trilha surge com mais força, como na tomada em que a câmera faz um giro em 360° ao redor da equipe reunida, é pra arrepiar a espinha.
Quem ainda não assistiu, tá perdendo tempo.

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-Tudo o que tu precisar. Todo o espaço. Toda a distância. Todo o silêncio. Toda a ausência. Qualquer coisa que tu ache que seja necessário pra tu ser feliz. Pra tu estar em paz. Qualquer coisa que eu possa fazer. Qualquer coisa que eu não deva fazer. Qualquer coisa... - Disse ele enquanto colocava várias coisas dentro de uma caixa de papelão colorida. Um mapa do tesouro, uma folha de papel com um ponto no centro, três bolinhas coloridas, um CD da Sade, um livro de palavras cruzadas...
Acariciou o rosto dela na foto.
-Mas até o fim dos tempos, e além, mesmo longe, mesmo ausente, mesmo silente, nada vai mudar o que eu sinto. Nada. Nunca. Não importa o quê.
Guardou a caixa junto com seus bonecos do Senhor dos Anéis e gibis que eram importantes demais pra sair do plástico. Mas a foto permaneceu no porta-retratos do Homem-Aranha em cima do rack da TV.
Mesmo a dor da saudade era mais fácil de suportar daquele jeito. Podendo olhar pra ela de vez em quando.

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TRADUÇÕES:

Ele disse:
-Não tem problema. Tu é visita.

Mas na verdade ele quis dizer:
-Nós vamos fazer isso de novo milhões de vezes ao longo dos próximos cinquenta anos, tu vai ter oportunidades infinitas de me compensar.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Star Wars Day



Feliz Star Wars day, nerdaiada medonha. May the fourth be with you all.
Alguns, como eu, estão precisando...

Gozação...


O Gêronimo chegou em casa esbaforido e tirou o casaco. Vivia em Porto Alegre, essa cidade adorável onde as quatro estações do ano são bem definidas mas acontecem ao longo de vinte e quatro horas. Saíra de casa de manhã sob treze graus, temperatura normal para manhãs de outono. Perto do meio dia, porém, a temperatura subiu, chegando à dezessete, dezoito graus. Uma temperatura OK para a primavera. Ao sair do trabalho, os termômetros marcavam 30° e era verão de novo.
Gerônimo suou como um cavalo no Prado enquanto voltava pra casa, mas a despeito de ter amaldiçoado o calor durante todo o trajeto, não tirou o casaco. Usava uma camiseta cinza de mescla, estilo agasalho do Rocky Balboa por baixo, e viu as manchas de suor desenhadas na malha com certo prazer. Largou o casaco virado do avesso sobre uma cadeira e colocou a guia em seu cachorro levando-o para a rua.
Andou sob o sol com aquele animal felpudo e alegre refestelando-se na grama da praça e experimentou um pouco de paz.
Voltou pra casa, deu àgua ao cachorro, apanhou uma toalha, tomou um banho, fez um curativo no dedo, e por alguma razão, dormiu tranquilo assistindo Seinfeld.
Acordou bem mais tarde, ligou o computador, trailer novo do Homem-Aranha. Aconteceu:
Pensou nela. Fora isso. Passara o dia todo evitando pensar nela. Por isso fora um dia calmo.
Assistiu ao trailer on-line.
Pensando nela...
Doía. Gerônimo lembrava dela pedindo que ele se afastasse. Lembrava-se dela dizendo que era uma boa menina e que não merecia sofrer como sofrera. Lembrava-se de ter concordado.
Ela era uma boa menina. Era uma ótima menina. Um sonho de menina. E merecia mais do que ele e o que ele tinha a oferecer.
Ele se afastou. Se afastou com um peso na alma que não lembrava de já ter sentido antes. Uma dor que desconhecia.
Acatou à demanda dela. Sabia que, por doloroso que fosse, era o certo a fazer. Postergara essa decisão porque... Enfim... Sabia o que sentia.
Tentaria se distrair. Resolveu ler. Leu um pouco de Toda a Mafalda.
Não adiantava.
Pensou nela, ela sempre fora a Mafalda do seu Calvin...
Resolveu jogar video game, alguma coisa que tivesse mais imersão, ligou o aparelho, Assassin's Creed Revelations.
Comprara aquele jogo junto com ela, entraram de mãos dadas no shopping, andaram de mãos dadas entre as lojas, ele lembrava de ter pensado que jogariam aquele jogo juntos...
Abortou o video game, foi assistir a um filme na TV.
zapeou entre os canais até encontrar Scott Pilgrim Contra o Mundo no Telecine, bem na hora em que Ramona Flowers arrastava Scott através de uma porta no meio do nada ao som de By Your Side, na versão maneira...
Só podia ser gozação, foi o que pensou Gêronimo sentindo seu coração ser esmagado dentro do peito.
Desligou a TV e se cobriu, demorou pra voltar a dormir.
...Pensando nela.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Rapidinhas do Capita


Ao amanhecer, após uma noite em claro como a muito tempo não passava apenas uma palavra lhe vinha à cabeça:
Alquebrado.
Se sentia assimo Leonel: Alquebrado. Por alguma razão parecia ser a única palavra capaz de fazer referência ao modo como se sentia, não física, mas moral e espiritualmente, "espiritualmente" fazendo referência a estado de espírito e não a fantasmas idiotas de nenhuma espécie.
Sentia-se alquebrado... Alquebrado... Alquebrado?
À sua maneira pensou se a palavra fazia justiça à situação. Foi até o dicionário procurar. Estava lá:
Alquebrado: Curvado. Enfraquecido, abatido, debilitado. Prostrado.
Sim...
Fazia sentido. Ele estava, de fato, alquebrado. Estava alquebrado e só não temia permanecer assim pra sempre porque sabia que "pra sempre" era muito tempo.
Não era capaz de lembrar da última vez em que se sentira assim. Logo ele, a quem todos sempre buscavam em momentos difíceis por saber que ele não se deixava abater por nada. Que era tido como uma pessoa de pés no chão e de inabalável tranquilidade... Estava ali... Sentado no sofá, de madrugada, com a TV desligada encarando um facho amarelho de luz de mercúrio que pintava a parede da sala vindo através da janela. Sem saber em que pensar... Sem vontade de pensar, na verdade.
Estático.
Sabia o que lhe diriam:
Toca o barco. Bola ao centro e segue o jogo. Keep walking Johnnie Walker. É... Claro...
É por isso que ele não pedia conselhos a ninguém. As pessoas têm o dom de diminuir o que os outros sentem achando que isso as fará sentir melhor.

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Não há violência maior do que um abraço que tem consciência de ser o último.
Não existe dor maior do que a de uma despedida derradeira e consciente de ser a derradeira.
Há peso em excesso. Uma pontada de maldade. De auto flagelação...
Que as despedidas sejam leves como aquela em que se diz "Até quinta, então", com a crença inabalável de que haverá um outro dia, um outro abraço. Um outro "boa noite", mais um "dorme bem" e um inevitável novo "baita dia amanhã"...
Dói menos... Menos peso, sabe? Funciona melhor.
Um "adeus" definitivo, e que conhece o fardo de ser definitivo é sisudo demais pra ter espaço pra sorrisos. O "adeus" definitivo fecha todas as portas. As chaveia e as empareda por dentro com tijolo e argamassa.
A despedida vaga, aquela que se tinha como intervalo, e não final, essa ainda é capaz de deixar um sorriso aqui e ali. Mesmo que entre lágrimas.
A despedida casual permite que se deite na cama, se olhe pro teto, e se sussurre baixinho, com o peito apertado, um "até a próxima", sem nenhuma convicção, mas cheio de tola e insensata esperança.

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-Ora, francamente, Roberval... O que tu esperava?
-Tu, Acreditando? Botando fé?
-Tendo esperança, Roberval?
-Sério, isso? Esperança?
-Vou te contar, viu, Roberval? Espero que esse choque de realidade tenha te ensinado alguma coisa.
Ah... Ensinou, sim.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Resenha Cinema: A Perseguição


Mais um feriado em Porto Alegre, e ainda com a cabeça latejando depois de Os Vingadores, me vi no cinema pra assistir A Perseguição, longa metragem que reúne o ator Liam Neeson e o diretor Joe Carnahan depois de Esquadrão Classe A.
A Perseguição narra a desventura de um grupo de operários que trabalham com prospecção petrolífera no Alasca. Ao voltarem pra casa, sofrem um acidente aéreo que deixa apenas sete sobreviventes perdidos, a quilômetros de distância de qualquer civilização, feridos e famintos à espera de um resgate que pode jamais chegar.
Pra piorar, o grupo se vê na mira de uma territorial alcateia, que parece extremamente descontente com a presença dos prospectores na região.
Liderados por John Ottway (Neeson), eles precisam fugir do território dos animais em meio aos rigores do inverno na região inóspita contando apenas com a liderança de Ottway e a força de vontade de seu pequeno (e cada vez mais reduzido) grupo nyuma batalha onde os homens são flagrantes azarões.
É interessante ver Joe Carnahan trabalhando com poucos recursos novamente. O sujeito que fez o ótimo Narc com pouco mais que nada anos atrás e que pareceu ter sido, para o bem e para o mal, seduzido pela pirotecnia em seus trabalhos seguintes, mostra novamente que é capaz de trabalhar com pouca coisa.
Afinal, ali está um elenco de meia dúzia de nomes, apenas uns três sendo reconhecíveis, e um ambiente agressivo. Some-se a isso um ótimo trabalho com o som, e um ou outro vislumbre rápido dos lobos, e pronto:
Temos uma bomba de tensão em que é difícil relaxar na cadeira do cinema. Nunca o ruído de uivos e latidos nas sombras foram tão assustadores. E Joe Carnahan mostra que sabe jogar com esses elementos evocando o suspense das aparições do Tubarão de Spielberg, mas em um ambiente infinitamente mais assustador do que uma praia ensolarada.
Carnahan ainda conta com o talento e o carisma de Liam Neeson.
Fazendo o que faz melhor, o ator irlandês segue se divertindo com seu momento de action hero, e mostra que segura a bronca na hora da porradaria e ainda acha tempo pra mostrar um par de aspectos sombrios do seu personagem, um homem de espírito alquebrado que sobrevive mais por teimosia do que por apego à vida.
Entre um ataque de lobo e outro, Carnahan cria ainda um ambiente de hostilidade entre os sobreviventes, acha tempo para discutir fé, medo, moralidade e mortalidade, e impede que o filme se torne demasiado pesado ou tenso ao gerar momentos de genuína camaradagem entre o seu grupo de homens rudes (ui!) enquanto avisa que, em uma luta do homem contra a natureza, as chances estão geralmente contra o homem.

"Mais uma vez na luta.
Na última boa briga que conhecerei.
Viver e morrer neste dia.
Viver e morrer neste dia."