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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Resenha Cinema: Kingsman: O Círculo Dourado


Em 20015, Matthew Vaughn, Jane Goldman e Mark Millar apresentaram ao mundo a Kingsman, uma agência de inteligência e espionagem tão secreta que sequer se reportava ao governo britânico em sua missão de manutenção da paz no mundo.
Um grupo de operativos extremamente bem treinados, contando com tecnologia de ponta e modos irretocáveis, os agentes da Kingsman eram a epítome do "espião cavalheiro", com seus ternos bem-cortados, sapatos impecáveis, guarda-chuvas e maneiras dignas da realeza.
Um dos mais experientes e hábeis desses operativos, Harry Hart, codinome Galahad (Colin Firth), correu o risco de apresentar o jovem Eggsy (Taron Egerton), um rapaz cheio de potencial mas sem nenhuma das virtudes clássicas da Kingsman, à organização, exatamente no momento em que o excêntrico bilionário do ramo da tecnologia Valentine (Samuel L. Jackson), estava se preparando para dizimar a população da Terra através de seus celulares.
Kingsman foi um inesperado sucesso.
Eu fui assistir ao filme no cinema esperando uma daquelas porcarias com espiões adolescentes estilo O Agente Teen, e acabei sendo fisgado pela divertida homenagem ao gênero de espionagem clássica que o filme oferecia.
A despeito das acusações de misoginia que espocaram dos dedos dos guerreiros da justiça social em sofás ao redor do mundo, Kingsman foi um sucesso, arrecadando mais de 400 milhões de dólares em bilheterias para um orçamento de 81 milhões, e deixando o terreno pavimentado para uma sequência que foi quase que imediatamente confirmada pela Fox, desesperada atrás de outra franquia.
Dois anos mais tarde, reencontramos Eggsy.
Agora usando o codinome de seu antigo mentor, Galahad, Eggsy segue firme na agência, que segue operando, reformulada e sob o comando de um novo Arthur (ponta de Michael Gambon), enquanto se mantém em um relacionamento com a princesa da Suécia, Tilde (Hanna Alström, protagonista de uma das piadas que mais ofenderam os "conscientes" no primeiro filme).
A paz de Eggsy, porém, não dura. Uma onda de ataques iniciada pelo ex-trainee da Kingman Charlie Hesketh (Edward Holcroft) culmina com a destruição de todas as sedes da Kingsman em Londres, e a morte de todos os operativos, exceto pelo próprio Eggsy, e por Merlin (Mark Strong).
Eles são alvos da organização criminosa chamada de Círculo Dourado, um cartel de drogas multinacional altamente lucrativo chefiado pela psicopata Poppy Adams (Julianne Moore), que a despeito de seu imenso sucesso financeiro, vive isolada em ruínas secretas no meio das florestas tropicais da ásia. Seu ataque à Kingsman é apenas um dos passos de seu plano para deixar o isolamento e ser reconhecida por sua expertise na condução de seus negócios multibilionários através da legalização das drogas.
Poppy envenenou todo o seu estoque de drogas com uma toxina capaz de matar em poucos dias, Poppy possui o antídoto, mas só o liberará para o público se o presidente dos EUA assinar uma ordem executiva legalizando a venda e o consumo de drogas.
O problema é que o presidente vê aí a oportunidade de vencer, de maneira definitiva, a guerra contra as drogas, mesmo que, para isso, cause a morte de centenas de milhões.
Eggsy e Merlin precisam impedir o massacre, e sua única chance de sucesso reside nos Statesman.
Os Statesman são uma agência secreta nos mesmos moldes da Kingsman, mas ao invés de espiões cavalheiros britânicos ocultos sob a fachada de alfaiates, eles são caubóis americanos ocultos sob a fachada de produtores de bebidas alcoólicas.
Sob o comando de Champagne (Jeff Bridges), com o apoio técnico de Ginger Ale (Halle Berry), e dos agentes Tequila (Channing Tatum) e Whiskey (Pedro Pascal), os Kingsman remanescentes precisam se unir aos Statesman para tentar pôr fim aos planos de Poppy, e, para tal, contarão com o inesperado apoio de Harry, dado como morto após o confronto com Valentine, anos antes.
Novamente Kigsman se vale do histrionismo com resultados saborosos.
O exagero da ação somado à comédia despreocupada rendem duas horas e vinte de ação quase ininterrupta entrecortados por boas risadas num filme que se recusa a se levar a sério, e, por alguma razão, segue atraindo ódio dos politicamente corretos de carteirinha.
Li e ouvi críticas falando desde que um dispositivo de rastreio é aplicado em uma personagem através de "abuso sexual", até que o longa desrespeita a vida humana ao mostrar mortes de maneira "limpa" e inconsequente.
Francamente, se eu visse queixas semelhantes relacionadas à atividade sexual do protagonista em filmes de James Bond, e se eu visse queixas a respeito da falta de sangue nas mortes relacionadas a filmes de super-herói, eu até poderia cogitar levar tais choramingos em consideração.
Não é o caso, porém.
Há um estranho excesso de ódio contra Kingsman que é difícil de entender. Eu francamente não vejo razão para que esse longa não possa ser tratado como uma comédia de ação e espionagem, ou um produto de nicho. Demandar correção política de uma cria dos longas de James Bond é um contrassenso tão grande quanto demandar mais explosões em um longa dinamarquês do movimento Dogma 98.
Ninguém é obrigado a gostar de Kingsman, mas ao menos deveria avaliá-lo dentro de seu próprio gênero e proposta.
O longa tem defeitos como a imensa maioria das sequências.
A trama é algo exagerada, o roteiro é repleto de inconsistências e o impacto e a surpresa do primeiro filme obviamente foram por água abaixo. A duração, talvez, seja algo excessiva, não há trama em O Círculo Dourado que justifique duas horas e vinte e um minutos de projeção, e algumas interpretações são excessivamente caricatas. São falhas perdoáveis, porém, e não tiram de Kingsman seus méritos.
A direção de Vince Vaughn segue sólida, Taron Egerton se segura como protagonista, trabalho facilitado por estar cercado de grandes atores que manjam do riscado, como Mark Strong, Colin Firth e Michael Gambon.
O pessoal da Statesman é OK. Jeff Bridges se contém um pouco nos maneirismos esperados de seu personagem, Channing Tatum sabe se virar com comédia (e aparece bem menos do que o trailer sugeria), e Pedro Pascal manda bem no papel de Whiskey, enquanto Halle Berry de fato, tem pouco a fazer no longa, interpretando a versão feminina de Merlin.
Julianne Moore, que disse, em entrevista, que se inspirara no Lex Luthor de Gene Hackman para compôr sua Poppy, provavelmente a psicopata mais adorável do cinema recente, manda bem, mas longe de seus melhores trabalhos, nada de surpreendente.
Há ainda Emily Watson, como a chefe de gabinete Fox, e Bruce Greenwood interpretando um tipo de Donald Trump.
Os efeitos visuais se dividem entre bons e ótimos, e o 3-D é absolutamente dispensável.
No fim das contas, o longa pode não ser tão sólido e redondinho quanto seu predecessor, mas certamente mantém o jogo de cintura, e garante uma boa dose de descompromissada diversão.
Vale a ida ao cinema.

"-As maneiras... Definem... O homem."

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Resenha DVD: Alien: Covenant


A série Alien parece uma dessas coisas fadadas a jamais ter descanso, não importa o que aconteça.
A última tentativa de revitalização da franquia havia sido Prometheus, de 2012, um longa que, por ter a grife de Ridley Scott, diretor do primeiro longa da série em 1979, fora esperado ansiosamente por muitos fãs da franquia ao acenar com a solução do mistério do jóquei espacial.
Acabou que as promessas não foram cumpridas. Prometheus, longe de ser um filme horrível, era cheio de falhas e não agradou a todo o público, ganhando um lugar naquela estante de filmes que a gente recomenda por não querer fazer a cabeça dos outros, do tipo "Ah, olha lá e vê o que tu acha...".
Prometheus era uma sessão razoável de DVD, mas não valia um ingresso de cinema, e foi por isso, principalmente, que eu acabei não indo ver Alien: Covenant.
Isso e a minha insatisfação com a obsessão por cópias dubladas do público atual, e seus celulares e necessidade perene de conversar durante os filmes.
Acho que estou me tornando um velho chato de maneira precoce, mas enfim...
Eu não fui assistir Alien: Covenant no cinema, mas abri um sorriso ao ver o filme na estante da locadora no sábado, e levei ele pra casa para conferir a nova aventura dos xenomorfos mais temidos do universo.
O longa, novamente dirigido por Ridley Scott, se passa dez anos após os eventos de Prometheus.
A nave estelar Covenant está no trecho final de sua viagem rumo ao planeta Origae-6, levando consigo mais de dois mil colonos em sono criogênico para uma nova chance de habitar um planeta nos confins do cosmos.
A nave vaga pelo espaço sideral controlada pelo computador de bordo Mãe e pelo androide Walter (Michael Fassbender), quando seu sistema de recarga de energia solar é atingido pela erupção de uma estrela próxima, causando uma avaria no sistema de animação suspensa da nave e forçando o despertar de todos os membros da tripulação.
A falha catastrófica do sistema custa a vida do capitão Jacob Bronson (uma ponta de James Franco), que morre em seu casulo de suporte vital, deixando o comando a cargo do segundo-oficial Christopher Orem (Billy Crudup).
Ao consertar o sistema de carregamento energético, a tripulação da Covenant recebe um sinal vindo de um planeta contíguo, e, estudando a origem da mensagem, encontram um planeta não-cartografado na faixa habitável de um sistema solar bastante próximo.
Tendo sofrido perdas e avarias, e sob o comando de um líder claudicante, a tripulação se pergunta se não seria uma ideia interessante averiguar o tal planeta, que conta com oceanos líquidos, temperaturas suportáveis e atmosfera livre de toxicidades, em suma, um habitat perfeito para humanos, requerendo quase nada de terraformação, ao invés de arriscar um retorno aos casulos de hibernação e uma nova chance de morrer dormindo após um acidente.
A despeito dos votos em contrário da viúva de Jacob, Daniels (Katherine Waterston), o restante da equipe decide dar um salto de fé e se arriscar no planeta desconhecido.
Ao chegarem ao novo mundo, um terreno repleto de árvores, grama e água que aparentemente já viu colonização humana antes, a equipe de terra não tarda a se ver presa em um planeta cujas tempestades violentas podem durar meses, e onde a própria vegetação parece hostil, liberando esporos que após um breve período de incubação, geram criaturas que logo estão tentando se alimentar dos astronautas.
Resgatados por David (também Fassbender), único remanescente da Prometheus, desaparecida mais de uma década antes, os colonos são levados a uma imensa ruína repleta de cadáveres (da raça dos "Engenheiros" do filme anterior), e lá, encontram abrigo.
Entretanto, quanto mais tempo passam sob a tutela do androide, mais fica claro que a preocupação de David não é com o bem-estar dos terráqueos, e que, em seu tempo livre, ele trabalhou ardorosamente em coisas que podem custar a vida de toda a tripulação da Covenant.
Alien é uma série que, à essa altura, já tem uma estrutura narrativa que, com pequenas alterações, se repete a cada filme.
É uma fórmula igual a dos filmes de James Bond ou da Marvel.
A audiência sabe que as pessoas sozinhas em locais escuros serão comidas. Que quem coloca a cara no ovo que acaba de se abrir terá uma aranha/escorpião/polvo enrolada na própria cara e um tempo depois terá seu peito explodido por um pequeno xenomorfo. Que a mulher de cabelos curtos vai sobreviver e que o final verdadeiro de um Alien nunca é o primeiro final que vemos na tela.
A estrutura é sempre a mesma e o grande barato é ver como ela será trabalhada pelo roteirista e pelo diretor do filme para tentar refrescar o que a audiência quer (e sabe que vai) ver.
O roteiro de Covenant, de Jack Paglen, Michael Green, John Logan e Dante Harper não chega a refrescar muita coisa no tocante à "fórmula Alien". A grande função do filme, afinal de contas, parece ser preencher a lacuna entre Prometheus e Alien: O Oitavo Passageiro de maneira satisfatória, a grande sacada, aqui, é que os roteiristas colocam o holofote, não sobre os humanos, mas sobre os robôs.
Os androides de Alien sempre foram alguns dos meus personagens favoritos na série. Desde a época dos Bishop de Lance Henriksen, com seu sangue branco ralo eu curtia os "sintéticos", e David havia dado um passo adiante ao ser um odioso vilão em Prometheus com sua amoralidade psicopata que, em Covenant, é elevada à terceira potência desde o flashback que o mostra ao lado de Peter Weyland (Guy Pearce) no prólogo do longa.
David é uma criatura lutando para se tornar o criador por causa de problemas com o pai. Ele despreza a humanidade de Weyland, mas admira-o por ter sido capaz de criar algo melhor do que ele próprio, e agora tenta superar o pai ao fazer o mesmo.
Suas cenas, contracenando consigo mesmo enquanto expõe seus delírios divinos a Walter são muito divertidas, e Michael Fassbender parece abocanhar com gosto a oportunidade de seduzir a si mesmo.
A sequência em que David ensina Walter a tocar flauta é ótima, carregada de homoerotismo e sarcasmo. É quase brega, e sabe disso, oferecendo sequências de humor seco a um filme que, sem isso, cairia na mesmice.
Outra bola dentro da produção é a ambientação.
A necrópole onde David abriga/aprisiona a tripulação de terra da Covenant é uma das melhores ambientações de horror do cinema recente, pegando parelho com a mansão de A Colina Escarlate, de Guillermo Del Toro.
Os corredores escavados a laser em rochas vulcânicas negras são o tipo de espaço onde, de qualquer sombra, um xenomorfo pode saltar. E, obviamente, a audiência está sempre à espera do ataque de um dos alienígenas cabeçudos não importa onde.
Essa ambientação de pesadelo serve para justificar a inaceitável burrice dos personagens, que fazem todas aquelas coisas que cada um de nós sabe que não se faz. Andar sozinho por corredores sombrios, se separar dos colegas para ter privacidade, olhar pra dentro do ovo... Em uma situação normal, ninguém jamais faria nenhuma dessas coisas, mas os filmes da série não poderiam estar mais distantes de uma situação normal, então, na realidade assombrada do longa, tudo se justifica.
Apesar de seus grandes acertos, Covenant também tem seus erros.
Praticamente toda a tripulação humana da Covenant (que conta com nomes como Demián Bichir e Danny McBryde) é bucha-de-canhão. Nós sabemos que cada um daqueles humanos é só comida de Alien e não nos importamos com isso.
Outro problema é que após acenar com uma alegoria religiosa para o filme em seu início, algo que faria sentido nas pegadas de Prometheus, o longa deixa isso de lado lá pela metade, preferindo centrar fogo na atmosfera de tensão e era isso.
Mesmo assim, Alien: Covenant se segura.
Ridley Scott domina a construção de filmes de ficção científica como poucos em seu ofício, se o roteiro se segurar, o cineasta inglês consegue abordá-lo de maneira visceral como poucos são capazes (que o diga as sequências na grama e a da fuga do planeta). E é, em grande parte, graças a ele e a Fassbender, que Alien: Covenant seja possivelmente o terceiro melhor Alien da franquia, atrás apenas dos dois primeiros.
Para fãs de ficção científica, é altamente recomendado.
E para fãs de terror, também.
Vale demais a locação.

"-Ninguém compreende a solitária perfeição de meus sonhos."

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Resenha DVD: A Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell


Em meados de novembro do ano passado, quando o trailer de Ghost in the Shell foi divulgado, eu publiquei o trailer no blog, e mencionei, brevemente, minhas implicâncias com a estética do mangá/anime, que, de modo geral, não funciona pra mim, mencionei o quanto desgosto de adaptações norte-americanas de mangás/animes, e mencionei que Rupert Sanders, a mente brilhante por trás de Branca de Neve e o Caçador, não era exatamente um convite para correr pro cinema e conferir o filme.
Devo ter feito algum comentário a respeito do figurino de Scarlett Johansson, e do beijo lésbico do trailer (que, olhando em perspectiva, não está no filme).
Acabou que, com os horários divididos entre versões dubladas e legendadas do filme, eu provavelmente não gostei da divisão, e resolvi assistir Trainspotting 2 e esperar Ghost in the Shell, então já batizado como A Vigilante do Amanhã, sair em DVD/Blu-Ray pra conferir.
Acabei demorando a conseguir alugar o filme, que parece ser o longa mais concorrido da locadora nos finais de semana, e apenas nesse final de semana, após mais de um mês de tentativas frustradas, consegui assistir.
No futuro onde o longa se desenvolve, a barreira entre humanos e máquinas se tornou tênue. Os aperfeiçoamentos cibernéticos em humanos não são apenas possíveis, são corriqueiros. Todo mundo tem algum, seja uma para fins práticos, seja para fins recreativos, de olhos perdidos em um acidente a um novo fígado para suportar mais álcool, o mundo dos pós-humanos se torna cada vez mais amplo, e é considerado por especialistas a próxima etapa na evolução humana.
Nesse contexto conhecemos a major Mira Killian (Johansson), a primeira de sua espécie.
Mira teve seu cérebro removido do corpo após se afogar durante um ataque terrorista à balsa de refugiados onde ela estava. O órgão, então, foi transplantado para um (lindo) corpo totalmente sintético, um triunfo inédito da Hanka Robotics, empresa financiada pelo governo, que gera uma mulher viva, com mente e espírito, vivendo dentro de um corpo munido de todas as vantagens da mais alta tecnologia.
Um fantasma humano, em uma concha de altíssima tecnologia.
Sob a tutela da doutora Ouelet (Juliette Binoche), a major é colocada ao serviço da Seção 9, uma força-tarefa anti-terrorismo (ou algo que o valha), onde ela usa toda a extensão de suas habilidades para enfrentar o grande perigo de seu tempo: O cyber terrorismo.
Quando as empresas Hanka começam a sofrer ataques violentos de um criminoso particularmente perigoso chamado Kuze (Michael Pitt), a major e seus companheiros imediatamente iniciam uma caçada ao inimigo, mas enquanto se aprofunda na busca por Kuze, a major passa a experimentar falhas em sua "programação", pequenas alucinações visuais e auditivas que a fazem questionar de maneira ainda mais profunda a sua discutível humanidade.
Ao confrontar Kuze, e ouvir do terrorista que ela não deve confiar na Hanka, a major é impelida a começar uma investigação paralela em busca da verdadeira natureza de sua existência, e dos segredos de seu passado humano.
A Vigilante do Amanhã, obviamente, não é sequer comparável ao anime de Ghost in the Shell.
O longa, co-escrito por Jamie Moss e William Wheeler, rapidamente passa os olhos pela complexidade filosófica da existência pós-humana da major, para investir pesado nas cenas de ação em câmera lenta, e nos arroubos visuais de uma megalópole repleta de arranha-céus imensos cercados por comerciais holográficos abissais, de gueixas-robô cujos rostos de abrem revelando caveiras mecânicas, e cujos membros se rearranjam para que elas se mexam como criaturas de pesadelo enquanto escalam paredes, ou raios azuis passando pelo corpo (divino) de Scarlett Johansson enquanto ela se torna invisível.
Há dezenas de pequenas cenas que gritam por aplauso, mas a verdade é que o impacto visual se desvanece rapidamente porque o roteiro pobre torna esses personagens pouco-relacionáveis.
Scarlett Johansson é linda, boa atriz, e tem se mostrado uma intérprete inteligente em anos recentes, intercalando papéis em filmes-pipoca e projetos mais autorais onde pode mostrar seu repertório dramático. Ela provavelmente imaginou que A Vigilante do Amanhã poderia ser uma rara oportunidade de fazer ambos de uma só vez, e, se o longa fosse mais galgado no material de origem, provavelmente seria.
Nas mãos de Wheeler, Moss e Sanders, porém, apenas o esqueleto do material de origem é mantido, enquanto camadas e mais camadas de blockbuster vão sendo acumuladas em cima dele, tornando-o mais e mais insonso.
A major Killian é a heroína porque é única.
Ela é um alvo porque é especial.
E ela sucede porque foi construída pra isso.
Nós sabemos isso porque o longa se esforça de maneira hercúlea para que saibamos. Ao menos umas vinte vezes nós somos lembrados de que a major é especial. Nós sabemos. Ela é a protagonista, tem o rosto, a voz e o corpo de Scarlett Johansson, não se fica muito mais especial que isso.
O problema é que, enquanto segue deixando claro o quanto a major é especial, o roteiro se esquece de dar lastro à essa qualidade. A major deveria ser uma humana no corpo perfeito de uma máquina. Mas ela é escrita de maneira tão artificial, que se nos dissessem que ela é um robô, ponto, nós acreditaríamos. Scarlett, em sua interpretação de sistema operacional em Ela, apenas com a voz, era muito mais humana do que Mira Killian, não importa em qual circunstância.
Essa falta de humanidade se estende ao restante dos personagens.
Quase todos são estereótipos vazios, a única exceção é Batou, parceiro de Mira vivido pelo Euron Greyjoy de Game of Thrones, Pilou Asbæk. Batou parece ter um pouco de substância e humanidade, gosta de cachorros, de cerveja e de mulheres, se preocupa com a major e consegue até arrancar risinhos dela de quando em quando.
Outra que tenta emprestar alguma humanidade à sua personagem é Juliette Binoche, que se esforça para carregar a doutora Ouelet com algum calor maternal que, em outra circunstância, com outro roteiro, poderia criar uma dinâmica de mãe-e-filha menos artificial para sua personagem e a protagonista.
De resto, os atores poderiam ser trocados durante o filme e a audiência não perceberia.
Michael Pitt, Takeshi Kitano, Chin Han, Peter Ferdinando... Todos estão ali apenas para dar uma voz a um acessório do roteiro, o vilão, o chefe-linha-dura, o colega implicante, forma desprovida de conteúdo.
Eu nem sequer vou entrar no mérito da questão racial, tão em voga recentemente que ganhou até um termo próprio, "whitewashing".
Não sou tão politicamente correto.
Acredito que, se um estúdio holywoodiano vai se dar ao trabalho de fazer uma adaptação de um longa estrangeiro, é natural que o faça com atores americanos. Qual seria o ponto de fazer uma versão americana de um filme japonês e escalar um elenco todo japonês?
O problema de A Vigilante do Amanhã não é sua protagonista, ou a nacionalidade de seu elenco.
O problema é que o longa se torna tão obcecado por sua forma e visual, que se esquece de robustecer seu conteúdo, tornando-se oco.
Não é ruim. Mas é vazio.
Uma concha desprovida de fantasma.

"Minha mente é humana. Meu corpo é fabricado. Eu sou a primeira de minha espécia, mas... Não serei a última."

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Resenha DVD: Despedida em Grande Estilo


Eu me lembro de ter visto o trailer de Despedida em Grande Estilo no cinema, no começo do ano e pensar que, a despeito do talento acumulado em uma tela partilhada por Michael Caine, Morgan Freeman e Alan Arkin, aquele longa sobre velhinhos planejando um assalto a banco, era material de DVD sem tirar nem pôr.
A prévia do filme cheia de gags sobre a terceira idade, incluindo uma fuga em alta velocidade em um daqueles carrinhos elétricos com cesto de compras certamente não acenava com um produto à altura da biografia desses três atores oscarizados, e saber que a direção era de Zach Braff, o eterno JD de Scrubs (aliás, será que a Netflix jamais vai colocar Scrubs em seu catálogo?), que migrou para trás das câmeras no ótimo Hora de Voltar mas não engrenou com o meia-boca Lições em Família, não era exatamente um convite à bilheteria do cinema.
Foi pesando tudo isso, e mais a minha crescente aversão pelo mal-educado público médio do cinema atual, que me fez boicotar o lançamento em tela grande de Despedida em Grande Estilo em meados de abril.
Mas, passando pela locadora, no sábado, vi o filme pendurado na estante, e resolvi dar uma chance ao longa.
No filme, conhecemos Joe Harding (Caine), Willie Davis (Freeman) e Albert Garner (Arkin), três septuagenários, aposentados de uma indústria siderúrgica que moram em Nova York e são amigos há décadas.
Joe vive com sua filha e neta em uma pequena casa no Brooklin, mesmo bairro onde Albert e Willie dividem um apartamento. Os três frequentam um café onde o café é ruim mas a torta é passável, frequentam o clube dos Cavaleiros de Hudson e jogam bocha.
A vida mundana que os três amigos levam é sacudida quando Joe descobre que sua hipoteca triplicou de valor após um reajuste súbito que fora vagamente mencionado na assinatura do contrato, deixando-o próximo de ser despejado.
Willie está doente, e precisa de um novo rim, mas por conta de sua idade e do seu plano de saúde, quase certamente irá para o final da fila. Ele não tem dinheiro sequer para ver a filha e a neta mais de uma vez por ano, imagine para pagar pela cirurgia do próprio bolso.
Albert mal consegue pagar o aluguel, precisando completar o orçamento tocando saxofone em bares noturnos e dar aulas de música a crianças que não têm nem talento e nem interesse em aprender.
Quando a empresa onde trabalham resolve fechar suas portas nos EUA, tornando-se oficialmente isenta de pagar as pensões dos funcionários aposentados, e com o congelamento das pensões, repassadas ao banco, devido a débitos da empresa, os três, e todos os funcionários da empresa, ficam às margens da bancarrota.
É quando Joe está no banco verificando a situação de sua hipoteca que um grupo de homens armados com metralhadoras invade o estabelecimento para realizar um assalto que, sem vítimas, exceto a dignidade do gerente, rende mais de um milhão de dólares em pouco menos de dois minutos.
Vendo-se sem nenhuma outra alternativa para manter um teto sobre a cabeça de sua família, Joe começa a planejar um assalto ao banco que tomou posse do dinheiro que ele e seus amigos trabalharam duro para merecer na velhice, mas para fazê-lo, precisará da ajuda de seus velhos camaradas, e de algum apoio profissional, a questão é saber se boa-vontade e consultoria especializada serão o suficiente para fazer três anciãos se tornarem assaltantes no intervalo de algumas semanas.
Há uma inocência com sabor de Sessão da Trade de antigamente em Despedida em Grande Estilo, provavelmente fruto do carisma do elenco principal e de sua química absolutamente inegável em cena.
Acredito que poderia-se fazer um filme de duas horas apenas com Alan Arkin, Michael Caine e Morgan Freeman sentados na cafeteria falando bobagens enquanto tomam café e comem torta, e ainda assim, ter um resultado agradável. Despedida em Grande Estilo, claro, vai além disso, dividindo bem o tempo entre os três protagonistas, e povoando o pequeno microcosmo de cada um de modo a que saibamos que eles têm uma vida além uns dos outros, o que é bacana.
Também ajuda que o roteiro de Theodore Melfi (baseado em um roteiro original de Edward Cannon) trate os personagens com dignidade, sem apelar para piadas de disfunção erétil, incontinência urinária ou dentaduras, nem com personagens que não entendem nada de tecnologia e parecem viver no passado como frequentemente ocorre com filmes estrelados por personagens mais velhos.
Não é o caso aqui. Willie conversa com a filha e neta pelo Skype, Albert mantém uma relação saudável com Annie (Ann Margret), e Joe é perfeitamente capaz de manusear o cronômetro do telefone celular (além de revisitar seus dias de maconheiro em Filhos da Esperança em uma divertida sequência sequência).
Há piadas mais físicas, claro, que brincam com a idade dos assaltantes de primeira-viagem, como a sequência em que eles ensaiam seu roubo praticando furtos no super-mercado local, ou as frequentes aparições de Christopher Lloyd (Grande Scott!) como Milton, o velhinho absolutamente senil do clube, mas, por sorte, elas não viram uma muleta para o filme que se sustenta como uma versão açucarada do excelente A Qualquer Custo.
O elenco de apoio é sólido, contando com nomes como Matt Dillon, John Ortiz, Joey King, Peter Serafinowicz, Siobhan Fallon Hogan e Kenan Thompson, enquanto a direção de Braff é operária, ele apenas conduz a história deixando que seu trio protagonista brilhe.
Uma decisão acertada.
Sem arroubos nem exageros o longa anda tranquilamente pelos seus econômicos 96 minutos, fazendo com que a audiência torça pelos três veteranos de quem é quase impossível não gostar, e garante que, se não chega a ser memorável, Despedida em Grande Estilo certamente não é ofensivo ou desagradável.
Certamente vale a locação.

"Esses bancos praticamente destruíram esse país. Eles esmagam os sonhos das pessoas e nada nunca acontece com eles. Nós, três velhos, nós assaltamos um banco. Se conseguirmos sair limpos, nos aposentamos com dignidade. Se o pior acontecer e nós formos pegos, ganhamos cama, três refeições por dia e um plano de saúde melhor do que o que temos agora."