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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Amor de Verdade


Abriu a porta do restaurante e fez sinal para que ela passasse antes dele.
Ela aceitou a gentileza com um sorriso, e passou.
Ele sentia o coração batendo na boca do estômago. Ainda não havia assimilado o surrealismo da situação.
Alguns minutos antes estava olhando os brinquedos na prateleira das lojas Americanas para, na sequência, estar escolhendo uma mesa no restaurante junto com ela... Há quanto tempo não se falavam... Ele nem mesmo sabia precisar.
Na loja, dera um passo pra trás e esbarrara com alguém, se virou pedindo desculpas e a viu.
Ela sorria pra ele, e ele levou uma fração de segundo para se desvencilhar do efeito inebriante que aquele sorriso lhe causava.
Ela disse "oi", e ele correspondeu, imediatamente se inclinando para abraçá-la. Não a beijou, não se sentiu com tal liberdade, e ficou pensando no ridículo de ter melindres para dar um beijo no rosto de alguém com quem partilhara tanta intimidade, mas regras eram regras, e as regras de convívio social e etiqueta se enquadravam na categoria.
Perguntou o que ela andava fazendo por ali. Achou que ela nem morasse mais na cidade.
Ela confirmou que não morava. Saíra do estado, mas viera para resolver algumas questões com documentos.
Ele estava tão nervoso com a situação que não sabia ao certo se eram referentes a um contrato de aluguel ou da faculdade, apenas balançou a cabeça enquanto mantinha pés e braços metafísicos em movimento para evitar se afogar nos olhos dela.
Conversaram amenidades brevemente, até ela perguntar se ele já havia almoçado. Ele reconheceu que não, não havia, e ela disse que estava indo comer e o convidou para se juntar a ela. Ele, olhando em perspectiva, não soube se o convite forma mera cordialidade vazia, mas na hora, não pensou que pudesse ser o caso. Apenas aceitou.
Andaram quatro quarteirões lado a lado falando do clima, do calor ao qual ambos abominavam, do sol ao qual ela era afeita e ele, não, e de outras amenidades. Ele sugeriu o restaurante, especializado em massas, quando passavam em frente, e ela aceitou.
Agora ele estava puxando a cadeira dela, e se perguntando se fazia isso quando namoravam... Não conseguiu lembrar.
Um garçom surgiu com dois cardápios e se gabando dos vinhos disponíveis.
Ele pensou em quem bebia vinho ao meio-dia num calor de 35 graus, e ela sorriu agradecendo delicadamente como quem dá a mais sutil das deixas para o garçom desaparecer.
Olharam o cardápio rapidamente, ele escolheu ligeiro, ciente de suas massas favoritas e pediu espaguete com almôndegas. Ela se demorou um pouco mais, e quando decidiu-se, pediu o mesmo. Ele chamou o garçom com um gesto, o rapaz anotou os pedidos e pareceu resignadamente desapontado quando, esnobando a carta de vinhos, ela pediu Coca e ele Fanta.
Ele a olhou do outro lado da mesa e sorriu. Chegou a ter o ímpeto de pegar a mão dela, que estava sobre a mesa, mas lembrou-se que não tinha tais liberdades.
Ela sorriu de volta, disse "Então", e não falou mais nada.
Era um silêncio constrangedor estilo Tarantino?
Ele não sabia... Era estranho não saber do que falar com ela. Disso jamais puderam acusá-los, sempre tinham assunto.
Até aquele momento.
Ele resolveu falar antes que alguém fizesse "hmmm" e desse uma risada desconfortável.
-Então... Tu... Tu tá namorando?
Assim que a pergunta saiu de sua boca ele percebeu o que dissera e sentiu-se enrubescer. Era óbvio que estava sendo, na melhor das hipóteses, inapropriado.
Resolveu se desculpar de antemão:
-Desculpa... Eu devo ter rompido algum tipo de barreira, nisso...
Ela sorriu de volta, enquanto baixava os olhos e alisava o guardanapo sobre a mesma:
-Tu e as tuas barreiras...
Ele sorriu sem graça. Já havia dito aquilo pra ela? Das barreiras?
-Eu já...?
-Sim - Ela interrompeu. -Tu me perguntou se eu... - Baixou a voz e se inclinou pra frente -Se eu me masturbava pensando em nós.
Ele ruborizou ainda mais.
-E depois - Ela disse, se recostando novamente e em tom de voz normal -Tu me pediu desculpas e falou isso aí... Das barreiras quebradas.
Ele fez um "ah" constrangido de quem entendeu. Ela o olhou nos olhos e o garçom chegou com as bebidas.
Serviu a ambos e saiu novamente. Ele tomou um gole da Fanta enquanto ela bebia um gole da Coca.
-Sim. - Ela disse após sorver a beberagem. -Eu tô.
-Ah. - Ele disse sem definir bem o tom em sua voz. -Que bom... - Disse, sem convicção.
-É. - Ela concordou.
Ele pensou em mudar o rumo da conversa. Seu detector de situações desconfortáveis estava perto de apitar.
-E aí? Já começou tua temporada de cinema 2017? - Perguntou, casual.
Ela confirmou. Começou e elencar os filmes que já havia assistido, empolgando-se mais com uns do que com os outros. Dali começaram a falar sobre a expectativa para os longas que estreariam ao longo do ano, com destaque para filmes de super-heróis e o novo longa de Christopher Nolan.
Ainda estavam enumerando os problemas com as adaptações da DC quando terminaram de comer, e quando ele insistiu para que ela o deixasse pagar a conta ela deu um sorriso reprovador, como quem está presa em um looping temporal.
Saíram andando do restaurante ainda conversando animadamente.
Ele pegou o celular para ver quanto tempo tinha antes de acabar a hora do almoço, e viu, espantado que já estava dez minutos atrasado para voltar ao trabalho.
Explicou a ela que precisava voltar e ela entendeu.
-Quanto tempo tu vai ficar? - Perguntou.
-Volto amanhã. - Ela respondeu. -Meu avião sai seis da manhã.
-Que cedo... - Ele disse.
-É... - Ela aquiesceu.
-Bom... Então, tá... Gostei de te ver. Não fica tanto tempo sem falar comigo de novo, me passa teu telefone. - Ele disse.
-Eu... Eu não sei se é uma boa ideia. - Ela disse.
Ele parou como se tivesse sido atingido por um murro. Minha nossa, ele preferia que tivesse sido um murro. Mas não discordou.
-É... É. Eu acho... Tu tem razão.
-É que... Olha... Eu tô namorando e... Eu não acho que isso fosse...
-Eu entendo. - Ele interrompeu. -Entendo completamente. Tu não quer dizer meu nome sem querer, à pessoa errada. - Sorriu citando Roberto Carlos.
Ela maneou a cabeça:
-Ele não é a pessoa errada. É a pessoa certa.
Outro murro.
-Ele te faz feliz? - Perguntou.
-Faz. - Ela respondeu. -E não me magoa.
Ele lembrou do Justiceiro explicando a Karen Page que só quem está por perto tem poder pra nos magoar, mas entendia o ponto dela.
-Então ele é mesmo a pessoa certa.
A abraçou com delicadeza e enquanto a desvencilhava de seus braços, pousou um beijo de leve no rosto dela.
-Que bom que tu está feliz. De verdade.
Saiu andando, e após alguns passos virou e acenou com um sorriso.
Estava, de fato, feliz por ela.
Talvez isso é o que fosse amor de verdade.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Resenha Cinema: Manchester À Beira-Mar


Eu não sou um grande fã de filmes que emulam a vida.
A vida real. Minha, tua, de todos nós...
Eu não sou afeito ao cinema que mostra a vida sem arroubos, sem catarses, sem triunfos...
Quando me perguntam porque eu não gosto de filmes franceses e iranianos sobre "pessoas comuns em situações mundanas" eu costumo responder que eu sou uma pessoa comum e tenho dezenas de situações mundanas pra gerir diariamente.
Não preciso ir ao cinema dar duas horas do meu dia pra ver mais um pouco.
Mas há exceções...
Volta e meia esbarramos com melodramas pé-no-chão que se sustentam, como é o caso deste Manchester À Beira-Mar, do dramaturgo e cineasta bissexto Kenneth Lonergan, do ótimo Conte Comigo.
O longa conta a história de Lee Chandler (Casey Affleck), um homem solitário que trabalha como zelador em um condomínio em Boston.
Lee é um sujeito quieto, sorumbático e inacessível que divide sua vida entre as obrigações profissionais de faz-tudo e noites enchendo a cara de uísque em bares que, volta e meia, culminam com brigas contra desconhecidos.
A rotina de Lee muda quando seu irmão mais velho Joe (Kyle Chandler) morre.
Nós ficamos sabendo que a morte de Joe não era um choque. Ele sofria de uma doença cardíaca degenerativa e todos estavam cientes de que ele poderia morrer a qualquer momento.
Após tomar as medidas iniciais, Lee vai encontrar seu sobrinho, Patrick (Lucas Hedges, de O Teorema Zero).
O filho-único de Joe é um jovem de dezesseis anos com uma vida social efervescente.
Patrick tem duas namoradas, toca em uma péssima banda de rock, joga hóquei no inverno, basquete no verão, tem dezenas de amigos na cidade de Manchester, Massachusetts e pretende seguir os passos do pai como pescador, inclusive estudando para tirar uma licença e poder pilotar o barco que herdou.
Então é chocante para Lee quando ele descobre que, em seu testamento, Joe o deixou como tutor legal de Patrick, porque conforme aprendemos com os vários flashbacks que permeiam a primeira metade do longa, Lee saiu de Manchester por uma razão, e não tinha nenhuma intenção de voltar.
Agora ele precisa lidar com seus traumas, digerir uma realidade absolutamente surreal para ele, e encontrar uma forma de conciliar suas decisões com o bem-estar do sobrinho adolescente enquanto luta contra a responsabilidade que Joe lhe deixou.
Eu sou o primeiro a reconhecer que essa premissa parece com aqueles clichês re-re-repetidos de crescimento através da responsabilidade, ou de amor superando traumas em momentos de luto, mas acredite, não é o que Kenneth Lonergan faz em Manchester À Beira-Mar.
O diretor e roteirista tem um respeito e um carinho grandes demais pelos seus personagens para entregar esse tipo de história requentada de redenção a eles.
E eu sei, quando coloco as coisas dessa forma, a primeira coisa que me vem à cabeça é que estamos falando, então, de duas horas de desgraça sem nenhuma espécie de recompensa?
Também não.
Ainda que Manchester À Beira-Mar seja um drama, o longa se equilibra bem, e não cai no dramalhão. O filme tem essa capacidade de arrancar risadas de diversas situações apenas porque seus personagens, especialmente Lee e Patrick, são cheios de um (quase sempre) saudável sarcasmo, que os faz ver uma ponta de graça mesmo em situações que parecem tristes, como o episódio do freezer, e algumas vezes apenas porque o diretor tem um olho esperto para ver o ridículo em meio à tragédia e apontá-lo para a audiência.
Isso, aliado a um esperto trabalho de edição de Jennifer Lame, que picota o filme numa série de cenas curtas e eficazes, garante que o longa não se torne cansativo.
Claro, não faz mal nenhum ter um elenco competente contado sua história, a começar por Casey Affleck no papel principal.
O ator vinha demonstrando seu talento não era de hoje, se especializando em interpretar homens comuns assombrados por traumas (seu papel no altamente subestimado Tudo Por Justiça, é um exemplo), e ele devora o papel de Lee Chandler com vontade.
O homem alquebrado e incapaz de demonstrar emoções que vive no piloto-automático tem "tragédia" escrito sobre a cabeça em um sinal de néon desde o início do filme, e quando nós descobrimos o que se passou, e descobrimos que é ainda pior do que se supunha, é impossível não se compadecer dele e não entendê-lo.
Nesse ponto entra outro acerto do filme:
Michelle Williams, que interpreta a ex-esposa de Lee, Randi.
Olhando em perspectiva, Williams aparece pouco no longa, mas ao menos uma cena partilhada por ela e Affleck é de partir o coração juntar os cacos e partir outra vez, e torna, não apenas compreensível, mas absolutamente justificável, vê-la indicada a prêmios.
Com um brilhante trabalho de elenco, edição esperta, trilha sonora por vezes opressiva, quase como se estivesse tentando expressar os sentimentos que os personagens se negam a expressar, uma direção segura e um roteiro robusto, Manchester À Beira-Mar é uma poderosa obra sobre família e sobre perdão, e sobre como essas são coisas difíceis de gerenciar, cheia de amor, raiva tristeza e humor.
Sim, por vezes é um soco na boca do estômago, mas um dos bons, bem executados, que dá gosto de sentir.
Não é filme pra todas as audiências, mas os amantes de cinema que não estão com pressa e sabem admirar um filme com seu próprio ritmo certamente terão um bom programa, e verão ao menos duas grandes atuações.
Certamente vale a ida ao cinema.

"-Onde nós vamos? Ao orfanato?
-Cala a boca..."

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Resenha Cinema: Até o último Homem


À certa altura de sua vida, Mel Gibson, astro de ação oitentista que se provou um ator com mais estofo do que os concorrentes da época do cinema de Exército de Um Homem Só, mostrou que além de um ator carismático, com bom timing cômico e presença de tela, podia ser, também, um diretor competente.
Se o seu debute na cadeira de diretor de cinema se deu com o correto O Homem sem Face, ele alcançou a excelência em 1995, com o excepcional Coração Valente, ainda hoje um dos meus filmes favoritos.
Nove anos se passaram e Mad Mel voltou à ativa em 2004 lançando o mais brutal retrato da crucificação de Jesus no aclamado A Paixão de Cristo, um projeto absolutamente autoral que obteve resultados inesperadamente expressivos nas bilheterias e fez com que todos os outros Jesus do cinema pareçam não ter apanhado o suficiente.
Após A Paixão, levou apenas dois anos para Gibson lançar outro longa como diretor, e foi o ótimo Apocalypto, sobre um jovem guerreiro lutando para sobreviver aos cultos sacrificiais dos maias no declínio de seu império.
E mais nada.
Envolvido em escândalos pessoais, casamento desfeito e lutando contra crises de alcoolismo e o transtorno bipolar, Gibson deu um tempo. Passou quatro anos sem lançar nenhum projeto e quando o fez foi como ator no correto policial O Fim da Escuridão, em 2010, e seguiu com um filme por ano, em projetos tão diversos quanto o competente drama Um Novo Despertar (2011), o divertido Plano de Fuga (2012), o surtado Machete Mata (2013) e o quase obrigatório revival oitentista Os Mercenários 3 (2014).
Em 2015 Gibson não deu as caras, mas no ano passado esteve no elogiado Herança de Sangue, que eu ainda não tive chance de assistir (prometo que quando achar o DVD pra locação falo a respeito), e voltou à cadeira de diretor para contar a história de Desmond T. Doss, um pacifista agraciado com a medalha de honra durante a Segunda Guerra Mundial.
Apesar de ter sido lançado nos EUA ainda em novembro, o longa só chegou aos cinemas brasileiros ontem, e eu, enquanto fã de Mel Gibson, de Andrew Garfield e de filmes de guerra, estava lá para conferir.
Na trama conhecemos Desmon Doss, um jovem da região rural de Virgínia, nos EUA.
Desmond cresceu junto com seu irmão Hal sob a sombra dos traumas de seu pai, Tom (Hugo Weaving).
Tom serviu na Primeira Guerra Mundial, lutou em batalhas chave do fronte francês e perdeu seus melhores amigos na Europa.
A guerra fez de Tom um homem bêbado, ensimesmado e bruto, e essa brutalidade não pulou os garotos, que frequentemente se engalfinham em violentas lutas no quintal de casa.
Um dos eventos-chave da vida de Desmond é quando ele quase mata seu irmão Hal numa dessas lutas, outro é anos mais tarde, quando ele, já adulto e religioso (e com a cara de Andrew Garfield) ajuda a salvar a vida de um rapaz após um acidente.
É no hospital que ele conhece a enfermeira Dorothy (Teresa Palmer) e os dois logo começam a namorar, mas o ataque japonês a Pearl Harbor muda tudo.
Desmond segue o exemplo de seu irmão Hal e se alista no exército, disposto a fazer sua parte no conflito, com uma diferença crucial:
Desmond, um devotado adventista do sétimo dia, se recusa a pegar em armas.
Ele se alista no exército disposto a cumprir suas tarefas, obedecer ordens e receber o treinamento, mas não irá matar ninguém.
A convicção do rapaz em não disparar uma arma o torna um pária entre seus colegas de quartel. Os outros soldados, como o recruta Smitty Ryker (um surpreendentemente não-irritante Luke Bracey) o veem como um covarde, enquanto seus superiores, como o sargento Howell (Vince Vaughn, interpretando um tradicional sargentão) o veem como um "objetor consciente", as pessoas que por questões religiosas ou filosóficas se recusam a prestar o serviço militar.
Não é o caso de Desmond.
Ele está plenamente disposto a cumprir seu dever, mas deseja fazê-lo como um médico de campo, salvando vidas ao invés de tirá-las.
E se inicialmente seus problemas são a hostilidade de seus colegas e superiores e a ameaça da corte marcial, o aspirante a médico não tarda em descobrir que os horrores da guerra são muito piores conforme ele e sua companhia são destacados para o fronte japonês em Okinawa, numa das batalhas chaves da Segunda Guerra Mundial, onde as convicções e crenças de Doss serão testadas além de todos os limites.
Sensacional.
Desmond Doss era um pacifista, Mel Gibson não é.
Para o cineasta a violência é a grande catarse, o banho de sangue, o ato primevo de suplantar o inimigo pela força e reclamar a supremacia através do triunfo físico, isso fica claro em cada frame de Até o Último Homem, Desmond Doss e suas convicções estão presos no mundo de Mel Gibson, o nosso mundo. E a violência é sua mola propulsora.
O pai de Desmond era um homem violento, sua relação com o irmão, ainda que tivesse cumplicidade e amor, era violenta, Doss está sempre cercado pela violência mas recusa-se a ser dobrado por ela e Gibson, que fez Jesus Cristo sofrer de maneiras excruciantes em A Paixão, obriga o protagonista a encarar mais e mais violência a cada passo de sua jornada pois apenas ao ser confrontado por aquilo que o aflige o herói alcança seu verdadeiro potencial.
Desmond Doss se torna um herói durante a batalha de Okinawa, provavelmente a mais sangrenta batalha retratada em um filme e a mais incrivelmente coreografada desde a Invasão à Normandia em O Resgate do Soldado Ryan (ainda a melhor de todas).
Mel Gibson filma a guerra com um misto de fascinação e ojeriza, por vezes grotesca, por vezes sublime, mas sempre assombrosa.
O diretor sabe filmar violência, por Deus, como ele sabe, e ele o faz de modo a nos mostrar a guerra pelos olhos de Doss, que sempre a renega, seja com os olhos marejados ou a expressão aturdida ou enojada.
O grande barato de Até o Último Homem é que ao aceitar que só reconhece o triunfo através do conflito, Mel Gibson eleva o protagonista, reconhecendo seu caminho e sua filosofia como superiores.
É impossível não colocar Desmond Doss em um pedestal, eu te desafio a não colocá-lo, mas Gibson consegue fazer isso sem deixar de mostrar um homem de carne e osso, e pra isso, a interpretação de Andrew Garfield (ainda o melhor Homem-Aranha do cinema) é crucial.
Porque seria muito fácil e vazio pegar esse quase santo e levar sua história à tela de maneira idealizada, mas Andrew Garfield toma seu tempo e retrata um homem com complicações, ansiedades e medos genuínos.
Há um lado sombrio naquela pessoa, mas sua luz é maior, e Mel Gibson e Andrew Garfield enfocam nessa luz.
Com bela fotografia de Simon Duggan, trilha sonora correta de Rupert Gregson-Williams e um roteiro redondinho de Robert Schenkkan e Andrew Knight, Até o último Homem é mais um triunfo de Mel Gibson atrás das câmeras, levado por um bom (e majoritariamente australiano) elenco que conta ainda com Sam Worthington, Rachel Griffiths e Richard Roxburgh, mas se ampara confortavelmente nos ombros do protagonista Andrew Garfield para contar uma das mais admiráveis e espiritualizadas histórias reais de coragem em tempos de guerra.
Obrigatório para amantes de filmes de guerra e de cinema em geral.
Certamente vale o ingresso, não deixe passar a oportunidade. Mel Gibson e Andrew Garfield merecem plateia, Desmond Doss merece reverência.

"-Com o mundo tão focado em se destruir, não me parece uma coisa tão ruim querer reconstruir um pouquinho dele."

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Rapidinhas do Capita


Depois de flertar com coisas tenebrosas como "Forças do Destino", Star Wars: Episódio VIII ganhou título oficial ontem à tarde, o longa se chamará The Last Jedi.
A Disney do Brasil chegou a publicar o título em português, como "O Último Jedi" e depois voltou atrás, provavelmente porque "The Last Jedi" não tem gênero ou número, e poderia ser traduzido como "A Última Jedi", ou "Os Últimos Jedi".
Apesar da hesitação da Disney brasileira, durante o episódio VII: O Despertar da Força, tanto o card de abertura quanto o supremo líder Snoke se referem a Luke Skywalker como o último Jedi, que após perder Ben Solo para o lado sombrio e ver sua nova Ordem Jedi ser massacrada, se exilou.
Confira o poster oficial divulgado ontem:


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Com o nome Star Wars escrito em vermelho ao invés do amarelo tradicional, já começaram a espocar na internet previsões de que o filme se encaminhará para o lado sombrio com os Cavaleiros de Ren e o supremo líder Snoke tocando o terror na Resistência e no lado luminoso da Força.
Há, também quem diga que o título escrito em vermelho faça alusão ao conflito interior de Luke, tentando superar as emoções negativas após o fracasso de sua tentativa de reiniciar a Ordem Jedi e lutando para não ceder ao lado escuro e na busca por vingança...
De qualquer forma, só descobriremos daqui a onze meses.

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Escrito e dirigido por Rian Johnson de Looper, Vigaristas e A Ponta de um Crime, Star Wars: Episódio VIII - O Último Jedi estréia em 15 de dezembro, trazendo no elenco os retornos da falecida Carrie Fisher, de Mark Hamill, Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Lupita Nyong'o, Adam Driver, Anthony Daniels, Gwendolyne Christie, Domhnall Gleeson e Andy Serkis, a eles se juntam Benicio Del Toro, Laura Dern e Kelly Marie Tran.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Resenha DVD: Inferno


Em um episódio de Uma Família da Pesada, Lois, a matriarca da família Griffin, conversa com uma amiga ao telefone falando sobre a leitura de O Código da Vinci, controverso romance fast-food de Dan Brown, enumerando as qualidades do livro, como, por exemplo, o fato de os capítulos serem curtos e ela se sentir inteligente por ser capaz de fazer a leitura em pouco tempo.
É uma sacanagem ao estilo Uma Família da Pesada espezinhar tudo e todos desse jeito, e a série literária de Dan Brown é um alvo fácil.
Os romances de aeroporto do autor norte-americano são refeições literárias extremamente ligeiras, tão divertidas quanto insípidas, repletas de forma e com pouco conteúdo.
Eu me diverti muito lendo O Código da Vinci e Anjos & Demônios, especialmente as adições ilustradas com fotos dos artefatos, esculturas, pinturas e igrejas antigas visitadas pelos personagens.
Ler os livros com as aventuras de Robert Langdon é mais ou menos como jogar Uncharted, com menos parkour e mais embasamento histórico (não se pode negar que Brown aproveita suas viagens à Europa para rechear seus livros com referências bacanas).
Ainda assim, eu cansei do simbologista claustrofóbico de Harvard ainda em O Código da Vinci, e não li O Símbolo Perdido e nem Inferno.
Me cansei bem rapidamente, também, da versão em carne e osso de Langdon na tela grande, vivido por Tom Hanks na adaptação de O Código Da Vinci e em sua sequência, Anjos & Demônios (no cinema a cronologia das aventuras foi invertida).
Não que os filmes fossem ruins.
Não eram.
O Código da Vinci era um thriller competente, que tinha como principal defeito se levar a sério demais. Anjos & Demônios, por sua vez, conseguiu ser mais divertido, justamente ao abraçar o absurdo com um pouco mais de leveza.
O lance é que as adaptações dos romances de Brown eram tão pouco memoráveis quanto suas obras de origem.
Insípidas.
Eu fiquei até surpreso quando soube que haveria um terceiro filme.
Achei que ele iria adaptar O Símbolo Perdido, mas descobri que não. Novamente a cronologia da série seria atravessada e o livro a virar filme da vez seria Inferno.
Hanks voltaria ao papel para a segunda sequência de sua carreira (e eu ainda esperando um Forrest Gump 2), novamente sob a batuta do ótimo Ron Howard, diretor dos outros dois longas e com David Koepp responsável pela adaptação do texto de Brown.
Eu fiquei surpreso, mas francamente não fiquei curioso o suficiente pra ver o filme no cinema, preferi prestigiar Hanks no OK Negócio das Arábias e no bom Sully: O Herói do Rio Hudson, e deixar pra experimentar Inferno quando esbarrasse com o DVD na locadora, o que aconteceu no sábado.
No longa Robert Langdon (Hanks) desperta em um hospital na Itália.
Ele sofre com severas dores de cabeça e amnésia parcial. Sua médica, a doutora Sienna Brooks (a bonequinha Felicity Jones), o informa que ele sofreu um traumatismo craniano decorrente de um tiro na cabeça que passou raspando seu crânio.
Antes que ele possa se situar, uma mulher surge vestida como policial e começa a disparar contra todos no caminho entre ela e o professor de Harvard, e é apenas a presteza da doutora Brooks que garante que os dois consigam fugir.
Na casa de Sienna, Langdon vasculha suas roupas em busca de pistas que possam informar o que ele está fazendo em Florença, como foi parar ali e, mais importante, por que há facções diversas com agendas conflitantes tentando matá-lo?
Langdon não tarda a descobrir que o motivo pode ser um artefato em sua posse que é a chave para a localização de Inferno, um tenebrosos agente viral engendrado pelo bilionário da biomedicina Bertrando Zobrist (Ben Foster).
Zobrist criou Inferno para purificar o planeta Terra ao matar metade da população mundial como um aviso a respeito dos abusos da especie humana para com o mundo.
Por alguma razão, Ben Foster criou uma série de pistas que dão a localização do ponto onde Inferno será liberado, todas elas baseadas n'A Divina Comédia de Dante Alighieri, e a única pessoa capaz de salvar o mundo é Robert Langdon e sua sagacidades decifradora de quebra-cabeças.
Com a ajuda de Sienna Brooks, Langdon começa uma corrida contra o tempo enquanto luta com suas memórias fragmentadas para impedir o fim do mundo, tendo em seu encalço a mortífera Vayentha (Ana Ularu), assassina com determinação de T-1000, os surpreendentemente bem-armados agentes da Organização Mundial de Saúde à serviço de Christoph Bouchard (Omar Sy) e Elizabeth Sinskey (Sidse Babett Knudsen), além de Harry Sims (Irrfan Khan), cabeça da misteriosa organização de segurança privada Provost.
O filme funciona como uma montanha russa por cerca de dois atos.
Não há grande dificuldade em manter a audiência interessada fazendo um elenco classe A correr de um lado pro outro dando tiros e resolvendo enigmas.
Tom Hanks interpreta Robert Langdon da mesma maneira que interpreta qualquer outro personagem:
Um sujeito comum.
Nesse caso específico, Langdon é um sujeito comum que é mais inteligente que todas as outras pessoas, mas não fica se gabando disso, o que o torna mais gostável.
Felicity Jones interpreta uma rival intelectual bacana para o protagonista, e é uma gracinha correndo pra lá e pra cá de salto alto.
Omar Sy faz um trabalho digno como o misterioso agente Bouchard enquanto Sidse Babett Knudsen interpreta o que talvez seja o único personagem com mais de uma dimensão no filme, certamente com mais dimensões do que o bilionário malvado de Foster, com suas frases feitas e vídeos póstumos de destruição global. Khan, por outro lado transforma seu Harry Sims no melhor personagem do filme porque parece ser a única pessoa que percebeu o tamanho daquela bobagem e a abraçou sem nenhum sinal de vergonha aproveitando pra se divertir no trabalho.
Conforme eu disse, Inferno aguenta o tranco nos dois primeiros atos usando a correria para se sustentar, infelizmente, montanhas-russa são divertidas porque duram pouco, e não tarda para que o longa comece a se tornar cansativo com suas frases expositivas entre um ponto turístico e o outro.
Conforme a trama se encaminha para o seu final, as reviravoltas se tornam menos e menos interessantes e tu encontra um segundo para respirar e pensar por que Zobrist simplesmente não liberou o vírus e fez o upload do seu vídeo testamento no youtube usando um celular a coisa toda se torna simplesmente idiota, e o longa deixa de ser uma correria divertida e se torna um desperdício de tempo.
Boa pedida para fãs de carteirinha de Tom Hanks, e melhor que a programação da TV aberta no domingo de tarde, dispensável para todos os outros.
Espere passar na TV a cabo.

"-A humanidade é a doença. Inferno é a cura."

Resenha DVD: O Lar das Crianças Peculiares


Tim Burton já foi um dos grandes.
OK... Talvez seja um pouco de exagero. Ele nunca fez parte da santíssima trindade dos diretores de cinema, mas ele foi um dos mais promissores novatos da indústria e um diretor de assinatura visual ímpar, capaz de criar fábulas repletas de doçura e esquisitice.
Em seus melhores momentos ele foi capaz de criar coisas como Edward Mãos de Tesoura, Batman: O Retorno, O Estranho Mundo de Jack, e Os Fantasmas se Divertem, além de um dos meus filmes favoritos de todos, Peixe Grande.
O problema é que esse ótimo Tim Burton aparece cada vez menos nas telonas.
O último vislumbre dele que tivemos foi com Frankenweenie, que estava ali perdido entre Sombras da Noite, Alice no País das Maravilhas, Sweeney Todd e qualquer outra bobagem pálida e listrada que Burton tenha produzido ultimamente.
Aliás, seria injusto dizer que seu trabalho em Grandes Olhos, com muito pouco dessa palidez e dessas listras, foi um bom exemplar de Burton, abaixo de seus momentos de mais brilho, mas certamente superior à suas fábulas sombrias mais insonsas.
Algum otimista poderia imaginar que o bestseller infanto-juvenil O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares seria a chance de voltarmos a ver um pouco daquele grande Tim Burton das fábulas esquisitas e doces nas telonas novamente.
A história sobre o orfanato que abriga crianças peculiares demais para viver em sociedade com as pessoas comuns era um prato cheio para Burton exercitar sua veia mais estranha e gerar uma pequena maravilha, disseram alguns.
Como eu já não tenho mais a mesma disposição pra ir ao cinema nem pra ver os filmes que eu quero ver, posso afirmar que não me atrevi a mexer minha bunda cansada até o shopping para me arriscar com a adaptação de Burton para o romance de Ramson Riggs.
A julgar pela recepção morna ao longa, e à revolta dos fãs do livro, eu não havia perdido muita coisa, mas resolvi ver por mim mesmo e, nesse final de semana, aluguei o filme para conferir.
Em O Lar das Crianças Peculiares conhecemos Jake (Asa Butterfield), um adolescente ordinário que leva uma vida ordinária na Flórida vivendo com seu pai (Chris O'Dowd) e sua mãe (uma subutilizada Kim Dickens).
Jake cresceu ouvido gloriosas histórias de seu avô, Abe (o ótimo Terence Stamp, em papel que provavelmente teria sido de Christopher Lee dois anos atrás), a respeito do período em que ele foi hóspede de um orfanato na costa de Gales no início da Segunda Guerra Mundial.
Lá, Abe conheceu várias crianças peculiares, com habilidades únicas, que viviam sob os cuidados da senhorita Peregrine.
Quando Abe morre em circunstâncias suspeitas deixando para o neto um livro e um cartão postal ensinando o caminho até o tal orfanato, Jake obviamente fica ansioso por ir para Gales e ver com seus próprios olhos o local sobre o qual tanto ouviu falar.
Apoiado por sua terapeuta, a doutora Golan (Allison Janney), Jake consegue viajar com seu pai, que observa pássaros pela ilha enquanto o rapaz explora a região.
Não é pequena a decepção de Jake quando ele descobre que o tal orfanato foi bombardeado pelo alemães em 1943, estando abandonado desde então.
Ainda assim, Jake resolve dar uma olhada nas ruínas, e então os habitantes do lugar surgem.
Emma (Ella Purnell), a loira bonita que precisa usar sapatos de chumbo para não sair voando, Olive(Lauren McCrostie), a ruiva que precisa usar luvas para não queimar as coisas, o jovem Horace, que projeta seus sonhos pelo olho, a pequena Claire, que tem uma boca com garras oculta sob os cabelos da nuca, ou a miudinha Bronwyn, que tem a força de dez homens, o menino invisível, o que está cheio de abelhas, os gêmeos mascarados, e Enoch (Finlay MacMillan), que é capaz de trazer qualquer coisa à vida usando baterias em forma de coração.
Todos eles estão lá... Mais ou menos.
Na verdade as crianças existem dentro de uma fenda temporal criada pela senhorita Alma Peregrine (Eva Green, que engrandece qualquer filme com sua mera presença).
A diretora da instituição é uma Ymbryne, um tipo de peculiar capaz de manipular o tempo (e se transformar em um falcão peregrino, habilidades que não estão relacionadas).
Todos os dias, quando chega o momento do bombardeio nazista em 1943, ela faz o relógio voltar 24 horas e o dia recomeça sem que as crianças envelheçam um só minuto.
Todos, à exceção de Enoch ficam felicíssimos com a chegada de Jake.
Eles estão há setenta anos sem ver um novo rosto, e ele é bem-vindo, mas nem tudo são flores.
Enquanto se apaixona por Emma, Jake descobre que existe uma casta de peculiares perversos, os Etéreos.
Eles são liderados pelo temível Barron (Samuel L. Jackson), e andam pela Terra procurando as fendas temporais dos Peculiares para devorar os olhos das crianças e aprisionar as Ymbrynes para seus experimentos em busca da vida eterna.
Quando Barron e seus acólitos descobrem a localização do lar da Senhorita Peregrine, cabe a Jake assumir o lugar que foi de seu avô e se tornar o protetor das crianças, algo que o jovem não sabe se terá coragem para fazer.
É um bocado de trama, né?
E ainda assim, é absolutamente inócua.
Há muito pouco de memorável em O Lar das Crianças Peculiares.
As crianças peculiares, em sua maioria, estão ali apenas pra fazer número. Elas surgem, mostram seus poderes e desaparecem sem que ninguém se importe com eles porque elas não têm profundidade pra garantir o interesse da audiência.
O Jake de Asa Butterfield é convincente como um adolescente chato e sem importância, mas fica devendo quando tem que crescer e se tornar o guardião das crianças, e Samuel L. Jackson faz o que pode como Barron, mas o personagem é simplesmente unidimensional demais, e suas habilidades, planos e objetivos são todos meio confusos e genéricos de modo que ele acaba nem conseguindo ser particularmente intimidador.
Todos os personagens dão a impressão de que deveriam ser adoráveis porque são superficialmente esquisitos e têm habilidades bacanas, mas a verdade é que isso simplesmente não funciona mais, e isso parece algo que Tim Burton e a roteirista Jane Goldman não são capazes de entender, e é uma pena, porque quando o longa se dá ao trabalho de dar mais um passo, usar suas melhores ferramentas e oferecer um pingo de profundidade aos personagens (a conversa de Jake com Abe ao telefone, por exemplo), o filme dá vislumbres muito breves do que poderia ter sido.
Da forma como é conduzido, porém, o longa fica com cara de Tim Burton dando sua versão dos X-Men, e, francamente, a versão de Bryan Singer ainda é mais interessante.
Alugue se for um fã hardcore de Burton, outrossim, espere passar na TV a cabo.

"-Você não precisa nos fazer sentir seguros. Vocês nos fez sentir corajosos e isso é muito melhor."

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

O Segundo Trailer de Logan

Já diria um sábio, que não se julga um livro pela capa. Dessa forma podemos e devemos saber que não se julga um filme pelo trailer. Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado parecia bacana, Esquadrão Suicida parecia sensacional, por coisas como essa é importante manter uma reserva de ceticismo cada vez que um trailer que surge na internet parece legal demais.
Posto isso, eu preciso dizer:
Caralho!!!
O segundo trailer de Logan, terceiro filme solo do Wolverine interpretado por Hugh Jackman na franquia X-Men caiu na rede hoje mais cedo, e está sensacional.
Na prévia de pouco mais de dois minutos vemos os velhos Wolverine e Charles Xavier (Patrick Stewart) ao lado da jovem X-23 (Dafne Keen)  se conectando enquanto são perseguidos pelos Carrascos de Donald Pierce (Boyd Holbrook), confira:



Dirigido por James Mangold, o mesmo de Wolverine: Imortal, e escrito por Michael Green e Scott Frank, Logan estréia em 2 de março prometendo ser a despedida de Jackman do papel.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Resenha Blu-Ray: Meu Amigo, O Dragão


No ano passado eu gostaria de ter ido assistir uma série de filmes no cinema e não consegui.
Fosse pelos horários de exibição, ou pela ausência de cópias em idioma original, ou apenas por estar cansado da falta de educação dos frequentadores de cinema hoje em dia, eu me privei de fazer uma das coisas que eu mais gosto:
Comprar o ingresso, o refrigerante e o chocolate, e sentar na sala escura pra ver um filme em tela grande, com som alto e total e absoluta imersão.
Nem consigo me lembrar e quantos filmes deixei de assistir em 2016 porque o cinema não me ofereceu as condições.
Mas me lembro, claramente, que Mogli: O Menino Lobo, foi um deles.
E me lembro que, ao assistir ao filme em casa, fiquei um tanto quanto ressentido por não tê-lo visto como se deve. Com a pompa e a circunstância de uma poltrona reclinável com porta-copos e o carimbo no ingresso antes da entrada da sala...
Ontem assisti outro filme que me doeu não ter visto no cinema:
Meu Amigo, O Dragão.
Outra refilmagem de uma animação clássica da Disney com atores (certamente com mais atores em cena do que Mogli, diga-se de passagem), o longa conta a história do pequeno Pete (Levi Alexander), que durante uma viagem de verão para as florestas do noroeste dos EUA sofre um acidente que custa a vida de seus pais, mas não a sua.
Conseguindo sair do automóvel capotado, o guri vaga pela floresta até ser cercado por uma alcateia. Quando os lobos famintos se preparam para o ataque, uma enorme criatura surge do meio das árvores.
Um dragão que sem esforço afugenta os lobos e gentilmente acolhe Pete.
Seis anos mais tarde, Pete (Agora Oakes Fegley) e o dragão, chamado de Elliot, vivem na floresta à sua própria maneira. Os dois são melhores amigos e passam o dia explorando a mata em busca de pequenas aventuras como perseguir um coelho ou afugentar um urso pardo, saltar de altos despenhadeiros e ler o livro favorito de Pete, "Elliot se Perde", de onde vem o nome do dragão.
Nas profundezas da mata os dois construíram um lar numa caverna sob uma imensa árvore, e lá, vivem em paz, evitando a presença dos humanos que volta e meia aparecem no lugar, como a guarda florestal Grace (Bryce Dallas-Howard), uma engajada protetora da natureza ou os lenhadores que trabalham com os irmãos Gavin (Karl Urban) e Jack (Wes Bentley), donos da madeireira local.
O sossego de Pete e Elliot acaba quando Gavin decide cortar madeira mais para dentro da floresta, causando a ira de Grace e obrigado Jack a acalmar os ânimos entre os dois, enquanto os três discutem, Pete, que observa à distância é visto pela pequena Natalie (Oona Laurence).
Não tarda para que Pete seja pego por Grace, obviamente preocupada com uma criança feral vivendo sozinha na floresta, e levado de volta à civilização.
E enquanto Gavin e os outros lenhadores começam a vasculhar a área onde Pete foi encontrado, deparando-se com vestígios da existência de alguma outra coisa vivendo lá, Grace começa a se perguntar como Pete sobreviveu na floresta por seis anos, algo que a leva a revisitar as histórias contadas por seu pai, Meecham (Robert Redford), que há anos sustenta a existência de um dragão nas matas ao redor da cidade.
Enquanto Grace tenta descobrir de onde Pete veio e como sobreviveu na floresta, Gavin e seus colegas começam uma caçada pelo dragão de Millhaven.
É bom ver que Hollywood ainda produz filmes como Meu Amigo, O Dragão.
O longa é carregado daquela ingenuidade e pureza que foram regra da Disney em suas animações do passado, ao mesmo tempo em que oferece uma deliberada negligência para com que seria uma fórmula mais comercial.
O longa não está preocupado com a trama. A trama é secundária.
Meu Amigo, O Dragão parece infinitamente mais interessado na relação entre Pete e Elliot, e Grace, e Natalie, e entre Grace e Meecham, e até entre Gavin e Jack, do que em dar espetáculo, e esse compromisso para com a inocência e a leveza é sentido na forma como a audiência se preocupa com Pete e seu dragão-cachorro, uma brilhante criação em CGI, com movimentos perfeitos, pelo ondulando naturalmente, e olhos repletos de personalidade que imediatamente nos fazem pensar em nosso animal de estimação...
É um daqueles filmes que não tem um grande lançamento, nem criam grande alarde na mídia especializada, mas que têm tanto coração que é impossível não se sentir tocado com o trabalho do diretor e co-roteirista David Lowery e Toby Halbrooks, que trabalham o script original de Seton Miller, S.S. Field e Malcolm Marmorstein.
Cheio de qualidades técnicas, de carisma e boas atuações do elenco (em especial Howard e Redford), e com toneladas de coração, tu tem que estar morto por dentro pra não gostar de Meu Amigo, O Dragão.
O longa certamente vale a locação, e garante 102 minutos de lágrimas e calidez que, ao contrario do dragão Elliot, não desaparecem à vontade.
Reconecte-se com sua criança interior e divirta-se.

"-Por quanto tempo ele ficou lá?
-Seis anos.
-Ninguém sobrevive seis anos naquela floresta. Não, sozinho."

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Olhos nos Olhos


-Eu me sinto à vontade assim contigo: Pode me perguntar qualquer coisa. Qualquer coisa. Qual-quer coi-sa - Ela disse assim, pausando cada sílaba, enquanto olhava direto nos olhos dele.
Ele se sentia, pra ser bem franco, um pouco incomodado quando ela entrava naquelas de olhar direto nos olhos.
Não que não gostasse do contato olho no olho.
Gostava.
Mas gostava quando era algo casual. Quando conversavam casualmente e ele se pegava perdido nos olhos dela.
Isso ele achava legal.
Quando ela entrava em "modo de combate" e transformava os olhos em armas, aí ele francamente se sentia meio desconfortável, mas ainda assim, gostava dela.
Talvez gostasse muito.
Quiçá a amasse.
E suportava essas coisas.
-Que bom... - Disse, incerto, sorrindo amarelo.
-Não,não - Ela disse. -Tu não tá entendendo. - Reforçou:
-Qualquer coisa.
Ela parecia o Robin Willians inticando com o psicológico do Matt Damon no final do Gênio Indomável. Qual era a dela?
-Eu entendi. - Ele disse, sorrindo de lado.
Percebeu que repetia a expressão corporal e facial do Will Hunting. Ficou preocupado. Será que ela o faria se desmanchar em lágrimas?
-Pode perguntar. - Ela encorajou.
-Quando eu pensar em uma pergunta, pode deixar que eu vou fazer. - Ele assegurou, reforçando sua posição pegando a mão dela e chacoalhando de leve.
Ela não pareceu satisfeita, porém.
Sem aviso disse:
-Eu me masturbei pro Alan Rickman.
Ele ergueu as sobrancelhas sem dizer nada.
Aquilo fora inesperado.
-Quê?
-Eu me masturbei pro Alan Rickman. O Severo Snape. - Ela disse, com a naturalidade de quem não se envergonha, mas a expressão solene de quem sabe que não agiu dentro da normalidade.
Ele continuava sem entender:
-Tu te masturbou vendo Harry Potter?
-Não! - Ela disse, revoltada como se aquela fosse uma ideia demasiado transgressora até pra ela.
-Que horror, não... - Completou.
-Mas tu disse - Ela não o deixou completar.
-Eu disse "Alan Rickman", só mencionei o Severo Snape pra tu saber quem era...
-Eu sabia quem era... Mas enfim... Hã... Ao vivo? - Ele perguntou.
-Não, tonto... Eu fiquei com tesão vendo ele num filme... - Ela explicou.
Ele fez um "hmmm" de fingida compreensão, mas não disse mais nada.
Ela seguiu:
-Era um filme de caubói. Com o Magnum...
-O Tom Selleck? - Ele perguntou.
-É... - Ela assentiu. -Também é lindão.
Ele estranhou tudo naquelas últimas palavras, mas não disse nada, ela, porém, parecia empolgada com o assunto:
-O Tom Selleck chegava na Austrália pra cuidar de um rancho, e o rancheiro era o Alan Rickman. Ele usava uma roupa toda preta... Chapelão, e era malvado...
-Parece mesmo um sonho... - Ele disse, casual.
-E eu não sei - Ela continuou -Mas acho que a ambientação, a voz, a roupa... Aquilo tudo me deixou excitada. E eu me toquei, e quando vi, estava me masturbando pensando no Alan Rickman. Dali pra frente, toda a vez que eu via ele num filme, me vinha uma lembrança algo envergonhada à mente. Uma mistura de vergonha e tesão... Sei lá. Não conseguia evitar. Quando ele morreu foi um lance conflitante pra mim. Comiseração e vergonha. Porque agora ele sabia o que eu tinha feito...
-Tu contou pra ele? - Ele quis saber, confuso.
-Quê? - Ela não entendeu.
-Como é que ele ficou sabendo que tu tinha... feito... Batido, se... Enfim, o que tu tinha feito?
-Ele morreu, oras. - Ela disse, como se fosse uma obviedade.
-Tá, mas e daí?
-E daí que quando tu morre eu acho que tua alma fica sabendo dessas coisas... - Ela explicou, dando-se conta que não sabia, de fato, se era assim que a coisa toda funcionava.
Eles ficaram ali sentados, um de frente pro outro sem dizer nada.
Ele percebeu, porém, que ela esperava alguma coisa dele.
Havia se exposto com a intenção de receber algo. Era uma troca, e, a contragosto, ele deveria oferecer seu quinhão:
-Eu bati uma pra Madonna... - Disse.
Ela o encarou com algum desapontamento. Ergueu uma das sobrancelhas bem alto, mas manteve as pálpebras à meia altura numa expressão que poderia ilustrar o verbete "desdém" na enciclopédia Basca.
-Sério? - Disse.
-O que? Eu tô te confessando um lance estranho meu na mesma toada do que tu me disse... - Ele se defendeu.
-Ah, pára... Madonna... Nada mais normal. Um monte de caras deve ter batido uma pra Madonna... - Ela disse, desapontada. -Gurias, também, diga-se de passagem. Na Cama com Madonna... Erotica... - Enumerou.
-American Pie... - Ele disse.
-O filme? - Ela perguntou, fazendo uma careta.
-Não, a música... - Ele corrigiu. -Bom, o clipe da música. - Explicou.
-Tem música? - Ela quis saber.
-Sim...
-Quem canta?
-A Madonna, ué... - Ele disse, como se fosse uma obviedade, encolhendo os ombros.
-Credo, a Madonna já foi mais seletiva com os filmes dela...
Ele percebeu a confusão que se desenrolava:
-Não. Nada a ver com o filme American Pie. É a música American Pie... Sabe, "bai, bai, missamerwican pai..." - Cantarolou enrolando o inglês.
-Ah! Conheço... É da Madonna essa música? - Ela perguntou.
-Ela gravou uma versão.
-E como é o clipe?
-É a Madonna cantando e dançando entrecortado por umas pessoas na frente da bandeira dos Estados Unidos...
O rosto dela se retorceu numa careta de divertido pavor:
-Guris se masturbam pras coisas mais estranhas...
-Não... Não era... Eu não tava fazendo pras pessoas... Era pra Madonna. - Ele explicou. -E quem toca uma siririca pro Hans Grübber caubói não tem direito de julgar a inspiração masturbatória de ninguém. - Ele sentenciou ofendido.
-Tá, desculpa... -Ela disse, erguendo as mãos como quem se rende. -Ela tava toda de couro e tal?
-Não... Calça jeans e blusinha azul, eu acho... - Ele puxou pela memória. -Mas sei lá. Naquela época ela tava super atlética. Uma delícia. E de jeans, blusa de alcinha, cabelo solto, sem sutiã... E ela dança no clipe e os seios dela balançam... E tu sabe, eu não sou um homem de peitos...
-Eu sei... - Ela disse, cobrindo os próprios.
-Ainda assim, o movimento dos seios da Madonna naquele clipe me levaram a-
-Descabelar o palhaço. - Ela interrompeu.
-Onanismo... - Ele corrigiu.
-Ou isso.
Ficaram os dois ali, parados. Evitando o contato visual direto.
Será que era isso? Bastava se abrir um pouco, contar uma bobagem íntima um pro outro e tudo desmoronava? Não se sentia, de fato, tão à vontade um com o outro...
Imagine se fossem grandes segredos... Graves revelações.
Aquela era uma relação fadada ao fracasso?
Ela olhou pra ele, quase como se pudesse ouvir o que ele pensava.
Sorriu de lado, algo maliciosa:
-Eu posso ver a guria tentando provar a inocência que coloca o colar de diamantes no puma e tu o advogado certinho que me dá uma carona...
Ele sorriu de volta:
-Eu acho que prefiro que tu seja a secretária vadia e eu seja o dono da empresa que tu quer seduzir.
Os dois riram, se aproximaram olhando nos olhos um do outro, e se beijaram.
Talvez houvesse, afinal de contas, esperança pra aqueles dois esquisitos.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Resenha Filme: O Invasor Americano


Provavelmente meu documentarista favorito, Michael Moore andou meio sumido durante a administração Obama. Seu prolífico período de produção durante a administração do presidente norte-americano George W. Bush, que rendeu o sensacional Tiros em Columbine, e os ótimos Farenheit 9/11 e Sicko: SOS Saúde parece ter cansado o homem, que não lançou um filme entre 2009, ano de lançamento do também ótimo Capitalismo: Uma História de Amor e 2015, quando esse O Invasor Americano (no título original Where to Invade Next, ou Onde Invadir a Seguir?) foi lançado nos EUA em festivais, ganhando lançamentos em circuitos reduzidos ao redor do mundo ao longo de 2016.
O Brasil, como era de se esperar, ficou de fora do circuito de lançamento.
Não me lembro do último documentário a aparecer em salas de cinema do Brasil em geral, afinal, os cineplexes têm que ter espaço para os filmes nacionais que a Globo vai transformar em mini-série depois de dois meses, comédias com Adam Sandler e os irmãos Wayans, e filmes de terror estilo "filmagem encontrada".
Por sorte, existe a Netflix, baby.
E no sábado, por mero acaso, esbarrei com O Invasor Americano, do qual já ouvira falar, na lista de adições recentes do serviço de streaming.
No documentário Moore nos conta que foi chamado ao Pentágono pelo Departamento de Defesa dos EUA. Lá, ele se encontrou com representantes das Forças Armadas norte-americanas que, humildemente reconheceram que todas as guerras nas quais os EUA se envolveram depois da Segunda Guerra Mundial foram um fiasco sem serventia, e lhe pedem por conselhos.
Moore, então, se oferece para realizar uma operação de invasão de um homem só, indo à países "populados por caucasianos dos quais ele consegue pronunciar a maioria dos nomes", e pegar as coisas que tais países possuem e levar para os Estados Unidos.
Viajando para a Europa e o norte da África de carona a bordo do U.S.S. Ronald Reagan, Moore começa sua operação na Itália, onde investiga as razões para que os italianos sempre pareçam ter acabado de fazer sexo.
Ao constatar que muito da aparência sorridente e bronzeada dos habitantes da península itálica se devem ás quatro semanas de férias remuneradas (para nós é praxe, para os americanos, um luxo inexplicável), duas horas diárias de almoço que permitem que os trabalhadores vão pra casa comer refeições caseiras, mais uma quantidade enorme de feriados nacionais, além da licença maternidade remunerada, e após conversar com um casal de trinta e poucos formado por um policial e uma vendedora de roupas que passam férias em lugares como Miami e Zanzibar, os donos de uma confecção e o CEO da Ducati, que defendem que funcionários felizes e bem tratados são bons para a cadeia produtiva, Moore finca a bandeira dos EUA no chão da fábrica reclamando tais ideias para seu país.
A mesma coisa se repete na França, onde Moore é confrontado pelo cardápio de iguarias preparadas para o almoço das crianças nas escolas públicas da Normandia, ou nas escolas finlandesas, onde a diminuição das lições de casa e a erradicação das provas padronizadas (tais como o ENEM) aliadas ao aumento da autonomia e do tempo livre dos alunos fez o país saltar do vigésimo nono para o primeiro lugar no ranking mundial de qualidade da educação, ou ainda na Eslovênia, onde, não apenas há ensino superior gratuito, mas também é ilegal cobrar por educação nas universidades.
Moore vai aprender, também nas prisões da Noruega, praticamente colônias de férias onde a reabilitação é mais importante do que a punição dos detentos (e onde o índice de homicídios é um dos mais baixos do planeta).
Também na seara da segurança está Portugal, onde a questão das drogas deixou de ser tratada como um assunto de polícia, passando a ser vista como saúde pública, reduzindo o número, não apenas de prisões relacionadas a drogas, mas também de usuários.
O cineasta também investiga o sistema de saúde pública pela ótica dos operários da Alemanha, onde ainda se fala a respeito da educação, e de como os alemães, ainda na escola, falam sobre o Holocausto, reconhecendo a tragédia, e a entendendo.
Na Tunísia, Moore descobre como a revolução que ocorreu no país em 2011 colocando um partido islâmico no poder quase barrou a garantia de direitos igualitários para homens e mulheres da nova constituição, algo que não ocorreu graças às grandes manifestações populares que forçaram os clérigos a abrir mão da intrusão religiosa no Estado, enquanto na Islândia nós ficamos sabendo que as únicas empresas que escaparam da falência na crise de 2008 eram geridas por mulheres que, de lá pra cá, ganharam cada vez mais voz na política e na economia, enquanto os czares financeiros que, nos EUA, foram salvos da destruição da economia com dinheiro público, no país escandinavo, foram presos.
Em cada um desses países, Moore aprende algo, uma nova ideia que ele gostaria de levar de volta ao seu país e vê-la posta em prática.
Assim como os trabalhos anteriores de Moore, O Invasor Americano é um filme divertidíssimo. Moore é um tremendo contador de histórias, e sabe dosar o humor em seus filmes de modo a garantir que a experiência sempre seja prazerosa.
É muito fácil acusá-lo de fazer espetáculo, tomar partido e dourar a pílula dos pontos de vista que considera mais válido.
O próprio Moore reconhece isso, conforme avisa, no início do filme que cada um dos países visitados tem sua cota de problemas, mas que ele está lá para "colher as flores, e não as ervas daninhas", ou quando o filme é rotulado, não como um documentário, mas sim como uma comédia.
O filtro deve ser responsabilidade do espectador, e não do cineasta, Moore apenas expões seus pontos de vista de maneira extremamente divertida, criando duas horas de entretenimento que, na pior das hipóteses, ao menos vão mostrar um ponto de vista diferente do teu.
O Invasor Americano é uma janela que Michael Moore abre para que seus compatriotas (e não apenas eles) vejam o mundo e seu próprio país por outro prisma.
Um filme provocativo, otimista cheio de ideias, e que convida à discussão, ao aprendizado e afirma que sim, nós podemos fazer melhor.
Altamente recomendado.

"Eu sou americano. Venho de um grande país que nasceu do genocídio e foi construído nas costas de escravos."

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Resenha DVD: Gênios do Crime


Eu sou um fã de Jared Hess.
Talvez o único além da mãe dele...
Gosto dos filmes do sujeito. Napoleon Dynamite, Nacho Libre, Gentleman Broncos, gostei de todos.
Teria assistido Don Verdean se o filme tivesse aparecido no Brasil nas salas de cinema, streaming ou em home video, o que ainda não aconteceu, e, se soubesse que era dirigido por ele, não teria perdido a chance de ver Gênios do Crime em sua curtíssima passagem pelos cinemas em fins de setembro.
Não sei ao certo por que não fui ver o filme. Realmente não lembro.
Talvez tenha sido pela presença de Owen Wilson, com quem o último bom filme que assisti foi Meia-Noite em Paris...
Talvez tenha sido um momento de muitos filmes em cartaz ou o seriado do Luke Cage, não sei... Eu sei que Gênios do Crime me passou completamente batido nos cinemas e eu até ergui as sobrancelhas ao vê-lo na locadora como quem diz "Aaaaaah, é...".
Apanhei a caixa por curiosidade mórbida e só ao ver o nome de Jared Hess nos créditos foi que resolvi arriscar e alugar o filme, que conferi ontem à noite.
Em Gênios d Crime conhecemos David Ghantt (Zach Galifianakis), um simplório sujeito da Carolina do Sul que trabalha como motorista na Loomis Fargo, uma empresa de transporte de valores.
David é um bom homem, modesto e gentil, prestes a se casar com Jandice (Kate McKinnon), mas que nutre uma paixão platônica pela colega Kelly (Kristen Wigg), uma avoada aspirante a cantora.
Quando é demitida da Loomis Fargo por incompetência Kelly vai morar de favor na casa de Steve Chambers (Owen Wilson), um trambiqueiro local, que, assistindo ao noticiário, tem a brilhante ideia de realizar um assalto na empresa, algo que só pode ser feito com a ajuda de alguém de dentro.
Esse alguém é David.
Kelly é convencida por Steve a aproveitar-se da paixonite do pobre motorista para trazê-lo a bordo da empreitada. Se ele inicialmente está bastante resistente em tomar parte em um grave delito federal, não tarda para que os encantos de Kelly vençam sua decência e ele esteja enchendo uma van com maços de dinheiro (numa sequência particularmente hilária), para, logo em seguida, fugir para o México e esperar por Kelly enquanto a poeira baixa e Gepetto (para se manter incógnito Steve usa erroneamente o codinome Gepetto, por ser "aquele que puxa os cordões") toma conta do dinheiro do golpe, mais de dezessete milhões de dólares.
Infelizmente para David, Steve não tem nenhuma intenção de honrar o acordo e dar a parte de David, pelo contrário, ele inicialmente envia a polícia no encalço de seu cúmplice, e, quando isso falha, ele envia o assassino de aluguel psicopata Mike McKinney (Jason Sudeikis) para dar cabo do problema enquanto se refestela nos milhões obtidos com o golpe.
David se vê subitamente ao sul da fronteira sem dinheiro, perseguido pela Interpol e por um matador profissional, e, mais importante, apartado da mulher que ama, tentando encontrar uma forma de virar o jogo e se vingar das pessoas que o traíram.
Eu vou confessar que adoro essas comédias sobre bandidos idiotas que se julgam poderosos enxadristas do crime.
Poucas pessoas conseguem aproveitar tão bem essa qualidade de personagem quanto os irmãos Coen (seus Queime Depois de Ler e especialmente Fargo são os melhores exemplos que me vêm à mente desse tipo de filme), mas Jared Hess faz um ótimo trabalho em Gênios do Crime.
Provavelmente porque o tipo de cinema praticado pelo cineasta é imbuído de uma inocência genuína que faz muito bem aos personagens.
Nas mãos de outro diretor, David, Kelly e especialmente Mike McKinney poderiam ser personagens forçados com quem nós não saberíamos nos relacionar, e isso seria a ruína do longa.
Com Hess, David se torna um simplório de coração puro por quem somos capazes de torcer quando o vemos andando vestido com uma brilhante roupa de caubói pelas ruas do México ou fugindo dos EUA com a mesma peruca de Sam Rockwell em Gentleman Broncos e lentes de contato de cobra (Eu gostei. É como se Jesus tivesse tido um filho com um gato, diz David). Nós esperamos pelo momento em que Kelly vai se arrepender de ter tramado contra seu ex-colega, e o arco do perigoso McKinney é simplesmente genial demais para eu me atrever a dar spoilers.
Não me entenda errado, Gênios do Crime não é um filme brilhante, e está cheio de problemas, o roteiro de Chris Bowman, Hubbel Palmer e Emily Spivey se alonga demais e por vezes parece excessivamente orgulhoso de si para saber a hora de fechar a conta e se encaminhar para seu desfecho, prejudicando o ritmo do filme e o impedindo de ser ótimo, mas incapaz de fazê-lo deixar de ser divertido e, por vezes, inspirado.
Com um ótimo elenco sem nenhum pudor em fazer papel de idiota e abusar da comédia física, Gênios do Crime é uma dessas comédias idiotas na superfície e espertas em seu âmago na linha de O Âncora, Os Outros Caras e Napoeon Dynamite que certamente encontra seu cantinho nas afeições dos fãs de comédia.
Uma ótima pedida pra um domingo à noite, certamente vale o preço da locação.

"Bonnie precisa da sua Clyde..."

Resenha DVD: O Homem nas Trevas


Eu geralmente tenho os dois pés atrás com filmes de horror/suspense de baixo orçamento que fazem fortunas em bilheteria e se tornam fenômenos.
Atividade Paranormal, Uma Noite de Crime, e outros subprodutos do gênero que fazem uma receita mais do que decente para um orçamento modestíssimo são o tipo de coisa que eu nem consigo assistir por inteiro. Uma hora e meia de má atuação, parte técnica pobre e sustos baratos estão longe do patamar do que eu considero minimamente atraente em termos de cinema.
Esses filmes sempre encontrarão seu público porque... Francamente, olhe o público do cinema hoje em dia. Pra um bando de apedeutas incapaz de passar duas horas em silêncio sem parar de mexer no telefone, um produto fragmentado e parcialmente digerido é a epítome do deleite.
Poder ver um filme conversando com os amigos no whats app e postando fotos no instagram e ainda entender tudo o que está rolando deve ser a glória pra um acéfalo desprovido de capacidade de imersão ou concentração.
É por essas e outras que eu não estava particularmente interessado em O Homem nas Trevas, longa do diretor Fede Alvarez, retomando a parceria com o produtor Sam Raimi do remake de A Morte do Demônio.
O filme, porém, além de vasto sucesso de bilheteria, também recebeu críticas elogiosas. Tinha mais elenco do que a média das fitas de terror descartáveis de sempre, trazendo Dylan Minette, de Os Suspeitos e Goosebumps: Monstros e Arrepios, a gatinha Jane Levy, colaboradora de Alvarez na refilmagem de A Morte do Demônio, e Stephen Lang, o coronel Miles Quaritch de Avatar.
Foi em parte por isso que eu resolvi dar uma chance ao filme no preguiçoso e calorento primeiro final de semana de 2017.
No filme conhecemos Alex (Minette), um jovem cujo pai tem uma empresa de segurança que garante acesso a chaves de casas nos subúrbios de Detroit.
Junto com os amigos Money (Daniel Zovatto) e Rocky (Levy),Alex comete pequenos furtos nas residências em busca de eletrônicos, jóias e relógios caros que possam ser vendidos rendendo algum dinheiro.
O esquema é bem-sucedido, mas apenas até certo ponto.
Rocky tem uma irmã pequena a quem deseja tirar de casa e da influência da mãe alcoólatra e abusiva. Ela e Money planejam viajar para a Califórnia e viver lá, mas, para isso, precisam de muito mais do que têm conseguido.
A chance desse golpe surge quando Money recebe uma dica:
Um solitário veterano da Guerra do Golfo teria recebido uma polpuda indenização pela morte da filha após um atropelamento anos antes.
Esse dinheiro estaria guardado na casa do homem, um sobrado dilapidado na parte pobre de Detroit, numa casa sem vizinhos próximos. A melhor parte?
O sujeito em questão (Lang) é cego.
Bastaria entrar na casa, pegar trezentos mil dólares, dinheiro que mudaria para sempre a vida dos três e sair.
Se inicialmente Alex não está de acordo com a ideia (ele sabe a diferença entre furtar meia dúzia de bugigangas da casa de famílias endinheiradas e roubar uma vultuosa soma em dinheiro vivo da casa de um cego), seu amor platônico por Rocky logo faz com que ele mude de ideia e tome parte no plano. Uma decisão que se torna mais questionável, e perigosa, à medida em que descobrimos que os três jovens subestimaram sua pretensa vítima.
O Homem nas Trevas surpreende e funciona.
Fede Alvarez e o diretor de fotografia Pedro Luque fazem um excepcional trabalho na hora de definir a geografia da ação.
Um fator fundamental do cinema que frequentemente é escanteado por realizadores menos espertos que tremelicam a câmera e usam cortes rápidos para induzir a sustos fáceis, saber onde a ação acontece oferece um senso de urgência que faz maravilhas por um filme.
Pense em Mad Max: Estrada da Fúria, ou no primeiro Invocação do Mal, nenhum dos dois filmes, especialmente o segundo, seria o que é sem o apurado senso de localização dos personagens na hora da ação.
Alvarez e Luque sabem disso, e estabelecem rapidamente a distribuição dos cômodos da casa do Homem Cego para que, quando Money, Alex e Rocky estejam lá dentro, nós saibamos exatamente pra onde eles estão indo, e para que quando eles se vejam presos no labirinto de estantes do porão, nós também fiquemos enclausurados e confusos.
Ajuda o filme o fato de Jane Levy ser uma atriz competente tanto para demonstrar terror e tenacidade em igual medida, e Stephen Lang ser um intérprete de fundamento, capaz de oferecer camadas de personagem e ameaça física em igual medida.
Claro, esses dois personagens são os que mais recebem material para trabalhar do roteiro de Alvarez e Rodo Sayagues Mendez.
Ainda que seja rápido e rasteiro, nós conhecemos as motivações de Rocky e, mais adiante, as do Homem Cego para suas ações.
Ter espichado um bocadinho a econômica metragem do filme (88 minutos) e oferecido a mesma deferência a Alex e Money poderia ter beneficiado o longa ao nos oferecer alguma razão para nos importarmos com os dois personagens e deixá-los com menos cara de acessório.
Talvez, até mesmo substituir um pouco da busca por choque do terceiro ato por mais desenvolvimento de personagens pudesse ter servido melhor ao longa, já que, conforme o filme se encaminha para o seu final, muito da tensão claustrofóbica do início se perca, ainda assim, O Homem nas Trevas se sustenta, garantindo que a audiência continue presa ao filme, que, como conto moral, opondo duas pessoas cujas decisões reprováveis colocaram como inimigos definitivos em uma parte isolada de uma cidade moribunda, funcionava melhor do que como filme de horror tradicional.
Ainda assim, o talento de Fede Alvarez, Jane Levy e Stephen Lang mantém a coisa funcionando, e a audiência na ponta da cadeira até o fim do longa.
Ótima pedida aos amantes de cinema sem paciência pra terrores/suspenses fáceis, obrigatório para os fãs do gênero.
Certamente vale a locação.

"-É meio ferrado roubar de um cara cego, não é?
-Só porque ele é cego não significa que ele é um santo, mano."