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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Resenha Cinema: Clube de Compras Dallas


Imagine-se ouvindo de seu médico, que teus exames de sangue dizem que tu é soropositivo. Imagine-se ouvindo isso em 1985, quando o HIV e a AIDS eram sentenças quase certas de morte, e havia pouca, ou nenhuma, informação a respeito da doença e do vírus que a causava.
Imagine-se recebendo essa notícia sendo um heterossexual convicto, em uma época em que a AIDS ainda era chamada de "câncer gay".
Foi o que aconteceu a Ron Woodroof (Matthew McConaughey), eletricista "viciado em xota", que se descobriu um portador do HIV após um pequeno acidente de trabalho levá-lo ao hospital onde seus exames constataram que sua contagem de células T estava em 9, quando a contagem média de uma pessoa saudável flutua entre 500 e 1500.
"É uma surpresa que você ainda esteja vivo.", é o que Ron ouve de seus médicos, que estimam sua sobrevida em 30 dias.
Ron Woodroof não é nenhum santo. Longe disso.
Ron contraiu o HIV usando drogas injetáveis e fazendo sexo desprotegido até por dentro dos olhos. Um sujeito de moral duvidosa, tipo francamente repulsivo, viciado em rodeios que complementa sua renda aplicando pequenos golpes e traficando drogas enquanto espera a próxima orgia com piranhas em seu trailer e a próxima cervejinha gelada no boteco mais próximo.
Ron não é um santo. Mas é um sobrevivente.
Após aceitar a verdade de sua doença e pesquisá-la, ele passa a contrabandear AZT, então o único medicamente sendo testado com a aprovação do FDA (órgão federal norte-americano responsável por administração de comida e remédios), mas os efeitos colaterais são tão ruins ou piores do que os sintomas da AIDS, após tornar-se impossível para Ron obter a droga de suas antigas fontes, ele descobre que pode obtê-la no México, mas não.
Lá ele descobre o doutor Vass (Griffin Dunne), e sua posição extremamente contrária à administração de AZT.
Tratado com DDT, babosa, vitaminas e um complexo proteico que aliviam os sintomas da doença, bem como as infecções provenientes do enfraquecimento do sistema imunológico causado pelo AZT, Ron descobre, mais do que uma forma de sobrevida, uma maneira de viver do coquetel mexicano.
Após vender o remédio a outros doentes com a ajuda do travesti Rayon (Jared Leto), Woodroof funda o Clube de Compras Dallas, onde não trata pacientes, mas fornece drogas para que eles possam tratar a si mesmos.
Mas com laboratórios, médicos e o FDA descobrindo a sua nova forma de abordar o tratamento da AIDS, Ron pode não ser capaz de seguir com seu tratamento alternativo sem lutar.
Muito bom.
Clube de Compras Dallas funciona que é uma beleza. A abordagem do diretor Jean-Marc Vallé para o roteiro de Craig Borten e Melisa Wallack (baseado na história verdadeira de Ron Woodroof) é leve, uma decisão acertada uma vez que o drama já está encerrado na própria doença. Com esse lastro dramático suficientemente edificado, Vallé pode centrar fogo em seu elenco, e mostrar a forma como Ron resolve que não vai cair sem lutar.
O elenco, diga-se de passagem, está ótimo.
Matthew MacConaughey, em seu melhor trabalho desde Amistad (e que o colocou como favoritaço ao Oscar), consegue encontrar o tom exato para seu Ron Woodroof, a antipatia natural pelo personagem no início do filme se dissolve conforme a experiência pela qual ele passa o modifica, sem, no entanto, que a transformação seja abrupta ou soe gratuita.
Além de MacConaughey há ainda Jared Leto, ótimo como o travesti Rayon, que equlibra tão bem sua interpretação entre o drama e o humor que consegue funcionar como o alívio cômico do filme sem se fazer de palhaço ou perder o foco na situação de seu personagem, e a gracinha Jennifer Garner como a doutora Eve Saks, médica que entende e se condói da condição de Ron e Rayon. Além desses, há ainda participações de Steve Zahn, Dennis O'Hare, Michael O'Neill e Dallas Roberts.
Tremendo filme, ótimo trabalho de elenco, e uma história real de superação e sobrevivência que vale demais a pena conhecer.
Assista no cinema.

"Deixe-me dar uma pequena notícia a vocês todos. Não há nada lá fora que possa matar a porra de Ron Woodroof em trinta dias."

Resenha Cinema: 12 anos de Escravidão


Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor, no papel de sua carreira), encara a câmera. Ele olha direto para a lente, com seus olhos carregados de desespero e pavor após anos de abuso.
Ele encara a audiência, como se dissesse, naquele olhar, que todos ali, sentados no cinema, os imbecis que riram durante o filme, num dos rompantes de mestre Epps (um estricnado Michael Fassbender), ou aqueles que cochicharam com o acompanhante após não ter prestado atenção a um diálogo, mesmo aqueles que têm um mínimo de educação e mantiveram o silêncio comendo M&Ms e bebendo suco de uva, ou que comeram Bib's e tomaram Fanta... Solomon está dizendo à cada pessoa sentada na audiência, que eles, que não se comprometeram com a profundidade da sua dor, compactuaram com a obscenidade da qual ele, e muitos outros, foram vítimas ao longo de anos e anos a fio.
É apenas uma cena, mas ela diz muito a respeito de 12 Anos de Escravidão, terceiro trabalho em longa metragem de Steve McQueen (Diretor de Fome, e Shame), que conta a história real de Solomon Northup, um cavalheiro letrado e livre do estado de Nova York que, em 1841, foi trapaceado por golpistas, e vendido a negociantes de escravos que o levaram ao sul dos EUA, região totalmente escravagista, onde ele foi forçado à viver em servidão.
Sob a lente de McQueen(pra ficar claro, esse Steve McQueen é negro e inglês, seu homônimo, o ator Steve McQueen, falecido em 1980, era branco e norte-americano), filmando um roteiro forte de John Ridley (adaptando a autobiografia do verdadeiro Northup, que dá título ao filme), 12 Anos de Escravidão se torna um violento soco no estômago da audiência, especialmente aqueles que viram a escravidão sob a ótica quase leviana de Quentin Tarantino em Django Livre no ano passado.
McQueen não carrega nas tintas dramáticas, mas não enfeita ou pirotecniza.
Decisão espertíssima, já que a maneira crua como mostra a vida de um escravo no sul dos EUA na metade do Século XIX apenas torna a jornada de Northup mais brutal e chocante.
Vendido e emprestado junto com outros trabalhadores escravos de uma fazenda à outra ao longo de anos de degradação, Northup toma conhecimento do que há de pior no ser humano. E não se engane.
Á despeito do que dizem os trailers, não há quantidade reconhecível de solidariedade ou gentileza no calvário do protagonista. Se há pessoas que cruzam seu caminho como o diabo em pessoa, humilhando, espancando, açoitando e acorrentando seus semelhantes, como o carpinteiro Tibeats (Paul Dano), o comerciante de escravos Freeman (Paul Giamatti) e especialmente o fazendeiro Edwin Epps, não é menos verdade que a gentileza do patrão Ford (Benedict Cumberbatch) também encerra um pesado grilhão e um afiado açoite em si.
Essa qualidade de estar ilhado em meio à crueldade, velada ou explícita, torna Northup um herói contido em sua constante e silente luta, não para recuperar a liberdade através de atos de desafio, mas para suportar a penitência à qual é exposto até que a chance de retornar à sua antiga vida se apresente.
O elenco espetacular (que ainda conta com Sarah Paulson, Alfre Woodward e a estreante Lupita Niong'O, dona da cena mais forte do filme, além de uma ponta de Brad Pitt, produtor do filme), o bom roteiro, e a música de Hans Zimmer ajudam McQueen a contar, sem floreios, essa dolorosa história de sobrevivência e perseverança que ilustra de maneira quase brutal, uma das mais sombrias chagas da História da humanidade.

"Eu não quero sobreviver. Eu quero viver."

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Quadrinhos: Demolidor 3


Ah, o prazer de chegar na banca ou na livraria a cada três meses e se deparar com a edição robusta de Demolidor, escrito por Mark Waid... Oh, sim, arrancar o plástico e sentir o cheirinho de gibi novo das 148 páginas de aventuras do Homem sem Medo, provavelmente o melhor quadrinho em série publicado desde que Joss Whedon escreveu Surpreendentes X-Men para a Marvel.
A edição compila sete edições de Daredevil, as primeiras duas partes mostram Matt, ainda mantendo sua postura positiva da vida, e sua abordagem mais light dos problemas, contando com a ajuda dos Vingadores pra se livrar do Omegadrive. O pedaço de uniforme de TMI do Quarteto Fantástico convertido em banco de dados das maiores sociedades criminosas do mundo.
Na sequência, mais duas histórias onde o Omegadrive segue ferrando a vida do demo, o levando, muito a contragosto, à Latvéria, de onde ele pode não conseguir sair sem ajuda após os cientistas a serviço de Von Doom resolverem que seu sentido de radar é algo que deve ser estudado, e, se possível, replicado, não importa o preço do processo para o herói.
A quinta história mostra Os Vingadores ajudando o Demolidor a superar o envenenamento sofrido na Latvéria, e as consequências de uma sinistra descoberta feita por Foggy Nelson no escritório de Murdock enquanto ele estava fora.
Na sexta aventura, Matt relembra um antigo caso em que ele e Foggy assumiram a defesa de um cientista fazendo pesquisas para curar deficiências visuais, e acabaram se vendo na alça de mira do Metaloide.
E, na última história da edição, Nelson e Murdock tentam ajudar, cada um a seu modo, a vítima de uma conspiração mafiosa, enquanto, ao mesmo tempo, Murdock precisa descobrir o que sua ex-esposa, Milla, está fazendo em seu apartamento quando devia estar em uma instituição psiquiátrica.
Todas as histórias são ótimas. Os desenhos, a cargo de Chris Samnee, Khoi Pham e Mike Allred ficam entre bons e excelentes, quase todos funcionando em um estilo que é a cara do Demolidor, mas o grande barato, mesmo, são os roteiros de Waid.
A sua abordagem do personagem é excelente, e mesmo dando um tom mais leve às aventuras do diabo da guarda de Hell's Kitchen, ele não se furta de jogar toneladas de problemas em cima do herói, e mesmo acenar com a possibilidade de atirá-lo no tradicional turbilhão de insanidade que, em muitas sagas anteriores, foi usado descaradamente por dezenas de escritores, mas o faz sem tornar o Demo um deprimido, mantendo-o numa posição ao mesmo tempo frágil e proativa para encarar os problemas que se empilham à sua frente.
O tipo de série que a gente sempre quer ler mais (ótima sacada o lance das edições trimestrais. Deixam o leitor com gostinho de quero mais, mas quando chegam à banca a gente tem seis, sete boas histórias pra ler), Demolidor é facilmente o melhor quadrinho no mercado hoje, e merece ser lida.
Os R$18,90 do preço de capa, por um quadrinho de 148 páginas com capa cartão e papel WTC no miolo vale demais a pena.
Leia com um sorriso no rosto.

"Essa esquina é muito pareicda com a minha vida. Constantemente sendo reconstruída do zero porque está sempre sendo arrasada."

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Resenha Cinema: Inside Llewyn Davis - Balada de Um Homem Comum


A predileção dos irmãos Coen por fracassados não é nova.
Larry Gopnik, Harry Pfarrer e Chad Feldheimer, professor G. H. Dorr, Jerry Lundegaard, o glorioso Dude Lebowski... Todos loosers.
Mesmo seus tipos heroicos, como o delegado Rooster Cogburn e o caubói Llewelyn Moss, estão longe de representar tipos bem-sucedidos típicos, tanto por não se darem bem, como por não se comportarem como "vencedores". Por estranho que pareça, essa preferência por loosers ajudou a tornar os irmãos roteiristas/diretores o sucesso que são hoje. Capazes de serem tão autorais quanto possível numa indústria que funciona a base de remakes e franquias.
Em Inside Llewyn Davis - Balada de Um Homem Comum, os Coen contam mais uma história de fracasso.
O looser da vez é o Llewyn Davis do título.
Jovem cantor folk do Greenwich Village dos anos sessenta, era de ouro do folk de cafeteria, Llewyn tenta construir para si próprio uma carreira na música, para tanto, enfrenta obstáculos e percalços em cada esquina.
Não tem nenhum dinheiro, não tem onde morar, não tem um empresário decente ou sequer um casaco de inverno que o ajude a andar menos encolhido no inverno congelante de Nova York.
Llewyn tem talento, mas muito de seus obstáculos e percalços são auto-impostos.
Como um bom "looser Coeniano", o cantor tem que ser um pouco responsável pela própria tragédia, e obviamente não se furta de aproveitar todas as chances que tem de sabotar o próprio desenvolvimento.
Dorme com a esposa do amigo que lhe empresta dinheiro, briga com aqueles que o acolhem e admiram seu talento, rejeita royalties de uma canção que pode virar sucesso comercial para receber adiantado, espezinha o empresário que poderia dar rumo à sua carreira, é incapaz de uma auto-crítica que vá além do "eu sou um idiota"...
Llewyn tem a postura e a atitude de um moleque que é arrastado a contragosto para a festa de aniversário de quinze anos da irmã, com a diferença de que ele está na festa por livre e espontânea vontade.
Como, então, superar os obstáculos, se eles são construídos na medida certa por si mesmo?
Durante uma semana gelada de 1961, nós acompanhamos Llewyn sob a lente dos Coen, e o vemos se fazer a mesma pergunta.
inspirado em Dave Van Ronk, músico folk de verdade do início dos anos sessenta cuja biografia "The Mayor of MacDougal Street" o longa adapta livremente (Van Ronk não era tão bosta quanto o Davis construído pelos diretores/roteiristas), Inside Llewyn Davis é uma joia.
A direção dos Coen segue o alto padrão estabelecido pelos irmãos em seus últimos trabalhos, o roteiro é uma pérola do minimalismo, jamais expondo além do necessário, e em várias ocasiões, deixando a música cantada pelos protagonistas assumir o lugar dos diálogos para explicar o que ocorre com os personagens.
O trabalho do elenco está excepcional.
Oscar Isaac dá show, seu Llewyn Davis é tão verdadeiro, tão vivo e cheio de empatia, que é difícil não sentir junto com o personagem o fardo de suas derrotas e desafios. Eu, que nunca o havia visto em nenhum papel protagonista, fiquei espantado com o talento do sujeito.
Além dele, Carrey Mulligan está ótima como Jean. Sua relação com o protagonista é carregada de raiva e ressentimento, mas sem abrir mão de uma pitada de ternura. Além dela, John Goodman rouba a cena como o arrogante cantor de jazz Roland Turner, e ainda há espaço para boas participações de Adam Driver, Stark Sands, Garrett Hedlund e F. Murray Abraham, além de um discreto Justin Timberlake. Outra participação importante é a produção musical do oscarizado T-Bone Barnett e de Marcus Mumford, que qualificam na medida o teor das canções do longa, elemento crucial em um filme recheado de melodias.
Tremendo filme, excepcional trabalho do goleiro ao ponta-esquerda, garantindo o sucesso de mais um looser dos Coen.

"Se nunca foi nova e nunca envelhece, então é uma canção folk..."

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Quase Cem Por Cento


Quando a Sílvia Maria achou que a vida sexual dela e do Mário Augusto andava devagar quase parando, ela primeiro fez o que qualquer outra mulher faria.
Ficou triste e ensimesmada, acabrunhada pela falta de satisfação nas atividades de alcova, e tentou se concentrar em outros âmbitos da sua vida de modo a esquecer, ou ao menos não lembrar, das suas mazelas íntimas.
O problema é que a Sílvia Maria era uma mulher moderna com um apetite sexual saudável. Ela gostava do esquema.
Ela curtia sexo, curtia ter consigo um homem que soubesse lhe satisfazer as vontades entre quatro paredes, e um homem que tivesse vontades para ela também se desafiar e satisfazer.
Nada de excessivo, nada que fosse bizarro. Nada envolvendo um sistema de roldanas, uma bacia de alumínio cheia de água de coco, um anão vestido de bailarina e um retrato do Sidney Magal.
Não... Nada disso. Só coisa simples.
Coisas como um sexo oral sem pressa. Falar umas putarias durante o ato. Mandar ela gozar enquanto transavam, dar umas palmadas nela enquanto ela estivesse de quatro... Coisa simples, mas pra dar uma apimentadinha.
Ela não se importaria. Na verdade, até gostaria.
Qualquer coisa seria melhor do que o papai e mamãe com cara de vovô e vovó que o Mário Augusto transformara em regra.
Qualquer coisa seria melhor do que a frequência uma por semana e olhe lá que ele instaurara mesmo com os dois dividindo o mesmo teto.
A Sílvia Maria queria ser desejada. Queria ser comida.
E claro que ela queria amor, carinho e atenção do homem em sua vida. E ela prezava o amor, o carinho e a atenção do Mário Augusto, mas um pouquinho de safadeza daqui e dali não faria mal pra ninguém. Especialmente pra um sujeito de... De dimensões reduzidas que nem o Mário Augusto.
Mas, enfim... Justamente por achar que tamanho não era tudo, e por prezar o amor, o carinho e a atenção que o Mário Augusto lhe dispensava, por prezar o que eles tinham construído juntos, foi que a Sílvia Maria resolveu ajudar o Mário Augusto a se soltar um pouco.
Comprou lingerie sensual, óleos aromáticos, velas e um filminho pornô.
A lingerie foi um conjunto de renda, tipo fio-dental, vermelho, quase vulgar de tão provocativo.
O óleo aromático, morango e pimenta, que ela teve um pouco de medo que fosse dar uma ardência nos lugares onde ela passasse, mas apenas até a veemente garantia da dona da loja de que só "dava uma esquentada".
As velas eram todas aromatizadas com fragrâncias afrodisíacas tipo levanta defunto, e, o filme pornô, foi um do selo Private, que tinha duas mulheres lindas se pegando na capa com um sujeito careca fortão segurando ambas pela cintura.
Parecia tudo perfeito.
Quando o Mário Augusto chegou em casa, a Sílvia Maria estava trajando a lingerie sensual, besuntada com o óleo aromático, que de fato a deixara sentindo um calorão.
As luzes estavam apagadas e as velas acesas, enchendo o ar com as fragrâncias afrodisíacas.
A Sílvia Maria se aproximou, exalando o calorão, e disse ao pé do ouvido do Mário Augusto que ele sentasse no sofá pra ela fazer uma massagem nele, e que ele visse TV pra pensar no que iria querer fazer depois.
Quando ele sentou no sofá, ela tirou a camisa dele, passou óleo nas mãos, e ligou a TV com o filme pornô já andando.
Sucesso.
Depois da massagem e do filme, turbinado pelo óleo, o Mário Augusto e a Sílvia Maria não transaram, não fizeram amor... Eles treparam.
Treparam às ganha.
Treparam de jeito.
Treparam tanto que acordaram com os corpos todos doloridos no dia seguinte. Uma dor boa, cheia de endorfina e satisfação.
E não parou por ali.
Todo o dia daquela semana, a Sílvia Maria e o Mário Augusto tiveram uma foda daquelas.
Lance pegado, mesmo. De ralar joelho, de ficar com hematoma.
A Sílvia Maria voltou a sorrir com o sucesso de sua empreitada.
Bom... Sucesso parcial. Quase cem por cento.
A Sílvia Maria achou que faltou um elemento no seu plano:
Pesquisa.
Se ela soubesse que o selo Private de filmes eróticos era europeu, e se ela soubesse da predileção dos europeus por sodomia, ela talvez tivesse pego um filme de marca diferente na sex-shop.
A fixação dos europeus por túnel de vento era preocupante, e, pior, contagiosa...
Afinal, de todas as coisas que ela e o Mário Augusto vinham experimentando juntos ultimamente, a única de que ela abriria mão, sem pestanejar era o "vira pra eu comer teu brioco, nega".
Aquele era um lance que a Sílvia Maria, francamente passava sem.

Resenha Cinema: Caçadores de Obras-Primas


George Clooney dava pinta, anos atrás, que não ia conseguir ir muito longe na carreira cinematográfica. Quando era apenas o médico bonitão e rebelde de E.R., ou ainda antes quando participava de coisas inomináveis como De Volta à Escola de Horrores ou A Volta dos Tomates Assassinos podia-se imaginar que o máximo a que George Clooney pudesse aspirar como ator fosse unir forças com Arnold Schwarzenegger e matar uma franquia do Batman no cinema em Batman & Robin.
Mas não...
Clooney se endireitou. Ficou amigão de Steven Soderbergh (Com quem firmaria uma parceria bastante proveitosa) em Irresistível Paixão, ao qual seguiria a série Onze Homens, Solaris e O Segredo de Berlim. Trabalhou com Terrence Malick em Além da Linha Vermelha, com David O. Russel em Três Reis, com Joel e Ethan Coen em E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, e O Amor Custa Caro e com Alexander Payne, em Os Descendentes, entre outros tantos.
Mostrou em mais de uma ocasião que podia ser muito mais do que apenas o galã porra-louca com coração de ouro do seriado médico. Engendrou uma carreira paralela de produtor, e lançou-se como diretor em 2002 com o bom Confissões de Uma Mente Perigosa, com roteiro de Charlie Kauffman. Na sequência dirigiria o excelente Boa Noite e Boa Sorte, em 2005, e os apenas OK O Amor Não Tem Regras (2008) e Tudo Pelo Poder (2011).
Cineasta de três em três anos, Clooney voltou à cadeira do diretor para lançar agora, em 2014 esse Caçadores de Obras Primas.
O roteiro, co-escrito por Clooney (que em sua carreira atrás das câmeras só não esteve envolvido oficialmente no script de Confissões de Uma Mente Perigosa) e seu parceiro Grant Heslov, adapta o livro Caçadores de Obras-Primas - Salvando a Arte Ocidental da Pilhagem de Hitler, de Bret Witter e Robert Edsel.
Como o título do livro deixa bem claro, Caçadores de Obras-Primas conta a história desse insuspeito pelotão formado por diretores de museus, historiadores da arte, curadores e arquitetos escalado para ir à Europa nos estertores da Segunda Guerra Mundial e tentar recuperar as obras de arte roubadas pelos nazistas durante o conflito bem como tentar orientar as ações dos aliados para que não devastem prédios históricos em seus ataques com artilharia pesada.
O grupo formado pelos americanos Frank Stokes (Clooney), James Granger (Matt Damon), Richard Campbell (Bill Murray), Walter Garfield (John Goodman) e Preston Savitz (Bob Balaban), mais o inglês Donald Jeffries (Hugh Bonneville) e o francês Jean Claude Clermont (Jean Dujardin) chegam à Europa continental com sua missão que logo se torna uma corrida contra o tempo conforme Hitler ordena que, com sua morte, todos os arquivos e obras de arte devem ser destruídos.
O problema é que as localizações das obras-primas em questão são secretas, e conseguir descobri-las pode ser impossível, a menos que eles obtenham ajuda de alguém que tenha estado suficientemente próximo dos nazistas a ponto de ter pistas do paradeiro das obras. Alguém como Claire Simone (Cate Blanchett), curadora do museu Jeu de Paume, que pode ter a informação, mas não confia nas boas-intenções dos norte-americanos.
Caçadores de Obras-Primas ainda não é o filme que devolverá a boa forma mostrada por Clooney em Boa Noite e Boa Sorte.
Se está longe de ser mau filme, também não é nenhuma maravilha. O longa alterna bons e maus momentos, mas o início é excessivamente arrastado.
Há alguns problemas de desenvolvimento conforme o grupo se separa e se reúne, a ação dos protagonistas espalhados pelos países retomados pelos Aliados acaba fazendo com que seja difícil se afeiçoar aos personagens ou mesmo se preocupar com eles, especialmente quando, mesmo as relações dentro do grupo, são superficiais.
Há uma solenidade excessiva no filme que também é um pouco incômoda, mas não chega a ser nenhuma tragédia, ruim mesmo é o flerte com o romance entre os personagens de Blanchett e Damon, completamente inócuo e deslocado.
Blanchett, porém, dá o show habitual de talento, mesmo com o francês esquisito. Bill Murray e John Goodman também se saem muito bem, e Bob Balaban surpreende fora do papel de xarope em que sempre é escalado.
No fim das contas, Caçadores de Obras-Primas é um filme produzido com esmero, com bom elenco e uma história que merece ser contada, mas que peca ao se levar a sério demais e se desenvolver a contento de menos.
Apenas bom. Assista se a única alternativa for Hércules.

"Se vocês destruir suas realizações, sua história, será como se jamais tivessem existido."

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Resenha Game: Assassin's Creed IV - Black Flag


Em meados de 2007 a Ubisoft lançou o game que daria um respiro fresco na cara das aventuras de mundo-aberto dos consoles e PCs mundo afora.
Assassin's Creed era uma mistura de stealth, ação e aventura que usava como pano de fundo eventos históricos e a luta entre duas ordens seculares antagônicas, os heroicos Assassinos, lutando das sombras para dar liberdade à humanidade, e os perversos templários, maquinando dos bastidores maneiras de manter o conhecimento agrilhoado à uma minoria comandando o mundo.
Apesar de um pouco repetitivo em suas missões, Assassin's Creed tinha uma jogabilidade maneira, movimentos de parkour e acrobacias herdados de Prince of Persia (originalmente o game seria um spin-off da série do príncipe persa), e acenava com uma divertida teoria conspiratória, misturando a ação do protagonista Altaïr Ibn-La'Ahad, durante a terceira cruzada com seu descendente Desmond Miles, que vivenciava as experiências de Altaïr através de um maquinário chamado Animus no ano de 2012.
Ao bem sucedido Assassin's Creed seguiu-se o ótimo Assassin's Creed II, o protagonista do passado, Altaïr era substituído por Ezio Auditore, um jovem fanfarrão de uma família nobre da Florença renascentista, que trilhava os caminhos da ordem dos Assassinos após uma conspiração templária culminar com a morte de seu pai e irmão.
Assassin's Creed II era muito superior ao primeiro game, e embora inicialmente fosse difícil se afeiçoar a Ezio, um jovem ptboy, mulherengo mimado e cheio de si, essa má impressão inicial era enterrada tranquilamente em Assassin's Creed - Brotherhood, o terceiro game da série e ainda o melhor de todos.
Brotherhood dava sequência à trajetória de Ezio, agora o mentor da ordem dos assassinos em Roma, e sua luta contra o papa Alexandre VI, o templário espanhol Rodrigo Bórgia.
A Brotherhood seguiu-se Assassin's Creed - Revelations, que dava fecho tanto à linha narrativa de Ezio quanto a de Altaïr, na qual o player tinha oportunidade de tomar conhecimento de eventos até então desconhecidos da vida do mentor levantino.
Se as aventuras de Altaïr e Ezio estavam encerradas em Revelations, o mesmo não se podia dizer da linha narrativa de Desmond Miles.
O veículo pela qual tomávamos conhecimento das vidas dos grandes mestres-assassinos da Terceira Cruzada e da Renascença estava enrolado no ano de 2012.
Desmond se virava com seus companheiros Lucy Stillman, depois revelada uma traidora, Shaun Hastings e Rebecca Crane, e depois seu pai, William Milles para tentar impedir que uma erupção solar destruísse a Terra no dia 21 de dezembro de 2012.
Sem pista de como fazê-lo, Desmond seguiu lutando, se escondendo e utilizando o Animus 2.0 dos Assassinos para procurar em sua memória genética por pistas que o levassem à uma forma de impedir o fim do mundo. Isso nos levou a Assassin's Creed III. Jogo tecnicamente excelente que carecia de um ponto primordial: Um protagonista ancestral com o carisma de Ezio ou Altaïr.
O mestiço de inglês e nativo-americano Ratonhnhaké:ton, também chamado de Connor, era um herói bem coxinha, e sem graça, e sua aventura acabava sendo mais pano de fundo do que atração principal, afinal, intercalado com sua luta contra os templários durante a revolução americana, havia a linha narrativa de Desmond, finalmente conseguindo algumas respostas, e tendo direito até mesmo a missões bastante físicas, como a busca por células energéticas em Nova York e no Brasil e uma missão de resgate em Roma, em uma série de eventos que culminava com seu sucesso na tarefa de impedir a devastação da Terra graças à tecnologia dos "Que Vieram Antes", a raça de super-seres precursores da humanidade, e ao sacrifício de sua própria vida.
Com essa resolução para a linha narrativa de Desmond, ficava até estranho pensar em um quarto Assassin's Creed, mas ele veio.
Lançado em novembro do ano passado, Black Flag é um prequel da aventura de Ratonhnhaké:ton "Connor" Kenway.
Ela mostra as aventuras de Edward Kenway, avô de Connor, um famigerado pirata que atuou no Caribe durante os anos de ouro da pirataria, em 1715.
Edward, ao contrário de Altaïr, Ezio e Connor, não é um Assassino ordenado e juramentado, tampouco um templário como Haytham Kenway.
Um mero pirata interessado unicamente em lucrar dinheiro suficiente para retornar à sua esposa na Inglaterra, Edward se vê em meio a uma conspiração de templários procurando por um local chamado O Observatório. Uma localização da civilização precursora de onde, teoricamente, poderiam monitorar toda a humanidade.
Pego ao acaso em meio à guerra entre as ordens após matar um Assassino traidor, Edward torna-se o fiel da balança numa batalha que pode decidir os rumos da humanidade.
O game, dessa vez não contém a linha narrativa de Desmond. A vida de Edward é experimentada por um personagem sem nome ou rosto que vasculha as memórias genéticas de amostras extraídas do corpo de Desmond após sua morte no game anterior com o pretexto de tornar a tecnologia Animus um videogame. Os eventos fora do Animus dão-se em um prédio da Abstergo entertainement (o logo da empresa inclusive aparece no início do jogo, logo após o da Ubisoft, parceira da Abstergo em Québec) onde ele recebe instruções de sua nova chefe.
O game é ótimo.
A mistura de ação e aventura, os elementos de stealth e a exploração marítima, com a abordagem de navios e as batalhas navais (baseadas no mini-game do Áquila, de AC III, o ponto alto do game) funciona que é uma beleza. Os combates são bons e fluidos, as acrobacias e elementos de parkour seguem ótimos e as atividades de caça foram mantidas e ganharam importância.
O grande problema é que Assassin's Creed IV - Black Flag segue boa parte do caminho tendo muito pouco de Assassin's Creed.
Edward é um protagonista razoável no máximo por boa parte do game. Melhor que Connor, mas nada comparado a Altaïr ou Ezio, sua aventura se sustenta sozinha e prende a atenção, embora a linha narrativa empalideça ante a grandiosidade de possibilidades do mundo aberto de exploração naval do game (As vezes quase excessivo. É de enlouquecer ter que procurar em todas as ilhas, de todas as seções separadas do mapa do mundo do game, peça por peça dos objetivos secundários necessários para completar em sua totalidade os objetivos do game).
Fosse unicamente um jogo de piratas sem as raízes de Assassin's Creed, e Black Flag teria sido facilmente um dos melhores games já realizados para as duas últimas gerações de consoles.
Com jogabilidade intuitiva, gráficos excelentes, boas dublagens e possibilidades quase infinitas de diversão, Assassin's Creed IV - Black Flag só decepciona pelo título e, por à certa altura da sua aventura bucaneira, se forçar a voltar à velha rixa templários x Assassinos de uma forma que acaba quase forçada, considerando o andamento do jogo e as motivações do protagonista até ali.

"-Em um mundo sem ouro, nós poderíamos ter sido heróis."

Resenha Cinema: Ela


Existe uma sensibilidade descolada no trabalho de Spike Jonze que vicia... O diretor já tinha deixado essa sensibilidade bem clara em joias como Quero Ser John Makovich, Adaptação e Onde Vivem os Monstros, e não tem como ser mais descolado do que o clipe de Sabotage dos Beastie Boys, a parceria lunática com a trupe de imbecis masoquistas de Jackass, o skate e as pontas não creditadas em diversos filmes (como a recente participação prometendo um boquete a Leonardo DiCaprio em O Lobo de Wall Street), além de sua participação na publicação das revistas Dirt e Grand Royal...
Essa sensibilidade descolada é colocada novamente a serviço da sétima arte nesse Ela.
O filme escrito e dirigido por Jonze começa mostrando um close-up de Theodore (Joaquin Phenix). Ele está escrevendo uma carta, falando de amor.
Mas não é o seu amor.
Theodore escreve cartas "manuscritas" para uma firma. Nelas, ele destila em palavras as mais belas facetas do amor, seja entre maridos e esposas, filhos e pais, tios e sobrinhos... Mas seu próprio coração não vai bem.
Nos estágios finais do divórcio com a mulher que julgava ser o amor de sua vida, Catherine (Rooney Mara), Theodore divide seu tempo entre o trabalho, videogames, pornografia na internet e a depressão pela qual passa.
As coisas mudam de figura quando Theodore resolve instalar em seu computador um novíssimo sistema operacional baseado em uma inteligência artificial com personalidade, o OS1.
O tal SO é capaz de aprender baseado na experiência de modo a se tornar perfeito para o usuário.
O sistema operacional de Theodore chama-se Samantha. E ela interage e fala (com voz de Scarlett Johansson) emulando com perfeição o tom, os suspiros e as hesitações de uma pessoa real.
Convivendo com Samantha, e a vendo adaptar-se a ele, tornando-se a sua companhia ideal, além de se desenvolver e aprender como se fosse uma pessoa real, em constante evolução, Theodore logo vê sua relação com seu sistema operacional se tornar mais profunda, e virar um romance.
Conforme assume seus sentimentos por sua parceira virtual, Theodore experimenta uma alegria que lhe devolve a vida que parecia ter se dissolvido com seu casamento, mas ao mesmo tempo, lhe enche de dúvidas. Afinal, o quanto é real um amor baseado em scripts computadorizados e nas suas próprias preferências pessoais?
Samantha, com sua inteligência eletrônica superior, o ajuda de formas como nenhuma pessoa real poderia, mas como ela pode ajudá-lo a superar as dúvidas de estar apaixonado, basicamente, por seu laptop?
Lindo filme.
Jonze situa essa mistura de ficção científica com love story num futuro não muito distante, uma época onde a arquitetura, a tecnologia, e a moda mudaram (Bigodes voltaram a ser bacanas, e as calças têm o cós consideravelmente mais alto), mas não muito.
As necessidades e anseios das pessoas são basicamente os mesmos, e não é difícil pra qualquer pessoa que já começou um romance prenhe de vida na internet, basicamente palavras surgindo numa tela, se reconhecer em Theodore. Qualquer um que já esteve magoado e amargo demais pra se envolver de novo com uma pessoa de verdade, é capaz de entender porque o sistema operacional, o romance sem a outra parte, é a saída mais segura. E qualquer um que já teve uma voz rouca sussurrando no ouvido é capaz de entender porque Theodore cai de amores por Samantha.
Joaquin Phoenix comanda o show com talento. É desses atores que podem, perfeitamente, carregar um filme nas costas, e seu Theodore é interpretação digna de prêmio, mas ele não está sozinho.
Sem mostrar seu rostinho lindo ou seu corpinho gostoso, Scarlett Johansson é uma presença poderosa na tela apenas com sua voz. A cena em que ela e Theodore cantam A Canção da Lua em dueto é de dar nó na garganta.
Ainda estão no elenco Chris Pratt, Olivia Wilde, Matt Letscher e Amy Adams, muito bem como Amy, a melhor amiga de Theodore.
Bom elenco em grande forma, ótimo texto e a direção, sensível e descolada, que o texto pedia, um olhar ousado sobre as nossas necessidades de conexão, e o que estamos dispostos a fazer para conseguí-la, e Ela é um filmaço.
Lindo, doce, e imperdível.
Assista e pense em quem você ama. Mesmo que esteja a um milhão de milhas de distância.

"-Nós apenas estamos aqui brevemente. E nesse momento, eu quero me permitir alegria."


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Resenha Cinema: Philomena


O talento, de vez em quando, se esconde nos lugares mais improváveis. Não é o caso de Steve Coogan. O ator britânico já havia provado em diversas comédias que é um sujeito talentoso na arte de fazer rir. Se não esteve brilhante em nenhuma delas, certamente esteve suficientemente engraçado em todas elas, ao menos o suficiente para ser lembrado.
Insuspeito, mesmo, era seu talento dramático, assim como sua veia de roteirista.
Ambas são reveladas nesse Philomena, produzido e co-escrito por Coogan (com Jeff Pope) sobre o livro do jornalista Martin Sixsmith, "The Lost Child of Philomena Lee".
Na trama de Philomena, acompanhamos o jornalista Martin Sixsmith (Steve Coogan), que caiu em desgraça. Após ser um bem-sucedido correspondente da BBC em Washington e em Moscou por anos e se tornar um membro do staff do partido trabalhista britânico em Londres, um escândalo culminou com a sua demissão e o fim de sua carreira política.
Enquanto se prepara para dar novo rumo à sua carreira, Sixsmith planeja escrever um livro sobre a História da Rússia, faz check-ups e se exercita correndo, aconselhado por seu médico.
Ao mesmo tempo, Philomena Lee (Judi Dench), percebe que não pode mais guardar um segredo que pesa em sua consciência por cinquenta anos.
Quando era pouco mais que uma adolescente irlandesa, Philomena se deixou levar pelos gracejos de um rapaz, e de uma noite de insensatez, surgiu uma gravidez. Sem ter a quem recorrer, Philomena buscou o auxílio das irmãs do sagrado coração da abadia de Roscrea. Lá, após ser assistida e ter seu parto realizado pelas freiras, precisou trabalhar por quatro anos de modo a pagar pela ajuda que recebeu, convivendo com o fantasma de que, a qualquer momento, seu filho Anthony pudesse ser adotado sem que ela pudesse fazer nada a respeito, o que, eventualmente, ocorreu.
Os caminhos de Sixsmith e Philomena acabam por se cruzar, e o ex-jornalista, embora reticente, finalmente aceita ajudar a velha enfermeira aposentada a procurar por seu filho perdido para contar sua história.
É excelente.
O filme dirigido pelo ótimo Stephen Frears (de Alta Fidelidade, e A Rainha) acompanha a jornada desses dois companheiros improváveis sem apressar as coisas ou forçar situações. A dinâmica da relação entre Philomena, uma ingênua aposentada irlandesa católica e Sixsmith, um repórter político cínico e predador é ótima e funcional em parte graças à sensibilidade do diretor em manter o ritmo lento da produção.
Claro, ainda há o bê-a-bá dos road-movies sobre companheiros improváveis, e ele funciona, arrancando risos da audiência nos momentos mais leves, e, justamente pelo respeito de Frears ao ritmo do longa, quando chegam os momentos mais pesados e dramáticos, eles não soam forçados.
Claro, a história da mãe separada do filho bebê é, por si só, poderosa o suficiente pra carregar as tintas dramáticas de um longa-metragem, isso somado à boa mão do diretor, ao roteiro seguro e ao talento do elenco, só torna Philomena um programa mais completo.
Judi Dench é monstruosa, a atriz de 79 anos destrói na pele de Philomena Lee, enchendo a personagem de nuances, jamais deixando que ela seja apenas a velhinha ingênua e sem-noção mostrada à exaustão nos trailers do longa. Sua Philomena é uma verdadeira cebola, de tantas camadas que tem, cheia de fibra moral e decisão. A indicação ao Oscar da dame é mais que justificada, e se ela ganhasse o prêmio (ao qual Cate Blanchett é franca favorita), não seria nenhuma injustiça.
Quem surpreende ao entregar um bom trabalho dramático é Coogan. O ator encontra o tom certinho entre o sarcasmo profissional e a ternura eventual para criar um Sixsmith tão crível quanto a Philomena a quem pajeia.
Grata surpresa do calendário de estreias do início do ano, Philomena é um filme que merece ser visto, trabalho de primeira de todos os envolvidos, laureado com prêmios nada gratuitos, o longa transpira sinceridade e sensibilidade, entretém e emociona.
Assista.

"-Eu te perdoo porque não quero continuar com raiva."

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Resenha Blu-Ray: Rota de Fuga


Ah, os anos oitenta... Além dos mullets, dos saxofones, das ombreiras, e do boom do rock brasileiro, aqueles dez anos também nos legaram uma geração de atores com zero talento, zero expressão facial, que construíram carreiras inteiras sobre bordoadas, armas de grosso calibre e músculos besuntados de óleo...
Aqueles camaradas acabaram por desaparecer na primeira década do Século XXI... Poucas carreiras oitentistas sobreviveram durante a primeira década dos anos 2000. Mas vivemos em um mundo estranho, já diria Jakita Wagner, e nesse nosso mundo de crises criativas e fórmulas que se repetem indefinidamente (olha o RoboCop voltando na semana que vem...) era óbvio que as gloriosas carreiras dos fortões não permaneceria enterrada.
Stallone voltou em Rocky Balboa, Rambo IV, e Os Mercenários, e junto consigo trouxe uma horda de outros mestres da não-atuação e porradaria consigo, ávidos por holofotes como zumbis se erguendo dos túmulos ávidos por cérebros humanos.
No embalo de Sly, seu ex-rival na quebra de ossos e bilheterias, Arnold Schwarzenegger, também se reergueu. Pontas em dois Os Mercenários e nome no topo do pôster no bacana O Último Desafio, e não é que os dois velhotes resolvem firmar nova parceria nesse Rota de Fuga.
No filme conhecemos Ray Breslin (Stallone), ex-promotor que se tornou uma das maiores autoridades do mundo em termos de prisões de segurança máxima.
Sua técnica para avaliar a qualidade das instalações é, no mínimo, discutível. Ray entra nas prisões incógnito, como se fosse um prisioneiro qualquer, e fica o tempo que for necessário vendo o sol nascer quadrado até descobrir uma forma de escapulir do xilindró.
Após 14 fugas bem-sucedidas em anos de prática, publicando livros e garantindo que a bandidagem continue no xadrez, Ray é convidado para avaliar uma prisão muito especial. Uma detenção da CIA, construída para ser a prova de fugas.
Meio a contragosto, Ray acaba convencido por seu sócio, Clark (Vincent D'Onofrio), a aceitar o trabalho que lhe renderá uma grana violenta. Ignorando seus instintos e os apelos de sua secretária/namorada Abigail (Amy Ryan) e de seu pupilo Hush (Curtis 50 Cent Jackson), Ray parte para avaliar a tal prisão à prova de fugas, mas, ao chegar lá, nada é o que parece.
Do diretor da instituição, Hobbes (O Jesus Cristo Jim Caviezel), ao brutal chefe da guarda Drake (o brucutu britânico Vinnie Jones), Breslin se vê face a face com surpresas desagradáveis umas sobre as outras resultando em uma prisão que segue à risca todas as suas ideias de encarceramento anti-fugas.
Pra piorar, ele descobre que sua estada lá, pode não ser tão curta quanto esperava.
Preso de fato em um ambiente hostil de onde é impossível escapar sozinho, ele descobre no prisioneiro Rottmayer (Um distinto e grisalho Schwarza) um aliado para tentar a fuga impossível.
É muito ruim.
Nossa, que filme ruim. O roteiro de Rota de Fuga é vergonhoso de tão simplório, com diálogos de deixar o espectador com vergonha alheia pelos atores que os estão lendo. Claro, ninguém espera uma obra-prima grandiosa de um filme estrelado por Schwarza e Sly, mas há que se ter um mínimo de dignidade, infelizmente não é o caso do texto de Milles Chapman e Jason Keller.
A despeito do mau texto, o filme podia ao menos se segurar na pancadaria, especialidade dos atros da terceira-idade. Não é o caso, porém.
As cenas de ação são meia-boca e só, e as reviravoltas da trama são de bocejar.
O elenco (que ainda conta com Sam Neill, de Jurassic Park, e Faran Tahir, de Homem de Ferro) opera no piloto automático sob a batuta de Mikael Hafström, que se já mostrara em 1408 e O Ritual que consegue segurar um terror, deixou claro em Rota de Fuga que não leva jeito pra ação.

"Você bate como um vegetariano."

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Resenha Cinema: Trapaça


Se existe algo pra se falar de mal sobre o diretor David O. Russel, certamente não deve ser sobre a sua direção de atores.
De seus últimos três filmes, sujeito colocou nada menos do que onze atores na briga por estatuetas, e mesmo antes da maré iniciada com O Vencedor, e seguida por O Lado Bom da Vida e esse Trapaça, ele já havia arrumado boas atuações e elogios para George Clooney e o mono expressivo Mark Wahlberg por Três Reis, e comandado show de Dustin Hoffman e Lilly Tomlim em Huckabees.
Christian Bale foi premiado por O Vencedor, Jennifer Lawrence levou por O Lado Bom da Vida, e além dela, também foram indicados Bradley Cooper, Amy Adams e Robert De Niro. Não é de se estranhar, então, que o cineasta tenha conseguido trazer todo esse povo de volta pra Trapaça.
O filme, escrito por Eric Warren Singer e o próprio Russel conta, de forma ficcionalizada, a história da operação Abscam, engendrada pelo FBI nos anos setenta, logo após o escândalo Watergate, para apanhar congressistas norte-americanos corruptos com a boca na botija.
Os federais criaram um xeque árabe falso, uma grande companhia de mentira e pegaram diversos políticos no flagra.
A verdadeira operação Abscam foi organizada com o auxílio de Melvin Weinberg, um golpista de carreira que foi cooptado pela justiça para prestar consultoria na arte de enganar os outros.
No filme, conhecemos Irving Rosenfeld (Christian Bale), golpista de carreira que ao lado de sua amante Sidney Prosser, também conhecida como Lady Edith Greenly (Amy Adams), organiza esquemas fraudulentos de empréstimos, vende obras de arte falsas e mantém até alguns negócios legítimos.
Sua vida dupla de homem de negócios legítimo e trapaceiro profissional, amante de Sidney, porém, vai por água abaixo quando eles são encurralados pelo agente do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper), um ambicioso federal que quer fazer sua fama e galgar os degraus do bureau através de operações que o levem até os peixes graúdos da política.
Irving e Sidney se veem obrigados a entrar na dança, e ajudarem DiMaso a armar uma arapuca visando o populista prefeito de Candem, Nova Jérsei, Carmine Polito (Jeremy Renner), envolvido com a reconstrução de Atlantic City, e cheio de conexões mafiosas da pesada.
Como se não tivesse o suficiente em seu prato, Irving ainda precisa lidar com sua esposa Rosalyn (Jennifer Lawrence), uma bomba relógio passivo-agressiva completamente imprevisível que pode colocar toda a operação a perder e a vida dos envolvidos em risco.
É muito bom. Trapaça é cheio de reviravoltas e golpes aplicados de parte à parte, a direção é segura e o roteiro é sólido, mas o espetáculo de Trapaça, fica mesmo por conta do elenco.
Bradley Cooper e Jeremy Renner convencem como o bunda-mole que quer ser um agente fodelão do FBI e o prefeito ítalo-americano de bom coração, mas que é sujo de nascença, Amy Adams está hipnótica como a mulher que sai do lixo e deseja, de qualquer maneira, ser mais do que é, e há, ainda, uma ponta interessante de Robert De Niro como um mafioso casca-grossa (com um penteado bizarro, igualzinho ao resto do elenco).
Capítulo à parte no longa, porém, merecem Christian Bale e Jennifer Lawrence.
A atriz de vinte e poucos anos incorporou trejeitos de Melissa Leo em O Vencedor de uma maneira violenta, formulando uma Rosalyn Rosenfeld repulsiva e magnética na mesma medida. É, fácil, uma das melhores atrizes em atividade no cinema americano, hoje.
Já Bale, reconhecido por suas assustadoras transformações físicas (O Vencedor, O Operário, Batman Begins...) agrega mais uma ao repertório e ganha uma pança e uma reluzente careca coberta com um comb-over tão feio quanto elaborado pra dar físico à sua atuação serena e madura do trapaceiro-mestre Irving.
Bom filme, divertido quando é pra ser divertido, tenso nos momentos que pedem tensão, show de um elenco acima da média trabalhando com um diretor que sabe tirar o melhor de seus atores. Programaço.
Assista no cinema, vale demais a pena.

"-Ás vezes, tudo o que temos na vida são escolhas fodidas e venenosas."

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Casa do Capita - Filme Imaginário: Planetary

A obra máxima de Warren Ellis está ganhando (finalmente) sua publicação integral no Brasil. Como chegamos à metade dos quatro volumes prometidos pela Panini para contar toda a história dos arqueólogos do impossível, que tal elencar como seria uma versão cinematográfica responsa da série em quadrinhos?
Não custa lembrar que, se rolar, eu quero um crédito de produtor na bagaça, Hollywood!
Para dirigir Planetary meu escolhido foi Steven Soderbergh. O cineasta experimenta todos os gêneros cinematográficos possíveis, faz coisas tão diversas quanto Onze Homens e Um Segredo, À Toda a Prova, Solaris e Magic Mike, ele só precisa de uma adaptação de quadrinhos pra poder se aposentar sabendo que já fez de tudo, e Planetary é o tipo de quadrinho com a cara meio marginal e alternativa que um projeto de Soderbergh pede.
Claro que, se fizesse sucesso, Planetary viraria uma franquia com vários filmes (o ideal seria uma série estilo HBO, com ao menos umas três temporadas, mas enfim...), e o primeiro longa poderia se basear nas histórias apresentadas em Pelo Mundo, primeiro arco dos encadernados da Panini.
Para o elenco principal, os meus escolhidos para dar cara aos exploradores da história secreta do planeta seriam:

Elijah Snow


Para interpretar o homem de gelo centenário com severos problemas de memória e humor não muito recomendável, eu escolhi Russel Crowe. O talentoso ator neo-zelandês só precisaria de uma dieta pra caber no figurino todo branco sem parecer um boneco de neve e de uma peruca pra encarnar com toda a propriedade o sujeito que redescobre o prazer dos quebra-cabeças que ocultam a verdade da Terra.


Jakita Wagner


A super-forte, indestrutível, sabichona e super-sexy Jakita Wagner, responsável pelo recrutamento de Snow e pela maior parte da ação física de Planetary só pode ser interpretada por Salma Hayek.
A deliciosa mexicana preencheria com justiça o colante de vinil preto que mal consegue comportar os generosos atributos da heroína.


O Baterista


O porra-louca da equipe, piadista tecnológico capaz de falar com máquinas e sentir campos energéticos poderia perfeitamente ser vivido por Scott Caan.
O ator de Hawaii 5.0 já trabalhou com Soderbergh, não se intimida entre grandes atores e sabe ser um xarope implicante.


Ambrose Chase


Terceiro Homem de Planetary antes de Elijah Snow, Ambrose Chase era o braço-direito e contato direto da equipe de campo com o Quarto Homem. Com seus poderes de distorção da realidade Ambrose esteve à frente da equipe de campo do Planetary por anos até a sua morte em combate.
O ator britânico Colin Salmon seria perfeito para o papel com sua figura longilínea e tom de voz marcante.


Randall Dowling


O líder dos Quatro viajantes, gênios que, em 1961 voltaram de uma viagem secreta à lua com super-poderes (qualquer semelhança com o Quarteto Fantástico não é mera coincidência) e a força que busca manter a verdade do planeta oculta e o status quo vigente para proteger seus próprios interesses é um homem tão brilhante quanto cruel em sua frieza e pragmatismo.
Ele seria interpretado com perfeição por Edward Norton, ator acima da média que não teria problemas pra encarar Russel Crowe em cena.


Kim Suskind


A única pessoa da Terra com quem Randall Dowling se importa além de si próprio, a filha de cientistas nazistas retornou da Missão Artemis com a capacidade de ficar invisível e criar campos de força e se tornou uma assassina sádica com gosto por explodir a cabeça das pessoas.
Com sua beleza radiante a atriz Naomi Watts justificaria o afeto do gênio frio de Dowling e ainda poderia exercitar seu talento interpretando uma vilã má, mesmo.


William Leather


Um jovem raivoso e amargurado por não ter herdado as habilidades especiais de seu pai e avô, William Leather foi facilmente convencido por Randall Dowling a tomar parte na missão Artemis. Após a viagem dos Quatro, ele retornou a Terra com a capacidade de manipular energia em níveis extremamente precisos, voar, e super-força. É ele o responsável pelas missões de limpeza dos Quatro.
Para interpretar esse cascudo vilão com delírios de grandeza o meu escolhido é Josh Holloway. O ex-Lost poderia dar a dose certa de arrogância e perigo genuíno que Leather representa nas telonas.


Jacob Greene


O ex-piloto de missões secretas da Segunda Guerra Mundial, Jacob Greene, escalado para pilotar a nave da missão Artemis em 61, assim como seus companheiros de missão, retornou à Terra com habilidades meta-humanas. As de Greene, porém, vieram com um preço:
Seus dons lhe custaram sua própria humanidade.
Enquanto Dowling, Suskind e Leather podem facilmente passar por pessoas comuns, Greene precisou se retirar do convívio humano por conta de sua aparência grotesca.
Sua resistência e força, porém, estão em níveis incrivelmente elevados, e sua brutalidade o torna uma máquina assassina a serviço dos Quatro.
Greene seria gerado por computação gráfica, mas que tal colocar um ator de verdade, e dos grandes, para dar-lhe voz e vida?
Liev Schreiber é o meu escolhido para a empreitada. Com um metro e noventa e um de altura, o sujeito que salvou X-Men Origens - Wolverine de ser uma completa perda de tempo poderia viver o "Coisa do mal" e ainda dar alguma profundidade ao vilão.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Quadrinhos: Planetary - O Quarto Homem



Em meados de novembro a Panini lançou o primeiro encadernado de Planetary prometendo finalmente concluir a saga dos arqueólogos do impossível no Brasil.
Ontem, com algum atraso (já tinha a edição da Devir), comprei O Quarto Homem, livro 2 da série dos cartógrafos das fronteiras invisíveis de um mundo estranho, que lutam contra forças do obscurantismo para mapear a História secreta do mundo no Século XX.
Nesse segundo volume, composto pelas edições sete a doze da série norte-americana, o leitor segue acompanhando o olhar de Warren Ellis sobre os principais fenômenos da cultura pop dos últimos cem anos.
Na primeira história, "Nada como a Inglaterra no Verão", conhecemos Jack Carter, versão de Ellis para John Constantine.
A história, mostrando Snow, Jakita e O Baterista indo ao funeral do mago em Londres é um passeio pelos quadrinhos ingleses dos anos oitenta, com alusões nada sutis ao Monstro do Pântano, Sandman, Homem-Animal, além de uma divertida pegação de pé na reformulação de Miracle Man por Alan Moore e um pouco de auto-elogio de Ellis, ao apontar Transmetropolitan como "o futuro".
Na segunda história, a genial "O Dia em que a Terra Atrasou", conhecemos a Cidade Zero, um local secreto onde o governo dos EUA realizava experiências em dissidentes políticos durante a década de cinquenta com a desculpa da "ameaça vermelha". A história, obviamente inspirada pelos filmes de ficção científica de baixo orçamento dos anos 1950 (A começar pelo título, referência claríssima a O Dia em que a Terra Parou) tem insetos e pessoas gigantes, cães atômicos, cientistas loucos e comunistas como pedia a cartilha do gênero, mas extrapola com mulheres inocentes condenadas à "meias vidas atômicas", cérebros substituídos por campos atômicos de flocos de neve e homens invisíveis, tudo isso escrito em forma de reminiscência e com uma delicadeza exemplar.
A história seguinte, "Planeta Ficção", conhecemos Ambrose Chase, predecessor de Elijah Snow na equipe de campo de Planetary, e seu destino durante uma missão da organização para impedir um grupo de cientistas loucos de resgatar algo, ou alguém, de um lugar chamado Planeta Ficção. Essa história, assim como o confronto de Jakita e Elijah com Willia Leather no primeiro volume, se entranha mais profundamente no cânone particular de Planetary.
A ela segue-se "Magia e Perda", mostrando o que aconteceu com um bebê alienígena enviado à Terra por seus pais na iminência da destruição de seu planeta natal, um policial do espaço que tira sua energia de um elemento ativo que brilha com uma cor perfeita, e uma maravilhosa princesa enviada de uma ilha avançadíssima civilização helênica à América para tentar levar luz aos homens quando foram interceptados pelos Quatro.
Depois, "Mundo Frio", que apresenta John Stone, (que é uma alusão a James Bond, sim, mas especialmente ao Nick Fury de Jim Steranko como fica óbvio na capa da edição original), agente secreto mais velho do mundo e que tem pistas sobre o passado parcialmente esquecido de Elijah Snow, e finalmente "Memória Nublada", onde a verdade sobre o quarto homem de Planetary vem à tona.
Os roteiros espertíssimos de Ellis, a arte lindona de John Cassaday, com Laura Martin e David Baron garantem a manutenção da qualidade de uma história em quadrinhos que merece, mais do que ser lida, ser degustada.
Quer investir bem vinte pilas? Compre Planetary. R$ 19,90 por um belo gibi com capa em papel cartão, papel WTC no miolo, e sete histórias de primeiríssima qualidade.

"-...Eu sou o vilão... O único aqui que sabe a história... Se me matar, o filme jamais acabará...
-Somos arqueólogos. Vamos escavar e entender tudo em poucos anos. Fim."

Resenha Blu-Ray: As Bem Armadas


Todo mundo já viu um filme Buddy Cop.
A fórmula é simplíssima e foi usada em 48 Horas, Máquina Mortífera, Inferno Vermelho, Dragnet - Desafiando o Perigo e mais uma carrada de filmes oitentistas onde um tira sério, preocupado com a manutenção da lei e da ordem, era obrigado a formar parceria meio a contra-gosto com um tipo despirocado e porra-louca para resolver um caso. Os dois não se davam bem, se provocavam, brigavam entre si, mas eventualmente acabavam se entendendo e dando um calor na bandidagem ao combinarem suas características e personalidades conflitantes no combate ao crime.
As Bem-Armadas é isso.
A agente especial do FBI, Sarah Asburton (Sandra Bullock), uma organizada, bem-sucedida e ambiciosa especialista investigativa, odiada por seus colegas e de olho numa promoção sai de Nova York rumo a Boston para resolver o caso do surgimento de um novo chefão do narcotráfico operando na cidade.
Lá, ela encontra a detetive Shannon Mullins (Melissa MacCarthy), tresloucada agente da lei que cumpre seu dever usando força-bruta e seu próprio senso deturpado de certo e errado desprezando completamente princípios básicos de trabalho policial ou cadeia de comando.
De imediato as duas não se entendem, brigam, discutem, e deixam claro o quanto são diferentes, até que o chefe de Ashburton ordena que ela faça um esforço e aproveite o conhecimento de Mullins para mostrar que é capaz de trabalhar em equipe.
Deixando suas diferenças de lado as duas agentes da lei começam então a procurar pelo temível traficante Mr. Larkin, cuja verdadeira identidade permanece um mistério.
A premissa, o basicão dos buddy cop movies setenta/oitentistas (Influência óbvia explicitada desde os créditos de abertura) não seria um problema para As Bem Armadas se rendesse boas risadas. Infelizmente não chega a ser o caso.
Embora tenha lá seus bons momentos, a fita dirigida por Paul Feig (O mesmo do ótimo Missão Madrinha de Casamento) não decola a começar pelas personagens principais.
Se Sandra Bullock tem demonstrado nos últimos tempos que é uma atriz a ser respeitada (Além de um CORPAÇO) e uma comediante competente, sua Sarah Asburton é uma cópia descarada da personagem da atriz em Miss Simpatia. A mesma coisa acontece, em menor grau, com a Mullins de McCarthy, nada além de uma Megan de Missão Madrinha de Casamento com uma arma e um distintivo (Até uma piada sobre a temperatura das partes íntimas femininas é reciclada.).
As atrizes se esforçam, McCarthy já deixou bem claro que não teme o ridículo, e Sandra Bullock é extremamente hábil em não se levar a sério mesmo com as premiações e filmes sérios. As duas fazem comédia física, dizem palavrões, dançam, cantam e se descabelam mas o roteiro de Katie Dippold é como uma Coca-Cola 3 litros, e perde o gás antes da metade.
O elenco de apoio conta com nomes reconhecíveis como Demian Bichir, Michael Rapaport, Marlon Wayans e o eterno Biff Tannen Thomas F. Wilson, nenhum com grande destaque.
No final das contas, quem esperava outro Bridesmaids vai ter uma grande decepção. Se é pra rir da mulherada, o filme das madrinhas de casamento ainda é melhor pedida, e, pra ver a gostosura de Sandra Bullock, Gravidade é muito mais negócio.
Assista na TV a cabo.

"-Oh, OK. Adivinha só? Agora você conseguiu, mesmo. Vou ligar para o meu chefe.
-Vai fundo, fofoqueira. Narc do caralho!"

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Gata Negra


Foram os olhos verdes mediterrâneo...
O cabelo castanho escorrido até o meio das costas...
A forma esguia que lhe permitia fazer cosplay da Gata Negra...
O nome sonoro. Algo brega. Quase suburbano da estudante de farmácia que adorava o São Paulo Futebol Clube e o Homem-Aranha nas horas vagas.
Meyre Kellen...
Sério. Quem imaginaria que uma moça cujo nome aludia à Grace Kelly num registro algo desastrado de seu pai, pudesse ser tanta coisa além de uma bela estampa? E ela era...
Ela era alta, bonita, charmosa e segura o suficiente pra mandar uma foto com camiseta dos Thundercats, calcinha branca e nada mais pelo MSN.
Ela era segura o suficiente pra dizer "Tô indo ver a final da Libertadores contra o Atlético PR aí na sua cidade e você devia me levar pra conhecer algum lugar legal e só seu enquanto eu estiver aí.".
Era segura o suficiente pra dizer que precisava dele ali, pertinho dela, na hora em que ela quisesse, e não na hora em que ele pudesse, e que por isso, e por isso apenas, as coisas não dariam certo entre os dois.
Era muito bonita.
Tinha um sotaque algo tenebroso das pessoas que nascem em Foz do Iguaçu. Falava "ermão" e "acadimia" o que ele achou assustadoramente medonho quando leu, mas percebeu que era charmoso quando a ouviu pronunciando. Gostava do fato de ele se corresponder com ela no MSN usando as grafias, acentuações e pontuações corretas... O chamava de "professor".
Pediu-lhe que largasse tudo e fosse viver pertinho dela.
Disse que o ajudaria a achar trabalho e que não o deixaria se sentir sozinho e perdido. Ele acreditou nela...
Quis acreditar.
Quis acreditar pois ela era linda, tinha um metro e setenta e um centímetros de beleza clássica e era divertida, inteligente e entendia de futebol.
Porque ela disse que em pouco tempo ele estaria celebrando uma Libertadores de seu time em seu estádio, e no ano seguinte ele viu Fernandão, Tinga e Rafael Sóbis erguerem a América no Beira Rio lotado.
Porque ela leu o que ele tinha a dizer, e olhou pra ele pela web-cam, de camiseta velha, calção, óculos e coração irremediavelmente partido, e não viu apenas um nerd solitário tentando agradar e se curar da maior rejeição da sua vida.
Viu uma pessoa a quem ela queria por perto.
Que o queria tanto que não soube se portar com a distância.
Que foi adulta o suficiente pra dizer que se não pudesse ser do jeito dela, então que fossem só amigos, pois relacionamentos à distância eram a receita da tragédia.
E foi madura o bastante pra dizer que entendia quando ele, após tudo o que partilharam, disse que não queria ser amigo dela.
E se ele tivesse tentando?
Se tivesse ido?
Se tivesse tomado coragem, respirado fundo e dado um salto de fé?
Como as coisas teriam sido?
Ele teria sido mais feliz, ou menos?
Sua vida teria sido mais feliz, ou menos?
E ela? Teria sido feliz ao conseguir tê-lo a seu lado quando quisesse, e não quando ele pudesse?
Ele não sabe. Nunca vai saber ao certo. Mas encontra conforto em pensar que a Gata Negra e o Homem-Aranha também não ficaram juntos no final das contas.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Ovinho de Codorna


Eu vou te confessar...
Quando eu fui atrás de ti, não foi espontâneo. Não foi "amor à primeira vista", nem uma singela e honesta admiração pela tua pessoa.
Não... Quando estive contigo, foi por interesse. Interesse puro. Não foi mais, senão isso.
Interesse.
Na primeira vez que eu te vi, eu já achei que podia me dar bem. Coloquei os olhos e vi o mapa da mina. Logo percebi que tu tinha o que eu precisava, e não me furtei da possibilidade de tentar conseguir. Eu confesso:
Sou interesseiro, mesmo.
E ardiloso.
Enquanto todos os guris da rua te achavam linda e inalcançável, e te tratavam como se tu estivesse em um pedestal de cristal, eu, interesseiro que sou, mesmo sendo feio e maltrapilho, consegui atrair tua atenção indo no sentido oposto. Fingindo desinteresse, te fiz me notar. Sendo malcriado e antipático, atraí tua atenção, e calculando friamente cada passo do trajeto, consegui te fazer namorar comigo.
A menina mais bonita da rua, conquistada por um sujeito que estava com ela apenas por interesse.
Interesse no cabelão preto ondulado. Na cinturinha fina. Nos quadris generosos. Na figura de rainha da piscina. Nos braços e pernas esguios. No tornozelo, estranhamente gordinho, tão gordinho que, ao invés de ter um osso saliente na lateral, tinha uma covinha. Nas sobrancelhas arqueadas e nos olhos amendoados de feiticeira médio-oriental, a barriga chapada de fazer Adriane Galisteu corar de inveja.
Interesse nos lábios, no metro e setenta de altura. Na personalidade por vezes malévola, mas nem por isso menos atraente. No sorriso bonito com os caninos inferiores salientes por vezes dando-lhe um aspecto de fera. Por ser bela, esguia, alta e sofisticada mas saber apreciar coisas como um bom mocotó e uma churrascada. Por ter feito aulas de chamamé, por querer ver o mundo. Por ser algo Veruca Salt...
Mas talvez, acima de tudo, por causa das sardas.
As sardas. Eram a cereja do bolo. Eram o famigerado "plus a mais" [sic], eram o que tornavam aquela linda mulher, cheirosa e repleta de personalidade quase uma ninfa.
Por interesse eu fiquei do teu lado por dois anos.
Nem sempre me senti amado. Nem sempre me senti apreciado. Muitas vezes pensei em deixar pra lá. Em aproveitar o inexplicável sucesso que fazia entre as mulheres àquela época. Em te deixar ir e ser feliz a teu modo. E tentar ser feliz ao meu.
E quando finalmente fiz isso. Me doeu.
Me doeu porque depois de mais de dois anos convivendo contigo, deixei de ser apenas um poltrão interessado unicamente na tua linda, linda, linda estampa. E me tornei um apaixonado por ti inteira.
Da unha mínima do dedo mindinho dos belos pés, até o último fio do cabelo.
Talvez por isso. Por ter finalmente me apaixonado por ti, eu tenha resolvido ir embora naquela vez.
Porque apaixonado por ti não era direito querer estar com outra pessoa.
Apaixonado por ti, não era direito não ser correspondido ou apreciado.
E aí, alguns dias depois de terminarmos, te encontrei na rua. Sorri pra ti e peguei tua mão. E tu me sorriu de volta. Com os olhos rasos d'água. E eu vi que, mesmo que não tenha havido de ti pra mim, amor como havia de mim pra ti, havia apreço.
Eu nunca havia dito como meu coração ficou leve depois daquilo.
O quanto eu fiquei aliviado por ver que nenhum de nós havia desperdiçado aqueles dois anos de mocidade.
O quanto me deixou feliz saber, que de algum modo, eu havia te tocado como tu me tocou.
Meu ovinho de codorna.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Limonidades


-Eu não preciso de espaço. - Ela disse, óculos equilibrados na ponta do nariz do outro lado da mesa da confeitaria, fustigando-o com dois faróis azuis.
-Tu diz isso agora. - Ele respondeu colocando açúcar na limonada. -Mas dentro de algum tempo vai ser "Tu não respeita meu espaço, isso", "Eu preciso de tempo pra respirar, aquilo", "Eu sou como uma flor e tu precisar me dar um vaso maior pra eu poder crescer, e biribiri"... Toda aquela ladainha a que inevitavelmente chegam todos os casais em algum momento...
-Biltre. - Ela disse, cerrando os dentes numa expressão de falsa fúria que ele aprendera a achar muito doce. Riu.
Ela continuou tergiversando enquanto abria a lata de Pepsi com a ponta da unha quebrada do indicador:
-Tu é quem precisa de espaço. Muito espaço. Espaço sideral...
O lacre da latinha se rompeu, ato contínuo, ela levou a lata ao rosto, deixando que as bolhas lhe beijassem o nariz, sorrindo. Ele riu de novo. Achava aquilo tão gracioso... Havia sido uma das coisas que o fizeram se apaixonar por ela, lá atrás.
Aquela coisa das bolhas do refrigerante no nariz. O cheiro de limão, maracujá e tangerina, a elasticidade, o fato de ela ser comprida e branca "feito uma garça" nas próprias palavras, e de usar calcinha grande porque é mais confortável e nela tais peças ficarem extremamente sensuais.
Tudo isso. Também por ela ter dito uma das coisas mais sexies que ele já havia ouvido na vida, na primeira vez em que dividiram a cama. Ele segurava os pés dela junto ao ombro esquerdo, e cheirava a pele dela. Ela estava quente, e dela rescindia um cheiro de fruta cítrica que o deixava absolutamente inebriado. Ele disse "Eu adoro o cheiro da tua pele", e ela, com presença de espírito digna de super-herói, respondeu "Tu precisa ver o gosto.", deixando muito claro o que queria que ele fizesse.
Lembrou-se e riu novamente. Percebeu que estava rindo à toa.
-Estar contigo me inebria, guria.
Ela sorriu.
Ele continuou:
-Tu me faz rir à toa, alemoa.
Foi a vez dela rir.
-Tu é poeta e nem sabia, vai fazer rima todo o dia? - Caçoou.
Assomou um moleque vestido de pinguim, calça preta, camisa branca, gravata borboleta. Deveria estar derretendo dentro daquela roupa. Ele ia se apiedar do rapaz, mas então lembrou-se: Tirando a gravata eles estavam vestidos mais ou menos igual. Pior, a calça do garçom não era jeans. Desistiu da piedade.
O jovem largou uma fatia de bolo branco na frente dela, uma de torta de limão diante dele, ambas acompanhadas de uma bola de sorvete.
-O que é que nós somos? Duas velhinhas tomando refresco e comendo torta numa confeitaria da Rua da Praia?
Ela soprou os cabelos loiros de diante dos olhos e, com uma expressão friamente calculada para o pecado respondeu:
-Que velhinhas mais danadas nós seríamos...
Ele não riu. Olhou pra ela sentindo certezas se edificarem dentro do próprio peito. Ela deu uma garfada num pedaço do bolo branco, e a ele juntou um bocado de sorvete de creme com um movimento rápido. Fez um "hmmmm" longo enquanto saboreava a guloseima.
-Doce como a vida deveria ser. - Disse, olhando pra ele e lambendo os lábios cor de rosa.
-Para alguns. - Ele respondeu com pouco caso enquanto repetia, sem a mesma destreza e com um polegar a mais, o gesto dela para apanhar torta e sorvete no mesmo garfo.
-Limonada e torta de limão... - Ela disse, analisando o prato e o copo dele. -Do que é teu sorvete?
-Maracujá. - Ele respondeu. -Mas não é sorvete. É sorbet.
Ela entortou a boca fazendo um som de repulsa:
-Que coisa mais azeda. Porque tu só gosta de coisa azeda, criatura?
"Azeda, não.", ele pensou. "O que eu amo são as coisas ácidas. Cítricas. Essas me levam às nuvens.".

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Resenha Cinema: 47 Ronins


Quando vi os trailers e as primeiras imagens de 47 Ronins na internet, logo pensei: "Porcaria da grossa".
Sejamos francos, ninguém espera que um filme que mistura a história tradicional do Japão com elementos de fantasia falado em inglês e com um herói norte-americano estrategicamente infiltrado vá dar em grande coisa, né?
Se fui assistir ao filme na sexta-feira da estréia foi muito mais por força do voto de ir assistir a ao menos um filme por semana no cinema e pelo minguado calendário de lançamentos desse final de janeiro.
A fita de estréia de Carl Rinsch, que até 47 Ronins tinha feito apenas curtas, conta a história de Kai (Keanu Reeves, com a falta de expressão peculiar), um jovem mestiço encontrado na floresta por lorde Asano (Min Tanaka), senhor de Ako, joia japonesa do período do xogunato.
Contrariando os apelos de seus samurais, lorde Asano leva Kai para viver entre sua família e seu povo, onde ele cresce próximo à filha do senhor, Mika (Kô Shibasaki), mas sendo desprezado e brutalizado pelos samurai, que o veem como um sinal de azar.
Anos mais tarde, durante a visita do Xogun Tsunayoshi (Cary-Horoyuki Tagawa), lorde Asano prepara um torneio para honrar o governante, mas durante as celebrações, lorde Kira de Nagato (Tadanobu Asano, de Thor), trama com sua feiticeira (Rinko Kikushi) para tomar Ako para si, e desposar Mika.
Usando os poderes da bruxa, lorde Kira consegue fazer com que lorde Asano ataque seu hóspede, caindo em desgraça, e sendo condenado a realizar o ritual suicídio do seppuku para morrer com sua honra.
Com a morte de Asano, e Mika sendo prometida pelo xogum a Kira, Ôishi (Hiroyuki Sanada), líder dos samurais de Ako é aprisionado, Kai exilado, e os guerreiros a serviço do clã Asano, dispersos.
Um ano depois, Ôishi é libertado, e parte em busca de vingança contra Kira ao lado de Kai e de seus companheiros, reduzidos a 47 samurais sem mestre. 47 Ronins. Em um caminho turbulento onde a única certeza, muito além de vitória ou derrota, é a morte.
É maneiro, o filme.
Talvez por ter expectativas abaixo de zero com relação ao longa, 47 Ronins foi um programa muito menos indigesto do que se poderia esperar. Com algumas sequências de ação bastante interessantes, efeitos visuais maneiros e atuações bem-intencionadas de todo o elenco, o longa consegue se equilibrar e levar a audiência interessada até o final da trama a despeito da falta de acuro histórico e das liberdades criativas no roteiro de Chris Morgan e Hossein Amini.
Talvez o grande defeito de 47 Ronins seja a rápida resolução de embates que se prometiam grandiosos. A presença de piratas, dragões, guerreiros/monge/demônios, alces-monstro de oito olhos, gigantes e samurais lovecraftianos não tira o foco do filme da missão dos samurais em desgraça, o romance de Kai e Mika é meio morno, mas tem sua razão de ser assim, já que Mika é uma tradicional donzela nipônica e Kai um pária. Mesmo a presença de Kai, além de servir de trampolim para a tradicional história de amor proibido, e pra dar uma amenizada na repulsa dos estado unidenses a um longa cheio de japas também acaba sendo um elemento interessante para mostrar a queda do status dos samurais após tornarem-se ronins, o que fica claro conforme o tratamento deles com relação ao mestiço muda no decorrer da trama.
Cheio de boas intenções, belos cenários e direção de arte caprichada 47 Ronins pode não ser um grande filme, mas merecia melhor sorte do que o naufrágio que sofreu nas bilheterias dos EUA.
Assista sem preconceitos e divirta-se. Vale o ingresso.

"-Eu vou com você, mas se voltar a se ajoelhar diante de Kira, corto sua cabeça."