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terça-feira, 30 de abril de 2013

Durante o Blecaute



Ele descobriu que precisava muito, muito mesmo falar com alguém. Ligou pra ela. Perguntou se ela estava bem, ela disse que sim, algumas outras amenidades, e ele tomou coragem pra perguntar:
"Seria extremamente inapropriado se eu abrisse meu coração pra ti?", ela disse que não, que eram amigos e que amigos eram pra essas coisas. Então ele foi à casa dela, sentou-se no sofá diante de uma lata de Pepsi e, de fato, abriu o coração. Contou tudo, do início ao fim, exceto algumas partes que lhe pareciam demasiado íntimas de modo que ele omitiu.
Após várias horas em que contou quase tudo, estava terminando, sob o olhar atento dela.
-E a culpa não é de ninguém... Certamente não é dela... Não existem culpados. Engraçado que eu acho que, uma situação tão ruim, sem culpados, é ainda pior do que a mesma situação se desse pra apontar alguém e dizer "A culpa é dele.". Não sei porque-
-A culpa é tua. - Ela o interrompeu.
- Eu tenho essa impressão... O quê? - Ele não tinha, mesmo, entendido.
-Não é uma situação sem culpados. O culpado é tu. - Ela manteve, olhos azuis nos dele.
-Eu? - Ele perguntou pra ter certeza da afirmativa dela.
-É. Tu é o culpado. Tu, e tu sozinho. Tudo é culpa tua. - Ela sustentou.
-... - Ele não tinha nada pra dizer. Aquilo o atingira como um murro.
-Sério. Para pra pensar um instante. E recapitula tudo o que tu acabou de me contar, Ned... - Ela pediu, se ajeitando no sofá. -Quem é que foi puxar assunto com a menina? Tu. Quem deu corda quando ela começou a falar contigo? Tu. Quem não a desencorajou a te procurar? Tu. Quem agiu contra todos os próprios instintos o tempo inteiro? Tá, tudo bem, pelo que tu me disse ela fez isso, também, mas tu devia ter te flagrado, tu é mais velho, mais pé no chão...
-Ela também é pé no chão...
-Não importa... Depois tem todo esse lance de que tu não quer falar, que tu diz que não influencia, mas deve influenciar um pouco, já que tu não quer falar a respeito...
-Não... Foi um mau bocado, só. Mas pelo qual ela e eu passamos juntos... Não influenciou em nada.
-Se tu diz... Aí a gente chega nesse último parágrafo, em que ela te julga mal... Mas Ned... Te põe no lugar dela. E se o ex-namorado dela fosse um dos melhores amigos dela, saísse com ela, fosse ao trabalho dela... Tu acharia normal?
-Sim. - Ele respondeu, sem nenhum medo de estar sendo injusto. -Porque ela é esse tipo de pessoa, que a gente sempre quer ter por perto... Com quem ninguém em sã consciência quer romper relações...
-Ah... Mas tu não é. Um monte de gente em sã consciência quer romper relações contigo.
Os dois riram, mas ela ficou séria e continuou:
-Tu tem uma noção de mundo diferente das outras pessoas... Tu não pode cobrar ela dos outros, não pode medir outras pessoas pelos teus parâmetros. - Ela disse, pousando a mão no braço dele. E continuou:
-As pessoas normais se mordem, desconfiam, embrabecem e depois passa... Tu te desliga fácil, tu deixa pra lá, nada te atinge. Não é porque tu é insensível, nem porque tu é muito superior. É porque tu te concentra com todas as forças em outras coisas... Tu desata a ler, escrever, ver filmes, e deixa todo o resto pra lá... E quando tu te morde, te magoa e embrabece, meu Deus... Sai da frente, nunca mais... Como nesse caso...
Ele olhou pra ela com o que deve ter sido uma expressão cômica, pois ela riu:
-Acontece... As pessoas fazem cagadas. É o que nos torna humanos, não precisa entrar em choque.
Ele suspirou e abriu um meio sorriso de tristeza enquanto bebia um gole de refrigerante:
-Não é... Não é choque. Bom... Talvez seja um pouco. De tanto ela dizer que não era culpa de ninguém, eu acreditei. Eu sabia que não era culpa dela. Claro que sabia... Mas não tinha noção de que era tão minha culpa...Claro que alguma culpa eu tinha... Eu tenho essa tendência a ser-
-Responsável pela tua própria tragédia? - Ela complementou.
Ele riu de novo.
-Pois é... Essa compreensão súbita é meio dolorida vindo de outra pessoa... Bem dolorida, na verdade... Eu causei isso... Né? Toda a dor, olhando em perspectiva, todos os maus momentos passam por mim... Eu já sabia disso... Acho que disse isso pra ela em algum momento... Mas ela tinha esse jeito de me convencer do oposto, sabe? E era cômodo dividir os méritos com ela ao invés de arcar com as culpas sozinho...
A luz acabou. Estavam os dois sentados no sofá apenas com a luz que entrava pela sacada do apartamento. Uma luz amarelada do céu carregado de nuvens. A cidade estava escura. Ela abraçou ele em torno do pescoço. A luz voltou e eles ainda estavam abraçados. Ele perguntou:
-Ela vai ficar melhor sem mim, não é?
-Tu tem alguma dúvida? Olha pra ti, tu é um traste.
Os dois riram. Ele terminou o refrigerante, se levantou e agradeceu por ela tê-lo ouvido.
Enquanto ele voltava pra casa, passou em frente ao hotel Poa Residence, quando chegou ao viaduto a eletricidade caiu novamente. E ele voltou pra casa no escuro absoluto, exceto pelo farol dos carros que eventualmente passavam por ele, e cercado pelas trevas, pensou se elas eram, do lado de fora, tão escuras quanto as que trazia dentro de si.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Luzes de Mercúrio



Sempre houvera, ao menos para ele, um elemento de melancolia nas luzes de mercúrio de Porto Alegre, especialmente quando elas são acesas de dia.
Hoje, por exemplo, enquanto andava para o trabalho, sob uma chuva insistente que ensopava seus tênis e a barra de suas calças fazendo-o pensar que ainda não ia ser agora que eu ia se livrar do resfriado que o acompanhava já tinha uma semana, viu aqueles postes altos da perimetral emanando aquela luz quase cor-de-laranja de tão amarela, e não pôde deixar de experimentar uma sensação de perda muito palpável. Como se algo estivesse chegando ao fim.
Não que essa sensação fosse nova... Muitas vezes a luz triste, opaca e amarelada dos postes da iluminação pública da capital gaúcha fizeram com que se sentisse sorumbático em dias quando sua vida não podia estar melhor, mas hoje... Com tudo o que vinha acontecendo, por alguma razão, essa sensação parecia ampliada.
Ao cruzar a Loureiro da Silva, vislumbrou colado à uma parede um poster grande, de cinquenta por setenta centímetros, em um degradé verde no topo, ficando azul na base, e onde lia-se, em negras letras garrafais "Eu Amo Você".
Pensou nela. Na forma como ela dizia isso. Na forma como ele dizia isso pra ela. Em como era verdadeiro.
Pensou na voz falseteada dela, no seu cabelo longo, no cheiro dela. Nos cheiros, pois eram mais de um, diferentes dependendo da situação. Pensou nos pelos descoloridos do seu braço. No tamanho do seu pé. Na miudeza das suas mãos. Na suavidade de suas coxas, no tamanho luminoso do seu sorriso, e de como ele seria suficiente para afugentar a amarelidão do mundo mesmo num dia nublado daqueles.
Então pensou que não recebia mais aqueles sorrisos. Que em algum momento, as escolhas erradas que fizera, o tornaram alvo de desconfianças, e o fizeram indigno de merecê-los.
E sentiu a melancolia, a sensação de perda e a roupa molhada tornarem-se mais pesados a cada passo dali em diante.

sábado, 27 de abril de 2013

Rapidinhas do Capita



Ele vinha andando de um lado do shopping, acompanhado dos seus amigos. Ela ia andando do lado oposto.
Ele a viu de imediato. Sentiu o coração quase parar dentro do peito. Era ela. Linda, de branco, cabelo solto, devia estar cheirosa. Ele a olhou, e ela o olhava de volta, como o abismo de Nietzsche.
Os olhos cheios de mágoa e de desconfiança.
Parecia perguntar "isso é o que restou de nós?", "olhares de esguelha no corredor do shopping center?".
Ele praticamente a ouviu dizer as palavras com a voz séria dela. Com as sílabas bem diferenciadas, mas ainda com o sotaque que ele aprendera a amar. E também em sua mente respondeu, em silêncio, enquanto a via ir embora:
Não. Não só isso. Nunca só isso. Muito mais... Mesmo apartado, alquebrado, magoado e incompleto, ele ainda partilhava com ela... Suas madrugadas eram sempre dela. Juntos, eles possuíam todas as madrugadas do mundo.

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Homem de Ferro 3 revisto.
Inacreditável que ator é o Ben Kingsley. Cara, impressionante o talento daquele inglês. Monstruoso.
Muita gente pode não ter gostado do rumo que o personagem tomou no filme, eu mesmo não achei que tenha sido a mais sábia das escolhas, mas o trabalho do Kingsley é brilhante.

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O Carlos Eduardo e a Edith vinham discutindo pela rua já tinha uns quatro quarteirões, ela ficando cada vez mais exasperada, ele, cada vez mais sarcástico. Ali pelas tantas ele chamou ela de "mal amada" e ela respondeu dando-lhe um tabefe.
Ele a agarrou pelo pulso da mão que ela usara para golpeá-lo e a empurrou de encontro à parede de um prédio próximo, ela lutou pra se desvencilhar dele, ambos cambaleando de encontro a parede até saírem da rua. Ele a segurava firmemente pelo pulso com uma das mãos, com a outra, a agarrou entre o pescoço e o maxilar, e a beijou com fúria. Ela o golpeava com a mão livre fazendo ruídos resfolegantes de quem se esforçava, ele a prendeu de encontro à parede de tijolos usando o próprio corpo para tentar impedi-la de acertá-lo com os joelhos, mas ela ainda tinha uma mão livre e o arranhou violentamente nas costas enquanto o mordia entre o pescoço e o ombro até arrancar sangue.
Ele grunhiu de dentes cerrados enquanto tateava a calça jeans dela.
Assim que encontrou o zíper, ela já lutava não para afastá-lo de si, mas sim para encontrar-lhe o cinto.
O sexo foi ligeiro e feroz.
Saíram abraçados do beco menos de vinte minutos depois de entrarem.
O Carlos Eduardo, pra ser bem franco, não curtia aquela pirotecnia toda. Pra ele sexo ela melhor depois do banho, na cama, no sofá, até no chão da sala, qualquer lugar era melhor que a rua, que ele achava desconfortável e ainda tinha medo de ser pego.
Mas era o que a Edith gostava, então ele ia na dela. Não chegava a ser difícil, sustentar as discussões sem sentido que pareciam excitá-la tanto.
Difícil, mesmo, era conviver com os arranhões, lacerações e hematomas, mas em nome do amor ele faria um esforço.
Quem sabe, conforme ela ficasse mais velha, aceitasse ao menos discutir, brigar e fazer sexo em casa, mesmo?

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Acaso



Terça-feira... Ele saiu do trabalho, foi ao shopping e parou no guichê do cinema.
-Oi, tem pré-estréia do Homem de Ferro 3 essa semana?
-Tem quinta, bom, na verdade sexta... É à meia-noite e um. - Respondeu a menina, olhando o computador.
-Hmmm... - Ele fez, olhando pra cima.
-Tu prefere 3D ou convencional? - Perguntou a mocinha do balcão, sorridente.
-Não tenho preferência, na verdade... Pode ser convencional. - Ele respondeu dando de ombros.
-Convencional é dublado, 3D é legendado. - Ela disse.
-3D, então. - Ele respondeu de pronto.
-Lugares disponíveis em verde. - Ela anunciou enquanto o esquema dos lugares do cinema aparecia na tela virada pra ele.
Ele examinou a tela por alguns momentos, então, após um rápido escrutínio, anunciou:
-Vou querer a 14 e a 15 na fila Q.
-Quatorze e quinze na Q... - A mocinha disse enquanto movia o mouse do seu terminal.
Mas ele caiu em si e disse:
-Não!... Não... Só a quinze.
-Só a quinze, então... -Disse a menina, movendo o mouse novamente.
Ele ficou ali pensando, em como fora um reflexo natural pensar em comprar o ingresso dela, também. Nas duas últimas vezes em que fora à uma grande estréia de filme de super-herói, ela estivera com ele. Era apenas natural pensar que ela estaria lá ao seu lado quando o logo da Marvel aparecesse na tela grande.
Ver esses filmes em pré-estréia, cheio de nerds ao seu redor era das melhores coisas da vida, pra ele. Assim como ela era.
Assim como era o amor genuíno que ele sentia por ela.
Na hora de fazer coisas boas, ele sempre colocava ela nos seus planos. Instintivamente.
Jogar RPG? Não esqueça a ficha do personagem dela...
Comprar encadernado novo? Saber se ela já leu aquele...
Comprar ingresso antecipado pra pré-estréia de filme de super-herói? Comprar o dela, também...
Mas ela não estava mais ali... E ele tinha que se habituar.
A moça entregou o bilhete pra ele. Ele o apanhou e olhou. Lembrou-se da posição das poltronas... Dezesseis a vinte e dois estavam ocupadas. Treze, quatorze e quinze, livres.
Voltou até a moça do guichê:
-Desculpa, tu pode trocar pra mim? Pela 14 na mesma fila?
-Claro. - Suspirou a menina.
Ele pegaria o assento quatorze... O quinze, ao seu lado, estaria livre. Talvez, apenas talvez, o acaso conspirasse a seu favor, por uma vez, e ela compraria aquele ingresso. Quinze, na fileira Q, o acaso os acomodaria sentados lado a lado, como era pra ser...
Na quinta, cheio de expectativa, ele foi lá,mas quem sentou ao seu lado foi um outro sujeito sozinho como ele.
Ás vezes não dá pra contar com o acaso.

Resenha Cinema: Homem de Ferro 3



O Homem de Ferro era, sejamos francos, um super-herói que estava, no mínimo, nos últimos degraus da primeira linha da Marvel. Ele estava nos Vingadores, OK, mas sejamos francos, muita gente duvidosa já esteve nas fileiras dos Vingadores. O Homem Areia, inimigo do Homem-Aranha, já foi um Vingador, Starfox era Vingador, Jocasta foi uma Vingadora.
Quem é Jocasta?
Exatamente o meu ponto.
De qualquer forma, o Homem de Ferro não era exatamente um jogador de primeiríssima linha na Marvel em termos de poderes e habilidades. Já experimentara picos de popularidade nas épocas em que teve histórias particularmente bem contadas, como por exemplo o clássico Demônio da Garrafa, ou Guerra das Armaduras, mas era meio escanteado, ao menos na comparação com os grandes nomes da Casa das Ideias. Prova disso, é que até pouquíssimo tempo atrás, o Homem de Ferro jamais tivera um gibi próprio publicado no Brasil.
A grande explosão de popularidade do Homem de Ferro, ao menos mais recentemente, foi mesmo quando Robert Downey Jr. usou a barba bem aparada e a armadura de Tony Stark no cinema, e exacerbou algumas das melhores características e qualidades do personagem (que até vinham sendo deixadas meio de lado por escritores dos quadrinhos), e lembrou ao mundo quão maneiro o super-herói armadurado podia ser.
Homem de Ferro, de 2008, dirigido por Jon Favreau, é uma fita de origem extremamente competente e muito divertida. Homem de Ferro 2, de 2010, era bacana, embora ali pelas tantas desse a impressão de que perdera o foco ao parecer estar mais interessado em pavimentar o caminho para o vindouro filme de super-time da Marvel do que contar sua história, ainda assim divertia.
Tony Stark então deu as caras no grande blockbuster de 2012, Os Vingadores, onde seguiu sendo o som da festa, restava saber como ficaria a carreira solo de Stark e Downey Jr. após os eventos megalômanos do filme da super-equipe, e o que aconteceria com o tom do filme uma vez que Jon Favreau havia abandonado a cadeira de diretor e sido substituído por Shane Black, roteirista de Máquina Mortífera, e que havia dirigido unicamente Beijos e Tiros, estrelado pelo próprio Downey Jr..
Ontem eu descobri.
Homem de Ferro 3, parte dos acontecimentos de Os Vingadores para mostrar que Tony Stark não anda lá muito bem.
Conforme ele próprio nos conta já na primeira cena do filme, nós criamos nossos próprios demônios, e Tony Stark é um tremendo inventor.
Sofrendo de estresse pós-traumático após a batalha contra os Chitauri de Loki em Nova York, Tony está obcecado com o aperfeiçoamento de sua tecnologia, pois entre deuses, monstros e alienígenas, ele é "apenas um sujeito enlatado".
Enquanto melhora seu arsenal, Tony tenta impedir que seus fantasmas virem obstáculo para seu relacionamento com Pepper Potts (Gwyneth Paltrow), e observa a distância os atos terroristas do Mandarim (Ben Kingsley), um showman na arte de aterrorizar, que está deixando os EUA de cabelos em pé com uma onda de atentados ao país.
Quando um desses atentados acaba ferindo Happy Hogan (Favreau), Tony vê a querela com o Mandarim se tornar pessoal, e desafia o criminoso.
Um desafio que é prontamente aceito.
Enquanto é atacado de todo o lado pelo Mandarim, Stark precisa escapar com vida e ainda lidar com Maya Hansen (Rebecca Hall, a feia mais atraente do cinema), e Aldrich Killian (Guy Pearce), dois cientistas da IMA, cuja criação, Extremis, pode estar sendo utilizada pelo vilão em seus atos de terror, além de ter que se virar para reparar sua armadura após a destruição de sua casa.
O resultado é muito bacana.
Ao contrário do que sugeriam os trailers do filme, Homem de Ferro 3 não tenta ser mais sombrio, tampouco emula Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, conforme muitos aventaram após as prévias serem divulgadas.
Nada disso.
Tony Stark, embora sofra de crises de ansiedade, não se tornou um personagem menos cativante e engraçado do que fora antes, e cresce na medida em que seu relacionamento com Pepper se torna mais importante, Pepper, aliás, ganha mais espaço para brilhar, Happy Hogan também tem seus momentos, assim como Don Cheadle e o computador Jarvis (com a voz de Paul Bettany), mais participativo do que nunca.
O roteiro de Drew Pearce e Shane Black não altera drasticamente o tom na aventura do ferroso, apenas adiciona um maior sentido de urgência, ainda acertam em cheio ao usar a tecnologia Homem de Ferro de maneiras muito bacanas que ainda não tinham aparecido no cinema, como no sequestro do presidente dos EUA, ou no resgate aéreo após o ataque do Mandarim ao Força Aérea 1.
Não...
Antes que me perguntem, Homem de Ferro 3 não é o melhor filme de super-herói já feito. Pra ser franco, não pega nem top-10, e nem é superior ao primeiro longa do personagem. O filme escapa de arapucas que acabaram custando ao segundo filme, como o desfecho apressado, mas tem seus escorregões, especialmente para quem é fã dos quadrinhos do Homem de Ferro e não lida bem com mudanças drásticas na mitologia, e tem lá seus furos.
Ainda assim, o bom humor, a aventura arejada, boas sequências de ação, e trabalho de respeito do elenco seguram bem a peteca.
Resta saber pra onde o Homem de Ferro, e principalmente, Tony Stark, irão daqui.
Como sempre, fique até o final dos créditos.

"Tem uma coisa que ninguém pode tirar de mim. Eu sou o Homem de Ferro."

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Sem Rastros



Foi uma noite febril a que o Roberval tivera.
Ele sempre sentira as alterações de temperatura do outono gaúcho caírem sobre ele como a ira de um deus furioso. Não era novidade. Quando as manhãs e as noites tinham temperaturas de inverno, e as tardes eram ensolarados dias de verão, o sistema imunológico do Roberval colapsava. Em grande parte era sua culpa, já que ele era, no mínimo, negligente com a sua saúde.
Agora, Roberval via-se desde domingo à noite com dores de garganta, febre, e coriza. Os sintomas típicos de um resfriado causado pela variação climática brusca.
Dormira cedo. Cansado, febril, dolorido, triste... E sonhou...
No sonho, andava pela praia ao lado de um amigo. Talvez fosse Antero.
A praia certamente era Torres.
Viu quando se aproximou, de blusa cortada e amarrada na barriga e biquíni a Jurema.
Jurema era uma menina muito, muito linda que morara na mesma rua em que Roberval na adolescência. A Jurema tinha uma irmã, Joseane, que era igualmente linda. Ambas pareciam-se bastante uma com a outra e um bocado com a Natalie Portman e era até difícil distingui-las, e a verdade é que Roberval praticamente não tivera nenhum contato com a Jurema, embora tivesse conversado ocasionalmente com a Joseane, que era bastante hippie, gostava de drogas leves, álcool e de tomar banho no rio de roupa íntima.
No sonho de Roberval, a Jurema se aproximou sorrindo, e o beijou na boca, dizendo "oi, amor".
No sonho, um intervalo se ofereceu, para que Antero explicasse a Roberval que Jurema e ele estavam namorando. Quando Roberval perguntou "Como é que eu estou namorando com a Jurema?", Antero disse "Eu não sei. Tu estava bêbado e disse alguma coisa que ela gostou muito.".
Roberval aproveitou-se da situação, e saiu de mãos dadas com a Jurema, com quem comeu pastel e bebeu suco de uva em um quiosque da beira da praia.
Depois, foram a um luau, onde Jurema e ele trocaram beijos e carícias enquanto ao seu redor havaianos com a máscara do Homem de Ferro dançavam balançando folhas de bananeira.
O tempo todo, Roberval pensava que não devia estar fazendo aquilo. Por mais linda que Jurema fosse, ele não merecia estar com ela. E nem sequer sabia se queria. Passear na praia uma noite era uma coisa, mas e amanhã? E depois? Jurema talvez fosse tão hippie quanto Joseane, e ele era o extremo oposto disso...
Acordou-se em sua cama, ensopado de suor, com um calor absurdo.
Levantou-se e andou trôpego até o banheiro, onde se despiu e tomou um banho fresco.
Voltou pra cama, cobriu-se e voltou a dormir.
Dessa vez sonhou que seu amigo havia perdido um carro perto do super-mercado. Levaram horas procurando sem encontrar nada. Ele acabou acordando de leve, olhou para a TV, uma socióloga falava das hipotecas nos EUA, o sobrenome dela era Sassen, ele não viu o primeiro nome e voltou a dormir.
No sonho estava sentado na sacada do antigo apartamento de sua avó, na Fernando Machado, o céu estava negro e ventava muito, havia uma barra verde no horizonte, onde o sol parecia se pôr, e relâmpagos brancos dançavam entre as nuvens e a eles seguiam-se trovões violentos que ribombavam no estômago de Roberval. Sua avó saiu da sacada e perguntou:
-O que é que tu está fazendo aí, meu filhinho?
E Roberval respondeu:
-Estou esperando. Estou esperando porque é bom esperar. Estou esperando porque eu sou bom nisso. Talvez seja a coisa na qual eu sou melhor nessa vida... Esperar por ela. Porque ela é a melhor coisa da minha vida, então... Simplesmente faz sentido.
Acordou-se novamente. Com muito, muito frio. Ardia em febre. mediu a temperatura e ergueu as sobrancelhas ao constatar os 41 graus. Tomou um anti-térmico, um copo grande de água muito gelada, e voltou a se deitar. Seus olhos doíam.
"Estou esperando"... Ele já lera aquilo? Eram palavras dela? Não sabia... Nem poderia saber. Ela se fora, e levara consigo suas palavras... Ele não tinha nada... Nem as palavras dela para se confortar.
Voltou a dormir, com os olhos doloridos, mas dessa vez, não sonhou.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Rapidinhas do Capita


E enquanto conto as horas até a pré-estréia de Homem de Ferro 3, posso ir me divertindo com o novo trailer de Thor - O Mundo Sombrio, sequência do filme solo do Deus do Trovão lançado em 2011.

Na prévia, além da barulheira, explosões, efeitos especiais e caras e bocas do galã Chris Hemsworth podemos ter vislumbres do triângulo amoroso entre Thor, Jane Foster (Natalie Portman) e Sif (Jamie Alexander), e o que parece ser uma desconfortável aliança entre Thor e Loki (Tom Hiddleston), o Deus da Trapaça.
"Você deve estar muito desesperado pra vir a mim..."

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E já que estamos numas de cinema nerd, e esse Wolverine - Imortal, hein?
Se tu pensa da mesma forma que eu, então tá achando esse filme com a maior cara de arapuca. Literalmente uma sequência de X-Men Origens: Wolverine, o que não é, de forma alguma, um elogio.
A prévia do filme é tão meia boca que eu francamente nem vou postar ela aqui.

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Mas pra não parecer racista e dizerem que eu odeio mutantes, vamos dar uma olhada na Halle Berry e sua roupa de Tempestade em X-Men - Dias de Um Futuro Esquecido, sequência (que eu duvido que não vá ter o nome alterado) de X-Men - Primeira Classe e que marca o reencontro de Bryan Singer com os mutantes mais queridos de Westchester.
Ororo Munroe, com o que parece ser um traje pós-apocalíptico do futuro alternativo onde mutantes são brutalmente caçados por humanos e sentinelas...
Maneiro.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Rapidinhas do Capita



A Doralice parou na vitrina da livraria onde passava sempre e teve sua atenção capturada por um título em particular:
"Como Sobreviver Ao Fim Do Mundo".
Riu.
O fim do mundo, pra quem estava encarando tantos outros finais recentemente era matéria de jardim de infância.

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No dia em que soube que ela havia ido embora, ele passou duas vezes em frente ao prédio onde ela havia morado. Uma vez à tarde e outra à noite.
Em ambas teve ímpetos de sacar o celular e escrever a mensagem "tô aqui embaixo", que escrevera tantas vezes para ela, mesmo em vezes em que ainda não estava lá.
Mas aí se lembrou das mazelas da vida, e seguiu seu caminho.

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Ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos eu ia ficar quieto, porque do amor eu nada sei, exceto que dói e dói muito, e que é melhor ficar longe dele se formos minimamente sabidos.

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Eu tinha um tio que morava longe, mas todo ano vinha nos visitar, falando com sua voz super tranquila.
Um tio que, no meu aniversário de sete anos me deu um canivete suíço e, sem saber, armou o maior serial killer da história das formigas de Rainha do Mar.
Que nos anos oitenta dirigia um Puma GTB cor de pérola e levava meus primos e eu pra comer sorvete.
Eu não tenho, mais.
Vai em paz, tio Mário.

Provincianismo, Não...



Desde a semana passada vi a celeuma que se criou na internet por conta da nomeação de Carlos Villagrán, o Kiko do seriado Chaves, como embaixador da cidade de Porto Alegre para a Copa do Mundo de 2014.
Não vou repetir a piada que virou febre na internet, de que com a Seleção jogando uma bola quadrada e com um monte de gentalha envolvida, a nomeação do Kiko estaria mais do que correta, não, vou me calar pra não deixar ninguém louco.
Prefiro, mesquinho que sou, me focar justamente na mesquinhez de certos intelectuais e artistas gaúchos que picharam do jeito que puderam a honraria ao Kiko, dizendo que, como gaúchos, não se sentiam representados pelo humorista mexicano.
Bom... Ele não está representando vocês, imbecis.
Está representando uma cidade que deve ser apaixonante até pra quem não vive nela, nem nasceu aqui. Está representando uma cidade que tem que ser atraente para turistas, e ser enaltecida por mais gente do que meia dúzia de pseudo-celebridades que aparecem semanalmente no Jornal do Almoço, ou que escrevem uma coluna num dos pseudo-jornais da cidade.
Eu nasci em Porto Alegre, amo essa cidade e francamente, não a troco por nenhuma outra (exceto no verão, quando tenho vontade de estar em qualquer lugar frio, vá lá...), e não acho que um estrangeiro ser embaixador da cidade seja uma ofensa ou demérito de qualquer espécie.
Algum gênio acredita que se Zé Vitor Castiel, Fabrício Carpinejar, ou Jair Kobe, o Guri de Uruguaiana, que estava todo mordido nas redes sociais, recebesse essa incumbência haveria repercussão igual a que aconteceu em toda a América Latina, onde sites noticiaram sem parar que o Kiko era embaixador de Porto Alegre?
Claro que não.
Mesmo considerando-se que Castiel, Carpinejar e Kobe sejam merecedores de honrarias, o título, nas mãos deles, não teria metade do impacto que teve ao ser concedido a Villagrán, nem além dos limites de Porto Alegre, e muito menos além das fronteiras do Brasil.
Como houve polêmica por conta da escolha, a nomeação de Kiko (Um ardoroso fã do futebol brasileiro, futebol, saca, que nem na Copa do Mundo? Tão admirador que batizou seus filhos Édson, em homenagem ao Pelé, e Paulo César, e homenagem ao Caju) como embaixador é órfã. Até onde sei ninguém quis assumir a autoria. João Bosco Vaz, Secretário Especial da Copa, por exemplo, disse que tinha ido viajar e foi informado da nomeação de supetão quando retornou.
Bom, seja quem for o dono da ideia, apenas pelo impacto que teve, colocando Porto Alegre em sites de notícias e jornais da Argentina ao México, está de parabéns.
Nada contra um pouco de bairrismo. Nada contra acreditar que o que é nosso é bem melhor. Eu, gaúcho que sou, também partilho do sentimento. Mas provincianismo, não.
Provincianismo é pra gentalha.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Perpétua em Shawshank



Entraram no bar de sempre, sentaram na mesa de sempre, e acenaram pro garçom que não era o mesmo de todas as outras vezes, mas um rapaz novo chamado William, que o Everaldo insistia em chamar de Billy, que fez um sinal levantando o dedo indicador com as sobrancelhas bem erguidas e apontando com os olhos pro outro lado, deixando muito claro com aquela mímica sinistra que ia atender uma outra mesa ali e já vinha.
O Paulo Roberto sentou na sua cadeira de sempre, de frente pra TV, que ele detestava perder o noticiário, e o Everaldo sentou de costas pra TV que era apenas uma forma de o governo nos incentivar a comer porcaria e agir feito idiota.
O Everaldo sentou apoiando os punhos sobre a mesa e cruzando os dedos. Ficou nessa posição por uma fração de segundo, só até perceber que a mesa tinha sido retirada, mas não limpa, então suspirou com nojo enquanto virava os braços olhando se tinha se molhado ou se sujado.
O garçom chegou, simpático, e prestativo, limpou a mesa com capricho.
-E aí, gente? Um chopinho pro Everaldo e uma Coca pro Paulão?
O Billy chamava o Paulo Roberto de Paulão. A maioria não se ligava no "Roberto", e como ele era um sujeito grande uma coisa levava à outra, o Paulo Roberto nem ligava, de certo modo, parecia fazer sentido.
O Everaldo imediatamente assentiu, fazendo a ressalva de que não queria chope de fim de barril, e que tivessem consideração com ele e abrissem um novo antes de lhe oferecer o último copo de um barril que terminava, ao que o garçom assentiu com uma piscadela. O Paulo Roberto, porém, deteve o rapaz com um gesto e disse:
-Quero Coca, hoje, não, William. Me traz um chope e uma dose de tequila.
O rapaz olhou pro Paulo Roberto com espanto por uma fração de segundo, mas deteve-se e ergueu as sobrancelhas enquanto apontava os cantos da boca pra baixo em uma expressão que tanto podia significar "entendi", como "tu que sabe", ou "porra... Quem diria.". O Everaldo, porém, se espetou na cadeira, e olhando por Paulo Roberto começou:
-Que merda é essa, agora?
O Paulo Roberto não respondeu. Ficou em silêncio olhando pro amigo do outro lado da mesa.
-Hein? - Insistiu o Everaldo.
-Merda nenhuma, porra. Quero beber, hoje, por quê?
-Deixa nosso pedido em espera, Billy.
O William saiu de fininho, deixando o Paulo Roberto sozinho com seu amigo na mesa. Voltou rápido se esgueirando feito uma serpente, e largou uma cesta de castanhas variadas no centro da mesa pedindo licença, e voltou a sair.
Everaldo começou:
-Me diz uma coisa, Pê Erre... A quanto tempo tu não bebe?
-Sei lá... Dois anos?
-Por aí... Uns dois anos.
-Mas se tu não lembra, eu nunca tive problemas com a bebida. Nunca fui alcoólatra, nem sequer era de ficar bebum em final de semana. Eu parei de beber simplesmente porque eu quis parar. Porque eu não tava mais curtindo.
-Eu tô sabendo, Pê Erre. Tô sabendo... Não tô fazendo essa merda porque tu é alcoólico... É porque a uns dois anos tu sacou que não precisava mais beber, que não curtia, que tava na boa sem isso. E hoje, tu me encontra com cara de cu, o que não chega a ser novidade, já que tu anda com cara de cu já tem uns bons quatro, cinco meses, mas tu chega com cara de cu, me cumprimenta bufando, entra no bar e pede chope e tequila, e, mais impressionante de tudo, falou "porra", quando eu te perguntei o que tinha acontecido, e não disse "obrigado" quando o guri largou as castanhas na mesa.
O Paulo Roberto não disse nada. Tinha as mãos no colo e estava sentado meio jogado na cadeira do bar, como um adolescente rebelde prestes a levar um sermão da diretora do SOE. O Everaldo continuou:
-Então... Tu ficar com o cu virado, te entristecer, e essa merda toda, tranquilo. Tô habituado com essa porra. A teu modo, tu é um filho da puta sensível, e sempre teve essa tendência de veado a ter crises existenciais, e o caralho... Na boa. É do jogo. Tu aguenta muita merda de minha parte, então, como teu amigo, eu tô aqui pra aguentar eventuais merdas de ti.
O Everaldo se endireitou na cadeira enquanto descascava um pistache. Seguiu:
-O lance é que, o teu normal, mesmo quando tá triste, acabrunhado, de coração partido e essa merda toda, é ser educado. Tu é um filho da puta polido. Sempre foi. Liga pra convenções sociais e talicoisa. Não vou te dizer a bobagem que essa porra toda é, mas enfim, tu sabe e é assim...
O Everaldo largou as cascas ao lado da cesta de castanhas, sobre um guardanapo que ele abrira estrategicamente antes de fazer seu pedido e comeu a castanha lambendo os dedos longos e finos. Mastigou brevemente e engoliu:
-É o teu normal. E se tu tivesse pedido "um chope e uma tequila, por favor", eu não teria visto nada de errado em tu querer ingerir um pouco de álcool hoje, seja pela bosta que for, mas quando tu quer beber, mas tu não é bem tu, então, meu velho, tem alguma merda mais grossa na parada.
O Paulo Roberto não disse nada. Fez sinal pro William que atendeu de pronto. Ergueu a cabeça enquanto se endireitava na cadeira e disse:
-William, nos traz uma Coca-cola seiscentos bem gelada e um chope, por favor.
-É pra já. - Assentiu o rapaz, saindo de imediato.
O Everaldo não tinha se mexido.
-Tu quer falar dessa porra aí que tá te incomodando, Pê Erre?
O Paulo Roberto tirou os óculos e massageou o nariz. Olhou pro Everaldo:
-Pois é... Então. Ela foi embora.
-Foi?
-Arram.
-Bom... Mas... Ah, merda. Não me xinga por eu dizer isso... Mas tu não tinha mandado ela embora, de certo modo?
-Acho que sim... - Disse Paulo Roberto, colocando os óculos de volta no rosto e silenciando enquanto o chope e o refrigerante eram colocados diante deles na mesa. Agradeceu ao William quando este saiu, e continuou:
-Mas sei lá... Por mais magoado que eu estivesse... Achei que... Achei que merecia ao menos uma despedida... Sabe?
-E ela... Tu acha que ela não tava magoada pra caralho, também, e quis evitar a merda da despedida?
-Devia estar... Tu tem razão. Deveria estar...
-É... Quem te contou que ela foi embora?
-Ninguém... Fiquei sabendo, só.
-Que foda... Lamento, Pê Erre. Mas quem sabe, de uma porra de jeito torto, não fosse disso que tu precisava pra sair dessa fossa cheia de merda que tu tá e tocar o barco?
-Eu meio que pensei nisso... Juro. Pensei nisso na hora, sabe? Mas acho que... Sei lá. Ela isso. Que eu tava seguindo em frente.
-Porra, e tu tá, Pê Erre...
-É... Acho que... Olha. Não é fácil. Ela diz que eu já não olhava pra ela com os mesmos olhos... Que a minha percepção dela mudou... E não é, sabe? Na verdade, depois dela, a minha percepção da vida mudou. Minha vida é antes e depois dela. Eu queria tudo. Tudo, mesmo... E saber que ela era incapaz de confiar em mim, saber que o passado ia ficar coaxando entre nós feito um sapo inchado e mal-encarado... Isso me matou. Isso matou minha melhor parte, Everaldo. E eu me peguei mais magoado do que eu sabia que podia ficar... Mais do que eu tinha ficado na época da Conexão Argentina... Porque naquela época, eu fiquei ferrado, mesmo. Fiquei, mas tipo, ali eu sabia que tinha que seguir em frente, então bora continuar. Agora não. Agora, Everaldo, eu me sinto num show de talentos que acabou de ter uma apresentação dos Beatles e o próximo número é um cara que faz barulho de peido com o sovaco. Eu não sei o que fazer... Sério... Ela falou do cachorro do Richard Gere... E eu não sei se foi por acaso, ou não. Não sei se ela lembra, que na primeira vez em que nós nos sentamos pra conversar juntos, a primeira vez em que ela tomou todo o refrigerante dela, e depois terminou o meu, era um sábado, e esse filme estava passando na TV... E isso... Essa compreensão súbita disso... Foi como se tivessem enfiado a mão na minha boca e arrancado o meu estômago pelo esôfago...
O Everaldo sorveu um longo gole do seu chope, e fez, ainda que brevemente, um ruído e uma expressão de atestaram em favor do sabor e da cremosidade da bebida. Mas pousou o copo cuidadosamente sobre a bolacha de chope, antes de olhar meio pro Paulo Roberto, meio pra cima, e começar:
-Tu vai seguir em frente, Pê Erre... Aos trancos e barrancos... Vai ser uma merda. Vai ser uma porra. Vai ser o caralho mais fodido do mundo... Vai ser como estar preso em Shawshank.
-Shawshank? A prisão do Um Sonho de Liberdade? - Perguntou Paulo Roberto, pra ter certeza de que acertara o símile.
Isso... A vida vai ser como perpétua na prisão de Shawshank, Pê Erre. Tu tá preso aqui pra sempre, e o tempo todo vão estar tentando foder teu rabo.
É... - Concordou Paulo Roberto bebendo um gole da Coca-cola geladinha que William lhe trouxera. - Só que Andy Dufresne escapou vivo de Shawshank. Eu não vou conseguir fazer a mesma coisa...

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Rapidinhas do Capita

Saiu o novo trailer de O Homem de Aço, filme que vai dar aquele conhecido reboot na origem e nas aventuras do Superman após a mistura de reboot com continuação de Superman - O Retorno, de 2006.
A prévia com pouco mais de três minutos mantém o nível absurdo de qualidade das três prévias anteriores, os dois teasers com narrações de Jor-El (Russel Crowe) e de Jonathan Kent (Kevin Costner), e o magnífico trailer com Martha Kent e a saída de Kal-El da Fortaleza da Solidão.
Esse novo trailer mostra mais pancadaria, um vislumbre da destruição de Krypton, Lara-El (Ayeleth Zürer), e Lois Lane (Amy Adams), além de flashes do que promete ser uma das super-pancadarias mais épicas da história do cinema.
Enjoy, nerd-heads.





Rapidinhas do Capita

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Já que estamos falando de cinema nerd, essa semana Mark Webb mostrou as primeiras fotos de Jamie Foxx caracterizado como Electro em O Espetacular Homem-Aranha 2.


Aparentemente o caminho escolhido pela equipe de produção do longa no tocante à aparência do vilão foi a versão energia elétrica viva que foi utilizada no saudoso desenho animado Spectacular Spider-Man. Resta especular como ficará o Electro depois daquele tapa esperto na pós-produção.

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Pra não sair do assunto, Capitão-América 2 - O Retorno do Primeiro Vingador, título brasileiro danado de ruim para Captain America - The Winter Soldier, que os roteiristas alardeiam como um "thriller político com super-poderes" mostrou algumas de suas primeiras fotos, e nelas se pode ter um vislumbre do novo uniforme do herói.


Francamente? Mais feio que o traje de Os Vingadores não tem como ser, mas parece meio escuro demais, e bandeiroso de menos...

terça-feira, 16 de abril de 2013

Homem de Fundamento



O seu Parreira, cinquenta e tantos anos, começando a ficar grisalho, julgava-se um homem bem sucedido.
Jamais fora jogar em um cassino em Las Vegas e perdera uma fortuna, nem fizera um cruzeiro marítimo a bordo de um navio de vinte e seis andares ao redor das ilhas gregas, tampouco tivera em sua cama duas capas de Playboy ao mesmo tempo. Pra ser franco, não tivera nenhuma, e só subira em um navio quando resolveu passear com a patroa no Cisne Branco na orla do Guaíba, e isso já tinha alguns anos, e a maior aposta que fizera na vida fora abandonar o exército para se tornar escriturário, o que, no final das contas, fora uma aposta que ele ganhou.
Se o emprego não era, nem de longe, dos mais atrativos, o Parreira, unindo a disciplina militar à qual se afeiçoara ao longo de seis anos na corporação, a tirou de letra, e galgou os degraus da função até se tornar escriturário chefe da repartição, e pouco tempo depois, da região. Se aposentaria nessa função, e receberia uma aposentadoria digna que permitiria, quem sabe, fazer o tal cruzeiro com sua esposa, a Neyde, sua parceira de mais de trinta anos de luta diária com quem construíra uma vida, um lar e uma família.
Seu Parreira tivera, com Neyde, três filhos.
O mais velho, Oscar, formara-se engenheiro e seguira carreira militar, era capitão da aeronáutica e chegara a flertar com a aviação civil em face da iminente aposentadoria da frota da FAB, mas fora dissuadido por seu Parreira, que o aconselhou a segurar as pontas e continuar sendo um militar, que era um futuro muito mais garantido, considerando-se a baderna que era o mercado aéreo brasileiro. Oscar seguira o conselho do pai, permaneceu firme na Força Aérea, e, recém casado com uma boa moça que conhecera na Bahia, a Roselis, já preparava um primeiro neto para o Parreira.
O do meio, Adhemar, era um moleque rebelde. Queria ser jogador de futebol e odiava a escola. Seu Parreira, ao custo de muito esforço, conseguiu obrigar o fedelho a concluir o ensino médio e cursar, pelo menos educação física na universidade, pra ter um ofício caso o seu futebol fosse menor do que ele supunha. Provou-se certo. Adhemar não era tão bom de bola quanto imaginava, e se não fosse a faculdade, poderia ter ficado muito tempo desempregado. Mas não. Assim que percebeu que suas maiores glórias no esporte seriam nas peladas de final de semana, abraçara a carreira de educador físico. Mais que isso, cursara fisioterapia e tornou-se preparador físico de um bem conceituado clube de vôlei de Santa Catarina. Longe de ser o que Parreira queria, ao menos ainda era uma vida digna e que o moleque construíra por si próprio, com o pai apenas ajudando-o a dar o primeiro passo
Seu Parreira tinha ainda outro tesouro edificado junto à Neyde. Juliana. Sua princesinha, como não podia deixar de ser. A filha mais nova tinha o belo nariz e o sorriso de Neyde, mas herdara os cabelos escuros e os olhos claros da família de Parreira. Era alta, esguia e bonita como deveriam ser todas as moças de dezenove anos. Ainda era aplicada, tirava boas notas, estudava, queria ser geóloga e trabalhar com extrativismo mineral, o que em tempos de pré-sal e da companhia de extrativismo daqueles ricaços cujos filhos matam todo mundo lá no centro do país era certeza de escolha acertada.
Se havia alguma coisa em Juliana que não agradava ao Parreira, era o fato de ela ter, na opinião dele, "dedo podre pra homem".
Parreira queria sua filha casada. Não queria que ela fosse uma desfrutável que pula de cama de homem em cama de homem, dessas que acha que calcinha é adorno de tornozelo. De jeito nenhum, pra ele isso seria um destino pior que a morte. Mas, baseado no tipo de namoradinho que a Juliana sempre levara em casa... Ele já começava a se perguntar se o lugar da Juliana não era sendo a maior freira geóloga a serviço do Vaticano.
O primeiro namorado só não foi um espanto total porque era justamente o primeiro, conforme a Neyde o lembrou veementemente enquanto lhe entregava o antiácido, era um fedelho magrelo, com uma franja azul-marinho penteada por cima dos olhos que estavam mais maquiados que os da Juliana. O fedelho parecia um graveto, todo vestido de preto com botinas de militar e calça preta, e uma camiseta que nem lhe cobria o umbigo.
Entrou na casa a passos miúdos e nem sequer se dignou a erguer aqueles olhos cheios de rímel quando o cumprimentou com um "tudo bem?" quase inaudível.
Parreira não gostou do fedelho, e fez questão de deixar isso claro enquanto a Juliana se arrumava. Aterrorizando o moleque com histórias das atrocidades que o irmão dela, Oscar, que era da Força Aérea, faria a quem quer que maculasse sua irmãzinha.
Pareceu funcionar, ele nunca mais viu o fedelho de franja.
O outro namoradinho que apareceu, foi uma nova decepção. O moleque se vestia como um cantor de rap (Parreira jamais seria visto dizendo "rapper".), falava feito um cantor de rap, mas era branco como uma vela. Não bastasse todo o rap, nem mesmo era negro, o que faria dele ao menos um artigo genuíno. Era um branquelo criado a ovomaltine na Bela Vista que achava que era supimpa usar bermudas de boxeador, uma meia esticada e a outra arriada e camiseta de futebol americano com um boné cuja aba não apontava direito nem pra um lado nem pra frente. Entrou na casa mexendo os braços de um jeito esquisito e cumprimentou o Parra com um "E aí, dos meu?".
Aquele o Parreira aterrorizou por si próprio, afiando a sua faca de desossar na sala enquanto destrinchava um frango pra Neyde e assistia um documentário sobre a Guerra da Coréia no History Channel.
Depois do cantor branco de rap apareceu um bunda mole que estudava medicina. A Neyde reclamou que devia ser aquele, afinal, seria médico. O problema foi que, no breve período em que conversou com o rapaz, o Parreira descobriu que o sujeito jamais trabalhara na vida, que sua casa, carro e universidade eram bancadas pelo pai, que também era médico, cirurgião plástico, e que arranjaria emprego pro filho na sua própria clínica.
Obviamente aquele borra-botas mantido pelo pai não era homem suficiente pra sua Juliana, que além de ser sua princesinha era uma moça difícil, que colocava as coisas na cabeça e não era facilmente dissuadida, e que certamente esmigalharia aquele cretino.
Neyde começou a reclamar, após o sétimo namorado da Juliana ser reprovado na sabatina de Parreira (O quarto era um espírita fanático, que parecia ver gente morta que nem o molequinho daquele filme com o Duro de Matar e quase chorou de tanto que o Parreira tirou sarro dele a noite inteira. O quinto parecia um sujeito normal, mas quando o Parreira descobriu que ele não tinha nenhuma profissão exceto a de músico, e que só tocava cover do Jorge Vercilo no Olaria na sexta de noite, botou a correr. O sexto era bombeiro, o Parreira tava gostando dele até o sujeito dizer que ia apagar o fogo da Juliana, aí quase deu briga com o vizinho da casa ao lado tendo que segurar o Parreira pra ele não bater mais no rapaz. E o sétimo era um moço loiro, alto e muito bonito, que tinha uma loja de surfe e praticava o esporte, mas a verdade é que o Parreira jamais seria cativado por um sujeito que começava todas as suas frases com "Mó legal, aêêêê", de modo que nenhum vingou...), disse que daquele jeito a Juliana ou ficaria solteira, ou ficaria com um sujeito que o pai não aprovara, e o Parreira retorquiu que era muito melhor ela ficar solteira e morando com eles mais um pouco do que sair desajuizada pelo mundo com um qualquer que não seria capaz de protegê-la, mantê-la, de ser o bastião de uma família de verdade.
E o Parreira não estava brincando. Pra ele era importante que um homem soubesse ser provedor, mesmo que não fosse necessário. Agora mesmo tava aí a Coréia do Norte querendo bombardear todo mundo. E se tivesse uma III Guerra Mundial? Como é que ele ia dormir sabendo que a filhinha dele tava por aí de mãos dadas com um borra botas que não seria capaz de protegê-la? E se o apocalipse zumbi começasse de repente? Como ele ia perdurar com a Neyde sabendo que sua filha estava com um sujeito que era presa de zumbi? Como é que ele ia ter sossego sabendo que seu genro era um bunda-mole que não seria capaz de aguentar dez minutos de porrada com um palhaço que se engraçasse com sua filha ofendendo-lhe a honra?
Não... Mil vezes melhor com ele do que com um incompetente.
Foi então que numa sexta-feira qualquer a Juliana chegou em casa dizendo que ia se arrumar pra ir ao cinema. Quando o Parreira perguntou com quem, ela disse que era com o Nathan, e foi quando o Parreira viu o moço, um pouco mais velho que a Juliana, cabelo preto, barba, vestido sobriamente de tênis, jeans e camisa aberta sobre camiseta, óculos... Parecia normal. Era pouco mais alto que o Parreira, tinha constituição física sólida. Sacudiu a cabeça de cima pra baixo desejando boa noite ao Parreira, e apertou a mão da dona Neyde quando ela se aproximou. Não sentou enquanto não foi convidado a fazê-lo, e quando o fez, sentou-se ereto em apenas uma das almofadas do sofá, com os dois pés no chão, e quando os moveu, não foi pra sentar em cima de uma das pernas como aquela bicha fantasmagórica fizera, não, cruzou a perna como devem fazer os homens de fundamento. Conversou sobriamente com dona Neyde sob o escrutínio atento de Parreira, até que este resolveu dirigir-lhe a palavra:
-Mas me diz, Nathan... O que é que tu faz pra viver?
-O que for necessário. - Respondeu o rapaz, olhando firme nos olhos do interlocutor no exato momento em que a Juliana saía pronta do quarto e avisava que já dava para irem.
Só mais tarde o Parreira descobriu que o Nathan era professor de geografia, mas já não importava. Fora conquistado pelo "O que for necessário.". "Aquilo, sim", diria mais tarde, "era um homem de fundamento.".

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O Quê Eles Querem...



-Eles só querem te comer. - Foi o que disse o Agenor, muito sério, por cima do copo de cerveja sobre a mesa olhando pra Elaine do outro lado da mesa.
Ela fez cara de pouco caso enquanto mexia o pé dentro de um fino sapato de salto alto suspenso no ar pela perna cruzada.
-Isso mesmo. - Ele reforçou em desafio. -Só querem te comer.
Ela continuou não olhando pra ele, que bebeu um gole da cerveja, e se ajeitou na cadeira, espichando as pernas sob a mesa.
Ficaram assim, ele olhando pra ela sem expressão, ela olhando pro outro lado. Quando finalmente olhou de volta pra ele, ela perguntou:
-E como é que tu tem tanta certeza?
Ele olhou pra ela com um sorriso nos olhos, embora tivesse o resto do rosto sério.
-Como é que eu sei... Eu sei. Eu sou homem. Sei como é que os homens pensam.
-Então além de toda a lista de predicados fictícios que eu já conhecia tu agora também é telepata?
Ele riu um riso artificial. Quase um rosnado.
-Não precisa ser telepata pra ver, criança.
-Eu não sou criança. - Ela respondeu furiosa.
-Ah, mas tu é. Tu é criança. Só isso explica tu não ver o óbvio.
-Talvez seja óbvio só pra ti, que é um doente. - Ela retrucou, quase que instantaneamente se arrependendo das palavras duras, doce que era. Mas ele pareceu não sentir a ofensa que, pra ela, parecera excessiva. Continuou:
-Eu não sou doente. Tu é que é inocente. Inocente demais. Eles olham pra ti e o que eles veem é um ato. Uma representação. Uma perva com gostos de moleque. Eles veem pernas de fora, saias microscópicas, blusas de ombro de fora, cabelos esvoaçantes e maquiagem pesada ao redor dos olhos e pensam em uma tremenda gostosa que ainda calha de ser divertida. E eles querem te comer. Alguns vão querer mais... Vão querer te comer sempre. Vão querer ser os únicos a te comer... Mas os teus gostos, as tuas idiossincrasias, pra eles, vai ser um lance folclórico que tu usa pra atrair ainda mais a atenção do macharedo, já que, embora tu seja linda, tu nunca vai ser a única menina linda em uma festa.
-Não é isso que eu faço. - Ela disse, desgostosa.
-Eu não tô dizendo que é o que tu faz. Tô dizendo que é o que eles veem.
-como é que tu pode ter tanta certeza?
-Porque eu pensei assim por algum tempo, também. Tive muito medo que fosse tudo. Tive muito medo que fosse só isso. E fiquei, francamente aliviado quando percebi que não... Que não era uma fachada. Que era tu, de verdade...
Ela se enterneceu, mas ele continuou:
-Mas antes, o que eu queria mesmo era te comer.
Ela se levantou, exasperada, e saiu.
Ele ficou lá sentado. Olhando ela partir, sob a sua própria fachada de quem não ligava. Mas a verdade é que, embora ele tivesse, de fato, sentido medo que ela fosse um ato, jamais quis apenas sexo casual com ela. Ele a quis em sua cama, claro. Mas também em sua vida. Em sua casa. Na poltrona ao lado da dele no cinema. Queria ela como dona de sua casa. Mãe dos seus filhos. Avó de seus netos. E alívio de suas dores.
Mas a vida era complicada, e ele a tornava mais complicada sempre que tinha a chance.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Quando Reinaldo Se Apaixonou Pela Gari


O Reinaldo acordou ao som estridente de seu despertador, levantou-se gemendo, e andou, trôpego enquanto esfregava os olhos em direção ao banheiro, onde atendeu ao chamado da natureza, lavou o rosto, escovou os dentes, e trocou o calção e a camiseta surrados do pijama improvisado com que dormia por calças jeans e uma camisa. Vestiu as meias e os sapatos, e apanhou a gravata que estava sobre a cadeira. Ligou a TV e abriu a janela enquanto enrolava a peça em torno do pescoço.
Era cedo, cerca de seis e meia da manhã. A rua estava deserta e tingida por uma coloração entre o rosa e o dourado de um sol que despertara a pouco e ainda se levantava do horizonte. Ali, solitária na rua, o Reinaldo viu uma mulher.
Ela era alta e esguia, e envergava com surpreendente graça o uniforme cor de laranja dos garis da cidade. Arrastava um carrinho sobre o qual se equilibrava um latão de lixo amarelo, uma vassoura e uma pá, e dois cavaletes listrados.
Os cabelos dela eram encaracolados e dourados. Ela tinha um rosto bonito. Não bonita como uma atriz de novela, nem nada do tipo, mas era bonita, de uma maneira simples, crua e direta. Quase como se fosse um esboço feito às pressas por um artista talentoso.
Reinaldo quis cumprimentá-la de longe. Acenar para ela de sua janela até lá embaixo, junto ao meio fio que ela se punha a varrer com esmero.
Pensou em acenar pra ela todo o dia. E após alguns dias, oferecer a ela um copo de suco, junto à porta do prédio. Até cativá-la e encontrar um caminho até o coração simples dela, pois havia de ser simples o coração de uma moça que, mesmo bonita, não tinha vergonha de envergar o macacão da companhia de limpeza pública e encarar as mazelas da vida munida de uma vassoura.
ele a ajudaria a estudar, melhorar, conseguir outro emprego, um emprego melhor, e ela lhe seria grata e ele e ela se casariam, pois ele a amava e ela a ele, e construiriam uma vida juntos, surdos aos comentários maldosos daqueles que soubessem que ela fora uma reles gari. E eles envelheceriam juntos, e se orgulhariam da vida que haviam edificado e da qual o primeiro tijolo fora ele tê-la observado da janela de sua casa enquanto ela, banhada na luz dourada da aurora, fazia seu trabalho reles, ainda que digno, nas ruas da cidade.
Reinaldo a olhou enquanto ela varria, então olhou pra TV, e todo o amor que imaginara se desvaneceu.
Concluiu que era melhor assim. Que dali por diante suas paixões fossem todas assim. Platônicas. Fugazes, e livres de consequências.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Rapidinhas do Capita


Ótima notícia para os fãs da franquia Batman Arkham, que conta com o ótimo Batman - Arkham Asylum e o excepcional Batman - Arkham City, dois dos melhores games estrelados por um super-herói já lançados para quaquer plataforma e certamente os melhores dos consoles de última geração.
A Warner Bros. anunciou para o dia 25 de outubro próximo o lançamento de Batman - Arkham Origins, que será disponibilizado para PCs, PS3, X-Box 360 e Wii-U.
A nota dissonante é que, ao invés da Rocksteady, estúdio responsável pelos dois épicos games anteriores, o desenvolvimento ficou para a produtora WB Montreal.
Fica a expectativa de mais um baita jogo, e a esperança pra que o novo estúdio mantenha a qualidade violenta dos dois primeiros.

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Eu preferia a Murron à princesa Isabelle.
No filme Coração Valente, do Mel Gibson, eu preferia a Murron, a esposa escocesa do William Wallace, interpretada pela Catherine McCormack, à Isabelle, a princesa francesa casada com aquele príncipe inglês meio gremista, interpretada pela Sophie Marceau
Sempre preferi. Achava ela mais bonita do que a Isabelle. Mais atraente, pelo menos. Todo aquele cetim, toda aquela seda, e ouro e o escambau da Isabelle não batiam, na minha humilde opinião, a beleza simples da Murron vestida com peles e panos xadrezes.
Uma vez, uma ex-namorada minha, muito, muito bonita, estilosa, e que me fazia sentir meio Hugh Grant em Um Lugar Chamado Nothing Hill, disse que o fato de eu preferir a Murron à Isabelle dizia muito à meu respeito.
Ela só nunca me disse o quê era.

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E o site Torrent Freak resolveu esmiuçar os downloads feitos no Vaticano, última monarquia absolutista do mundo civilizado que anda em polvorosa com o novo Papa, e descobriram que o pessoal do Vaticano, além de curtir uns dramas enlatados norte-americanos, curte um pouco de pornografia.
Quer saber? Deixa os caras verem pornô. É melhor do que andarem por aí molestando os outros.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Quadrinhos: Homem-Aranha - A Morte de Jean deWolff



Algumas das melhores histórias já contadas do Homem-Aranha são dos final dos anos setenta, e início dos oitenta. Foi um período pródigo para o herói de cabeça de teia, que naquele momento, mais do que nunca antes em seus quadrinhos, se viu no papel de um vigilante urbano que estava na mira de criminosos do pior tipo:
Os comuns.
Enquanto nós estávamos acostumados a ver vilões fantasiados que queriam dominar o mundo, ou tinham algum plano elaboradíssimo para se tornarem senhores do crime, os bandidos que assolaram as páginas dos quadrinhos do Aranha (e do Demolidor, também) eram sujeitos perigosamente próximos da realidade.
Claro que ainda existia o elemento do vilão fantasiado e com superpoderes, mas esses caras estavam se tornando mercenários alugando suas máscaras monstruosas ao chefão do crime comum, do tráfico de drogas, da prostituição, da chantagem e da extorsão, que tivesse mais dinheiro. Como Wilson Fisk, o Rei do Crime, o Rosa, o Coruja, Cabelo de Prata, Cabeça de Martelo, e tantos outros vilões que eram, em essência, mafiosos.
Esse climão de filme policial temperado com superpoderes era excepcional e rendeu o que talvez tenha sido a última grande fase dos quadrinhos do Homem-Aranha, que além de enfrentar criminosos vis, policiais corruptos e super vilões de aluguel ainda tinha todo o microverso de sua família e amigos e do seu emprego como fotógrafo jornalístico, provavelmente o lance de que eu mais sinto falta nas histórias atuais (além, claro, da qualidade na escrita).
De todos os vilões com um pé na realidade e de todos os crimes perturbadoramente críveis que estiveram no caminho do sobrinho preferido da tia May, nenhum foi mais marcante do que os crimes do Devorador de Pecados.
Ele não tinha um visual particularmente excêntrico, não tinha traquitanas tecnológicas que pareciam demais até pra James Bond, nem tinha nenhum plano elaborado para dominar o crime em Nova York.
O Devorador de Pecados era um sujeito com uma máscara de esqui, que carregava uma espingarda e era "apenas" um assassino psicopata em série.
O caminho do Devorador se cruzou de maneira mais violenta com o do Homem-Aranha porque a primeira vítima do criminoso foi a capitã de polícia Jean DeWolff, uma das muitas coadjuvantes bacanas que aquele período apresentou aos leitores, uma policial linha dura que se vestia com roupas dos anos trinta e fumava um cigarro atrás do outro. Jean era uma policial que sabia conviver com os super-tipos, e que mantinha algum diálogo com o Homem-Aranha por quem, descobriria-se após a sua morte, tinha uma queda.
Outros assassinatos seguiram-se ao de Jean DeWoff, incluindo o do juiz Horace Rosenthal, amigo pessoal de Matt Murdock, o que também colocou o Demolidor no caso.
Mais assassinatos seguiriam-se a esses dois, e um suspeito chegaria a ser preso antes que os heróis descobrissem a verdadeira identidade do Devorador numa das mais sombrias (no bom sentido) tramas do herói.
Agora a Panini está lançando no Brasil Homem-Aranha - A Morte de Jean DeWolff em edição encadernada, contando com as histórias das quatro edições que transcorreram durante os crimes do Devorador (Que, ecoaria ao longo dos anos na cronologia do herói, já que a saga do Devorador de Pecados está diretamente ligada à origem do Venom), e também com o desfecho derradeiro da saga do vilão, que seria publicado alguns anos mais tarde, em três edições quando o Homem-Aranha já estava casado com Mary Jane Watson em outra boa história que envolvia também o vilão Electro.
Essa edição está nas bancas e livrarias por módicos vinte e um reais e noventa centavos, e vale cada tostão. As cento e setenta e duas páginas com roteiros de Peter David e arte de Rich Buckler e Sal Buscema devem estar na estante de qualquer nerd que se preze, e fica aqui meu apelo pra que a Panini continue republicando grandes histórias do passado de seus personagens, já que hoje em dia pouco se aproveita do que é publicado.

"Pinéis óbvios como você não me preocupam. São os pinéis não óbvios que devem ser observados."

Nosso



Que a vida é toda ela incerteza as pessoas acabam aprendendo cedo ou tarde, de uma forma ou outra. Como foi o caso do Reginaldo.
O Reginaldo tinha uma única certeza nessa vida e era a de que não existem certezas nessa vida, exceto a morte. O Reginaldo era um sujeito pessimista que não acreditava em nada e que estava sempre avisando que não era pra ninguém se desesperar pois as coisas ainda podiam piorar muito. Ele sabia que, em momentos de crise, essa sua faceta era bastante útil, e que por ele conseguir manter a cabeça no lugar quando tudo ia pro inferno, nas horas de crise sempre o queriam por perto. Sabia, também que era particularmente azedo, e que, nos momentos de calmaria, não era a melhor das companhias, pois enquanto todo mundo curtia o momento, ele ia avisando pra não acostumarem pois não ia longe.
O Reginaldo tinha um kit do juízo final dentro da mochila que sempre carregava consigo, que tinha mariolas, sabonete, escova e pasta de dente, cuecas limpas, um isqueiro, um abridor de latas, uma faca e um life straw, aqueles aparelhos em forma de canudos pra filtrar água salobra. Esse era o nível de pessimismo do Reginaldo.
Uma vez, um amigo do Reginaldo ia se casar, e escolheu o Reginaldo como padrinho. Antes da cerimônia, perguntou se o amigo tinha um último conselho para dar a ele, ao que o Reginaldo respondeu "Anote tudo o que tu comprar depois do casamento, assim, quando vocês se separarem, tu vais ter um registro do que é só teu, o que vai facilitar na hora de separar os bens". O amigo riu, o Reginaldo não soube se por pensar que era uma piada, por estar com o coração leve demais pra reclamar, ou apenas por condescendência. O que o Reginaldo sabia é que, na época da separação do casal, dois anos depois, aquele registro teria sido muito útil.
Era o "lance" do Reginaldo, o pessimismo. Ele era assim, o sujeito que estava pronto pra quando tudo desse errado. Ao menos espiritualmente.
Aconteceu, porém, de o Reginaldo se apaixonar, ora imagine.
Se apaixonar, mesmo. De corpo, alma e coração. O Reginaldo encontrou em alguém o acalento, o calor, a alegria de partilhar. E o Reginaldo que não, não se tornou "uma nova pessoa", nem nada do tipo, teve, de fato, pequenas epifânias
E uma coisa nova surgiu pro Reginaldo... Não otimismo... Mas uma certeza da vida além da inevitável morte. A certeza de que ela e ele estariam para sempre juntos.
Uma certeza tão grande, que o Reginaldo não se incomodava de dar suas coisas pra ela. Pois ele sabia, em seu íntimo, que as coisas que eram "dele", e que eram "dela", estavam irremediavelmente fadadas a ser "nossas", um dia.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Rapidinhas do Capita


Sonhou que estava na praia. Na sua praia de sempre. Ia jogar futebol com um pessoal ao lado do Espigão, o quiosque que vende milho-verde, cerveja, caipirinha, batata-frita gordurenta e refrigerantes na beira da praia, pertinho da casa da sua família.
A certa altura, um dos participantes da pelada que se desenhava, um sujeito baixo, magro e tímido foi interpelado pela sua esposa, uma mulher pequena, mas estridente.
Ela gritava que ele havia deixado a tampa da privada aberta de novo. Que não ajudava em nada dentro de casa e ainda ia jogar futebol com aquele bando de bêbados na beira do mar como se fosse um garotão.
No sonho ele chegou a tomar fôlego para replicar que não era nenhum bêbado, mas antes que conseguisse fazer isso, o marido gritou rugindo e se retorcendo como se estivesse tendo uma violenta convulsão, para espanto de todos os presentes, mas a mulher dele fez pouco caso, dizendo que ele não era homem o suficiente pra encarar os fatos, e que ia se transformar pra não ter que lidar com isso.
Foi então que o sujeito, de fato, se transformou. E virou o incrível Hulk, bem ali, na frente de todo mundo. Mas a mulher seguia sem se impressionar dizendo "Eu não falei? Eu não falei? Cadê a atitude de homem?".
E o Incrível Hulk respondeu:
-Quando Banner age como homem esposa resmunga e irrita Banner, Banner irritado, vira Hulk! É PARADOXOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!!
E com suas pernas com músculos grandes como troncos de árvores deu um poderoso salto e desapareceu no horizonte, deixando os outros membros da pelada praiana aturdidos e sua esposa fazendo cara de pouco caso enquanto batia o pé na areia, impaciente.
Quando acordou, ele não sabia o que aquele sonho significava, mas tinha a cabeça deitada em um travesseiro coberto pelas palavras dela, e as palavras da Betty Ross de araque, eram muito semelhantes às palavras que a mãe dela lhe dissera em mais de uma ocasião.

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Coisas bacanas de ontem:
Classificação antecipada à próxima fase da Copa do Brasil. Boa apresentação do Caio, que mudou a cara do jogo, e do Forlán, que mesmo isolado tentou criar e concluir.
Coisas ruins:
O D'alessandro vai ter trinta Libertadores nas costas, medalha olímpica, dois milhões de jogos na carreira e oitenta anos de idade antes de aprender a não cair nas provocações de jogadores menores.
Dátolo vai demorar a se recuperar da cirurgia de púbis, e mesmo quando o fizer, não será o armador que vai suprir a eventual ausência do D'ale.
Rafael Moura não serve pra ser titular do Inter.

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Ah, parabéns ao Internacional, não só pela classificação antecipada, mas também pelos 104 anos de idade.
E à minha avó, que também faz aniversário, hoje, e completa oitenta e dois anos.
Que o Inter ganhe muitos títulos, e que a minha avó volte pra casa saudável.

terça-feira, 2 de abril de 2013

O Inverno Está Aqui



Ela estava sentada, bonita, do outro lado da mesa. Calça jeans, regata listrada de azul e branco, tênis all-star vermelho. Os cabelos loiros, já haviam crescido até aquele comprimento em que se tornavam curtos demais pra prender e longos demais pra pentear, de modo que, mesmo lisos e finos, se espetavam ao redor de sua cabeça formando uma nuvenzinha, ou um halo, dependendo do ponto de vista.
Estava atirada na cadeira, com a bolsa de brim jogada sobre o colo, mexendo no celular enquanto uma garrafa de Pepsi suava à sua frente.
Ele chegou e parou diante dela, esperando ser notado. Ela era distraída. Quase tanto quanto ele.
Ignorou-lhe a presença por longos momentos até erguer os olhos da tela do telefone, e abrir um sorriso ao se deparar com ele.
-Chegou cedo! - Exclamou enquanto se levantava. -Achei que fosse demorar mais, guri.
Fez a volta por trás da cadeira e o abraçou com força, estalando-lhe um beijo na bochecha. Ele lamentou ter se barbeado na noite anterior, seu rosto devia estar áspero dos tocos da barba. Enlaçou-a pela cintura fina, e também beijou-a no rosto.
Ela tinha um cheiro cítrico muito bom. Os perfumes dela eram sempre cítricos desde que ele era capaz de lembrar.
Caía bem nela.
Alta, esguia, parecia ágil. Era justo que tivesse um cheiro cítrico, perfumes doces não combinariam com ela, ela não era floral ou amadeirada.
Não. Ela era cítrica.
Era ácida. Ela nem era laranja ou bergamota.
Era limão. Totalmente limão.
Ele adorava limão.
Pensou em tudo isso enquanto ela se desvencilhava de seu braço e voltava a se sentar:
-Quer Pepsi? - Ofereceu, empurrando-lhe a garrafa.
Era a única pessoa que ele conhecia, além dele próprio e de um tio, já falecido, que preferia Pepsi à Coca.
Anos antes, durante um intervalo na faculdade, quando ele lhe dissera, muito empolgado, que também preferia Pepsi, ela fez cara de pouco caso e disse "Ah, então tu é o outro.", e sorriu. E naquele momento, ele tinha tido a mais inabalável certeza de que jamais teria nenhuma chance com ela.
Ainda assim, resolveu que uma moça descolada e bonita como ela, era alguém de quem gostaria de ser amigo.
E amigo dela seria, se ela quisesse.
Fizeram alguns trabalhos juntos nas duas disciplinas que partilharam na universidade, se recomendaram livros e filmes, até que, numa festa na casa de um colega, se beijaram.
Haviam namorado por seis, sete meses. Talvez um pouco mais. Mas acabou de maneira abrupta.
Com ele extremamente magoado e sentindo-se traído, embora não houvesse existido traição de fato.
Ficaram muito tempo sem se falar. Quatro anos. Talvez mais. Mas finalmente voltaram a fazer contato. Ele se sentiu maduro o suficiente pra deixar as coisas pra lá. Não doía mais como já doera antes.
Ela era uma ótima pessoa pra ter como amiga, enfim...
E amigos voltaram a ser. Não melhores amigos. Não de frequentar a casa um do outro. Mas de se ligarem de quando em quando, trocarem mensagens de texto, e-mails, piadinhas em redes sociais, se encontrarem eventualmente pra assistirem juntos filmes que, de outro modo, veriam sozinhos.
Ele gostava da companhia dela. Gostava do cheiro dela. E da voz. A voz dela era muito, muito, muito bonita.
Gostava da forma como ela era capaz de se sentar em posição de lótus na cadeira do cinema segurando um balde de pipocas e um copo grande de suco de maracujá (cítrico, sempre cítrico) no colo, sem usar os porta-copos.
Ela devia gostar de alguma coisa que ele fazia, mas ele, francamente, não sabia o que poderia ser.
Eram bons amigos, e a despeito de já terem partilhado camas, chuveiros e uma vez, o elevador da universidade, sabiam ser apenas amigos.
Quando ela ligou pra ele perguntando se ele queria dar uma volta, o primeiro reflexo dele foi dizer que não.
Estava cansado, aborrecido, e acabrunhado. As coisas não iam bem, e ele estava sem paciência pra conversar.
Mas aí lembrou-se que agora era amigo dela. E que amigos devem fazer sacrifícios eventuais um pelo outro, ainda que pequenos.
E então foi.
E agora ali estavam, ela e ele, sentados de frente um pro outro na lanchonete onde, uma vez, haviam comido juntos e ela brincou dizendo que o pediria em casamento naquele mesmo lugar, expondo um plano de falar com o garçom, pedir para o pessoal do balcão tocar "Linger", dos Cranberries, e oferecer pra ele aquele anel das duas cobras do Aragorn, que era a forma como ela chamava o anel de Barahir, e eles riram enquanto dividiam uma porção de fritas com quatro queijos e bebiam Pepsi.
Ela sorria, olhando pra ele. Ele se lembrava de amar aquele sorriso.
Parecia ter sido a tanto tempo... Ela suspirou:
-Ned...
Ela fazia isso desde sempre. O chamava por nomes de personagens de filmes e séries. Ela não era, nem de longe, nerd como ele, mas era apaixonada por mitologia em geral, e fã declarada de fantasia medieval. Adorava O Senhor dos Anéis, lera a série Angus, era fã declaradíssima de Bernard Cornwell, e lera As Crônicas de Gelo e Fogo assim que foi publicado em 2010. Logo que se conheceram, ele tinha os cabelos curtos, usava óculos e frequentemente envergava uma camiseta do Superman, de modo que ela passou muito tempo chamando-o de "Clark".
Quando ela voltou, após poucos meses de terem retomado o convívio, passou a chamá-lo de Ned, e ele descobriu, mais tarde, ser por conta de Eddard Stark, o personagem honrado demais e esperto de menos vivido por Sean Bean em Game of Thrones.
Ela dizia:
-... Como é que tu tá?
-Eu? - Ele perguntou, no jab verbal mais cretino que existe, que é perguntar uma obviedade para ganhar tempo antes de responder.
Ela sorriu, baixando os olhos para as próprias mãos, sobre a mesa. Ele amara aquelas mãos. Amara senti-las em si. Amava a forma como ela costumava puxá-lo por trás das orelhas antes de beijá-lo de surpresa dizendo "Beijão", forçando a garganta para fazer uma desajeitada voz grave que desafinava e lhe arrancava risos.
-É... Tu. Como tu tá? - Ela perguntou de novo.
Ele riu. Riu forçado:
-Olha... Melhor que uns... Pior que outros...
-Sério...
-Eu já estive melhor. - Ele respondeu, desmanchando o sorriso.
-Eu sei. Dá pra ver. É por causa do lance com a tua vó?
-Também. - Ele desistiu de maquiar o que sentia. Ela não era amiga dele? Se queria saber, ele devia dizer. Quando ela perguntasse o que podia fazer pra ajudar, ele diria que ela podia ser amiga dele. Eles comeriam uma porção de fritas, conversariam sobre qual das famílias de Westeros era a mais desgraçada, e ele a levaria até em casa.
Mas ela não perguntou o que mais era.
Ao invés disso disse:
-Tu sabe que eu tô aqui contigo, né? Pra o que tu quiser.
Ele pegou a mão dela por cima da mesa e sorriu:
-Eu sei, alemoa.
Comeram as fritas. Beberam Pepsi, e falaram mal dos Frey e dos Greyjoy, escolhidos por ambos como as piores famílias de Westeros, mas também houve menção desonrosa dela para os Bolton. Depois, ele olhou pro relógio e bocejou, e ela entendeu que ele queria ir embora.
Andaram pela Lima e Silva até a André da Rocha, depois entraram na Salgado Filho e subiram em direção à Duque de Caxias, onde pararam diante do prédio onde ela morava, quatro ou cinco quadras de distância da casa dos pais dela, onde ele havia dormido com ela muitas vezes, anos antes.
Ela abraçou ele com força. Ele instintivamente se abaixou arqueando os joelhos e dobrando o tronco, apesar de não precisar, ela media um metro e setenta e sete, endireitou-se e a abraçou de volta.
Ela estava encostada nele. O corpo esguio dela colado ao dele, ele sentia a respiração dela no próprio peito, e quando ela suspirou de cabeça baixa, ele sentiu o hálito dela banhar-lhe o pescoço, e sentiu-se excitado como quando ela e ele estavam juntos.
Ela o encarou e os olhos azuis dela o afogaram. Ele passou a mão no rosto barbado dele, e demorou-se sobre a cicatriz que ele ostentava na face esquerda:
-Tu sabe que eu tô sempre aqui pra ti, não é?
Ele tinha os olhos fechados:
-Sei... E eu tô aqui pra ti, também.
Ela esticou o pescoço, e colou os lábios nos dele, apenas isso. Lábios nos lábios. Quando ela se afastou, tinha os olhos rasos d'água:
-Me desculpa por ter ido embora.
Ele engasgou, as palavras presas em sua garganta.
Não muito tempo antes, desculpara uma pessoa que lhe era muito cara da boca pra fora. Ainda estava muito magoado à época, mas pareceu-lhe errado, indelicado, não desculpar alguém que era forte o suficiente pra pedir desculpas.
Desde que aceitara aquelas desculpas sem querer fazê-lo, sentia-se como se algo dentro de si estivesse mais quebrado que o de costume.
Tomou fôlego:
-Acho que... Acho que na época... Tu ter ido embora foi a coisa mais dolorida que já tinha me acontecido, sabia? Eu nunca tinha me sentido tão mal, tão ferido... Abandonado, mesmo... É ridículo, mas sabe... Eu achei que nunca fosse me recuperar daquilo.
Ela tinha lágrimas escorrendo de suas bochechas lisas.
-Me desculpa... Eu era egoísta... Idiota...
-Não... Não... Tu não era. Tu cuidou da tua vida, fez o que precisava fazer, o que era certo fazer. - Ele ficou surpreso com a facilidade com que as palavras saíam -É claro que eu te desculpo.
Ela abraçou ele com força e soluçou baixinho. Ficou de cabeça baixa, escondendo o rosto na camiseta dele por algum tempo, então, limpou os olhos, o nariz vermelho, mas um sorriso desenhado na boca bonita dela:
-Tu quer subir? Eu baixei as duas temporadas do Game of Thrones.
Ele passou a mão no rosto dela. Ela era muito bonita. E a voz dela era linda, e ela tinha um cheiro cítrico que ele achava extremamente excitante.
Ela fazia um arco perfeito com o pé, e sempre tinha latas de Pepsi em casa...
Mas ele não era mais apaixonado por ela. Percebeu isso quando conseguiu desculpá-la sem nenhuma dificuldade. Estalou um beijo no rosto dela agradecendo:
-Tenho que trabalhar amanhã cedo, alemoa.
Foi embora pela Duque, mesmo. Parou no alto do viaduto, e lembrou-se de que, uma vez, fora muito feliz olhando a cidade dali.

Resenha Filme: Casa De Mi Padre


Eu sou um dos vinte e três fãs de Will Ferrell no Brasil, um dos três em Porto Alegre. Os outros dois são meu irmão, e o cara que alugou O Âncora - A Lenda de Ron Burgundy no mesmo final de semana em que eu tentei pegar o filme em 2004, mas acho que ele morreu em 2006 ao assistir o equivocado Rocky Bobby - A Toda Velocidade.
Sou fã de Ferrell e seu jeito bobão de fazer humor desde a época de Saturday Night Live, quando ele fazia os melhores George W. Bush e James Lipton que a TV já viu, encarnava o devotado líder de torcida dos Spartans, Craig Buchanan ao lado de Cheri Oteri e um dos grandes amigos de Bill Brasky.
Continuei acompanhando os filmes de Ferrell após sua saída do SNL, e se Os Estragos de Sábado À Noite e Despenca Uma Estrela são umas tremendas porcarias, sua participação como Mustafa em Austin Powers - O Agente Bond Cama, era de chorar de rir.
Depois de encarreirar boas participações em comédias bobas, geralmente como co-estrela ou coadjuvante declarado, como em O Império (Do Besteirol) Contra-Ataca, Zoolander e Dias Incríveis, Ferrell acertou em cheio ao protagonizar o ótimo Um Duende Em Nova York, onde interpretava Buddy, um humano criado no Polo Norte como se fosse um dos ajudantes do Papai Noel que vai para Nova York encontrar seu verdadeiro pai.
A Um Duende em Nova York seguiu-se o hilário O Âncora - A Lenda de Ron Burgundy, e daí pra frente Ferrell começou a dar uma variada no repertório, ora atuando em comédias com humor menos rasgado, como Melinda & Melinda, de Woody Allen, ou tentando papéis esquisitos em dramas indie como o bacana Estranha Família, musicais, como Os Produtores e até filmes cômico/dramáticos excelentes como o genial Mais Estranho Que A Ficção.
Ele ainda voltaria, claro, às comédias rasgadas, com Escorregando Para a Glória, Os Aloprados e Quase Irmãos, voltou a cometer equívocos desastrosos como O Elo Perdido, e a acertar a mão em boas comédias como Os Outros Caras, e bons papéis dramáticos em filmes interessantes como Pronto Para Recomeçar.
Como se pode ver, eu sou, mesmo, fã de Will Ferrell, a quem considero, ao lado de Jim Carrey e Steve Carell os melhores comediantes do cinema atual, botando no bolso malas como Ben Stiller e Adam Sandler.
E foi neste feriadão, precisando muito de boas risadas, que pesquei no Netflix esse Casa de Mi Padre, dirigido por Matt Piedmond, desconhecido diretor que era parceiro de Ferrell em Funny or Die.
Em Casa de Mi Padre Ferrell vive o simplório rancheiro Armando Alvarez, que ama a terra onde vive, e vive para cuidar da propriedade de seu pai, Miguel Ernesto Alvarez (Pedro Armendáriz Jr.). A vida simples de Armando é posta em cheque quando seu irmão, Raul (Diego Luna) volta para a casa, trazendo consigo sua noiva, a bela Sonia (Genesis Rodriguez), e a ira do maior narcotraficante da região, El Onza (Gael Garcia Bernal) e do DEA norte-americano.
Deve ter ficado bem claro que o elenco todo é formado, à exceção de Ferrell, por atores hispânicos.
É, o filme todo é falado em espanhol (inclusive por Ferrell).
Mais do que isso, é todo montado com uma estética algo precária, e cara de cinematografia setentista de baixo orçamento, e uma coleção de ângulos e enquadramentos evocando o que há de pior nas novelas mexicanas, tudo proposital (como os erros de continuidade descarados, e manequins colocados aqui e ali para encher o cenário), acompanhado de dramalhões, histórias de vingança, conflitos familiares e até toques de magia da terra do pior tipo embalados por atuações canastronas de fazer os extras de Usurpadora corarem de vergonha.
Diego Luna e Gael Garcia Bernal estão claramente se divertindo demais, Genesis Rodriguez é muito bonita e atua em nível professora Elena, e Ferrell está hilário, rasgando num espanhol fluente, fazendo discursos contra o povo dos EUA, com aquelas caras e bocas que parecem ter sido feitas pro prime-time da Televisa.
Longe de ser a melhor comédia de Ferrell, Casa de Mi Padre também se mantém afastado dos piores escorregões da carreira do comediante, se a audiência entra na brincadeira, rende boas risadas.

"Los americanos son como bebés grandes, siempre llorando y comendo enormes hamburguesas de mierda y grasa"

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Game of Thrones, Terceira Temporada



E o que talvez seja a adaptação da grande obra de fantasia medieval do novo milênio voltou às telinhas ontem à noite, em grande estilo na HBO.
A terceira temporada de Game of Thrones, programa de TV que adapta a série literária As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, finalmente voltou às telinhas do mundo após um longo hiato que serviu para que os desavisados conhecessem a série, a vissem uma vez mais, ou resolvessem tomar vergonha na cara e ler os livros, como eu fiz.
Os dez episódios da terceira temporada do seriado irá mostrar os acontecimentos da primeira metade de A Tormenta de Espadas, terceiro livro d'As Crônicas de Gelo e Fogo e mais extenso da série, com mais de oitocentas páginas de reviravoltas, intrigas, sexo e batalhas sangrentas (Que, infelizmente, devem continuar de fora da telinha, como aconteceu nas temporadas anteriores). Essa grande extensão do livro, bem como a quantidade de acontecimentos marcantes é que fizeram com que A Tormenta de Espadas fosse dividido, não em dez, mas em vinte episódios, ou, as temporadas 3 e 4.
Ontem, no episódio intitulado Valar Dohaeris, nós vimos o que aconteceu com Jon Snow, após ser capturado pelos selvagens, como Tyrion Lannister e Davos Seaworth se recuperaram de seus ferimentos após a batalha da Baía do Água Negra, Stannis Baratheon lambendo as feridas após a derrota, o que Robb Stark e Catlin encontraram ao chegar a Harrenhall, e Daenerys Targaryen na Baía dos Escravos, do outro lado do Mar Estreito, procurando por um exército para chamar de seu e ajudá-la a recuperar o trono de Westeros, além do clima de azaração entre Joffrey Baratheon e Margaery Tirell.
Ainda faltou ver o destino de Arya Stark, após escapar de Harrenhall, a marcha de Bran Stark rumo ao norte, onde anda Jaime Lannister e Brienne de Tarth, e mais uma porrada de personagens fazendo uma cacetada de coisas...
Só posso esperar que o sucesso da série encoraje os produtores e a HBO a aumentar o orçamento de Game of Thrones, especialmente nas sequências de batalha. No mais, as excelentes atuações, o climão sombrio e o universo detalhado de Westeros com seus personagens apaixonantes fazem todo o serviço.
Vem aí mais dezenove episódios de colar a bunda da audiência na cadeira. Viva!

"-Eu quero lutar do lado que luta pelos vivos. Estou no lugar certo?
-Vamos ter que te conseguir outro manto..."