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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O Pastor - Parte 3


Quase não houve resistência.
A pele se abriu após uma pequena pressão inicial, e a lâmina foi penetrando rapidamente na carne conforme o rato se debatia e guinchava sob a mão enluvada do rapaz que manuseava o canivete suíço.
Após ter enfiado a lâmina até o cabo do canivete no corpo do animal que ainda se debatia, ele a removeu inteira num movimento rápido, e então a enfiou novamente, desta vez com mais confiança e ciência do que fazia.
Repetiu o movimento outras três vezes, até que o roedor parasse de se mexer por completo.
Dera trabalho pegar o rato.
Ele achava que seria a parte mais difícil da tarefa, mas agora, vendo o animal inerte sobre uma poça de sangue, compreendia que não fora.
Nem sem lembrava de como fizera para apanhar o animal, na verdade...
Matá-lo fora a grande provação.
Jamais matara um animal que não fosse um inseto. Geralmente moscas e mosquitos aos quais matava de maneira indiscriminada com nuvens de inseticida.
A última vez em que matara alguma coisa com a plena noção do que fazia, fora aos sete anos de idade. Na praia, quando em meio a uma onda de pesadelos que o assolou durante uma longa semana, se pusera a chacinar formigas com requintes de crueldade infantil.
Agora, apunhalara uma criatura indefesa cinco vezes...
Um gosto amargo lhe subiu à boca e lágrimas deixaram seus olhos rasos d'água.
Respirou fundo enquanto via a poça de sangue sob o animal aumentar a cada segundo.
Secou os olhos.
Apanhou, de dentro de uma sacola plástica, um jornal que levara consigo e juntou o corpo do rato do chão.
Havia muito sangue.
Nem sabia que cabia tanto sangue dentro de um rato.
Precisou se inclinar para alcançar o bicho em meio ao sangue sem pisar na poça.
Colocou mais algumas folhas de jornal sobre o sangue que se acumulava no piso de concreto já sabendo que o papel não seria suficiente para limpar aquela quantidade de sangue.
Passou outra folha de jornal no chão ensanguentado, mas o líquido era demasiado, repetiu o processo mais duas vezes, e jogou todo o papel dentro do saco, que fechou com um nó, sabendo que ainda havia muito sangue no chão...
Muito sangue.
Estava na garagem do subsolo do prédio onde sua avó morava. Era um ambiente que, na infância, o assustava bastante, mas agora, crescido, não tinha mais o mesmo efeito.
Um salão amplo com algumas colunas separando as vagas dos condôminos, uma pia grande ao fundo, do lado da porta onde ficava o antigo fosso de lixo.
Quando pequeno, ele achava o máximo aquele fosso de lixo.
Uma portinhola junto à escada do prédio, onde os moradores simplesmente atiravam suas sacolas de lixo para que elas caíssem no fosso onde o zelador as acomodava em grandes sacos e deixava diante do edifício para ser coletados pelo caminhão...
Abriu a porta do fosso e o cheiro forte e azedo dos detritos lhe atingiu como um bofetão.
Achou que era um ponto positivo.
Com o fedor do lixo sendo forte como estava, era improvável que o cadáver do rato fosse se destacar nas horas que levaria até a próxima coleta.
Olhou o saco plástico cheio de jornal ensanguentado... Pesado por causa do conteúdo, estava cheio de sangue até a metade... Por mais quanto tempo aquele rato iria sangrar?
Jogou o saco plástico no alto da pilha, fechou a porta e parou junto à pia para lavar as mãos. Havia um sabonete de mecânico sobre o balcão de aço inox, e após terminar o pequeno ritual de limpeza, subiu a escadaria estreita e íngreme que levava até o saguão do prédio, fechou a porta de madeira vermelha que acessava a garagem atrás de si e sentou numa das poltronas ali colocadas.
Lembrava-se de adorar chegar àquele saguão na época de fim de ano.
O zelador montava uma grande árvore de natal com luzes e enfeites, e sob ela acomodava dezenas de pequenos embrulhos.
Tudo decorativo, mas ainda assim, em sua infância ele achava o máximo.
Passou a mão molhada na testa, pensando no que fizera.
E em porque o fizera...
...
Por que o fizera...?
Não sabia.
Subitamente estava tentando lembrar de porque matara a ratazana, quando percebeu, por baixo da porta de acesso à garagem, um fluído escuro que escorria.
Seria possível?
Que o rato sangrara tanto que inundara a garagem? Mas o lance de escadas entre o saguão e o subsolo era grande... Grande demais...
Andou até a porta pensando no que estava errado naquela situação toda, e, quando pegou a maçaneta se deu conta...
Sua avó não morava naquele prédio já havia alguns anos...
Ainda assim abriu a porta, e percebeu que a escada havia sumido. Engolfado por uma imensa poça de um fluido quase negro onde boiava o cadáver o rato que havia apunhalado.
Olhando para o rato ele se deu conta de que havia mais alguém naquele saguão. Quase podia ouvir o sorriso... Os pelos de seus braços e maxilares se eriçaram num arrepio, e sem olhar ele sabia que o Homem das Flores estava ali. E esticava o braço para tocar nele com sua mão áspera.
Acordou na cama, em casa, coberto de suor.
Era o quarto pesadelo naquela semana, eles simplesmente não paravam. Olhou para o relógio:
Uma e seis da madrugada.
Não fazia uma hora que fora deitar.
A privação de sono já cobrava seu preço.
Seu desempenho na escola estava decaindo, suas relações, também.
Estava sempre acabrunhado e sonolento, não conseguia fazer suas coisas, não sabia por mais quanto tempo conseguiria suportar a situação.
Levantou-se da cama, e andou até o gaveteiro onde guardava suas roupas. Apanhou um jeans surrado e, ao puxá-lo da gaveta, jogou algo no chão.
Era um canivete suíço que ganhara ainda na infância e não via há muito tempo.
Ficou olhando a peça.
Pensando se estivera naquela gaveta o tempo todo... Todos aqueles anos.
Seria possível?
Estava quase intacto, exceto por uma das laterais de plástico vermelho, que caíra.
Guardou o canivete na gaveta de novo.
Vestiu as calças, calçou os tênis e saiu de casa silenciosamente.
Era madrugada e havia um ar fresco na rua que lhe arrepiou a pele molhada de suor. Atravessou a avenida e sentou-se em um banco de pedra na praça do outro lado da rua, e escorou-se para trás, deixando a brisa secar-lhe o suor do corpo.
Estava inquieto.
Levantou-se e começou a circundar a praça.
Vagarosamente, passo a passo, quando sua atenção foi atraída por uma luz bruxuleante à distância.
Velas acesas junto ao meio fio na esquina contígua à praça.
Ele sabia o que era.
A praça ficava em uma perfeita encruzilhada da avenida com uma rua adjacente bastante tranquila. Era o ponto perfeito para vários praticantes de religiões afro deixarem suas oferendas, de garrafas de cachaça e balas de mel até batatas cozidas recheadas com dinheiro vivo, ele já vira de tudo naquela esquina ao longo dos anos.
Aproximou-se, curioso, e viu a bandeja de papelão decorada com papel celofane colorido cheia de pipocas. Ainda havia velas e uma garrafa de cachaça Velho Barreiro.
A entidade em questão era exigente. Normalmente a bebida na esquina era depositada em garrafas de plástico, embora se lembrasse de já ter visto garrafas de cerveja e até um uísque J&B naquela esquina.
Além disso, havia um charuto queimando e...
Um rato.
Ratos não eram uma raridade naquela zona.
À noite era comum se deparar com roedores correndo rentes ao meio-fio das calçadas e em dias de chuva eles surgiam em números consideravelmente maiores.
Ainda assim, ver o rato ali o fez sentir mal.
A lembrança do pesadelo estava fresca em sua memória.
Enfiou as mãos nos bolsos da calça, e, para sua surpresa, encontrou o canivete suíço...
Não o havia devolvido à gaveta?
Estava parado de pé, apalpava o canivete em seu bolso, olhando o rato a uma distância de cerca de dois metros quando o animal saiu da bandeja de pipocas e começou a andar na direção oposta.
Mais tarde, se lhe perguntassem, ele responderia que não sabia como a garrafa de cachaça fora parar em sua mão, mas a arremessou em cheio sobre o rato.
A garrafa se quebrou ao impacto, difícil dizer se, contra o rato ou contra a pedra do cordão da calçada.
Assaltado pelo ataque covarde e violento, o roedor tentou fugir com dificuldade, mas o pé do rapaz deitou-se pesado sobre o bicho, e a lâmina do canivete entrou profundamente na base de seu crânio.
O rapaz andou até onde estava a oferenda, rasgou um pedaço do papel que forrava a bandeja de papelão, e limpou a lâmina, guardando-a no bolso em seguida.
A rua continuava deserta, e ele caminhou a passos lentos pra casa, embora seu coração batesse feito um tambor dentro do peito.
Subiu as escadas e entrou em casa em silêncio, torcendo para que sua família não houvesse notado sua ausência.
Foi ao banheiro, lavou as mãos e o canivete e voltou ao seu quatro.
Tirou os tênis e as calças, e chegou a colocar o canivete de volta na gaveta, mas o pegou de volta e o pousou sob o travesseiro.
Deitou-se com o coração pesado de culpa, mas depois de pegar no sono, só acordou com o despertador na manhã seguinte.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Resenha DVD: Águas Rasas


Vou confessar que, maldosamente, aluguei Águas Rasas pensando na minha lista de piores filmes de 2016 no final do ano (que por sinal, na última contagem tinha dezesseis filmes "brigando" por dez vagas).
Vi o trailer do longa diversas vezes em idas ao cinema no meio do ano, e não achava, francamente, que um filme estrelado por Blake Lively e um tubarão pudesse ser grande coisa, por mais divertido que ver a loirinha de biquíni durante um filme inteiro pudesse ser.
Ainda assim, sem muitas alternativas, eu catei o filme na locadora no sábado e ontem à noite resolvi encarar o longa.
Em Águas Rasas, dirigido por Jaume Collet-Serra, o mesmo de Desconhecido, Sem Escalas e do ótimo Noite sem Fim, conhecemos Nancy Adams (Lively), uma jovem que abandona a faculdade de medicina e viaja com uma amiga porra-louca para o México.
Nancy deixa tudo pra trás à revelia da vontade de seu pai (Brett Cullen) para surfar numa praia escondida que era o lugar favorito de sua mãe, recentemente morta após uma longa luta contra o câncer.
Na paradisíaca enseada, Nancy pega ondas durante um dia agradável na praia quase totalmente deserta até que, sozinha ao entardecer, é arrastada pela corrente até próximo de uma carcaça de baleia onde um grande tubarão branco a ataca.
Durante o ataque do enorme peixe carnívoro, Nancy sofre uma profunda lesão na perna, perde sua prancha e fica ilhada em uma pedra que forma uma ilhota durante a maré baixa, e, a apenas cento e oitenta metros da praia, fica em uma situação de vida e morte conforme nadar até a costa sem ser devorada é simplesmente impossível.
Conforme as horas se passam, Nancy se vê ferida e presa em um ambiente hostil por todos os lados, tendo para sobreviver apenas seus conhecimentos de medicina, sua engenhosidade e resiliência, e a companhia da gaivota "Fernão Campelo", enquanto faz as pazes com seu passado e decide se vale a pena continuar lutando.
E não tem muito mais do que isso no roteiro de Anthony Jaswinski.
O filme é enxuto em trama e em duração, com apenas oitenta e seis minutos.
É até engraçado pensar que, por estranho que pareça, as partes que mais funcionam de Águas Rasas são justamente aquelas onde há menos exposição e diálogo tentando engrossar a trama.
Quando Nancy surfa, ou luta para alcançar um capacete com uma câmera Go-Pro, ou apenas protege o rosto do sol com um pedaço de prancha, e o longa é embalada pela ação, pela trilha sonora (ótimo trabalho de Marco Beltrami) e pelos ruídos ambientais, o longa flui de maneira muito mais honesta do que quando ela relembra seu passado em fotos no seu I-Phone, tem diálogos com o pai e a irmã mais nova, ou narra o que está fazendo para si própria (e para a audiência).
Não fossem esses escorregões e Águas Rasas poderia ser um pequeno grande filme sobre sobrevivência, um memorável Mulher x Natureza.
Collet-Serra obviamente sabe como construir uma atmosfera de tensão, e a bela praia de Águas Rasas é um cenário caótico abaixo da superfície, cheio de coisas que podem ferir e matar do principal antagonista, o tubarão, até um bêbado mal-intencionado na beira da praia, passando por corais e águas-vivas.
O diretor coloca Blake Lively sob o holofote o tempo todo, e ela manda bem, praguejando correndo, pulando e nadando com seu corpo esguio dentro de um biquíni cor-de-laranja reluzente nos convencendo de cada prodígio atlético realizado na tela, enquanto seu algoz submarino come a maior parte do elenco de apoio conforme é espertamente revelado pouco a pouco.
Se o terceiro ato do filme não tivesse dado ao imenso tubarão uma série que qualidades que beiram super-poderes (ele salta, serpenteia e morde ferro pra tentar pegar sua presa fora d'água), e nem se estendido além do necessário num anti-climático final, Águas Rasas poderia ser ótimo, mas da maneira que está, ainda é um programa divertido para amantes de filmes tensos, feras devoradoras de gente, e loiras incrivelmente atraentes na praia.
E quem não é?
Certamente vale a locação.

"-Saia da água! Tubarão!"

Resenha Filme: A História Real de Um Assassino Falso


Em fins de maio escrevi o seguinte na resenha de Zerando a Vida, segundo filme da parceria entre o serviço de streaming Netflix e a produtora de Adam Sandler, Happy Madison, após dizer que o longa em questão era "apenas ruim", e não duas horas de vontade de arrancar os olhos com uma colher suja de sal igual The Ridiculous Six:
Quem sabe o terceiro filme da dobradinha Happy Madison/Netflix seja "razoável" e o quarto "bom"?
E não é que o mais recente longa da parceria, de fato, é razoável?
O longa co-escrito por Jeff Morris e pelo diretor Jeff Wadlow não é nenhum primor, por Odin, não. Longe disso, mas ao contrário dos outros dois últimos longas da Happy Madison, que pareciam apenas desculpas para Sandler reunir os amigos e tirar férias enquanto posava de fodão, A História Real de um Assassino Falso realmente parece ter uma história pra contar.
No longa Kevin James é Sam Larson, funcionário de uma companhia de seguros que escreve romances de espionagem no tempo livre.
Sam faz muita pesquisa e passa mais tempo se imaginando na pele de seu personagem central, Mason Carver, do que vivendo sua aborrecida rotina, de fato.
A despeito de seus romances de aventura seguirem sendo rejeitados pelas editoras, Sam não desiste, e segue imaginando frases de efeito e situações extremas para suas histórias, para as quais usa como principal fonte de pesquisa um de seus únicos amigos e parceiro de sinuca Amos (Ron Rifkin), um analista aposentado do Mossad que lhe fala a respeito do mais perigoso operativo do mundo, conhecido apenas como Fantasma.
Óbvio que Sam ignora os avisos de Amos e inclui várias peripécias do Fantasma em seu romance, Memórias de um Assassino Internacional, incluindo um assassinato político no final dos anos oitenta, ainda assim, o livro é rejeitado pela editora.
Após mais essa rejeição, porém, Sam é procurado por Kilye Applebaum (a engraçadinha Kellen Coleman), uma e-publisher que está disposta a publicar o livro de Sam sem alterar uma só palavra do texto, na Amazon.
Reticente no começo, Sam acaba aceitando a oferta, apenas para descobrir que Kilye de fato não mudou nenhuma palavra do original, apenas acrescentou, transformando seu título em "Memórias Reais de um Assassino Internacional", e mudando seu livro de ficção em não-ficção.
Inicialmente indignado com a ideia, Sam acaba disposto a perdoar a pequena transgressão ao começar a receber os dividendos da empreitada.
Entretanto, quando seu livro começa a se tornar mais popular, Sam é sequestrado e levado à Venezuela, onde o revolucionário El Toro (Andy Garcia) o envolve em um triângulo de assassinato que envolve o traficante de drogas Masovich (Andrew Howard) e o presidente da Venezuela, Miguel Cueto (Kim Coates), onde um deseja que Sam mate o outro.
Em sua luta para sobreviver ao imbróglio, Sam é auziliado pela agente do DEA Rosa Bolivar, a personaificação de tudo o que Sam sonha que seus personagens sejam, e vigiado de perto pelos agentes da CIA Michael Cleveland e William Cobb (Leonard Earl Howze, e Rob Riggle), que observam seus passos enquanto apostam se Larson vai sobreviver à toda a situação.
Pela premissa dá pra ver que A História Real de um Assassino Falso tem consideravelmente mais trama do que The Ridiculous Six e Zerando a Vida, não que isso seja um grande mérito, mas não é apenas isso.
O diretor Jeff Wadlow parece mais interessado em identidade visual e valor de produção do que os diretores dos outros filmes, e tenta fazer uma mescla divertida de comédia e filme de ação que certamente se destaca no rol de produções da Happy Madison.
O grande problema é que o filme não é engraçado o suficiente para ser uma boa comédia, e nem tem ação o bastante para ser um filme de ação competente, os diálogos não são dos mais inspirados e de atuações acho que a essa altura ninguém mais espera que Kevin James seja um Jack Nicholson, embora haja participações bem-intencionadas de Coates e Garcia.
"Bem-intencionado", aliás, talvez seja a epítome de A História Real de um Assassino Falso.
O filme certamente não é qualificado o suficiente para valer uma recomendação, mas no mínimo vê-se que havia, ali, uma ideia verdadeira, de contar uma história. E ainda que não tenha alcançado seu máximo potencial, é, ao menos, razoável, e não chega a ser uma maneira ofensiva de passar duas horas.
Será que vem um filme bom da Happy Madison/Netflix na sequência?
É esperar pra ver...

"Todos morrem, mas nem todos fazem a diferença."

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Resenha Cinema: A Chegada


Os últimos anos têm sido pródigos com um gênero cinematográfico em particular.
Não me refiro a adaptações de quadrinhos e seu absurdo sucesso financeiro, quando até filmes não tão bons ou realmente ruins, têm encontrado sucesso nas bilheterias.
Mas a um gênero mais antigo, que vinha sendo, senão escanteado, negligenciado até poucos anos atrás:
A ficção científica.
É interessante como, nos últimos quatro anos, eu sempre tenho um exemplar do gênero na minha lista de preferidos do ano.
Gravidade, Interestelar, e Perdido em Marte foram todos filmes excelentes, daqueles que dava gosto de ir ver no cinema, e verdadeiros representantes de um dos subgêneros mais divertidos e imaginativos da sétima arte.
Esse ano a ficção científica tinha sofrido uma tremenda escorregada com o que prometia ser seu grande expoente da temporada, ao menos em termos de marketing e tamanho da produção com o fiasco que foi Independence Day: O Ressurgimento, e dado a impressão de que, esse ano, talvez não fôssemos ter um grande filme do gênero para assistir nos cinemas.
Ontem assisti a esse A Chegada, do diretor canadense Dennis Villeneuve, o mesmo de Sicario: Terra de Ninguém e Os Suspeitos, e, folgo em dizer, temos mais uma ficção científica para figurar em qualquer lista de melhores de 2016.
No longa escrito por Erik Heisserer (a partir de um conto de Ted Chiang) conhecemos a doutora Louise Banks (Amy Adams), uma filóloga de grande renome assombrada pelas memórias da morte da filha adolescente e de um casamento desfeito.
Um dia, ao chegar à universidade onde dá aulas, Louise é surpreendida pela notícia na TV de que doze imensos OVNIs de 450 metros de altura chegaram à Terra e pousaram em pontos dos cinco continentes.
As autoridades não divulgam nenhuma informação e toda a população do planeta é mantida no escuro conforme agências de inteligência e forças armadas de todo o globo se mobilizam para lidar com a situação.
É quando o coronel Weber (Forrest Whitaker) procura Louise para ajudar no obstáculo mais importante da empreitada:
Comunicação.
As criaturas a bordo da espaçonave, seres que parecem uma mistura de polvo, árvore e uma mão gigante, já fizeram contato com os militares, mas ninguém faz ideia de como se comunicar com os seres.
Trabalhando com o coronel Weber e o agente da CIA Halpern (Michael Stuhlbarg), Louise e o físico teórico Ian Donnelly (Jeremy Renner) começam uma jornada para responder o que pode se tornar a mais importante pergunta da história da ciência:
Qual é a intenção dos visitantes na Terra?
Descobrir isso, porém, pode ser uma tarefa árdua, à medida em que é simplesmente impossível emular a forma de comunicação "verbal" dos alienígenas, que soa como um misto do apito de um navio e a comunicação das baleias, o que leva Luise a tentar se comunicar com os heptapódes através da escrita, algo que passa por um processo de alfabetização mútua, onde os visitantes aprendem nossos caracteres e os terráqueos precisam aprender a intrincada forma de escrita não-linear dos extraterrestres.
Enquanto o processo lentamente se desenrola, o caos toma conta do mundo, conforme a ignorância e o medo do desconhecido tomam conta da humanidade, os líderes do mundo se armam aguardando as respostas que Louise busca, mas ela conseguirá tais respostas antes que alguém dê um desastroso passo adiante?
Uma ficção científica onde a narrativa e os personagens são sempre o fator mais importante para o desenvolvimento da história, A Chegada é um filme que envolve um processo por vezes lento de descoberta e aprendizado. É difícil dizer se isso é uma decisão narrativa para posicionar a audiência da mesma maneira que posiciona a população da Terra dentro do filme, ou se é apenas parte do estilo de direção de Villeneuve, que fez coisa parecida em seus dois últimos trabalhos, ainda assim, parecendo lento na comparação com os blockbusters quase corridos que inundam as salas de cinema, o longa não é cansativo.
Ajuda o fato de que direção, edição, efeitos visuais, fotografia, música e atuação trabalham magnificamente bem juntos, oferecendo uma fluidez que é artigo raro no cinemão contemporâneo. O cinematógrafo Bradford Young faz mais um trabalho de mestre (a exemplo do que havia feito em O Ano Mais Violento), garantindo que tudo pareça perfeitamente no lugar, mesmo que estejamos vendo conchas de meio quilômetro de altura e mãos-polvo gigantes na tela, enquanto o compositor Jóhann Jóhannsson é essencial para o compasso emocional do filme, garantindo a tensão de certas sequências, e a comoção em outras sem jamais parecer forçado ou intrusivo.
Forrest Withaker e Michael Stuhlbarg são precisos em suas atuações, Jeremy Renner se destaca em um personagem que parece feito sob medida para ele, enquanto Amy Adams dá um show particular de cento e dezesseis minutos.
A ruiva de nariz pontudo com as mais belas panturrilhas do cinema entrega uma atuação segura, relacionável, sem a qual o filme simplesmente não funcionaria.
As emoções obscuras e a amargura inerente da personagem estão sempre lá, sem forçar a barra, mas perceptíveis de uma maneira tão sutilmente representada que eu já apontaria a Lois Lane como nome certo para premiações no ano que vem, é graças a ela e Jeremy Renner que o lento segundo ato segue andando e mantém a audiência interessada.
A Chegada começa excelente, diminui consideravelmente o ritmo na metade, mas volta com força total em seu terceiro ato para contar uma história de E.T.s onde a comunicação é mais importante que a ação, onde a compaixão vale mais do que o ato de desafio, e onde o luto é uma parte essencial da experiência de estar vivo.
É um longa que desafia a audiência a pensar e repensar, se emocionar e conversar a respeito.
Um dos melhores filmes do ano.
Assista no cinema.

"Se você pudesse ver toda a sua vida diante de você, você mudaria as coisas?"

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Resenha Cinema: Um Estado de Liberdade


Sou fã de dramas históricos de qualquer espécie, de qualquer parte do mundo. Mas quando assisto a um drama histórico, preciso ter em mente que, normalmente, o diretor e os roteiristas do filme estão mais preocupados em contar uma boa estória do que em mostrar um retrato verdadeiro da História.
A arte de temperar fatos com ficção no cinema é quase tão antiga quanto o próprio cinema, e os resultados vão de obras como o Gladiador de Ridley Scott e o Cartas de Iwo Jima de Clint Eastwood até o Auschwitz de Uwe Boll e o Pearl Harbor de Michael Bay...
Ontem fui assistir a um exemplar recente dessa linhagem, Um Estado de Liberdade, cujo lançamento no Brasil se deu quase cinco meses após a abertura nos EUA.
No longa do diretor Gary Ross (de A Vida em Preto e Branco, Seabiscuit e Jogos Vorazes) nós acompanhamos a dramatização de um dos mais notáveis episódios da Guerra Civil Americana, quando um grupo de renegados, desertores e escravos libertos do sul dos EUA passou a lutar contra o exército confederado e declarou uma porção do estado do Mississippi independente e leal à União.
Esse grupo era liderado por Newton Knight (Matthew McConaughey).
Knight era um fazendeiro do Mississippi da linhagem conhecida como Yeomen, brancos pobres sem escravos que possuíam pequenas porções de terra onde praticavam agricultura de subsistência.
Como a imensa maioria dos adultos do sul dos EUA durante a Guerra de Secessão, Knight estava no fronte de batalha onde era enfermeiro, assistindo na primeira fila o espetáculo de morte e mutilação que, ao longo de quatro anos, tiraria mais de 600 mil vidas.
Knight não estava interessado em lutar uma guerra de patrões brigando por algodão, especialmente desgostoso após uma nova lei surgir dizendo que os ricos senhores que possuíssem mais de vinte escravos estariam eximidos de lutar.
As coisas pioram quando seu sobrinho é convocado e levado para o fronte, onde é baleado e morto.
Newt, então, deserta de sua tropa, e volta para casa para providenciar o funeral do menino junto com sua irmã, e sua esposa, Serena (Keri Russell).
Não tarda para que Newt perceba que os horrores do fronte de batalha não são nem de longe os únicos na região, conforme as fazendas locais são assaltadas por coletores de impostos que surgem para levar bens, mantimentos e animais para alimentar as tropas.
Após se envolver em uma altercação com um desses coletores, Newton é obrigado a fugir para os pântanos da região, onde, com a ajuda da escrava Rachel (Gugu Mbatha-Raw) se esconde junto com um grupo de escravos fugidos liderados por Moses (Mahershala Ali).
Conforme a guerra avança, e os confederados são sistematicamente derrotados, mais e mais pessoas se juntam ao grupo de fugitivos do pântano, tantos desertores brancos quanto escravos fugidos, e não tarda para que um grupo de rastreadores confederados adentre o pântano para encontrar o grupo cada vez maior de renegados escondido lá.
Mas com números maiores e mais armas, o grupo agora liderado por Newton está pronto ara resistir.
E mais do que isso, contra-atacar.
Eles passam a impedir o confisco de seus bens, colher plantações de fazendeiros leais à confederação, e até mesmo a organizar ataques (como o da ótima sequência no funeral) e tomar cidades e condados onde hasteiam a bandeira unionista, fundando o Estado Livre de Jones, um pedaço de União encravado no meio do território confederado, praticamente sem nenhum suporte do exército regular.
Com o fim da guerra, em 1865, era de se esperar que Newton e companhia fossem finalmente gozar da liberdade que lutaram para conquistar, mas não é o que acontece.
Os esforços de reconstrução se provam tão desafiadores quanto fora a guerra, quiçá mais. E Newt, agora casado com Rachel, se vê em um cenário calamitoso conforme os antigos inimigos juram fidelidade à União e retomam o poder, arrastando os negros de volta à novas formas de servidão enquanto lhes negam, de todas as formas, os direitos adquiridos no pós-guerra.
Um Estado de Liberdade é um bom filme com um péssimo ritmo.
A primeira hora do longa co-escrito pelo diretor Gary Ross e Leonard Hartman se arrasta como a voz de McConaughey, e ainda que estabelecer personagens e atmosfera seja bom para o desenvolvimento de qualquer trama, um pouco de objetividade não faria mal ao filme, que anda devagar e ainda divide seu foco, uma vez que, volta e meia, temos inserções de uma trama paralela passada durante a década de 1920, quando um descendente de Newton e Rachel é processado por ser 1/8 negro, e ter-se casado com uma mulher branca, algo proibido pela lei do Mississippi.
Ainda assim, o elenco do filme está ótimo. Mahershala Ali, Gugu Mbatha-Raw, Keri Russel e Thomas Francis Murphy (que interpreta o comandante confederado Elias Hood) fazem trabalhos acima da média, com nuances e força, e Matthew McConaughey... Quem poderia imaginar que em 2016 nós poderíamos comprar um ingresso de cinema apenas para ver o talento do astro de Caça ao Tesouro e Como Perder Um Homem em Dez Dias, e ele ser o ponto alto do filme?
Seu trabalho retratando Knight é excelente, mostrando um homem com uma visão de mundo muito particular, regida por uma retidão moral inabalável em diversos aspectos, e frouxa em outros, sanguíneo e reflexivo...
O trabalho do elenco em geral, de McConaughey em particular, talvez merecesse um filme melhor. Um Estado de Liberdade não é ruim, de forma alguma, mas nas mãos de um diretor mais dinâmico, talvez se tornasse a obra prima que o verdadeiro Estado Livre de Jones merecia.

"Parece que nós não temos um país em nenhum dos lados. Tudo bem. Eu acho que nós somos nosso próprio país. Isso mesmo. E se nós formos honestos a respeito, não temos sido nosso próprio país há um bom tempo?"

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Resenha DVD: Truque de Mestre: O 2º Ato


Eu detestei o primeiro Truque de Mestre.
Muito.
Achei o filme um lixo de ponta a ponta, um desperdício de talento e carisma de atores talentosos e de uma premissa interessante que poderia, ao menos, ter sido um heist movie maneiro e original.
Acho, aliás, que fui a única pessoa que, de fato, odiou o filme, que fez uma boa carreira no cinema, com mais de 350 milhões de dólares em bilheterias, e garantiu essa sequência que chegou aos cinemas cerca de três anos após o original, trazendo de volta (quase todo) o elenco original para mais um capítulo das aventuras dos quatro Cavaleiros e sua cruzada para usar ilusionismo contra os gananciosos e poderosos do mundo.
Na trama, o grupo de Robin Hoods prestidigitadores formado por J. Daniel Atlas (Jesse Eisenberg), Merritt McKinney (Woody Harrelson), Jack Wilder (Dave Franco) e Lula (A linda Lizzy Caplan, substituindo Isla Fisher) que opera sob a supervisão do agente do FBI Dylan Rhodes (secretamente o quinto cavaleiro) retorna das sombras após um ano de sumiço para expôr um fabricante de celulares que vende informações pessoais de seus clientes quando o bilionário recluso Walter Mabry (Daniel Radcliffe) surge declarando uma guerra pessoal contra o grupo, expondo-os, sequestrando-os e os levando à Macau, onde os força a roubar um poderoso chip capaz de hackear bancos de dados de qualquer dispositivo do mundo em troca de suas vidas.
Enquanto Atlas, McKinney, Wilder e Lula começam a estudar o roubo do chip, Rhodes vai à prisão atrás de Thaddeus Bradley (Morgan Freeman), a quem culpa pela morte de seu pai anos antes e afirma ter informações sobre o paradeiro do grupo para reencontrar seus protegidos e juntos,se oporem ao conluio de vilões formado por Mabry, pelo irmão gêmeo de McKinney (Nem pergunte) e por Arthur Tressler (Michael Caine), que retorna em busca de vingança, e derrotar os vilões realizando sua mais audaciosa apresentação até aqui.
Truque de Mestre: O Segundo Ato, consegue a proeza de ser ainda pior do que o primeiro filme sob diversos aspectos, mas não ser tão ruim quanto em outros.
O novo longa, novamente com roteiro escrito com giz de cera em papel higiênico por Ed Solomon e dirigido por Jon M. Chu (de Justin Bieber: Never Say Never e G. I. Joe: Retaliação) é muito menos pretensioso do que o seu predecessor, que exalava uma arrogância quase antipática de tão injustificada em um filme tão descartável (pra tu ver, eu francamente não me lembrava de o personagem do Franco ter forjado a própria morte no primeiro longa...).
Este 2º Ato vai em outra direção, abraçando o absurdo de maneira quase idiota, algo que fica evidenciado pelo vilão bobo vivido por Radcliffe ou pelo gêmeo malvado de McKinney, interpretado em modo novela mexicana por um Harrelson obviamente se deleitando com a palhaçada.
No mais, o filme é outro amontoado de sequências de ação editadas em estilo viciado em metanfetamina entrecortadas por falatório expositivo terminando com um sonolento flashback "veja como foi que nós fizemos essa porra toda" e, novamente, uma grande revelação pós-grande golpe que era antevista desde o início do filme.
Em meio a tudo isso, temos risíveis tentativas de desenvolvimento pessoal dos personagens centrais, uma sugestão de romance constrangedora entre Caplan e Franco, além da relação entre Mabry e Tressler, dolorosamente óbvia, mas também sustentada como se fosse um segredo por boa parte do filme.
É uma pena.
Há um bom filme em algum lugar de Truque de Mestre, e certamente há um grande elenco, de Mark Ruffalo a Woody Harrelson, passando por Caine, Freeman e Eisenberg, infelizmente, ele se perdeu entre a pretensão desmedida do primeiro longa e a estupidez franca do segundo.
Alguma dúvida de que haverá um terceiro?
Assista se a única alternativa for Estrelas e programa do Luciano Huck na Gobo num sábado de tarde.

"-A maior força de um mágico é um punho vazio.
-Ou seja, a habilidade de convencer a multidão de que há algo ali, quando na verdade, não há nada."

Resenha DVD: Procurando Dory


A Netflix mudou minha relação com seriados, eu sempre digo...
Antes do serviço de streaming era muito difícil, pra mim, conseguir acompanhar séries de TV. Ter que esperar a agenda da TV, com seus horários semanais, e estar à mercê de uma emissora que, sem aviso, podia mudar o idioma de exibição de um programa sem te deixar opção, como certa vez o FX fez com My Name is Earl e The Office, eram coisas impensáveis pra mim.
Mas a Netflix me deu controle inédito sobre como eu gostaria de ver séries, e então eu comecei a assisti-las com gosto.
Outra relação minha que mudou em anos recentes foi com animações.
Eu não tinha a melhor das relações com animações até pouco tempo atrás. Na verdade, tinha até alguma implicância com o formato.
Mas não foi um serviço de exibição online que mudou minha relação com desenhos. Foi um estúdio:
A Pixar mudou minha forma de ver animações.
Acredito que tenha sido Up - Altas Aventuras o responsável por me fazer rever meus conceitos com relação aos filmes animados, que mudaram tanto que hoje sou capaz de desfrutar coisas que vão de Como Treinar o seu Dragão a Megamente, de modo que, hoje em dia, quando vejo os lançamentos do cinema semana a semana, já não pulo a parte de animações.
O que não quer dizer que assista todas em tela grande.
Eu gosto de filmes em idioma original, e é no mínimo improvável conseguir ver uma animação legendada no cinema.
Quando a oportunidade se apresenta, eu aproveito, como fiz assistindo Pets: A Vida Secreta dos Bichos, muito por conta de ter encontrado uma sessão em inglês.
Quando é impossível, eu francamente, prefiro esperar o home video.
Caso desse Procurando Dory, sequência do ótimo Procurando Nemo, de 2003, que faturou espantosos 940 milhões de dólares treze anos atrás ao contar a história do peixe-palhaço Marlin (voz de Albert Brooks) que cruzava o oceano com a ajuda da peixinha Dory (voz de Ellen DeGeneres), uma cirurgião-patela com problemas de perda de memória recente, para encontrar seu filho perdido.
Procurando Nemo era um deleite comparável a férias na praia quando se tem oito anos de idade. Uma nova risada, um novo suspiro, uma nova descoberta a cada um de seus cento e quatro minutos, e grande parte da graça do longa estava em Dory.
A desmemoriada que falava baleiês e sabia ler a língua dos humanos era o tipo de coadjuvante ladrão de cena que cativa audiências de todas as idades, talvez daí a preocupação de muita gente quando foi divulgado que ela seria a protagonista da sequência.
Ir de alívio cômico a personagem principal poderia ser danoso a uma personagem secundária tão cativante, mas, assistindo ao longa notamos que não é o caso...
Procurando Dory abre com um flashback, mostrando uma pequena Dory com seus pais, Charlie e Jenny (Eugene Levy e Diane Keaton), que tentam ajudá-la a levar uma vida normal a despeito de seus problemas de memória.
Infelizmente as lmbranças da pequena Dory se desvanecem quase instantaneamente, e não tarda para a vermos perdida no oceano, sempre procurando por sua família, e, conforme crescia, esquecendo por quem ela procurava, até esbarrar com Marlin e começar a busca do primeiro filme.
Corta para um ano após os eventos de Procurando Nemo...
Dory está morando com Marlin e Nemo, levando sua vidinha de maneira tranquila e amnésica como sempre fez.
Mas, durante uma excursão com o tio Arraia, Dory sofre um pequeno acidente que desperta uma antiga memória de sua infância e de seus pais.
É daí que a ação se inicia, com Dory, Marlin e Nemo novamente cruzando o oceano para tentar reunir Dory e sua família. Uma jornada que os leva até a joia de Morro Bay, Califórnia, o Instituto da Vida Marinha, onde ela irá tentar reencontrar seu passado com a ajuda de velhos e novos amigos como a tubarão baleia Destiny (Kaitlin Olson), o beluga Bailey (Ty Burrell), os leões marinhos Rudder e Fluke (Idris Elba e Dominic West) e o polvo Hank (Ed O'Neill), numa aventura que irá ensinar a todos o verdadeiro significado de ter uma família.
Conforme eu disse, ter Dory como protagonista não é um problema.
Dory segue tão adorável quanto fora treze anos atrás. Ainda há novos personagens divertidíssimos (destaque para os leões marinhos, que são muito engraçados), momentos tocantes, e a qualidade técnica absurda que o estúdio co-fundado por Steve Jobs tornou regra.
Mas a verdade é que Procurando Dory sofre de um problema gravíssimo que é ser a sequência de um filme que funcionava perfeitamente sozinho, e, mais do que isso, era uma das joias da coroa da Pixar.
É muito difícil seguir-se a Procurando Nemo e não sofrer com a comparação, que é absolutamente injusta, mas inevitável.
É óbvio que a Disney vai querer transformar qualquer longa da Pixar em franquia porque, francamente, os filmes do estúdio são quase impressoras de dinheiro, mas ainda que o longa escrito por Andrew Stanton, Victoria Strouse, Bob Peterson e Angus McLane seja uma hora e quarenta de risadas e eventuais olhos lacrimejantes, o bilionário Procurando Dory é muito menos do que Procurando Nemo havia sido em todos os aspectos, o que é perfeitamente natural quando colocamos sob perspectiva.
A impressão que dá, é que Procurando Nemo surgiu da necessidade de Andrew Stanton de contar uma história, enquanto a história de Procurando Dory surgiu da necessidade da Pixar de produzir uma sequência. Por sorte, mesmo o material reciclado da Pixar tem qualidade suficiente pra arrancar risadas e manter o lenço à mão.
Não há nada de ruim, em Procurando Dory, mas também não há nada de brilhante ou inédito.
Ainda assim, vale a locação. Veja os créditos até o final. Há uma surpresa divertida para os fãs do primeiro longa.

"-Essa é mesmo uma vista e tanto.
-É... Inesquecível."

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O Trailer de Ghost in the Shell

Eu sou um grande implicante. E uma das coisas com as quais implico, são os animes. Tenho uma certa resistência à estética das animações japoneses, salvo raras exceções. Duas dessas exceções são o sensacional Akira, de Katsuhiro Otomo, e Ghost in the Shell, no Brasil chamado de O Fantasma do Futuro. Agora, uma das coisas com as quais eu implico ainda mais do que animes, são adaptações norte-americanas de animes, como essa Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell, que a Paramount está cozinhando há anos e que finalmente vai ver a luz do dia. Confira o trailer divulgado no final de semana:



É com os dois pés trás que eu digo que o figurino da Scarlett Johansson e o beijo lésbico me venderam o filme... Dirigido por Rupert Sanders, o mesmo de Branca de Neve e o Caçador (pois é...) o longa adaptará o anime onde a policial cibernética major Motoko Kusanagi luta para levar justiça às ruas de uma megalópole japonesa, em um futuro distópico. Avi Arad, da série Homem-Aranha é um dos produtores. O elenco conta com Michael Pitt (Kuze), Juliette Binoche (Dra. Ouelet), Pilou Asbæk (Batou), Takeshi Kitano, Kaori Momoi, e Chin Han entre outros. O filme estréia em março de 2017.

Resenha Game: Call of Duty: Infinite Warfare


Certa feita entrei na Saraiva e apanhei um Battlefield qualquer na mão, e comecei a estudar a possibilidade de comprar o jogo.
Havia comprado um Playstation 3 há pouco tempo, não tinha uma grande variedade de jogos, e me lembrava com alguma ternura dos atiradores em primeira-pessoa que jogara no passado, notadamente os ótimos Goldeneye 007 e Perfect Dark, para Nintendo 64, e o bom 007 Nightfire, provavelmente os únicos de que era capaz de me lembrar.
Meu irmão me aconselhou a pegar um Call of Duty.
O jogo disponível da série, da qual já ouvira falar pelos jogos ambientados na Segunda Guerra Mundial, era o Mordern Warfare 2, o qual comprei sem nem saber que era uma parte linear de uma trilogia ainda por ser finalizada.
O fato de não ter jogado o primeiro Warfare não afetou minha diversão, e a ótima história do game me fisgou.
Ainda hoje tenho os três Call of Duty Modern Warfare como uma das melhores histórias que já vi em um game, certamente a melhor que já vi em um FPS, e sinto uma vontade danada de jogar a campanha novamente, o que só não faço porque não tenho mais o terceiro game da série.
Fui tão fisgado por Call of Duty, que acabei virando habitué da franquia, tendo dado chances ao irregular Ghosts, um game apenas razoável, e ao bem-intencionado Advanced Warfare, que também não vivia à altura da trilogia estrelada por Price, McTavich, Makarov e companhia.
Por sinal, Advanced Warfare foi um jogo que dividiu opiniões. No geral, as inovações foram bem-vindas, a história era OK, e o multiplayer se servia bem das inovações que os exoesqueletos ofereciam à jogabilidades, mas muita gente achou que aquele ponto do futuro era até onde a série podia ir antes de voltar seus olhos novamente ao passado, como fizera na série Black Ops e nos seus jogos mais antigos.
Ledo engano...
A Infinity Ward e a Activision resolveram ir ainda mais ao futuro, e misturar o game de guerra com ficção científica de maneira ainda mais profunda do que haviam feito em Advanced Warfare e lançaram Infinite Warfare, o game cujo trailer teve a maior rejeição da história do Youtube (ao menos até o lançamento do trailer de Caça-Fantasmas) e que foi lançado nesse começo de novembro dividindo a opinião da crítica especializada e dos fãs da série.
Passei o final de semana jogando o game e devo dizer que achei melhor do que Advaced Warfare e muito melhor do que Ghosts.
No game, estamos em um futuro distante e não especificado.
A humanidade esgotou as riquezas naturais do paneta Terra e levou sua sanha extrativista para todos os cantos do sistema solar, onde agora, cada um dos planetas, satélites e até asteroides são minerados para obter os recursos de quê a população do mundo precisa.
O problema surge quando a Frente de Defesa dos Assentamentos (SDF na sigla em inglês) emerge questionando a forma como a Aliança das Nações Unidas do Espaço (UNSA) lida com as questões da exploração interplanetária.
Não tarda para que a rusga escale para uma declaração de guerra aberta quando o almirante Salem Kotch (Kit Harrington, o Jon Snow de Game of Thrones) mata soldados do braço armado da UNSA, a Organização dos Associados ao Tratado Solar (SATO), um ato hostil seguido por um brutal atentado à sede da UNSA em Genebra que aleija as forças da SATO, restritas às Naves de Guerra Tigris e Retribution, é esta segunda que perde seu comandante, criando o cenário para que o major Nick Reyes (Bryan Bloom, de Esquadrão Classe-A), piloto do Esquadrão SCAR, seja nomeado capitão da espaçonave, e incumbido com a missão de impedir que as forças da SDF dominem o sistema solar.
Eu não sou um entusiasta de modos de jogo online.
Já não era no PS3, quando o jogo dependia apenas de uma boa internet, imagine no PS4, onde o jogo online é pago.
Quando eu compro um game, jogador eventual que sou, eu o faço pensando no modo história, fato que, por exemplo, me fez abrir mão de comprar Star Wars - Battlefront.
E, no papel de player eventual, eu gostei do novo Call of Duty, em grande parte graças à sua campanha.
As missões se dividem entre os velhos tiroteios por terra e missões onde joga-se a bordo da Jackal (as aeronaves do esquadrão SCAR), e que não são o velho sistema de tiro em trilho que dominava as fases em veículos da série até aqui.
Os controles de voo não fazem grande sentido, diga-se de passagem, pode-se bater em quase tudo à altas velocidades e não se desintegrar, e o sistema de lock-on target faz muito do trabalho pelo player, ainda assim, não posso dizer que não me divirto nas fases aéreas, seja no espaço sideral, seja na superfície dos vários planetas presentes no game.
A parte de tiroteio tradicional do jogo ganha algum respiro com pequenas inovações, há fases em que os confrontos armados ocorrem em gravidade zero, outras em que existe um quase inédito elemento de furtividade, conforme embarcamos em espaçonaves apinhadas de inimigos para assassinar um alvo, ou em uma base inimiga para resgatar reféns ou recuperar um protótipo roubado...
A engenharia das fases não chega a ser inovadora ou espetacular, exceto, talvez, na missão no asteroide, que obriga o jogador a controlar o tempo que fica exposto ao sol de 900 graus da rocha sem atmosfera apinhada de robôs assassinos.
Aliás, os robôs não são a única novidade em termos de traquitanas à disposição do jogador, há um vasto arsenal de engenhocas que vão de granadas antigravitacionais a minas remotas que caminham até o inimigo e o matam estrangulado.
O que pode incomodar fãs antigos da série é a presença de uma grande variedade de inimigos em armaduras.
É realmente chato precisar atirar várias e várias vezes em cada combatente da SDF para vê-lo, de fato, morto. Não pelo fato de aumentar a dificuldade do game, algo que seria bem-vindo, mas sim por prejudicar o ritmo da ação, algo na qual a série sempre foi particularmente bem-sucedida.
Ainda assim, o aumento na variedade de inimigos é interessante, de modo que não chega a ser um problema, como o HUD minimalista onde, em diversas fases, um mini mapa faz falta, especialmente em gravidade zero, onde o indicador de ameaça 360° nem sempre faz sentido, ou nas missões de infiltração, onde saber pra onde se virar a seguir pode ser crucial para o sucesso da empreitada.
O multiplayer de Infinite Warfare segue o modelo criado em Black Ops 3, de distribuir 10 pontos entre vantagens na hora de montar seu personagem.
O modo está consideravelmente mais lento do que vinha sendo na série, o que não chega a ser um defeito já que desde a época dos Modern Warfare o game vinha se tornando mais e mais rápido no seu modo para vários jogadores.
O novo sistema de renascimento que parece feito pra punir quem se afasta dos companheiros. Não é raro morrer e renascer praticamente na frente de um inimigo que te mata de novo.
Ainda assim, o modo oferece mapas muito bonitos e espertos, vários deles cheios de recursos feitos para casar com determinadas vantagens disponíveis na montagem do personagem do jogador, como pulo-duplo e corrida pelas paredes.
Há, também, o já tradicional modo zumbi, totalmente cooperativo, jogado em um único mapa, um parque temático chamado Spaceland.
O modo para quatro jogadores consiste em simplesmente sobreviver enquanto o game joga mais e mais inimigos em ti e nos teus companheiros, inimigos que vão de zumbis dançarinos de break à palhaços explosivos e chefões mutantes.
Esse modo é absolutamente cartunesco, colorido e bobo, divergindo bastante do visual acapachante do resto do jogo, mas é muito divertido, e viciante para amantes de games cooperativos.
Call of Duty: Infinite Warfare é um game correto, repleto de conteúdo que, se não chega a encher os olhos e explodir crânios, certamente garante a diversão dos fãs, seja no curto modo campanha, que tem pouco mais de cinco horas e meia de game contínuo, seja nos modos multiplayer.
Não é um game obrigatório, e francamente poderia ter sido feito com outro título e se poupado de todas as críticas, mas ainda assim, é uma boa pedida para os fãs do gênero.

"-O capitão fica na ponte...
-Não desta vez. Não este capitão."

sábado, 12 de novembro de 2016

Minha Vó


Vó Lila, era uma avó típica.
Tinha cara, jeito e gestos de avó.
Físico de pata, cabelos grisalhos presos em um coque no topo da cabeça, avental e panos de prato...
Pintava, desenhava, bordava e costurava... Vivia na cozinha, e preparava refeições para batalhões, reflexo de ter sido mãe de sete filhos, jamais aprendera a cozinhar em pequenas quantidades.
Chegar à casa da vó Lila era certeza de encontrar mesa farta, e mais um prato para alguém que surgisse perdido na hora da refeição, pois ela seguia cozinhando em grandes porções.
Fazia uma pizza tipo bolo de sardinha que produzia orgasmos gastronômicos, e um bolo mármore que, acompanhado de sorvete de creme, era dessas coisas de comer ajoelhado.
No verão de 1989, no auge da febre do Batman de Tim Burton, pintou camisetas com o morcego preto sobre a elipse amarela para cada um dos netos.
Eram vários netos...
Ao menos dez espalhados pelo Brasil inteiro, que naquele ano convergiram juntos para a velha casa em Rainha do Mar.
Lá, ela me incumbia de ir diariamente à padaria, onde eu comprava vinte pãezinhos e oito litros de leite para o lanche da tarde.
O troco era meu, e eu podia torrar em gibis, picolés, ou o que mais eu quisesse.
Quando tínhamos menos contato, fora dos veraneios, nos encontrávamos e nos cumprimentávamos com cinco beijinhos. Eram três para casar, quatro para não morar com a sogra, e um quinto para não ficar viúvo.
Era um ritual que sempre repetíamos e do qual ela sempre ria um bocado.
Carioca da gema, viera ainda na década de 50 morar em Porto Alegre com meu avô, a quem conhecera no Rio quando ele fora para lá estudar.
Chegaram aqui casados.
Ela jamais perdeu o "R" duplicado "do catarro" como costumava chamar. Continuava se referindo à quem quer que fizesse alguma bobagem como "seu merrda", talvez a única palavra que ainda denunciava sua origem fluminense.
No rio, era Vascaína, aqui, se tornou gremista. Provavelmente para implicar com meu avô, que era colorado, mas pouco entendia ou se importava com futebol.
Quando falávamos a respeito seu único comentário era "Meu time tá uma merrda".
Alguns anos trás, acometida pela osteoporose e o sobrepeso, acabou perdendo parcialmente os movimentos de uma das pernas.
Andava pouco, apoiada por um andador, depois, tentou adaptar-se à uma cadeira de rodas, e finalmente ficou presa à sua cama.
Ainda tinha a mente afiada a maior parte do tempo, seguia acompanhando noticiários, lendo o jornal matutino, bordando e costurando.
Mas a verdade é que estava cansada.
Havia perdido o marido, quatro filhos, e a independência.
Sofria pelas idas ao hospital, as pequenas doenças costumeiras à pessoas em sua condição de imobilidade, e por considerar-se um fardo aos que a cercavam.
"Ficar velho é uma merrda", dizia.
"A alternativa é pior, vó", eu retrucava.
E ela me olhava como quem não concordava com o que eu dizia, mas não ia levar a discussão adiante.
No sábado passado, após três dias hospitalizada, minha vó se foi.
Minhas duas avós se foram em um período de menos de 45 dias.
No funeral, um sucesso de público repleto de pessoas indo dar um último adeus, me lembrei de estarmos sentados lado a lado na cozinha, na praia, depois de ela ter assado um bolo mármore.
Eu ganhei a primeira fatia, e mordi com sofreguidão, espalhando pedaços do bolo, ainda quente, pelo chão de lajotas cor de laranja.
Então olhei pra ela com a expressão culpada de quem havia feito uma besteira, e ela piscou olhando em volta e me disse:
-Ninguém viu.
Minha vó era assim.
Cúmplice, briguenta, desbocada, piadista...
Adorava ter todos por perto, e mesmo os atritos entre parentes amontoados lhe eram caros, pois eram testemunho de uma família numerosa e barulhenta a quem ela amava, por vezes de maneira rude, por vezes de maneira impaciente, ou até desigual.
Mas amava.
E de minha parte, era tão recíproco quanto qualquer amor pode ser.
Mensurado apenas pela saudade...
Essa "merrda" de saudade.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Resenha DVD: Invocação do Mal 2


Invocação do Mal, de 2013, foi, talvez, o único filme de terror que valia a película em que fora filmado em anos recentes.
James Wan conseguiu equilibrar uma boa história de fantasma sobre uma direção sem preguiça que rendia bons sustos e contava com trabalhos dignos de nota de Vera Farmiga e, especialmente, de Lili Taylor.
O filme foi um daqueles brutas sucessos que o cinema de terror, que historicamente exige menos recurso financeiro, volta e meia rende, catapultou Wan para Velozes & Furiosos 7, e Aquaman, e, claro, criou uma franquia com a boneca maldita Annabelle, e, óbvio, este inevitável Invocação do Mal 2, que recebeu críticas ainda mais elogiosas que seu antecessor, e foi sucesso de público transformando seus 40 milhões de dólares de orçamento em mais de 320 milhões em bilheteria.
O longa abre com Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga) na casa onde ocorrera o massacre de Amityville. Os Warren estão lá para descobrir se o que ocorreu na fatídica noite dos homicídios foi apenas resultado dos delírios de um homicida ou, de fato, o produto de uma possessão demoníaca.
Usando seus poderes extra-sensoriais, Lorraine revive a noite dos homicídios do ponto de vista de Ronald DeFeo Jr., que baleou seus pais e seus quatro irmãos com uma espingarda após passar noites e mais noites acordando às 3:15 da madrugada ouvindo uma voz ordenar-lhe que matasse sua família.
Durante seu passeio pelo passado, Lorraine encontra o espírito diabólico de uma freira que a ataca e lhe diz que os dias de Ed estão contados.
Enquanto isso, em Enfield, na Inglaterra, a família Hodgson começa a ter problemas.
Na verdade, mais problemas, já que os Hodgson são uma família chefiada pela mãe solteira Peggy (Frances O'Connor) que luta para criar, sozinha, quatro filhos.
Mas os problemas mundanos dos Hodgson dão um salto além quando a jovem Janice (Madison Wolfe) passa a sofrer com pesadelos e sonambulismo, que logo escala para ouvir ruídos sinistros no meio da noite, presenciar eventos sobrenaturais sozinha em casa e, finalmente, episódios de possessão.
Aparentemente Janet é dominada pelo espírito de Bill Wilkins, um homem que morreu naquela casa anos antes, e não parece disposto a sair.
Não demora para que os caça-fantasmas britânicos Maurice Grosse (Simon McBurney) e Anita Gregory (Franka Potente) sejam chamados e constatem que há algo de muito estranho ocorrendo na residência dos Hodgson, e com isso, os Warren são chamados para determinar se os relatos são uma elaborada farsa ou um Amityville britânico.
É um bom filme de horror, mas francamente, não entendi o hype.
Invocação do Mal 2 segue rigorosamente a mesma cartilha do predecessor. Está tudo lá, igual que nem:
A mãe perdendo as estribeiras, as crianças em perigo, a casa velha dominada por espíritos demoníacos, e os Warren como a única esperança... O longa troca pequenos detalhes mas conta mais ou menos a mesma história.
OK, filmes de horror em geral são assim, os temas se repetem, e não há problema nisso, já que é o que os fãs desejam, mas eu realmente não vejo onde esse segundo capítulo é superior ao primeiro.
Pra começar, falta a presença de Lili Taylor, que simplesmente destruía no filme original, sendo, fácil, um dos pilares do filme, e o que o fazia ir além dos sustos.
Falta profundidade para os personagens no segundo filme, todos são meros arquétipos com personalidades vagamente sugeridas, mas, verdade seja dita, não faltam sustos em Invocação do Mal 2.
Na verdade, eles sobram.
O filme parece se alongar além do que deveria com 133 minutos que poderiam facilmente ser enxugados em uns quinze.
James Wan sabe o que o assusta, e gosta de assustar os outros, então simplesmente não consegue evitar o ímpeto de continuar empilhando horrores na tela, muitas vezes com resultados irregulares.
As cruzes virando de ponta-cabeça na parede são óbvias demais pra assustar e o Homem Torto realmente não funciona. Parece um fugitivo de um filme de Tim Burton fora de seu ambiente, muito mais interessante é a sessão de interrogatório de Janet, mostrada sempre fora de foco em segundo plano enquanto a câmera não desgruda de Ed, ou, melhor ainda, a sequência no quarto das meninas quando há um momento de hesitação antes de acender a luz após ouvir uma voz torpe vinda das sombras.
A freira demônio é um personagem com bom visual, e o espírito de Bill Wilkins surgindo das trevas também tem seus momentos, mas, no geral, Invocação do Mal 2 é um horror mais abrangente do que o filme anterior, aparentemente tentando abraçar mais facetas do terror, e, com isso, dilui seu potencial para assustar.
Há grandes ideias em Invocação do Mal 2, da ambientação setentista que emula filmes como o Horror em Amityville original, O Iluminado e A Profecia ao arsenal de pavores simples como uma sombra sinistra, um carrinho de brinquedo se ligando sozinho ou as crianças do coral cantando na TV, infelizmente, elas perdem muito de seu impacto porque, francamente, já vimos tudo isso antes, e a pirotecnia de um gigante de CGI furando portas com um guarda-chuva simplesmente destoa da ideia de terror proposta pelo restante do filme.
Ainda assim, James Wan merece crédito por não ser um cineasta preguiçoso, e Vera Farmiga e Patrick Wilson por interpretarem de maneira tão respeitosa personagens que, a bem da verdade, são meio bobos, além de Madison Wolfe, que segura a peteca na hora de ser assustadora.
Invocação do Mal 2 é um bom filme de terror, mas empalidece na comparação com o original, que era um bom filme, ponto.
Excelente pedida para os fãs do gênero, mas não vai surpreender quem não é afeito à histórias de demônios, fantasmas e aparições.

"-Eu sei o seu nome, demônio, e isso me dá domínio sobre você."

Resenha DVD: Como Eu Era Antes de Você


Eu sou fã de Game of Thrones.
Acompanho a série avidamente desde a primeira temporada, li os livros, jogo o RPG, a coisa toda.
Adoro o lance da fantasia medieval temperada com sexo e violência, curto os personagens, os atores que os interpretam na série, curto, mesmo...
Mas vou confessar que, ao contrário da maioria, não era particularmente encantado com a Daenerys Targarien.
Nos livros e na série, sempre vi a Daenerys meio como se ela fosse o Frodo de Game of Thrones.
Sua linha narrativa é central, ela é um dos mais importantes personagens da saga e suas ações reverberam por todo o seu mundo, mas ainda assim, tirando arroubos de dragonice, sua parte na história é chata uma barbaridade desde que seu romance com Khal Drogo terminou embaixo de uma almofada.
Talvez por isso eu não achasse Emilia Clarke a última bolacha do pacote.
Ainda que tenha achado ela uma delicinha em O Exterminador do Futuro: Gênesis, nunca olhei para a atriz britânica e pensei "uau"...
Isso mudou ontem, quando me apaixonei perdidamente por ela assistindo a esse Como Eu Era Antes de Você, drama romântico baseado no best seller de mesmo título escrito por Jojo Moyes (que também assina o roteiro da adaptação).
No longa Emilia vive Louisa Clark.
Louisa é uma jovem avoada, criativa e adorável que vive em um vilarejo britânico com os pais, o avô, a irmã e o sobrinho.
Os Clark são uma família de operários que passam por um mau momento financeiro. O pai, Bernard (Brendan Coyle) está desempregado e encontra sérias dificuldades para retornar ao mercado de trabalho, de modo que a responsabilidade pelo sustento da casa recai sobre Louisa e sua irmã mais velha, Katrina (Jena Coleman, de Doctor Who).
Quando Louisa é demitida da cafeteria onde trabalha como garçonete, ela logo começa a procurar por um novo emprego pois sua família precisa desesperadamente do dinheiro.
Recebendo conselhos de seu namorado, o insosso personal trainer Patrick (Matthew Lewis, de Harry Potter), ela pula de emprego em emprego até encontrar um anúncio que oferece a posição de cuidadora para um deficiente, uma função com um ótimo salário e para a qual não é requerida nenhuma experiência.
Não tarda para que Louisa esteja na residência dos Traynor, abastada família aristocrática cuja linhagem possui até mesmo um castelo que domina a paisagem do vilarejo, descobrindo que sua função será tomar conta de William (Sam Claflin, de Jogos Vorazes).
William era um jovem e ativo corretor da bolsa de valores que, após ser atropelado por uma motocicleta, se tornou tetraplégico.
Ele vive em um anexo na residência dos pais Camila e Stephen Traynor (Janet McTeer e Charles Dance), onde Louisa desempenhará funções mundanas, como servir café e chá, apanhar coisas, ajeitar travesseiros e administrar as medicações do jovem paralisado, que conta com um experiente enfermeiro para tratar da higiene pessoal e das questões mais técnicas da sua condição que inclui, além da paralisia, dores crônicas, problemas de pressão arterial e a óbvia depressão de alguém que deixou de ser quem era para virar o que restou de si.
Inicialmente desagradável, ressentido e amargo, William faz Louisa comer o pão que o diabo amassou exibindo um vasto repertório de grosserias, amargura e pequenas maldades, mas em um dia chuvoso, Will resolve assistir a um DVD, o filme escolhido por ele é o drama francês Homens e Deuses, e o fato de Lou dizer que não gosta de filmes legendados leva Will a obrigá-la a assistir ao longa...
Que ela adora.
Daí pra frente, a relação entre os dois vai se estreitando, e conforme Louisa, com seu sorriso doce, incapacidade de odiar, tolice inerente e guarda-roupa coloridíssimo, vai vencendo o muro de indiferença de Will, ela passa a vê-lo de maneira mais humana, e a se dedicar não a deixá-lo confortável, mas a deixá-lo feliz.
Louisa abre seu coração para Will, e escava seu caminho até o dele, e conforme os dois passam mais tempo juntos, eles logo se percebem apaixonados, e mudando um ao outro de maneiras que pareciam impensáveis.
Pela premissa, Como Eu Era Antes de Você parece uma mistura de A Bela & A Fera com Intocáveis e Se Eu Ficar, ou um daqueles longas patrocinados pela Kleenex feitos exclusivamente pensando em arrancar lágrimas da audiência, mas a verdade é que o filme da estreante Thea Sharrock consegue escapar da armadilha de ser um "weep porn" como Um Amor Para Recordar ou A Culpa é das Estrelas porque, numa de suas melhores decisões, não se leva excessivamente a sério.
A despeito de ser um drama, o longa não é um dramalhão, pois a personagem de Emilia Clarke é simplesmente doce e avoada demais para que as coisas escapem de uma abordagem mas leve, e o filme, como sua protagonista, simplesmente se recusa a sonegar um sorriso.
Com suas sobrancelhas que parecem taturanas que tomaram metanfetamina, a atriz londrina opera de um modo completamente diferente de Game of Thrones, é um raio de sol em cada frame e eu não sei se é fisicamente possível assistir ao filme e não se apaixonar desesperadamente por ela.
Sam Claflin, por sua vez, vai bem no papel de Will, intercalando uma atitude superior e esnobe terrivelmente britânica com momentos de ternura e fragilidade, como a sequência no carro após o concerto.
Com dois bons protagonistas recebendo o merecido holofote de direção e roteiro e cercados por um competente elenco de apoio, Como Eu Era Antes de Você é uma ótima alternativa a outros dramas românticos que só querem ver as pessoas caírem no choro.
Apesar de haver lágrimas no longa (dramas românticos são dramas românticos, afinal de contas), nós não nos sentimos enganados ou manipulados (em excesso) para derramá-las, e como essas lágrimas fugidias são intercaladas por sorrisos sinceros e conduzidas por uma atriz que poderia estampar o verbete "Doçura" em uma enciclopédia, o longa certamente vale a locação.
Assista, nem que seja para se apaixonar, ou reforçar o amor por Emilia Clarke.
Vale a pena.

"-Vamos ficar aqui mais um pouco. Eu quero ser apenas um homem que foi a um concerto com uma garota de vestido vermelho."

sábado, 5 de novembro de 2016

Satisfação


Estavam os dois sentados na mesma mesa de sempre no bar.
O Everaldo e o Paulo Roberto, de frente um pro outro, o Everaldo brincando com as bolachas de chope que se amontoavam diante de si, o Paulo Roberto bebendo uma Coca-Cola enquanto olhava, de soslaio, para a TV no canto oposto do bar.
Ali pelas tantas, passou um conhecido, o Amaury, que imediatamente reconheceu os dois, e parou brevemente para cumprimentar.
Falou as amenidades de hábito.
"Quanto tempo!", "PE verdade!", "E a família", "Precisamos marcar alguma coisa", e finalmente despediram-se com "satisfação!".
Assim que o Amaury foi embora o Everaldo cuspiu uma risada forçada:
-Escroto do cacete...
O Paulo Roberto riu de verdade:
-Tu não gosta do Amaury?
-Nem a mãe desse filho da puta gosta dele. - Respondeu o Everaldo, seco.
O Paulo Roberto tentou apaziguar:
-Ele não é tão ruim... É meio forçado, eu concordo, mas tem gente pior no mundo...
-Ah, sim... Mas se tu vai partir desse princípio fodido, então ninguém é ruim de verdade, a não ser o pior filho da puta da face da porra da Terra...
-É... - Paulo Roberto viu-se obrigado a concordar. -Tem razão. Mas eu não acho o Amaury tão ruim. Ele é chato, verdade, mas quem não é, ao menos ás vezes?
-Esse escroto do caralho não é chato "ás vezes", Pê Erre, ele é chato pra caralho a porra do tempo inteiro. É o estado natural desse filho da puta. Ele é um filho da puta falso. Quem é que se despede dizendo "satisfação"? Quem é o olho de um cu que diz uma porra dessa se despedindo? Que é que significa essa merda?
O Paulo Roberto sorriu:
-Ué... Ele ficou satisfeito de nos ver... Daí disse "satisfação"...
-Ah, mas vai te foder, tu e ele, Pê Erre... Tu usa isso pra cumprimentar? - Retrucou o Everaldo.
-Não. - Respondeu o Paulo Roberto -Mas conheço gente que usa.
-Tudo falso. - Sentenciou o Everaldo. -Corja de falso filho da puta. - Completou.
O Paulo Roberto discordava:
-Tu acha impossível sentir satisfação por ter encontrado alguém? - Perguntou.
-Eu acho... Satisfação é outra coisa... Quando encontra alguém que gosta nego sente alegria, felicidade... Vai tomar no teu cu com "satisfação"...
O Paulo Roberto resolveu especular:
-Então, tá, Everaldo. O que seria uma situação pra sentir "satisfação", pra ti? Uma boa refeição? Uma boa trepada? O quê se encaixaria na tua definição de "satisfação"?
-Satisfação, mesmo - Disse o Everaldo, mexendo os dedos como se a ideia flutuasse diante dele e ele a estivesse colhendo -É enfiar o dedo no nariz, e tirar um tatu... Mas não qualquer tatu. Eu tô falando daqueles tatus que são grandes, meio duros, e chegam a obstruir a passagem de ar na narina, e tu te vê obrigado a cavoucar a nareba com a unha pra conseguir tirar, porque assoando o nariz ele não sai... E aí tu pesca aquele colosso de muco enrijecido com a unha do indicador, e puxa ele com cuidado pra não perder, e ele vem arrastando consigo uma âncora de ranho, e quando aquela porra sai, Pê Erre, e tu consegue respirar... Puta merda... O alívio...
Isso, sim, é satisfação...
Do outro lado da mesa o Paulo Roberto encarava o Everaldo com uma expressão indefinida.
Parecia um cientista diante de uma nova forma de vida, algo nunca antes visto na Terra e cujas ramificações ainda não eram totalmente compreensíveis no médio a longo prazo. Ele não sabia dizer se estava diante de um milagre ou de uma desgraça.
Apertou os olhos mirando o amigo que empilhava bolachas de chope do outro lado da mesa e ainda sem ter certeza, disse apenas "Que nojo.".
E bebericou um gole de sua Coca-Cola.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

O Novo Trailer de Mulher-Maravilha

Após alguns dias de embromação a Warner divulgou a nova prévia de Mulher-Maravilha, filme que contará a origem da Amazona e seu primeiro contato com o mundo dos homens.
A prévia de pouco mais de dois minutos e vinte mostra algumas cenas inéditas, incluindo interações com Steve Trevor e cenas de combate com direito aos braceletes à prova de balas, o laço da verdade, e chutes voadores em câmera lenta de encher os olhos.
Confira:
 


Maneiro, né?
Aparentemente depois de escorregar com Batman v Superman e Esquadrão Suicida a DC parece ter achado um caminho, considerando a visível mudança de tom nos trailers de Liga da Justiça e de Mulher-Maravilha.
Vamos torcer pra funcionar.
Dirigido por Patty Jenkins o longa é estrelado por Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nilsen, Robin Wright e Danny Huston, entre outros, o filme estréia em 1° de Junho do ano que vem.

Resenha Cinema: Doutor Estranho


Após treze filmes acredito que a audiência já tenha aprendido o que esperar quando vai ao cinema assistir um longa da Marvel...
A fórmula surgiu em Homem de Ferro e O Incrível Hulk há oito anos atrás, e de lá pra cá o estúdio percebeu que sua mistura de aventura e comédia era uma mina de ouro, e na melhor aplicação do adágio que diz que, se não está quebrado, não conserte, o conluio Marvel/Disney tem aplicado a fórmula em cada um dos seus filmes, ás vezes pendendo o lado mais para a ação, caso do excelente Capitão América: O Soldado Invernal, hora para a comédia, como aconteceu em Homem Formiga.
É por isso que eu espero, francamente, não ler ou ouvir nenhuma crítica a Doutor Estranho lamentando o fato de que o longa dirigido por Scott Derrickson, egresso de O Exorcismo de Emily Rose, A Entidade e Livrai-nos do Mal não seja mais sério, mais soturno, e mais assustador.
Se a audiência quer ver um filme sério, soturno e assustador, então não deveria ver nada com o selo vermelho e branco da Marvel perto do título.
Doutor Estranho é exatamente o que todos os filmes da Marvel têm sido desde que Robert Downey Jr. apareceu segurando seu scotch no banco de trás de uma Humvee ao som de Back in Black no debute da encarnação cinematográfica da editora, e, se o espectador não estiver esperando uma estapafúrdia ruptura de um (muitíssimo) bem-sucedido modelo, eu tenho certeza absoluta de que será capaz de se divertir assistindo a história de Stephen Strange (Benedict Cumberbatch).
Strange é um neurocirurgião cujo talento para salvar vidas só é equiparado pela arrogância e ego inflado de um profissional com uma habilidade sem par.
Capaz de realizar milagres médicos enquanto ouve canções e declama autor, álbum e data de lançamento Stephen Strange é tão cheio de si que chega a ser irritante que ele seja tão bom no que faz.
Que o digam seus colegas de hospital, como o doutor Nicodemus West (Michael Stuhlbarg) e Christine Palmer (Rachel McAdams), que têm lugar na primeira fila para as demonstrações tanto do talento de Strange quanto de seus rompantes de diva.
Stephen é um homem que tem tudo, ao menos até perder tudo quando um acidente automobilístico causa o esmagamento de suas mãos sob o painel de sua Lamborghini.
Os danos aos nervos de suas mãos são extremamente severos, e após inúmeras cirurgias, tratamentos e fisioterapia, Strange se vê incapaz de sequer se barbear sem ajuda, que dirá retomar sua carreira como cirurgião.
Enquanto torra todo o seu dinheiro em tratamentos experimentais, ele toma conhecimento do caso de Jonathan Pangborn (Benjamin Bratt).
Pangborn sofreu um grave acidente que o deixou tetraplégico, e milagrosamente ressurgiu em Nova York andando, trabalhando e jogando basquete com os amigos.
Strange encontra Pangborn, que lhe dá o mapa da mina:
Um lugar chamado Kamar-Tej, no Nepal.
Torrando até seu último centavo em uma passagem só de ida para Catmandu, Stephen encontra o santuário de Kamar-Tej, onde é apresentado a Mordo (Chiwetel Ejiofor), a Wong (Benedict Wong) e à Anciã (Tilda Swinton).
Mas ao invés de curandeiros espirituais, Strange encontra magos que não precisam de muito para vencer seu ceticismo, e apresentá-lo a um novo mundo.
Logo Strange se torna um membro dessa ordem, aprendendo vorazmente sobre a magia oculta de nossa dimensão, a força de seu intelecto e a vontade de aprender logo deixam claro que o ex-cirurgião tem um potencial tremendo para as artes ocultas, mas seu aprendizado é interrompido quando eclode a guerra entre a ordem e um pupilo renegado, Kaecilius (Mads Mikkelsen), que pretende usar o conhecimento de tomos proibidos para abrir as portas da dimensão negra e trazer o terrível demônio Dormammu à Terra.
Arrastado para o meio desse conflito, o Doutor Estranho precisa decidir se é capaz de colocar seu ego de lado e usar seus talentos para proteger nossa dimensão do que existe além.
É óbvio que é divertido.
O longa tem todas as melhores qualidades de um filme da Marvel, boa ação, piadas engraçadinhas, efeitos visuais de ponta, e um ótimo elenco emprestando credibilidade à maluquice na tela.
Benedict Cumberbatch é um excelente ator, e sua performance no papel título é inspirada, transitando com naturalidade entre o drama, a ação e a comédia.
Chiwetel Ejiofor é outro baita ator, e seu Mordo é majestoso e grave e que obviamente terá muito mais a oferecer no futuro, enquanto Benedict Wong interpreta um Wong completamente diferente daquele dos quadrinhos, mas ótimo dentro da proposta do filme. Pra melhorar, ele ainda tem uma química divertidíssima com Cumberbacth.
Tilda Swinton, por sua vez, é um capítulo à parte.
A celeuma pela mudança de etnia e gênero do Ancião (nos quadrinhos ele é um velho oriental, uma piadinha que inclusive surge no filme) vira pó sob a interpretação serena da atriz britânica, que esmerilha com sua presença naturalmente etérea no papel da personagem eterna (tudo a ver com Swinton, que tem a mesma cara desde Orlando: A Mulher Imortal), sábia e poderosa.
Mads Mikkelsen faz o que pode com Kaecilius. O personagem, devo admitir, é um dos poucos vilões recentes do universo Marvel com algum background, e mesmo que sua conexão passada com a Anciã seja apenas brevemente sugerida, já dá uma ajuda para a audiência vislumbrar um motivo por trás de suas ações, o que é um respiro em meio a tantos vilões que são maus apenas porque sim...
Rachel McAdams é uma gracinha e uma atriz gostável o suficiente pra fazer a gente se importar com ela mesmo que o par romântico seja apenas uma formalidade nesse tipo de filme de origem e sua participação, à certa altura, se resuma à reagir de maneira engraçada aos absurdos que acontecem na tela.
Filmes de origem precisam respeitar uma certa estrutura, e Doutor Estranho não é exceção à regra, de modo que é saudável que o longa sirva-se do talento de seu elenco acima da média e da qualidade lisérgica dos quadrinhos de Stan Lee e Steve Ditko para dar uma refrescada numa equação quase obrigatória quando se apresenta um super-herói.
As viagens interdimensionais e sequências de sonho caleidoscópicas são muito bem sacadas, e apesar da implicância de alguns aborrescentes ranhetas com os primeiros trailers que tinham um visual reminiscente ao A Origem de Christopher Nolan, não tema, os efeitos visuais vão mais fundo que a dobra de prédios que apareceram na primeira prévia, e são esticados muito além daí.
Doutor Estranho faz um ótimo trabalho contando a história de origem do mestre das artes místicas do universo Marvel, abre novas portas para o futuro, e torna o Universo Cinemático Marvel um pouco mais Estranho...
Assista no cinema.
Apenas a possibilidade de ver os talentos de Swinton, Ejiofor e Cumberbatch dividindo cenas já valeria o preço do ingresso.
Como de hábito, espere até o final dos créditos, ao contrário do que aconteceu em filmes recentes da Marvel, as duas cenas ocultas estabelecem filmes vindouros.

"-Isso não faz nenhum sentido.
-Nem tudo faz. Nem tudo precisa fazer."