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terça-feira, 30 de maio de 2017

Resenha Série: Deuses Americanos. Temporada 1 Episódio 5: Lemon Scented You


Atenção! Há spoilers do episódio!
Após uma bela vinheta animada de "Chegando à América" que contou a história de Nunyunnini, um deus que acabou esquecido após perder seus seguidores, Deuses Americanos finalmente saiu do cliffhanger onde nos deixara pendurados por dois capítulos, com Shadow encontrando Laura no seu quarto de hotel, a cena que havia encerrado tanto Head Full of Snow quanto Git Gone.
Foi interessante ver que Laura, que em vida era uma vaca fria que não dava bola alguma pro Shadow, agora é uma criatura que não tem propósito na existência exceto seu amor pela "luz de sua vida". A interação entre os dois foi bem interessante, especialmente conforme Shadow, que andou vendo coisas bem sinistras nas últimas semanas, não ficou tão abismado com o retorno de Laura quanto poderia se supôr, e certamente não o suficiente para esquecer da traição dela, e da circunstância de sua morte.
Laura, por sua vez, parece estar lutando para se importar com Shadow, mas por jamais ter se importado com nada na vida, tem uma atitude artificial que a faz parecer ainda mais vaca do que o habitual, e fica absolutamente desconcertada quando seu "puppy" a rejeita.
A despeito de jamais ter amado Shadow em vida, na morte, a única razão para Laura andar pelo mundo é a presença de Shadow, e o presente que ele lhe deu.
Aliás, o presente de Shadow, a moeda que, segundo Zoraya Polunochnaya era o Sol, leva ao encontro entre Laura e Mad Sweeney.
O leprechau segue tentando recuperar seu amuleto da sorte (quisera eu poder usar esse espaço para dizer "lucky charm" com sotaque irlandês), mas esbarra nas habilidades que a moeda deu à senhora Moon.
As interações entre Sweeney e Laura podem não ter tão pungentes quanto as interações entre Shadow e ela, mas certamente são muito engraçadas, sem contar que, em um programa que parece não ligar nem um pouco para se a audiência está acompanhando a história, ou não, qualquer lugar de onde se possa tirar uma pista das motivações e sentimentos dos personagens com mais poker face é bem vindo.
No caso, toda a conversa de Sweeney com Laura, especialmente suas insinuações de que Shadow não liga mais pra "Esposa Morta" foram o grande indicativo de o quanto Shadow é importante para o pós-vida de Laura, e de o quanto a ausência do viúvo mexeu com ela.
E enquanto Laura e Sweeney resolviam suas desavenças, Quarta-Feira e Shadow tinham seus próprios problemas para lidar.
A despeito de todas as precauções tomadas pela dupla, eles são encontrados pela polícia e presos pelo assalto a banco após cruzarem duas divisas estaduais após uma dica anônima colocar os tiras na porta do motel onde a dupla se escondia.
Óbvio trabalho de inimigos poderosos e com vasto acesso à informação.
E aí chegamos ao que certamente foi o ponto alto do episódio, quando os novos deuses, Technical Boy e Media trouxeram à presença de Shadow e Quarta-Feira Mr. World (o George McFly Crispin Glover).
A despeito de ter mostrado sua cota de forças sinistras ao longo dos últimos quatro capítulos, Deuses Americanos ainda não tinha um antagonista de fato, e Mr. World certamente pode ocupar esse posto com tranquilidade.
Sua visão dos novos deuses combinada com seu tratamento sinistro ao Technical Boy e seu comportamento polido e desarticulado criaram um vilão de estirpe para a série.
Sua proposta de fusão à Quarta-Feira, que, se os espectadores ainda não haviam notado pelo olho de vidro e pelos corvos, é Odin, ilustrada pelo Valhalla cartunesco habitado por unicórnios coloridos criado por Media (que apareceu brilhantemente em forma de David Bowie e Marilyn Monroe no episódio) foi o abraço definitivo de Deuses Americanos à esquisitice, sim, mas também foi a derradeira explanação para a questão de qual o grande conflito do seriado.
Mr. World e os novos deuses substituindo os deuses antigos através de uma visão corporativa e pasteurizada de mundo sem identidade.
O individualismo robusto não tem mais espaço, avisa Mr. World.
Esse é um mundo social e comunitário, onde ninguém existe individualmente, a mídia social, os gadgets, franquias e corporações são a única identidade à qual a humanidade se presta em sua maioria.
Mais do que isso, o encontro com Technical Boy, Media e Mr. World reforçou o papel de Shadow na trama, já que Media deixa bem claro que, nem todo mundo precisa acreditar, apenas pessoas o suficiente, talvez, apenas uma.
O respeito de Mr. World por Quarta-Feira me fez questionar o que aconteceria se o antigo deus dos deuses de Asgard recebesse adoração o suficiente, e, no caso, será que unicamente uma crença, a crença de um incréu como Shadow, poderia fazer toda a diferença?
Outro baita episódio de Deuses Americanos, Lemon Scented You também teve seus percalços.
O pior deles provavelmente foi a cena do interrogatório, que pareceu algo deslocada. Interessante como Audrey serviu, no episódio passado, como um lembrete saboroso da presença de gente normal no mundo de Deuses Americanos, e no episódio seguinte a presença dos detetives fez exatamente o oposto.
E, claro, após lançar uma luz sobre alguns dos mistérios da série, o episódio tinha que enfiar um novo e sinistro elemento na trama, o que diabos (ou deuses) era aquela criatura que agarra Shadow ao fim do capítulo?
A despeito de alguns elementos fora de lugar, o episódio foi bom, e ainda que não tenha alcançado o nível de seus melhores capítulos, manteve Deuses Americanos como aquela série pela qual vale a pena roer as unhas até a semana que vem.

"-Você se meteu em umas merdas bem estranhas, mesmo, Shadow..."

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Resenha Filme: War Machine


Quando eu vi o trailer de War Machine, recente parceria entre o serviço de streaming Netflix e a Plan B, produtora de Brad Pitt, eu abri um sorriso satisfeito pensando que, por mais que não fosse original, uma sátira ácida à ocupação militar norte-americana no Afeganistão seria, ao menos, divertida.
Brad Pitt não é mau ator, e quando faz comédia tende a ser ainda mais competente do que quando faz dramas, e o trailer de War Machine acenava com um daqueles palcos perfeitos para Pitt desenvolver um personagem divertido, cheio de tiques e manias, com jeito de falar, andar e olhar característicos em uma história mostrando, de maneira divertida, os absurdos da guerra.
No sábado, acometido de um violento resfriado, e sem ter tido chance de ir à locadora, resolvi assistir ao longa escrito e dirigido por David Michôd, que narra a história do general Glen McMahon (Pitt), que após o início da administração Obama nos EUA, foi chamado para comandar a forças de ocupação da OTAN no Afeganistão.
A ideia é que McMahon fosse até lá para garantir uma eleição presidencial justa, e entregar o país nas mãos de sua nova administração para que os EUA pudessem retirar suas tropas do território afegão.
Com o que os políticos que o convocaram não contavam era com a obstinação pétrea de "Glenimal" McMahon, que não vai ao Afeganistão meramente para comandar uma retirada, mas sim para vencer uma guerra.
Decidido a liderar suas forças à vitória, McMahon precisa entender a realidade da ocupação afegã, com tropas da coalizão dispersas que mal se falam entre si, um exército local absolutamente amador, um presidente sem-noção e uma população que não quer ajuda dos invasores estrangeiros.
Habituado a ser uma referência entre seus pares, General McMahon não se intimida diante das adversidades, e imediatamente começa a planejar sua estratégia para mais um triunfo militar, nem que para isso precise jogar sujo, passar por cima dos colarinho-brancos e até mesmo fazer um tour pela Europa em busca de soldados acompanhado de um jornalista da revista Rolling Stone.
Mas com seu foco tão direcionado à vitória, o carismático general pode esbarrar em um fato que lhe passa despercebido:
A ocupação do Afeganistão é diferente de todas as outras guerras lutadas pelos EUA.
A despeito de não ser um mau filme, War Machine tem um problemas gravíssimo em sua execução: O longa de David Michôd jamais encontra um tom correto para sua narrativa.
Em seu início, o filme corre como uma comédia de erros, apontando a personalidade de McMahon, seus feitos e sua equipe, tudo de maneira cômica, roçando-se no absurdo.
Isso funciona, já que a caracterização de McMahon feita por Brad Pitt se presta ao gênero. O militar de expressão torta, com as mãos retorcidas em uma garra que corre onze quilômetros diários com calções erguidos até o estômago parece um personagem feito pra uma comédia de absurdos.
Um militar à moda antiga jogado em um conflito dos dias de hoje, que é convocado para limpar uma bagunça, mas deseja uma chance de vitória e glória.
O problema é que o filme joga esse personagem, seguido por um séquito composto de militares obtusos e burros, lobistas e relações-públicas, em uma história que jamais decide se quer ser um drama, uma sátira, um documento, ou um filme de guerra e que acaba não sendo nada.
E isso é terrivelmente frustrante.
Especialmente porque a história do filme, baseada no livro de Michael Hastings The Operators: The Wild and Terrifying Inside Story of America's War in Afghanistan, originado de sua reportagem "The Runaway General" para a Rolling Stone, é muito interessante (ainda que não tanto quanto a vida profissional de Hastings, morto em um acidente automobilístico suspeito em 2013, logo após afirmar a amigos que estava trabalhando em uma matéria grande e que os federais estavam interrogando pessoas próximas a ele).
O longa, porém, não consegue aproveitar o potencial do material de origem, e por conta da inconsistência em seu tom, parece uma coleção de recortes onde, casualmente, todas as cenas têm o mesmo elenco.
Em seus melhores momentos, como a discussão de McMahon com o soldado vivido por Lakeith Stanfield, ou sua conversa com o político interpretado por Alan Ruck, War Machine parece pronto pra dar um passo adiante, mas fica apenas na promessa.
Por duas horas o longa tropeça, e a indefinição de como conduzir sua história brocha o elenco (numeroso, com Anthony Michael Hall, Anthony Heyes, Topher Grace, Will Poulter, Meg Tilly, Ben Kingsley, Tilda Swinton, Scoot McNairy entre outros, incluindo uma ponta de Russel Crowe), e a audiência, que jamais vê o filme que War Machine poderia ser.
No terceiro ato do longa, há ao menos uma ótima sequência, que tira um pouco da sensação de coito interrompido do filme, mas ainda assim, é inconsistente para o tom do restante do longa, que de tão incoerente para consigo mesmo, jamais consegue envolver o espectador.

"-Ah, bem, senhor presidente, eu acho que nosso governo simplesmente achou que era hora de nosso esforço tomar uma nova direção.
-E, hã, qual é essa nova direção?
-Ah! É muito importante para mim que nós construamos o Afeganistão. Juntos, tornaremos o Afeganistão em uma nação livre e próspera, livre do medo e do conflito.
-Entendo...
-Sim!
-Entendo... Parece bastante com a "velha" direção."

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Não É Para Nós


Eu lamento imensamente informar que não.
Não estamos diante de uma encruzilhada de onde, escolhendo o caminho correto, chegaremos a um Brasil melhor. Não existe Brasil melhor. Pelo menos não no futuro imediato, e quando uso "imediato" falo em gerações, e não em anos.
Nossos filhos e netos não verão o tal "Brasil melhor", lamento informar; nossos bisnetos, tataranetos, talvez, mas apenas se uma mudança muito forte começasse já.
E não falo de reforma previdenciária, ou trabalhista.
Não ouso nem falar em reforma política.
Isso, só não basta.
Nossa classe política, e é nossa, nós os colocamos lá, ninguém chuta a porta pra entrar nessa vida, enfim, nossa classe política vê política como profissão. Carreira.
Não é.
É serviço público.
É uma coisa que ninguém deveria almejar pra sua vida inteira.
É algo que as pessoas deveria se dispôr a fazer por determinados períodos como forma de retribuir o que obtiveram da vida, e então, voltar a tratar de seus assuntos.
Não devia nem ser remunerada. Deveria ser um serviço social voluntários que as pessoas prestariam por períodos sabáticos.
Se candidatou a um cargo público e se elegeu, vai passar o período do mandato, quatro, cinco, oito anos, recebendo o mesmo salário que tu ganha na tua profissão, pago pelo Estado, e nada mais.
Moradia em Brasília, se for o caso.
Ponto.
A partir do momento em que ser político se torna profissão, o político perde o foco. Ele para de advogar pelas causas do povo e passa a tentar manter o emprego. E isso é péssimo.
E a principal razão pela qual não veremos, nem nós, nem nossos filhos e nem nossos netos, um Brasil melhor, é porque o brasileiro vê política como profissão.
Toda a formação prévia ao mandato desaparece. O sujeito deixa de ser advogado, economista, médico ou torneiro mecânico e passa a ser deputado, vereador, presidente, prefeito... E quando está sem mandato ele vira ex-deputado, ex-senador-, ex-governador...
Enquanto as pessoas que fazem parte da classe política seguirem vendo a política como profissão, nós não vamos ter uma classe política minimamente confiável.
Os escândalos continuarão se empilhando, as desavenças políticas continuarão castigando a população que será mantida num aquário de ignorância porque gente burra é fácil de manobrar, e quem tem mais dinheiro seguirá tendo voz enquanto quem não tem nenhum seguirá mudo.
E, sim.
Eu sigo batendo na tecla de que educação é a única forma de mudar nosso país.
E sim, continuo batendo na tecla de que "educação" é infinitamente mais do que instrução formal.
A imensa maioria dos crápulas que mandam no Brasil são instruídos.
Doutores e bacharéis.
E nenhum vale o preço da gravata que usa ao redor do pescoço.
O que faltou a esses vis homens e mulheres foi educação. Não instrução formal, mas aquela educação que trazemos de casa. A fibra moral que famílias são capazes de construir e que a educação formal apenas polirá durante a vida.
A noção de que devemos respeitar a todos igualmente, de que não devemos pegar o que não nos pertence, e que honestidade é obrigação, e não insígnia.
O tipo de educação cada vez mais rara no mundo em geral, no Brasil em particular, onde a fibra moral é tão nula que aí está nossa classe política, um reflexo dolorosamente honesto de um povo que, no geral, é vagabundo, mal-intencionado e preguiçoso.
A grande encruzilhada que estamos não é prender Lula, Aécio, Jucá ou qualquer outro dos sultões do crime organizado que se tornou a política do Brasil.
Porque ano que vem haverá eleições e todos os candidatos serão larápios vagabundos, mal-intencionados e preguiçosos iguais àqueles que porventura tenham sido presos nesse ano.
Nossa melhor alternativa nas eleições 2018 será eleger bandidos diferentes para ao menos ter um rodízio de crápulas.
A nossa encruzilhada verdadeira é começar a abraçar melhores valores morais e passá-los adiante, para que as futuras gerações possam colher os frutos.
Nós, provavelmente não veremos tais frutos florescerem, nem nossos filhos ou nossos netos, mas se começarmos já, talvez nossos bisnetos e tataranetos vejam.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Resenha Série: Deuses Americanos. Temporada 1 Episódio 4: Git Gone


Chegando à metade de sua primeira temporada, Deuses Americanos dispensou a estrutura de episódio com a qual a audiência havia se habituado, das vinhetas com os deuses antigos ao relacionamento entre Quarta-Feira e Shadow, e se concentrou em mostrar um ponto de vista da história que ainda não havíamos visto:
O de Laura Moon (Emily Browning).
Não era difícil saber, após o final de Head Full of Snow, que a falecida ganharia seu espaço ao sol na sequência, o que era difícil de imaginar é que seria num episódio tão bom.
Git Gone nos apresentou a personagem que conhecíamos apenas através da visão idealizada de Shadow como uma mulher infeliz, levando uma vida vazia do trabalho de crupiê em um cassino pra casa, onde vivia com um gato do qual nem sequer gostava, numa existência tão miserável que chegou à uma tentativa de suicídio usando sua hidromassagem e inseticida (da marca "Git Gone", donde o título do episódio).
Quando ela conhece Shadow, ele aparece como um sopro de vida para Laura, um ladrão e trapaceiro charmoso que não liga para as regras e chega a tentar convencê-la a ajudá-lo a roubar o cassino onde ela trabalha, mas não demora para que, conforme a vida com Laura domestique Shadow, ela volte a se sentir infeliz e vazia.
O diretor Craig Zobel, que quebrou a sequência da David Slade, que dirigiu os primeiros três episódios, faz um ótimo trabalho ao mostrar a audiência o tamanho da depressão de Laura e suas consequências, fica bastante claro que Laura se sente amortecida, e que todas as suas decisões são tentando sentir alguma coisa. É por isso que ela leva um ladrão pra casa, por isso ela começa a trair o marido preso com o vizinho, por isso ela resolve participar do roubo ao cassino. Laura era uma variante do adolescente idiota que se corta, ela fazia coisas estúpidas e dolorosas para se lembrar que estava viva porque sua vida não tinha propósito.
Não deixa de ser irônico, então, que após sua morte, quando conhece Anúbis, Laura finalmente ganhe propósito.
E não só isso, como fica claro na sequência que amarra uma ponta solta de The Secret of Spoons, a moeda de Mad Sweeney fez mais do que apenas trazer Laura de volta do túmulo.
Por sinal, a segunda metade do capítulo, que mostra o que aconteceu depois de Laura ter morrido enquanto fazia um boquete em Robbie (Dane Cook) no carro, é menos empolgante do que a primeira, ainda assim, pudemos reencontrar Aubrey, a viúva de Robbie, uma personagem que serve como lembrete de que existem pessoas normais nesse mundo, e o faz de maneira genuinamente engraçada em meio a um episódio pesado, que brecando o andamento da série, deu uma luz importante à Laura, uma personagem que, agora, a audiêcia conhece de maneira muito mais profunda do que Shadow conheceu, e que em Git Gone ganhou um retrato incrivelmente humano e complexo, numa interpretação acima da média de Emily Browning que mostrou que, apesar de ser uma vaca, Laura Moon é uma vaca que somos capazes de entender, mesmo que não sejamos capazes de gostar.
Ao sair do formato utilizado até aqui, Deuses Americanos esqueceu seus protagonistas por um episódio e deixou bastante claro o quão forte é o programa, que não perdeu nada em qualidade, e ainda ofereceu contexto e espetáculo.
Já entrei naquele momento em que estou sofrendo por faltarem apenas quatro episódios pro final da temporada...

"-Eu tentei trepar com Shadow em cima do seu túmulo. Me pareceu justo.
-Era justo..."

terça-feira, 23 de maio de 2017

Resenha Cinema: Rei Arthur: A Lenda da Espada


Alguns anos atrás foi lançado o último filme sobre o rei Arthur de que eu me lembro. Se não me falha a memória, chamava-se apenas Rei Arthur e era estrelado por Clyve Owen, Kiera Knightley, Ioan Gruffud, Mads Mikkelsen... Foi dirigido por Antoine Fuqua e, apesar de diversas boas ideias, não era um bom filme. Ou, ao menos, não era um filme tão bom quanto a lenda do rei Arthur poderia render.
Acho que teve um seriado com a mesma temática entre o Rei Arthur de Owen e Fuqua e esse, de Guy Ritchie e Charlie Hunnam que eu fui assistir ontem, mas, novamente, se minha memória me serve direito, a tal série foi cancelada com uma ou duas temporadas...
Aparentemente a indústria cinematográfica atual não manja de como tornar a lenda de Arthur, Camelot e os Cavaleiros da Távola Redonda um produto atraente para o público consumidor de hoje. Quiçá porque ficam mirando o público consumidor de hoje, composto, em sua maioria, por idiotas.
Mas enfim...
Ontem, com alguns dias de atraso, consegui ir ao cinema ver o novo rei Arthur, não tenho nada contra Charlie Hunnam e gosto dos filmes de Guy Ritchie, por mais que o filme não fosse o rei Arthur que eu sempre quis ver, talvez fosse um rei Arthur temperado com a malandragem rueira inerente aos personagens do cineasta, e resultasse em uma sessão de cinema divertida.
O longa abre nos situando em uma Inglaterra em guerra contra uma nação de magos.
O rei Uther Pendragon (Eric Bana) vê Camelot ser atacada pelas bestas de guerra do mago Mordred (Rob Knighton) e suas tropas bárbaras.
Tudo parece perdido, e o irmão mais novo do rei, príncipe Vortigern (Jude Law), chega a tentar convencer seu irmão de que uma rendição seria aceita pelo mago.
Mas Uther não está interessado em rendição. Ele monta em seu cavalo branco e avança contra os elefantes de Mordred, que têm o tamanho do Godzilla, invade a fortaleza que as grandes bestas carregam nas costas, e, usando a espada Excalibur, presente do mago Merlin ao rei, põe fim à ameaça.
Ou ao menos é o que ele pensa.
Pois toda a provação pela qual Camelot passou não foi em vão, mas sim orquestrada por Vortigern, que convenceu os magos a lançar guerra contra Camelot para tomar a coroa do irmão mais velho. E a morte de Mordred não encerrou os planos nefastos do príncipe.
Com seu plano inicial arruinado, Vortigern se dispõe a arriscar tudo em nome de uma contingência, nem que, para isso, precise sacrificar aquilo que mais ama, e até mesmo sua alma.
O príncipe sucede em seu intento, e elimina Uther e sua esposa, mas o herdeiro do rei, o pequeno Arthur, consegue escapar, e de Camelot, vaga pelas águas do Tâmisa até a cidade de Londinium, antiga capital romana na bretanha, onde é encontrado por uma prostituta, e cresce em um bordel, aprendendo tudo o que as ruas têm a ensinar, se fortalecendo e, à sua maneira, se tornando um líder ao atingir a idade adulta (e ganhar a cara de Charlie Hunnam).
Tudo isso enquanto Vortigern reina soberano sobre toda a Inglaterra, ao menos até as águas ao redor de Camelot baixarem repentinamente, revelando a presença de Excalibur, a qual todos julgavam perdida, a herança de Uther, que pode pode trazer de volta o Rei de Nascença.
E quando todos os jovens da Inglaterra são levados à Camelot para testar sua sorte, isso inclui Arthur que, ao puxar a espada da pedra, vê sua vida virar de cabeça pra baixo.
Imediatamente começa uma corrida, de um lado Vortigern, tentando impedir a ascensão de seu sobrinho perdido, de outro, a rebelião composta por antigos cavaleiros fiéis a Uther, como Bedivere (Djimon Hounsou), Bill Ensebado (Aidan Gillen), Percival (Craig McGinlay) e uma misteriosa maga (Astrid Bergès-Frisbey), que tentam levá-lo ao trono.
Mas o que fazer quando o próprio Arthur não parece interessado no trono, na coroa e especialmente n'A Espada?
Infelizmente Rei Arthur: A Lenda da Espada não funciona.
O longa está repleto de boas ideias, sacadas interessantes e uma interpretação promissora da lenda de Arthur acenando com o que poderia ter sido um divertido longa de espada e magia que acaba soterrado pelo excesso de estilismo que faz a forma ruir pesadamente sobre o conteúdo.
Em certas sequências temos a impressão de que o roteiro (de David Dobkin, Joby Harold, Guy Ritchie e seu colaborador habitual Lionel Wigram) foi filmado sob o efeito de crack porque simplesmente não há justificativa para as coisas ficarem tão aceleradas. A omada do trono da Inglaterra é tratada como um filme de assalto, juntando uma equipe multicultural com habilidades distintas para aplicar o golpe, há monstros gigantes por todos os lados e a edição é surtada enquanto a história é, por vezes, aborrecida, fazendo o filme parecer uma lesma que cheirou cocaína.
E é uma pena.
Há um bom elenco, uma história que ainda carece de sua grande versão na telona, e Guy Ritchie é um cineasta cujo estilo parece feito pro revisionismo, mas as coisas simplesmente não funcionaram em Rei Arthur: A Lenda da Espada, que, cheio de explosões, incêndios, lutas, correria e malandragem é o mais longo filme de duas horas que eu assisto em muito tempo, e que misteriosamente quase desaparece da mente assim que saímos do cinema.
Se estiver muito curioso, espere o DVD.

"-Você me perguntou o que me deu direção... Foi você."

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Resenha DVD: La La Land: Cantando Estações


É bem provável que, da mesma forma que eu, tu não seja afeito a musicais. Não curta esses filmes onde, do nada, as pessoas começam a cantar a dançar espontaneamente em intrincadas coreografias com vozes afinadas depois de a iluminação mudar e o cenário se abrir para o que parece a idealização de um palco da Broadway e bailarinos e bailarinas surgirem de algum lugar usando roupas coloridas... Eu me lembro de, quando criança, odiar esses momentos, que simplesmente desmontavam o filme pra mim. Quebravam a linha narrativa, desconcentravam o prosseguimento da história, minha nossa, eu não assistia nem os filmes da Disney porque, em algum ponto, inevitavelmente, haveria alguma cantoria.
A única exceção que eu fazia era A Fantástica Fábrica de Chocolate, a versão setentista estrelada pelo saudoso Gene Wilder, da qual eu provavelmente sou capaz, ainda hoje, de cantarolar as canções que permeavam toda a película.
Conforme eu fui crescendo, desenvolvi alguma tolerância a musicais. E me descobri chegando a gostar de comédias musicais, como Os Produtores, por exemplo, e tolerando os números musicais das animações da Disney, mas jamais peguei gosto pelos grandes musicais de antigamente, de Astaire, Kelly e outros pés-de-valsa, donde a minha antipatia absolutamente injustificada por La La Land, que estreou por aqui no começo desse ano, ou final do ano passado, francamente, nem lembro.
Eu, de fato, impliquei com o filme, aclamado como uma "volta à Hollywood de antigamente", e abraçado e acalentado pela maioria da crítica especializada, tanto que foi um dos poucos filmes a disputarem a temporada de premiações que eu jamais cogitei assistir no cinema, e no sábado, quando passei pela locadora, e o único filme recente que eu ainda não havia assistido era La La Land, eu cheguei a pensar em pescar alguma coisa na Netflix, Amazon, ou no Now da NET, mas acabei resolvendo dar uma olhada no filme, nem que fosse para detoná-lo na resenha de segunda-feira.
Ontem à tarde, quado sentei na sala pra assistir ao longa, e ele abriu com uma sequência musical com a cara, forma e conteúdo dos musicais de outrora, tive ganas de assistir ao filme com o controle remoto do blu-ray player na mão para avançar as partes cantadas, mas me contive, respirei fundo, e assisti ao filme.
O longa do diretor Damien Chazelle, o mesmo do excelente Wiplash: Em Busca da Perfeição, conta a história de dois sonhadores que largaram tudo e foram pra Los Angeles perseguir suas aspirações. A atriz Mia (a adorável Emma Stone), que trabalha como barista em uma cafeteria no lado de fora dos estúdios da Warner, e o pianista Sebastian (Ryan Goslin), que que ganha a vida tocando em restaurantes e festinhas. Ela vem de uma sequência torturante de audições onde, por vezes sequer é olhada pelos produtores e diretores de elenco, ele toca jingle bells em restaurantes e não consegue nem mesmo pagar suas contas.
Eventualmente esses dois se esbarram, no trânsito, num restaurante, até que, numa festa qualquer, finalmente se falam, e, apesar dos percalços iniciais, se conectam, e passam a empurrar um ao outro em direção aos sonhos que já começavam a deixar pra trás, mas quando alcançarem esses sonhos, será que o que sentem um pelo outro será suficiente para mantê-los juntos?
Pois então... Eu tive que dar o braço a torcer.
La La Land, de fato, é um bom filme.
Eu não sei se material para Oscar de melhor atriz e diretor, mas certamente trilha, design de produção, fotografia e canção, vencido pela bela City of Stars.
Ah, sim, quanto à música e aos números musicais, o filme abre com a excessiva Another Day of Sun (que quase me fez pular os segmentos musicais do musical), onde pessoas presas no tráfego, de repente, começam a sair de seus carros, cantar e dançar, e é bem ruim, as coisas melhoram, porém, no decorrer do filme, se Someone in The Crowd, com Mia e suas colegas de quarto é enjoadinha e Planetarium é OK (bela sequência de dança, magicamente ambientada e lindamente executada, mas com uma música que fica devendo), City of Stars é muito bonita, e Lovely Night, com o número de dança de Stone e Gosling é a melhor do filme sem sustos, ainda que o belo tema de piano do casal, que permeia todo o longa, seja lindo.
Obviamente muito das láureas que La La Land recebeu advenham do fato de que Hollywood adora homenagens à Hollywood e La La Land é uma masturbação Hollywoodiana sem tirar nem pôr. Mas é uma boa masturbação. Daquelas que a gente recebe de alguém que nos ama.
Eu não me arrependi de não ter assistido no cinema, mas pra quem gosta de histórias de amor fofas e algo melancólicas, certamente vale a locação.

"Um brinde àqueles que sonham/ Por mais tolos que possam parecer/ Um brinde aos corações doloridos/ Um brinde à bagunça que fazemos."

terça-feira, 16 de maio de 2017

Resenha Série: Deuses Americanos. Temporada 1 Episódio 3: Head Full of Snow


Atenção, pode haver spoilers do episódio.
Uma semana se passou desde que Shadow apostou sua cabeça com Czernobog numa partida de damas. Todos nós provavelmente sabíamos que, de alguma forma, o co-protagonista do programa iria escapar de ter seu cérebro esmigalhado pelo deus eslavo da escuridão e da morte, mas não sabíamos como.
Após uma bela sequência de "Em Algum Lugar na América" mostrando Anúbis (Chris Obi) prestando uma visita à senhora Fadil (Jackeline Antaramian), voltamos a nos encontrar com o ex-presidiário, que dorme no sofá das irmãs Zorya aguardando o amanhecer para encarar, ajoelhado, o martelo de seu algoz.
Entretanto, ele desperta na madrugada para encontrar-se com Zoraya Polunochnaya (Erika Kaar), a terceira e dorminhoca irmã, que lhe oferece um amuleto, e lança o que talvez tenha sido a primeira grande luz sobre o enredo da série ao falar insistentemente sobre crença em seu diálogo com Shadow.
Claro, a essas alturas todo mundo já deve ter entendido que o mote em Deuses Americanos é a luta entre os deuses antigos, esquecidos no mundo moderno, e os novos deuses, dados ao Homem pela tecnologia e que estão ficando com toda a adoração de geração após geração de imbecis.
O que Polunochnaya nos revela com seu diálogo é a ideia de que fazer um incréu acreditar é um conceito poderoso, e talvez, por isso, os dois grupos estejam tão interessados em Shadow. Qualquer tipo de atenção é alimento para esses deuses alquebrados, por isso a linha narrativa de Bilquis é tão bacana, por isso o Jinn (Mousa Kraish) aceita ir ao quarto de Salim (Omid Abtahi) e Anúbis se presta a visitar a senhora Fadil... É do que eles vivem, conforme Quarta-Feira lembra Zorya Vechernyaya em uma ótima sequência do casal passeando pelas ruas de Chicago.
Outra ótima sequência, por sinal, é a do assalto a banco, que deixa claro que Quarta-Feira é um trambiqueiro de mão-cheia e que Shadow, apesar de desconfortável com diversas facetas de seu novo trabalho, está começando a entender que o mundo onde vive é consideravelmente maior do que ele inicialmente supunha.
Aliás, se ele ainda não tinha percebido isso após a nevasca, é bem provável que sua descoberta ao voltar ao hotel tenha feito o serviço.
Com mais um ótimo episódio, que ainda contou com uma divertida participação do Mad Sweeney, Deuses Americanos finca o pé como a melhor nova série da temporada.
O programa não tem paciência com espectadores preguiçosos nem faz concessões em sua forma de contar a história que propõe, as respostas são vagas, não há hiper-exposição, e todos são impelidos a tirar suas conclusões e esperar pra ver se estavam corretas. Isso provavelmente desencoraja o público que, quando vai ao cinema, passa o tempo todo perguntando "quem é esse?", "por que ele fez isso?", "O que tá acontecendo?", e por isso, apenas, a série já teria meu respeito, mas, por sorte, Deuses Americanos tem mais a oferecer do que apenas desinteresse em mastigar a trama, a série é corajosa, divertida, belamente escrita e filmada, e, para quem não faz questão de receber o plot regurgitado direto na garganta, é um prato cheio e intrigante.
Outra semana comprida até a próxima segunda.

"--Eu posso sentir seu gosto na chuva... Que outro gosto posso sentir?
-Guerra."

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Resenha Filme: Castelo de Areia


A Netflix, especialmente no Brasil, tem dificuldade em manter um catálogo interessante de filmes. Verdade que, vez que outra, o serviço de streaming aparece com um lançamento fresquinho do cinema, ou que nem deu as caras pelo cinema, fazendo a alegria dos assinantes (no sábado, por exemplo, eu descobri que o excelente Até o Último Homem está na e recomendo fortemente que os amantes de filmes de guerra assistam), mas, no geral, as divergências com as produtoras brasileiras engasgam o cinema na Netflix, e a saída encontrada pelo serviço foi criativa: Produzir conteúdo original.
Além das séries, a Netflix produz longa-metragens como Beasts Of No Nation, e as comédias produzidas em parceria com a Happy Madison de Adam Sandler, e neste final de semana esbarrei com esse Castelo de Areia, drama de guerra dirigido pelo brasileiro Fernando Coimbra, de O Lobo Atrás da Porta e Trópico das Cabras, e resolvi dar uma chance ao filme do patrício.
Catelo de Areia conta a história de Matt Ocre (Nicholas Hoult), um jovem que se alistou no exército para conseguir dinheiro e pagar pela faculdade, mas foi prejudicado pelo timing.
Ele se alistou em julho de 2001, sem saber que dois meses mais tarde o mundo seria virado de cabeça pra baixo e ele estaria em guerra.
Ocre não é um soldado típico, longe disso. Suas razões para se alistar eram terrivelmente práticas e a última coisa que ele quer é entrar em combate. Na verdade, quando conhecemos Ocre, ele está esmigalhando sua própria mão na porta de um Humvee para tentar se livrar do embarque para o Iraque.
Obviamente não funciona.
Não tarda para o reencontrarmos na zona verde de Bagdá, instalado em um dos palácios de Sadam Hussein para onde ele e seus colegas voltam após pequenas incursões e enfrentamentos com insurgentes nas cercanias da cidade.
A rotina está longe de ser confortável, mas Ocre se habitua. Um tiroteio aqui, destruir um prédio ali...
Porém, após três meses em Bagdá, o pelotão de Ocre, liderado pelo sargento Harper (Logan Marshall-Green) é enviado à cidade de Baqubah, cuja estação de bombeamento de água foi destruída e precisa ser consertada para que a população local não morra de sede.
O problema é que a estação de bombeamento foi destruída por um bombardeio americano, e parte da população local não está nem um pouco satisfeita com a presença ianque na cidade, criando um cenário de tensão constante conforme o pelotão de Ocre não sabe em quem confiar ou o que fazer para cumprir sua missão tendo que olhar sobre o ombro vinte e quatro horas por dia.
Castelo de Areia é uma interessante alegoria a respeito das guerras norte-americanas do Século XXI, constantemente entrando em conflitos para limpar a própria sujeira, ainda assim, uma premissa interessante, sozinha, não sustenta um longa metragem, e apesar de Castelo de Areia estar longe de ser um filme ruim, ele também não tem nada de particularmente memorável.
Por vezes aborrecido em sua execução, o longa tem um elenco irregular, especialmente seu protagonista. Nicholas Hoult não é mau ator, nós já o vemos trabalhando desde moleque e ele sabe atuar, infelizmente, ele precisa ser bem dirigido pra alcançar o seu potencial completo, e Fernando Coimbra não é George Miller.
O restante do elenco vai junto com Hoult, apenas OK, Glenn Powell, Beau Knapp, Neil Borwn Jr. e o Superman Henry Cavill, todos estão apenas ali, acessórios da história, e o único ator que consegue algum destaque é Marshall-Green, já que Harper é o único personagem que parece ter mais do que uma única camada de personalidade.
Seria mais fácil perdoar os personagens sendo meros acessórios do roteiro se o longa contasse uma grande história, afinal de contas, o script é baseado em uma história real, das memórias do roteirista Chris Roessner de seu serviço militar na segunda Guerra do Golfo, mas a verdade é que, a exceção de breves momentos de tensão, o roteiro de Castelo de Areia é bastante aborrecido, e o resultado final do longa é um filme de guerra sem grandes desdobramentos filosóficos e nem grandes cenas de ação que vai morrer à sombra de Três Reis e Guerra ao Terror.
Uma bem-intencionada distração de duas horas e pouco, mas nada além disso.

"-Tem uma bala lá fora pra todo mundo. Seu nome escrito bem pequenininho do lado... E está vindo."

sábado, 13 de maio de 2017

Top 10 Casa do Capita: As Mães Mais Legais da Cultura Pop

Amanhã é dia de homenagear as mães pelo mundo afora. Aquelas mulheres abnegadas que deixaram tudo de lado pra garantir que tu estivesse limpo e bem alimentado pra matar aula e depois foi brigar com a professora quando tu repetiu o ano. Que trabalhou em dois turnos e depois foi pra casa limpar a sujeira que tu fez preparando pizza com pão de sanduíche, queijo ralado e molho de tomate no forno elétrico. Que te ajudou a chantagear a tua vó pra conseguir dinheiro pra excursão da escola que ela não tinha como financiar sem comprometer o orçamento do mês. Que trouxe o chocolate errado, mas lembrou de ti no mercado. Enfim, a mulher que te colocou nesse mundo horroroso e que acredita piamente que tu é uma boa pessoa.
Pra tomar parte nessa festividade, a Casa do Capita orgulhosamente apresenta mais um infame top-10, dedicado as mamães mais maneiras do cinema, TV, literatura e quadrinhos.
Leia, e depois não esqueça de ligar pra tua coroa.
Ela merece.

10: Marge Simpson (Os Simpsons)


Marjorie Bouvier tinha um futuro brilhante pela frente até conhecer e se apaixonar por Homer Jay Simpson, o idiota mais destrutivo de Springfield.
Ainda assim, Marge encontrou em seu coração forças para se tornar uma dedicada dona de casa capaz de amar igualmente três filhos problemáticos e um marido imbecil superando cada crise financeira, ideias mirabolantes do patriarca da família, a inveja das irmãs fumantes e toda a sorte de caso bizarro pela qual sua família passou nos últimos vinte e tantos anos.
Claro, Marge tem um problema com jogo, por vezes é excessivamente passiva, e em certas ocasiões parece sofrer de surdez seletiva, mas considerando-se tudo, eu diria que ela faz um ótimo trabalho.

9: Catelyn Stark (As Crônicas do Gelo e Fogo/Game of Thrones)


Cuidado com os spoilers!
OK, Catelyn fez uma série de cagadas que culminaram com a morte de seu marido, seu primogênito, sua nora, seu neto não-nascido e a sua própria.
Todas as desgraças que se abatem sobre os Stark advém da insistência de Catelyn em que Ned aceite a posição de Mão do Rei e descubra o que aconteceu com Jon Arryn, de sua insistência para que Rob firme um pacto com Walder Frey, e em sua insistência em tomar Tyrion como refém... Ainda assim, todas as más decisões de Catelyn tinham em vista o bem-estar de sua família, e a perpetuação da justiça em Westeros.
Claro, tudo deu errado e ela acabou degolada e atirada no Tridente, mas a vingança materna não pode ser contida pela morte. Nos livros Cat retornou do além-túmulo graças a sor Beric Dondarrion e de Thoros de Myr, e sob a alcunha de Lady Coração de Pedra segue levando as mais dolorosas vinganças a todos aqueles que tomaram partido nas mazelas que afligiram seus filhos.

8: Sarah Connor (O Exterminador do Futuro)


Sem Sarah, não haveria John Connor.
Sem John, não haveria a resistência humana, e todos nós provavelmente teríamos morrido nas mãos das máquinas da Skynet.
A pacata garçonete perseguida pelo incansável T-800 em O Exterminador do Futuro e a fodelaça guerrilheira que ensinou seu filho a hackear caixas-eletrônicos, municiar diversos tipos de armas e a se esconder até chegar a hora de se tornar o messias da humanidade pós-dia do julgamento abriu mão de tudo em nome do futuro de seu filho.
Ao se dedicar inteiramente à criação e proteção de John Connor, Sarah foi a mãe de toda a humanidade que teria perecido sem o líder da resistência humana.
Vá com ela se quiser viver.

7: Rainha-Mãe (Aliens, O Resgate)


Sim, eu sei, chegaremos em Ellen Ripley, segura a calcinha.
Porque Aliens, O Resgate, é uma obra-prima de ação e ficção científica, mas é, antes de mais nada, um filme sobre maternidade, opondo duas sobreviventes poderosas física e mentalmente numa guerra pela proteção de suas respectivas crias.
A Rainha-Mãe dos xenomorfos que comem toda a população da colonia de terraformação Hadleys Hope está tão decidida em sua posição de defender suas crias, que quando seus ovos são carbonizados por Ripley, ela literalmente se rasga em dois para vingar os filhotes assassinados.
Se isso não é obstinação materna, meu amigo, então eu não sei o que é...

6: Molly Wesley (Harry Potter)


Molly Wesley passou bastante tempo sendo a quintessência da maternidade na série Harry Potter. A matriarca de uma família de oito filhos que ainda era capaz de encontrar em seu coração espaço para Harry provando o adágio a respeito de sempre caber mais um.
Mas em As Relíquias da Morte, durante a batalha de Hogwarts a senhora Wesley deu um passo adiante e mostrou que, além do amor maternal, ela também era capaz de mostrar a tenacidade que só as mães têm na hora de defender suas crias ao vaporizar Bellatrix Lastrange quando esta tentou atacar sua filha.

5: Sue Richards (Quarteto Fantástico)


Susan Storm Richard não é apenas o mais poderoso membro do Quarteto Fantástico, nem é apenas a mãe de Franklin e Valeria Richards, ao longo dos anos Sue se mostrou a mãe de toda a primeira-família da Marvel, e, ao contrário do que ocorria nos anos sessenta, quando frequentemente era escanteada pelos homens do grupo ganhou uma personalidade forte e protetora, sendo capaz de fazer coisas como cegar o Wolverine e ameaçar esmigalhar os pulmões do mutante quando ele, mentalmente dominado pela Hidra, ameaçou Franklin e Valeria.
Jamais mexa com os filhos de uma Mulher Invisível.

4: Ellen Ripley (série Alien)


Ellen Ripley não é apenas uma das personagens femininas mais fortes do cinema, mas também é também uma das mães mais ferozes da sétima arte, conforme deixou claro em Aliens, O Resgate, quando, ao chegar à Exolua convertida em colonia de terraformação assolada por uma praga xenomorfa, se afeiçoa à menina Newt, uma substituta natural à filha verdadeira cuja vida Ripley perdeu por conta do sono criogênico de 57 anos pelo qual a tenente passou após os eventos da Nostromo.
Para garantir a segurança de Newt, não há alien que Ripley não exploda, ovo que ela não carbonize, nem rainha-mãe que ela não esmigalhe.

3: Beatrix Kiddo (Kill Bill, volumes 1 e 2)


Senão vejamos... Toda a gritante fúria vingativa d'A Noiva nos dois volumes de Kill Bill acontecem porque o atentado de Bill e seu esquadrão da morte no seu casamento a privou da maternidade.
Ao encontrar a barriga vazia de sua criança, tudo o que resta à Noiva é se vingar da maneira mais violenta e definitiva possível, matando cada uma das pessoas envolvidas em seu martírio, e nem a descoberta eventual de que sua filha ainda está viva e bem é suficiente para convencer Beatrix a arrefecer em sua decisão de matar Bill.

2: Charlotte (A Menina e o Porquinho)


Minha mãe já se preparava para secar minhas lágrimas assim que a animação setentista A Menina e o Porquinho era anunciada durante o Festival de Férias da Sessão da Tarde da Globo, quando os filmes eram voltados pro público infantil durante as férias escolares. Na adaptação do romance infantil de E.B. White, a aranha Charlotte ajuda o porquinho Wilbur a se manter longe do machado do dono da fazenda ao escrever elogios ao pequeno suíno em sua teia incitando o fazendeiro e sua filha Fern a inscrevê-lo para a feira estadual.
Mesmo sem ser um porco premiado, Wilbur se torna simplesmente adorável demais para ser comido, graças aos esforços de Charlotte, que literalmente dedica sua vida a garantir a segurança de Wilbur, mais maternal que isso, impossível.

1: Tia May Parker (Homem-Aranha)


May Parker não é a mãe biológica de Peter Parker, mas indiscutivelmente é a maior mãezona dos quadrinhos e de todas as mídias onde ela deu as caras.
Seja uma septuagenária de saúde frágil, seja uma coquete cinquentona, May Parker é o porto seguro de Peter, o lugar para onde ele sempre pode voltar em busca de abrigo, acalento e aconselhamento, não importa a situação.
A despeito de sua aparência frágil, May é uma mulher forte, de disposições corretas, e um óbvio reflexo de onde vem a bússola moral de Peter.
E se há qualquer sombra de dúvida sobre as qualidades maternais de May, basta lembrar que o jovem que ela criou como um filho cresceu para se tornar um dos maiores, senão o maior herói da Marvel comics.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Resenha Série: Deuses Americanos. Temporada 1 Episódio 2: The Secret of Spoon


No segundo episódio de Deuses Americanos o ritmo frenético, quase surtado do primeiro episódio arrefeceu consideravelmente.
O mais surpreendente nisso é que a série não perdeu nada com a marcha mais lenta, prova da qualidade dos roteiros de Bryan Fuller e Michael Green e da direção de David Slade, sem contar, claro, o trabalho do elenco.
O capítulo abriu com outra vinheta "Chegando à América", essa estrelada por Anansi, o deus aranha interpretado por Orlando Jones no que talvez seja o melhor trabalho de sua carreira com o monólogo que ele faz aos escravos que, no ano de 1697, são levados à América nos porões de navios negreiros. "Caralho, vocês ainda não sabem que são negros. Vocês acham que são só gente", diz o deus africano, enquanto explica a eles como serão os próximos quatrocentos anos para seu povo.
Depois desse breve pontapé no estômago (no bom sentido), as coisas retomam do linchamento que encerrou o episódio anterior, quando Shadow Moon, que é um negro na América, estava se fodendo exatamente como na previsão de Anansi até ser salvo misteriosamente.
Salvo, ou não, Shadow fica puto com a situação, e vai até Quarta-Feira em busca de respostas, mas, para seu desapontamento, ainda que seu novo chefe deixe claro que, um ataque a Shadow, é um desrespeito a ele, e não passará sem troco, ele também deixa claro que respostas não fazem parte do acordo (no que bem poderia ser uma mensagem à audiência).
Shadow tem algumas horas livres, e as usa para fazer uma faxina em seu antigo lar, o que o leva a perturbadoras descobertas sobre a vida de Laura enquanto ele esteve preso, obrigando-o a confrontar a visão que tinha dela quando estava preso, com a visão que tem dela após saber se suas traições.
Ao mesmo tempo, ele também tem a oportunidade de finalmente lamentar a morte da piranha antes de meter o pé na estrada com Quarta-Feira, que lhe diz apenas que os dois irão se reunir com um monte de gente em um dos lugares mais importantes da América, mas antes eles precisarão passar por Chicago, onde ele precisa pegar seu martelo.
Essa é a deixa para a apresentação de mais uma leva desses estranhíssimos personagens que permeiam o mundo de Deuses Americanos.
Conhecemos Media (Gillian Anderson), que fantasiada de Lucy Riccardo nos dá alguma luz sobre o mundo de Deuses Americanos e sobre as novas formas de veneração da humanidade, Czernobog (Peter Stormare, sendo Peter Stormare), Zorya Vechernyaya (Cloris Leachman, ótima), e Zorya Utrennyaya (Martha Kelly), além de passarmos mais algum tempo com Bilquis enquanto ela se alimenta da sua maneira bem particular de um variado cardápio e deixa bem claro que não gosta da forma como as coisas estão.
Ainda sobra tempo para a série se referir à questão racial de uma maneira mais sutil do que a sequência inicial com Anansi, mas igualmente acertada durante o jantar de Quarta-Feira e Shadow com Czernobog e as irmãs Zorya, e para o ex-presidiário entrar no jogo de damas mais decisivo de todos os tempos.
O segundo episódio de Deuses Americanos deu uma relaxada no ritmo do primeiro capítulo, mas não perdeu potência ao fazer referência a questão racial, política e imigração, além de uma crítica aos novos hábitos da humanidade, que de tão recorrentes criaram novos deuses, lançando alguma luz à trama da série.
E pensar que a próxima segunda-feira é só na semana que vez...

"-Tempo e atenção. Melhor do que o sangue de um cordeiro..."

Resenha Série: Deuses Americanos. Temporada 1 Episódio 1: The Bone Orchard


A Netflix mudou diametralmente a minha relação com séries de TV.
De maneira tão profunda que eu me flagrei acompanhando quatro ou cinco séries simultaneamente, à certa altura. Algo impensável pra um sujeito que, normalmente, acompanhava só uma série de cada vez, mesmo notando potencial em outros programas.
É o conforto de, ao invés de precisar me sentar diante da TV sempre no mesmo dia, na mesma hora pra acompanhar um episódio, eu escolher a que horas vou ver, onde, e, muitas vezes, quantos episódios.
Eu só assinei a Netflix por causa de uma série. Originalmente meu plano era assistir Demolidor e depois cancelar minha assinatura. Mas desisti.
Assisti Breaking Bad, Jessica Jones, Luke Cage, Punho de Ferro, e tenho acompanhado Better Call Saul e House of Cards, além de, volta e meia, fazer um revival de séries antigas disponíveis no catálogo.
Sim... A Netflix mudou diamentralmente a minha relação com séries de TV.
Tanto que, no final de semana, resolvi me associar a outro serviço de streaming digital, o Amazon Prime Video, especificamente para assistir Deuses Americanos, produção original da Amazon em parceria com o canal norte-americano Starz que adapta o romance de mesmo título do papa Neil Gaiman, responsável por coisas como Sandman e 1602, e após ver os dois primeiros episódios da série, posso garantir que valeu totalmente a pena.
O primeiro episódio da série, The Bone Orchard, após uma interessante (e sangrenta) vinheta que mostra vikings chegando à América muito antes de Erik o Vermelho trazendo consigo seu deus, nos apresenta Shadow Moon (Ricky Whittle).
Shadow tenta sobreviver à prisão, cumprindo os últimos dias de sua sentença sonhando com o momento em que irá voltar para casa e reencontrar sua esposa, Laura (Emily Browning). Ele mantém a cabeça baixa, se exercita e mantém foco no reencontro com sua mulher.
Faltando cinco dias para terminar sua pena, ele recebe a notícia de que será liberado antes em vista da morte de Laura.
Sim.
Poucos dias antes de sua soltura, Shadow perde sua esposa.
E essa é apenas a primeira da série de más notícias que ele recebe conforme sai da penitenciária.
Outra coisa que acontece com frequência após ele deixar a prisão são encontros fortuitos com um misterioso viajante chamado Quarta-Feira (Ian McShane).
O Sr. Quarta-Feira parece ser o catalisador de uma sucessão de situações surreais que Shadow vivencia conforme aceita uma oferta de emprego do sujeito para conseguir chegar em casa a tempo de estar presente no enterro da esposa.
O que Shadow Moon não sabe, é que ao aceitar o trabalho de Quarta-Feira, ele está dando um passo para dentro de um mundo que desconhece, e tomando partido em uma guerra que se inicia entre poderes além de sua compreensão.
Fazia muito tempo que eu não via um primeiro episódio tão bom em uma série.
The Bone Orchard é sensacional em sua execução, cheio de mistérios e perguntas cuja falta de respostas não é frustrante, mas excitante, nos fazendo ansiar pelo próximo episódio.
A química entre Whittle e McShane funciona bem pra mais de metro (anida bem, já que parece que a relação dos dois fará a trama andar), e todo mundo que aparece em cena oferece algo mais para a trama e para o mundo colorido e estranho engendrado por Gaiman e os produtores Brian Fuller e Michael Green, da viúva do melhor amigo de Shadow, Aubrey (Betty Gilpin, devorando cada frame em cena com gosto) ao sinistro Technical Boy de Bruce Langley, que parece um fugitivo de A Laranja Mecânica, passando pelo insano Mad Sweeney de Pablo Schreiber e a sensacional Bilquis de Yetide Badaki, dona de uma cena de sexo tão quente quanto perturbadora.
Com uma arrancada poderosa e visualmente sensacional, Deuses Americanos acerta a mão de maneira inapelável.
Difícil vai ser aguentar uma semana para ver cada episódio seguinte.

"-Há duas coisas que você precisa saber sobre mim: Eu durmo em qualquer lugar, à qualquer hora. E, no devido tempo, eu sempre consigo o que eu quero."

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Eu Sei


Ela saiu do banho rescindindo o aroma fresco da manteiga corporal com a qual se besuntava para hidratar a pele após a exposição à água quase incandescente com a qual se lavava.
Enrolada na toalha, andou até o quarto, sentou-se em frente à penteadeira e ligou a TV no programa do Datena apenas pelo ruído e a ilusão de estar mantendo-se informada mesmo sem prestar nenhuma atenção ao programa.
Sacou o frasco de um creme hidratante caríssimo de trás das caixas de perfume que se amontoavam sobre o móvel diante do espelho e apertou o frasco lançando um jato da substância na palma da mão. Esfregou uma mão na outra e massageou a substância oleosa nos cabelos recém cortados até ficar satisfeita com a consistência adquirida, e os penteou com esmero apenas para, após incontáveis passadas com o pente, jogar o cabelo pro lado com a cabeça.
Levantou-se e fechou a veneziana da janela, tirando a toalha. Nua, caminhou nas pontas dos pés sobre o carpete até o guarda roupa, abrindo a gaveta das roupas íntimas.
Escolheu com diligência uma lingerie que se adequasse à suas pretensões, naquela noite, estava procurando algo que fosse bonito, sensual, mas não excessivo.
Havia dias para usar lingeries excessivas. Libertar aquela vadia interior.
Hoje não era um desses dias.
Hoje, ela diria a um rapaz que o amava.
Já sabia que gostava dele há bastante tempo. Já sabia que o amava havia ao menos uma semana. Mas resolvera que era hora de verbalizar.
Deixá-lo saber disso, também.
Não precisava ouvir de volta.
Se em contrapartida ele sorrisse em silêncio, pra ela já estaria bom, contanto que ele não estivesse com cara de pânico sob o sorriso.
Preferia não ouvir nada do que um "eu também" engolido em seco, ou um "uau, eu nem sei o que dizer"... Se bem que se ele dissesse isso de maneira sincera, e de forma a fazê-la perceber que ele estava sendo sincero...
Enfim.
Ela não precisava ouvir um "eu também te amo" seguido do som das trombetas dos anjos em seguida. Mas precisava tirar aquilo do peito.
Especialmente porque não achava que fosse gostar dele, imagine então amá-lo.
Ele era o vizinho das camisetas de super-herói. Parecia que compartilhava o guarda-roupa com um personagem do The Big Bang Theory, tinha um cachorrão enorme e, ela descobriu mais tarde, estantes repletas de brinquedos na sala de casa.
Ele tê-la ajudado com a mudança fora muito fofo, mas a verdade é que ela era uma mulher bonita, estava acostumada a receber galanteios.
Por vezes se aproveitava de seus dotes físicos para obtê-los.
Mas ele tinha uma qualidade... Uma certa hombridade silenciosa... E ela acabou o achando atraente, ainda que não fosse bonito.
Além disso, era um sujeito muito educado. Trabalhava, estudava, era alto... Ela gostava de homens altos... E, apesar de estar alguns quilos acima do peso, tinha braços bonitos, ombros largos e pernas de jogador de futebol.
Quando ela descobriu que ele, a exemplo dela, era fã de Johnny Cash, ficou difícil ignorar que valia a pena ao menos tentar uma aproximação e ver no que dava.
Acabou dando mais certo do que ela podia supor.
Ele era um cara muito legal.
Era divertido, atencioso, cavalheiro, e, ela descobriria mais adiante, o lance de ser geek não interferia no sexo, que não era nada mau.
Em pouco mais de dois meses, descobrira-se apaixonada pelo nerd do andar de baixo, que suou em bicas ajudando com a mobília quando ela se mudara.
E hoje diria que o amava.
Dava pra acreditar?
A lingerie escolhida era amarela.
De algodão com renda lilás.
Um jeans gelo, e uma camiseta preta que ele mesmo a presenteara algumas semanas antes, com estampa de Game of Thrones.
Colocou por cima um agasalho preto, e calcou meias sem cano e tênis de corrida da Nike. Sentada na cama sorriu ao ver seu reflexo no espelho do guarda-roupa. Não se imaginava vestindo algo tão despojado antes de dizer a um homem que o amava, mas a relação entre os dois era assim.
Despojada.
Eles riam juntos, se beijavam e abraçavam, adormeciam um na casa do outro vendo TV, saíam pra correr e passear com o cachorrão dele, e chegaram a fazer queda-de-braço em uma ocasião feito dois adolescentes que eram, não amantes ou namorados, mas melhores amigos, e ela se percebeu subitamente feliz em partilhar uma relação como aquela com outra pessoa.
E se deu conta de que o amava.
Apanhou a chave de casa e a bolsa, apagou as luzes e desceu as escadas saltitando.
Bateu na porta da casa dele, e sorriu quando ele abriu, fazendo sinal para que ela entrasse enquanto segurava seu cachorro, quarenta quilos de pelos e entusiasmo efusivo. Ela entrou e andou até o sofá. Ele deu uma guloseima mentolada em forma de osso para o cachorro para acalmá-lo, e sentou-se ao lado dela.
Sorria quando se inclinou pra frente e estalou um beijo em seus lábios, perguntando o que ela queria fazer naquela noite. Ela sorriu dizendo que queria ficar em casa, e ele não pareceu desapontado.
Essa era outra coisa que, pra ela, parecia nova.
Qualquer programa parecia agradá-lo, contanto que eles estivessem juntos. De vez em quando ela se via tentada a experimentar os limites daquelas reações e propor situações absurdas para ver até onde toda aquela boa disposição iria, mas refreava-se.
Não queria ser chata.
Não com ele.
Pediram pizza de um lugar que ele gostava. "A melhor pizza de pepperoni de Porto Alegre", ele alardeava. Ela não era tão fã de pepperoni quanto ele, mas também gostava, e ele sempre deixava ela escolher dois sabores.
Comeram a pizza assistindo um documentário sobre as eleições na França. Por alguma razão ele se interessava sobremaneira pelo cenário sócio político do mundo, se entusiasmava vendo aquelas coisas e ria muito vendo programas que ela, francamente, não achava tão bons, como o Real Time com Bill Maher e Last Week Tonight, mas o mais estranho é que ela não achava aquilo estranho.
Viu-se achando todas aquelas características idiossincráticas adoráveis casa uma à sua maneira, e percebeu-se, enquanto ria sentada ao lado dele no sofá que dividiam com o grande cão amarelo, feliz.
Feliz de uma maneira que só pôde categorizar como completa.
E tomada daquela felicidade, pousou a mão bem feita no rosto dele, que virou-se sorrindo, o olhou fundo nos olhos e disse, sem esperar resposta ou agenda, apenas porque sentia demais em seu peito:
-Eu te amo.
Ele a olhou, parecia surpreso, mas não assustado, pegou a mão dela do próprio rosto, e disse com um sorriso pro lado:
-Eu sei.
Na hora, enquanto ele sapecava um beijo na palma da mão dela, e a puxava pra si, beijando-lhe os lábios, o pescoço e os ombros, ela não entendeu.
Levaria algum tempo até que assistissem Star Wars juntos e ela soubesse de onde aquilo saíra.
Ainda mais tempo até que ela entendesse que a epifania dele se deu porque era um dia quatro de maio, o dia de Star Wars, e quase um ano para que ele dissesse que a amava e ela respondesse da mesma forma, completando o círculo.
Mas não importava.
A verdade é que desde o primeiro momento aqueles dois já sabiam.
Feliz dia de Star Wars, Leias e Hans, Anakins e Padmés, Lukes e Mara Jades galáxia afora.