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quinta-feira, 26 de abril de 2018

Resenha Cinema: Vingadores: Guerra Infinita


E então houve um dia. Um dia como nenhum outro. Quando os heróis mais poderosos da Terra se uniram contra uma ameaça em comum...
Tudo bem, à essa altura já houveram ao menos outros dois desses dias, mas a verdade é que jamais existiu uma ameaça de escala tão imensa quanto Thanos.
É bom estar com o Universo Cinemático Marvel em dia quando se entra na sala escura para assistir a Vingadores: Guerra Infinita. O longa, afinal de contas, é mais uma sequência direta na maior série de filmes da história do cinema que chega ao seu décimo-nono capítulo sem nenhuma pretensão de servir àqueles que não assistiram os outros dezoito filmes, ou, ao menos, se informaram a respeito deles.
A Marvel deixou bem claro, desde que Nick Fury apareceu na casa de Tony Stark em Malibu, que esse universo é interconectado de formas jamais vistas no cinema, (mas que são bastante tradicionais para leitores quadrinhos) e que esses personagens e suas aventuras ocupam o mesmo universo e, idealmente, reverberam uns nas histórias dos outros. E é por isso que Guerra Infinita é uma sequência direta de Capitão-América: Guerra Civil, e Homem-Aranha: Volta ao Lar, e Guardiões da Galáxia - Volume 2, e, Thor: Ragnarok.
O longa, como se pode imaginar, abre imediatamente após a sequência pós-créditos do terceiro longa metragem do Deus do Trovão, quando a nave de Thanos (Josh Brolin), a Santuário, ataca o transporte dos sobreviventes de Asgard onde estavam Thor (Chris Hemsworth), Loki (Tom Hiddleston), Heimdall (Idris Elba), e o Hulk (Mark Ruffalo).
Thanos quer o Tesseract, também conhecido como a Joia do Espaço, pois chegou o momento de o vilão dar o passo derradeiro em seu plano de exterminar metade da população do universo: Juntar as seis joias do Infinito, cujas localizações ele finalmente conhece.
O titã insano chega chutando a porta e dando seu cartão de visita de maneira dolorosamente clara: Ele é a maior ameaça que os Vingadores já enfrentaram.
E é com esse cartão de visitas que Bruce Banner chega à Terra para reunir os Vingadores e iniciar um plano de defesa que precisará do apoio de todos os heróis disponíveis. O Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) e Wong (Benedict Wong) são os primeiros a receber o alerta, já que guardam a Joia do Tempo no Olho de Agamotto, Tony Stark (Robert Downey Jr.) precisa frear seus planos de levar uma vida mais normal com Pepper Potts (Gwyneth Paltrow), e Peter Parker, o Homem-Aranha (Tom Holland) precisa cabular uma excursão escolar, pois logo depois da chegada de Banner a Ordem Negra, formada por alguns dos Filhos de Thanos chega à Terra e o pau começa a cantar em vários frontes.
Como se pode imaginar Visão (Paul Bettany) é um alvo primário, já que o sintozoide tem a Joia da Mente em sua testa, suas férias na Escócia com Wanda Maximoff, a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) são interrompidas por outro ataque. Enquanto Fauce de Ébano (Tom Vaughan-Lawlor) e Cul Obsidian (Terry Notary) tocam o terror em Nova York, Próxima Meia-Noite (econômica voz de Carrie Coon) e Corvus Glaive (ainda mais econômica voz de Michael James Shaw) tentam extrair a joia do Visão durante um brutal ataque em Edimburgo.
Não é apenas na Terra que as coisas estão complicadas, porém.
No espaço, os Guardiões da Galáxia Peter Quill (Chris Pratt), Gamora (Zoe Saldaña), Drax (Dave Bautista), Rocket (Bradley Cooper), Groot (Vin Diesel) e Mantis (Pom Klementieff) encontram o deus do trovão, e, ao tomarem conhecimento do avanço de Thanos em seus propósitos, decidem interceptar o titã antes que ele pegue a Joia da Realidade com o Colecionador (Benicio Del Toro), a equipe, porém, se separa, com Rocket e Groot levando Thor para outro ponto da galáxia onde ele tem uma demanda própria para atender, enquanto, na Terra, os Vingadores finalmente se reúnem quando Steve Rogers (Chris Evans), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Falcão (Anthony Mackie) se juntam ao Máquina de Combate (Don Cheadle) e partem para Wakanda, onde esperam que Shuri (Letitia Wright) seja capaz de remover a gema de Visão sem matá-lo, e, que as forças do rei T'challa, o Pantera Negra (Chadwick Boseman), sejam capazes de conter a ofensiva de Thanos. Mas será que os esforços desses heróis será o suficiente para impedir o avanço do titã e parar sua sede genocida por poder?
Sem sombra de dúvida o mais ambicioso projeto do Marvel Studios desde Os Vingadores, em 2012, Guerra Infinita já seria um triunfo apenas por ser capaz de balancear de maneira digna um longa que tem uma dúzia de protagonistas, ao menos uns trinta personagens importantes, um sem-número de coadjuvantes interessantes e um vilão que a audiência mal e mal tinha visto em ação no centro do picadeiro.
Porque, apesar das dúvidas de muita gente, inclusive eu, durante a divulgação do filme, a verdade é que Thanos é o protagonista de Guerra Infinita de fato. O personagem deixa suas motivações e afeições tremendamente claros enquanto coloca os maiores heróis da Terra de joelhos em sua inexorável marcha rumo ao genocídio intergaláctico e tem uma presença aterrador em sua tranquilidade.
Por mais que não concordemos com Thanos (e, na verdade, eu meio que concordo...), a lógica sombria de seu discurso é inegável, e seu comprometimento para com sua meta, e os sacrifícios, inclusive pessoais, que ele está disposto a fazer em nome dessas metas, é quase comovente. O antagonista tem a clareza que falta à maioria dos heróis que se opõe a ele, e, na tradição dos melhores vilões, se vê como o herói de sua própria história.
Ajuda o fato de Brolin ser um baita ator e mesmo sob a carranca roxa de Thanos ser perfeitamente reconhecível. O trabalho da equipe de efeitos visuais no que tange ao CGI do personagem é de deixar os fãs de queixo caído e o pessoal dos efeitos visuais do Lobo da Estepe em Liga da Justiça envergonhado.
Christopher Markus e Stephen McFeely se esforçam equilibrar as interações de tantos personagens e tocar a história adiante sem deixar que o filme se torne chato, entrecortando cada chegada a um novo ambiente e o falatório expositivo obrigatório que se segue com uma boa sequência de ação.
As lutas de Stark, Parker, Estranho e os Guardiões da Galáxia contra Thanos, em Titã, e a resistência dos Vingadores contra a Ordem Negra em Wakanda certamente são as melhores, mas realmente são as interações entre os personagens que fazem com que Guerra Infinita seja tão maneiro.
Se à certa altura o festival de tiração de sarro do conluio entre Homem de Ferro, Homem-Aranha e Senhor das Estrelas começa a encher o saco, ver Bruce Banner tentando se atualizar conforme reencontra seus amigos após dois anos de arena em Sakaar é quase tão bacana quanto ver Thor formando uma amizade genuína com Rocket. O deus do trovão, por sinal, tem um dos melhores, senão o melhor arco entre os heróis do filme, e não é injusto dizer que finalmente se torna o "Superman da Marvel" que Walter Simonson idealizou durante sua fase à frente do personagem nos quadrinhos.
Nem tudo são flores, porém. Há uma clara dificuldade em manter o roteiro redondinho pra todo mundo. Visão e Feiticeira Escarlate ganham um arco de desenvolvimento emocional bastante competente (para os padrões da Marvel) enquanto o Pantera e a Viúva Negra fazem pouco mais que figuração de luxo. Robert Downey Jr., obviamente está sob os holofotes, embora Benedict Cumberbacth atue em pé de igualdade com o precursor do MCU, inclusive roubando um pouco de cena nas interações entre os dois maiores egos do universo Marvel estabelecido. Chris Evans deve ter umas doze falas, mas é legal vê-lo como o sujeito que permanece disposto a arriscar tudo para fazer o que é certo e estar em paz com sua consciência.
A despeito de eventuais tropeços, porém, Guarra Infinita segue louvável. Não apenas por se esforçar para dar a cada personagem um momento ao sol em meio ao monstruoso elenco (que ainda tem Danai Gurira, Sebastian Stan, Karen Gillan, William Hurt, Winston Duke, Jacob Batalon, Peter Dinklage, Samuel L. Jackson e Cobbie Smulders), ou por contar a história a que se propõe sem se segurar, mas também por não ter medo de entregar um final melancólico, quase doloroso em seus quinze minutos finais.
De muitas maneiras, a ideia de que Vingadores: Guerra Infinita é um filme separado do vindouro Vingadores 4 é uma falácia. Talvez a principal delas seja pelo fato de que muitas e muitas pontas terminam soltas, e fica evidente que aquela história irá continuar antes mesmo de uma cena pós-créditos nos esfregar isso na cara (há apenas uma cena pós-créditos, e não é uma trollada como algumas outras vinham sendo).
Ainda assim, eu entendo porque os diretores Joe a Anthony Russo e os roteiristas enxergam o longa dessa forma. Há uma sensação de fim quando a projeção termina, e não apenas pela vasta quantidade de mortes que vemos durante as quase duas horas e meia de projeção (será que é um spoiler dizer que um bocado de gente morre nesse filme?), mas também pelo ar de "missão cumprida" que a cena final oferece.
Algumas pessoas pareceram frustradas pelo cliffhanger abrupto ao final do filme, mas a verdade é que esse final aberto ao estilo De Volta para o Futuro 2, e especialmente O Império Contra-Ataca, pontua o filme de uma maneira tragicamente brilhante, e dá uma aula de como desafiar as expectativas da audiência sem traí-la totalmente como Rian Johnson fez em Os Últimos Jedi.
De uma forma ou de outra, porém, Vingadores Guerra Infinita não deixa de entregar tudo o que foi prometido, e o faz sendo divertido, emocionante, e emocional na mesma toada.
Assista no cinema, e se prepare pra ser esmurrado no estômago pelo titã insano quase tanto quanto os vingadores ao longo do filme. É uma surra e tanto, mas uma que mal podemos esperar pra levar outra vez.

"-Equilíbrio perfeito. Como todas as coisas devem ser."

terça-feira, 24 de abril de 2018

Resenha DVD: Viva: A Vida é uma Festa


Os caras da Pixar só podem ter um pacto com o demônio...
Não há outra explicação para o sucesso de todas as empreitadas do estúdio, exceto, claro, talento puro. É, afinal de contas, o mesmo pessoal por trás de Procurando Nemo, Wall-E, UP! e DivertidaMente. As pessoas que nos fazem torcer pro filme ser em 3D, para ninguém nos ver fazer fiasco chorando no cinema.
A exemplo do que geralmente acontece com animações no Brasil, foi difícil (pra não dizer virtualmente impossível) encontrar uma cópia de Viva: A Vida é uma Festa em seu idioma original nos cinemas de Porto Alegre, e, com a qualidade duvidosa das dublagens de hoje em dia, eu me abstive de ver o longa em tela grande, aguardando pacientemente até o lançamento em home-video, o que aconteceu na semana passada.
E, na madrugada de sábado, me sentei no sofá de casa pra conferir a história do menino Miguel Rivera (voz de Anthony Gonzalez).
Aos doze anos de idade, Miguel tem como maior sonho se tornar um músico. Ele idolatra Ernesto de la Cruz (Benjamin Bratt), o mais notável filho do vilarejo onde mora.
Ernesto fez grande sucesso nas décadas de 1920 e 30, até morrer atingido por um sino durante um show, mais ainda é lembrado e reverenciado por toda a vila de Santa Cecília. Bem... Quase toda.
A verdade é que a família de Miguel odeia música.
Muitos anos atrás Imelda, tataravó de Miguel foi abandonada por seu marido, que deixou família para perseguir seu sonho de se tornar um músico e jamais voltou. Sozinha com a filha, Imelda precisou se sustentar, e descobriu-se uma sapateira de mão cheia. A música havia destruído sua família, mas os sapatos a salvaram.
Imelda viveu de sapatos, assim como sua filha, sua neta, seu bisneto, e assim seria para sempre. Os Rivera seriam sapateiros, e a música estava banida do seio daquela família para nunca mais voltar.
É por isso que Miguel não conta a seus pais ou sua avó a respeito de suas aspirações musicais. O menino mantém sua paixão oculta de todos, até que, às vésperas do Dia dos Mortos, Miguel casualmente faz uma acachapantes descoberta: O seu tataravô, o homem que abandonou vovó Imelda anos e anos atrás, foi ninguém menos que Ernesto de la Cruz!
A foto de sua tataravó no altar da família não deixa dúvidas. Ao lado de Imelda no retrato, o homem cujo rosto foi cortado do quadro carrega o glorioso violão branco do cantor, veste roupas de mariachi... De repente tudo faz sentido. É claro que Miguel tem gosto pela música. Ele é descendente do maior cantor de todos os tempos. Sua própria herança é a música.
Mas sua família discorda. Música não tem lugar entre os Rivera.
Frustrado, Miguel foge de casa preparado para desafiar sua avó e participar de um show de talentos. Para isso, ele invade o mausoléu de Ernesto de la Cruz para pegar emprestado o violão de seu ídolo e tataravô e é neste momento que algo fantástico acontece, e Miguel é transportado para o mundo dos mortos.
Ele encontra os membros falecidos de sua família, que, no dia dos mortos, podem vir ao nosso mundo para rever os parentes e receber suas oferendas, incluindo a vovó Imelda, que se dispõe a mandá-lo de volta ao mundo dos vivos sob a condição de que ele nunca mais pense em se dedicar à música. Obviamente Miguel não aceita essa condição, e resolve procurar Ernesto de la Cruz, que é seu parente de sangue, com o poder de enviá-lo de volta ao mundo dos vivos com uma benção, e um músico, capaz de entender e partilhar sua paixão. O problema é que Miguel tem apenas até o nascer do sol para retornar, ou então ficará preso para sempre no mundo dos mortos, e não faz nem ideia de onde encontrar seu ídolo. Para sua sorte, ele encontra Hector (Gael Garcia-Bernal), um pândego que precisa urgentemente ter sua foto em algum altar para ser lembrado, ou então desaparecerá para sempre, e se dispõe a ajudar Miguel a encontrar de la Cruz em troca de espaço e oferendas em algum altar.
Juntos os dois empreendem uma mágica viagem pelo mundo dos mortos, correndo contra o tempo para garantir que Miguel possa retornar ao seu lar sem precisar abandonar o seu sonho, em uma jornada que desvelará os segredos da família Riviera expondo a verdadeira herança de Miguel.
Sim.
Viva: A Vida é uma Festa está no mesmo patamar de Wall-E, Procurando Nemo e DivertidaMente, logo abaixo de UP! - Altas Aventuras, que, ao menos pra mim, segue insuperável. A fábula sobre família e arte embalada por uma verdadeira homenagem à cultura mexicana (estou surpreso por não ter ouvido ninguém bradar contra apropriação cultural, mas talvez eu esteja apenas desinformado...) é mais um dos clássicos instantâneos do estúdio fundado por Steve Jobs.
A odisseia de Miguel pelo mundo dos mortos consegue ser obcecada pela morte e uma afirmação da vida ao mesmo tempo, é cheio de piadinhas realmente engraçadas e pequenos momentos de aquecer o coração, e em seu terceiro ato, despeja toda a sua mensagem a respeito de mortalidade e memória dando aquele proverbial nó na garganta da audiência e obrigando os mais sensíveis a ter um lenço (ou vários) à mão no que é provavelmente o momento mais "arranque o coração do peito e chute ele pela janela" em um longa do estúdio desde a montagem de abertura de UP!.
O roteiro de Adrian Molina e Matthew Aldrich com participação de Jason Katz e Lee Unkrich é certeiro em praticamente todos os aspectos, a construção dos personagens, a ambientação, a mitologia fortemente enraizada nas tradições fúnebres mexicanas, tudo funciona em Viva: A Vida é uma Festa (que recebeu um longo e genérico título nacional porque o original, Coco, poderia ser lido como "cocô" em português e a Disney não queria memes avacalhando o filme...), até mesmo as pequenas reviravoltas que são, em sua maioria, bastante óbvias, servem à história de maneira honesta e, em perspectiva, são inevitáveis. O trabalho de dublagem é excelente, e o elenco é praticamente um "quem é quem" dos talentos latinos de Hollywood, de Edward James Olmos a Cheech Marin, a trilha sonora é acima da média, incluindo a canção vencedora do Oscar Remember Me, e o trabalho de animação carrega o certificado de excelência da Disney/Pixar.
É obrigatório para qualquer amante de cinema, de histórias bem contadas, de seres vivos capazes de emular sentimentos.
É da Pixar...

"-Você não precisa perdoá-lo, mas não devemos esquecê-lo."

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Resenha DVD: Jumanji: Bem-Vindo à Selva


Quando Jumanji: Bem-Vindo à Selva estreou no Brasil no começo desse ano já como um sólido sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, eu ainda não tinha certeza se o filme era uma sequência, remake ou reboot do longa original lançado em 1995 que adaptava o livro homônimo de Chris Van Allsburg a respeito de um peculiar jogo de tabuleiro que implementa suas regras, bem como uma vasta gama de animais da selva, ao mundo real de maneiras consideravelmente perigosas.
O que eu sabia é que as caras de Dwayne "The Rock" Johnson e Kevin Hart em um poster eram a certeza de que, fosse o que fosse, o filme era um esforço da Sony para capitalizar.
A receita de uma bilheteria segura estava toda ali, da propriedade intelectual conhecida do público aos atores carismáticos que, via de regra, atraem fãs ao cinema, deixando bem claro que quaisquer que fossem as ideias por trás do novo Jumanji, elas estavam soterradas sob toda a salvaguarda corporativa que um grande estúdio pode tentar aplicar sobre um longa metragem, incluindo um diretor com alguma rodagem mas sem nome o suficiente para querer transformar o filme em algo demasiado "seu", no caso, Jake Kasdan, que tem algumas comédias meia-boca em seu currículo de cineasta e cujo grande mérito na carreira provavelmente é ser filho de Lawrence Kasdan, o roteirista dos melhores Indiana Jones e de alguns dos melhores Star Wars de que eu sou capaz de lembrar.
De qualquer forma, tal pacote não me levaria ao cinema, e eu obviamente ignorei o novo Jumanji e sua bilheteria quase bilionária nos cinemas. Mas na sexta, com um feriado pelo caminho, resolvi dar um pulo na locadora e ver as possibilidades disponíveis, e, com o filme dando sopa na estante de lançamentos, pensei que não seria mau ver uma bobagem na tarde de domingo. Após pesar prós e contras, "Melhor do que assistir ao Inter", pensei, e, ontem à tarde, de fato me aconcheguei no sofá pra ver o longa após um almoço tardio imaginando que, na pior das hipóteses, teria um forte candidato à lista de piores do ano.
Jumanji: Bem Vindo à Selva abre com um prólogo no ano de 1996, onde o tradicional jogo de tabuleiro, após ser esnobado por um adolescente viciado em Playstation One, se transfigura em um cartucho de vídeo-jogo que, ao ser ligado em um console, suga o guri, que se transforma no Alan Parrish da vez, o rapaz desaparecido cujo pai atormentado se tornou uma espécie de bicho-papão local vinte anos após o sumiço do filho.
É após esses vinte anos que conhecemos Spencer (Alex Wolff, que eu jurei que fosse seu irmão, Nat Wolff), um jovem nerd retraído e solitário agora que seu ex-melhor amigo, Fridge (Ser'Darius Blain) entrou pro time de futebol americano e ficou popular. O único vínculo remanescente entre Fridge e Spencer, é que o nerd faz trabalhos e redações escolares para o atleta, mas mesmo esse vinculo se rompe quando a professora nota as óbvias similaridades entre os papéis de Fridge, e os antigos trabalhos de Spencer, encrencando a dupla.
Pegos no ato, os dois são encaminhados para a detenção, onde serão punidos junto com Bethany (Madison Iseman), uma completa idiota que passa seus dias tirando selfies preocupada com a própria popularidade nas redes sociais, castigada por usar o telefone na sala de aula, e Martha (Morgan Turner), uma jovem antissocial que se recusou a participar da aula de educação física.
Os quatro são incumbidos de preparar uma grande quantidade de revistas para reciclagem num depósito da escola, mas, uma vez lá, se deparam, numa caixa de doações, com um console de videogame e um único cartucho: Jumanji.
Sem mais nada pra fazer exceto tentar não cumprir a tarefa, o quarteto resolve jogar ao menos um pouco, mas assim que escolhem seus personagens, os adolescentes são sugados pra dentro do jogo, agora na forma dos avatares que escolheram. Assim, Spencer ganha a cara e os músculos do Doutor Smoulder Bravestone (The Rock), Fridge se transforma no pequeno especialista em zoologia e valete de armas Moose Finbar (Kevin Hart), Martha ganha a carinha mimosa e o corpinho gostoso de Ruby Roundhouse (Karen Gillan) enquanto Bethany se torna Prof. Shelly Oberon, que ela supunha ser uma personagem feminina mas na verdade tem as feições e "curvas" de Jack Black.
Não demora para o quarteto ser visitado por Nigel (Rhys Darby), um personagem não-jogável, e descobrirem que a única forma de voltar para o mundo real é terminar o game. Eles devem pegar o Olho do Jaguar, uma joia mágica que Nigel roubou de John Van Pelt (Bobby Cannavalle), vilão que planeja usar a gema para clamar domínio sobre Jumanji, e devolvê-la à estátua de onde foi roubada, mas para isso, os quatro jovens terão que trabalhar juntos, e, mais importante, confiar uns nos outros, e em Hidroavião McDonough (Nick Jonas), avatar de Alex, o rapaz desaparecido do prólogo, para chegar ao fim do jogo, gritar "Jumanji" e voltar pra casa.
Eu não sei se foi pelo fato de ter baixíssimas expectativas com relação ao longa, mas Jumanji: Bem-Vindo à Selva funcionou pra mim.
Dentro de sua proposta o longa poderia ser um filme nota quatro, com uma produção de nível decente, cenas de ação geograficamente corretas, e momentos de comédia em profusão dos quais nem todos funcionam, mas a verdade é que, a despeito do roteiro de Chris McKenna, Scott Rosenberg, Jeff Pinkner e Eric Sommers não ter lá nada de muito novo a oferecer, ameaçando até mesmo esgotar a piada do nerd magricelo se transformando em The Rock, e da gostosinha popular virando Jack Black, etc... bem cedo, há um comprometimento bacana do elenco com esses personagens. A sinceridade com que Dwayne Johnson, Kevin Hart, Karen Gillan e Jack Black interpretam adolescentes inseguros e/ou socialmente ansiosos é legal, e eleva o filme além da premissa. Se a comédia nem sempre funciona, por vezes tem um elemento cartunesco óbvio, e sequência como Bethany, na pele de Jack Black, ensinando Martha, com as formas longilíneas de Gillan a ser sedutora, são simplesmente engraçadas, provavelmente porque os atores estão se divertindo em cena.
Há uma leveza inerente ao filme, uma despreocupação desencanada por sabermos de antemão que nenhum daqueles personagens corre risco real, que tornaria outro filme quase descartável, mas o novo Jumanji acaba sendo salvo pelo seu elenco (que ainda conta com Missi Pyle, Marc Evan Jackson e Colin Hanks), pela sua franca benevolência, e por um final água-com-açúcar que não é, de forma alguma, forçado.
Jumanji: Bem-Vindo à Selva está longe de ser uma grande obra, ou sequer um filme vagamente memorável, mas é inofensivo, divertido, e certamente preenche uma tarde de domingo muito melhor do que qualquer programação dominical da TV.
Vale a locação.

"Um jogo para aqueles que querem encontrar/Uma forma de deixar seu mundo para trás."

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Resenha DVD: Assassinato no Expresso do Oriente


Eu fui, e ainda sou, um fã dos livros de Agatha Christie em geral, e das histórias estreladas por Hercule Poirot em particular. O detetive belga de bigode impecável e poderosas pequenas células cinzentas encontrou seu caminho até um lugar especial na minha imaginação quando, entre os oito e os dez anos devorei dezenas de livros da escritora britânica retirados na Biblioteca do SESI, onde minha avó me levava semanalmente para apanhar livros.
Me lembro de entrar na biblioteca, no sexto andar de um prédio na Travessa Leonardo Truda, no Centro de Porto Alegre, e, a despeito da bela vista que as janelas amplas ofereciam do Guaíba, correr direto para a prateleira dos livros de mistério e suspense, e escolher um volume qualquer de Christie com o qual passaria uma semana de voraz leitura.
O mais célebre livro de Christie, Assassinato no Expresso do Oriente, não era meu favorito (essa honraria fica com Os Crimes ABC), mas entendo porque Expresso é o favorito de tanta gente. A história sobre o misterioso crime dentro do luxuoso trem que cortava a Europa de leste a oeste é um competente "quem matou" repleto com todas as características que tornaram Poirot célebre (exceto pelo capitão Hastings, cuja falta se fez notar por mim quando li o livro e já era afeito ao militar reformado que fazia as vezes de Watson para Poirot).
O Expresso, inclusive, já havia sido adaptado em mais de uma ocasião, a mais célebre sendo a versão de 1974, dirigida por Sidney Lumet e estrelada por Albert Finney encabeçando um grande elenco. Poirot por sinal, não um personagem novo nas adaptações. Tendo sido vivido por atores como Finney, Alfred Molina, David Suchet, Tony Randall e Peter Ustinov, o que me deixou bastante curioso quando descobri que haveria mais uma adaptação da obra e que Kenneth Brannagh seria o responsável por trazer o excêntrico detetive bigodudo à vida.
Acabei não indo ao cinema assistir ao filme em novembro passado, mas ao me deparar com ele na locadora, não pestanejei antes de apanhá-lo e levá-lo pra casa.
Ontem à tarde me escorei no sofá e assisti ao longa que abre com Hercule Poirot (Kenneth Brannagh) enlouquecendo o staff de um hotel na cidade de Jerusalém. O caprichoso detetive exige ovos cozidos precisamente por quatro minutos e se recusa a comê-los se não forem perfeitamente iguais. Não é a função de fiscal de ovos que levou Poirot à Cidade Santa, porém, mas a resolução de um crime. Um roubo que tem como suspeitos um rabino, um padre e um imã. Após se recusar a comer seus ovos desiguais e pisar propositadamente em um monte de bosta com o pé esquerdo após ter pisado acidentalmente com o direito (O problema não é a bosta em si, ele explica, mas o desequilíbrio), Poirot vai para junto do Muro das Lamentações onde, ao melhor estilo showman, resolve o caso, usando nada além de suas pequenas células cinzentas (e não "massa cinzenta", conforme a legenda insiste) e sua bengala.
Após essa breve apresentação fica claro que o roteiro de Michael Green quer fazer por Poirot o que Guy Ritchie e companhia fizeram por Sherlock Holmes em 2009, e fica evidente que é capaz de funcionar.
Após resolver o crime e garantir a prisão do culpado Poirot resolve passar um período de lazer na Turquia, onde logo após encontrar seu amigo Bouc (Tom Bateman) recebe um telegrama solicitando seus serviços em Londres para a resolução de um caso em aberto. Precisando chegar à Inglaterra o quanto antes, Poirot pede ajuda a Bouc, diretor do luxuoso Expresso do Oriente, que poderá levá-lo de Istambul até Calais, na França, de onde ele poderá pegar um navio para a Londres permitindo-lhe descansar por três dias desfrutando dos paparicos do famoso trem aproveitando o tempo livre para ler seus livros de Dickens.
Infelizmente, sossego não é o que Poirot encontra em sua viagem, mas sim uma miríade de viajantes tão variados quanto o conde húngaro Rudolph Andrenyi (Sergei Polunin) e sua esposa condessa Elena (Lucy Bointon) e o empresário Biniamino Marquez (Manuel Garcia-Rulfo), a governanta Mary Debenham (Rose Ridley) e o professor austríaco Gerhard Hardman (Willem Dafoe), a víuva caçadora de maridos Caroline Hubbard (Michelle Pfeiffer) e o jovem médico Arbuthnot (Leslie Odom Jr.), o negociador de arte com pinta de gângster Hatchett (Johnny Depp) e seu antourage, com o contador Hector McQueen (Josh Gad) e o mordomo Masterman (Dereck Jacobi), e a princesa russa Natalia Dragomiroff (Judy Dench) e sua fiel criada Hildegarde (Olivia Colman) ou a modesta e deprimida missionária Pilar Estravados (Penélope Cruz), que lotam o vagão da primeira classe.
A viagem compartilhada por pessoas tão diversas carregaria sua cota de tensão naturalmente, mas as coisas se complicam quando uma avalanche impede o avanço do trem, e, na manhã seguinte, um dos passageiros é encontrado morto em sua cabine, esfaqueado uma dúzia de vezes.
Com o trem parado em um local de difícil acesso, há apenas duas certezas:
O assassino continua a bordo, e a única pessoa capaz de desvendar o mistério é Hercule Poirot.
Tendo lido o livro, simplesmente não há suspense em O Assassinato no Expresso do Oriente, de modo que, ao menos pra mim, o grande barato do filme era ver como Green e Brannagh, que além de protagonista é também diretor do filme, iriam brincar com a pulverização de pistas e trazer esses personagens tão particulares à vida através de um numeroso e talentoso elenco.
Infelizmente, o mistério fica bastante escanteado, suponho, mesmo para quem não conheceu a obra literária, com a investigação se restringindo a pequenos interrogatórios individuais conduzidos por Poirot nos vagões do trem.
Mesmo as breves tentativas de acrescentar um pouco de tensão à mistura, com uma sequência de perseguição que eu francamente não lembro se existe no livro, se tornam forçadas em meio ao marasmo, e com menos de duas horas de filme, tantos personagens acabam sendo pouco mais que figurinhas obrigatórias num álbum ao invés de pessoas.
Brannagh ainda escorrega ao escolher o foco das atenções da história, Michelle Pfeiffer faz o que pode com sua caça-maridos, da mesma forma que Gad e Jacoby se seguram com seus personagens da maneira que podem enquanto estão em cena. Outros, como Dafoe e Colman, mal e mal fazem figuração de luxo, enquanto o talento de Judi Dench é francamente desperdiçado, enquanto isso, Rose Ridley ganha mais tempo de tela, mas consegue a proeza de ser mais irritante aqui do que em Os Últimos Jedi.
À certa altura, a impressão que temos é que o diretor estava mais preocupado em juntar uma platéia de pares acima da média para vê-lo atuar do que em aprofundar seus coadjuvantes. O resultado seria consideravelmente pior se Brannagh não fosse tão bom ator e não estivesse se divertindo tanto em dar vida ao bigodudo detetive. A bigodeira, por sinal, é um capítulo à parte.
Eu nunca achei que os outros intérpretes de Poirot tivessem pelos faciais que fizessem justiça à obsessão que Poirot nutre por seu bigode na literatura (me lembro de uma história onde ele elimina um sujeito da lista de suspeitos de um crime por conta de um bigode indigno), Brannagh remediou isso colocando quase um pequeno mamífero em cima dos lábios.
Tivessem Brannagh e Green mantido em todo o filme a mesma disposição divertida do bigodão de Poirot e de sua veia obsessiva-compulsiva algo cômica do primeiro ato do filme, talvez o longa terminasse melhor. Memorável, até. Como esse não é o caso, com a resolução do crime envolta com uma aura excessivamente dramática e cheia de tomadas de efeito meio bregas, Assassinato no Expresso do Oriente se encerra como um bom passatempo para o domingo de tarde, e pouco além disso.
Com sorte, na vindoura sequência que deve adaptar Morte no Nilo, Brannagh se aproxime mais do equilíbrio que seu personagem tanto alardeia, e entregue o que os fãs de Poirot e Agatha Christie esperam.

"-Eu só consigo ver o mundo como ele deveria ser. Isso faz com que uma imperfeição se destaque como o nariz em seu rosto."

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Resenha DVD: Extraordinário


Se eu tivesse visto que o diretor de Extraordinário era Stephen Chbosky, talvez tivesse ido ao cinema conferir o longa metragem. Digo isso porque, sem ter lido nada a respeito do filme à época de seu lançamento, apenas assistido aos trailers no cinema, Extraordinário me pareceu uma dessas óbvias histórias edificantes hollywoodianas que são, via de regra, bem montadinhas e bem produzidas, e muito chatas, com sua fórmula óbvia e checklist quase obrigatório de personagens e situações que devem ocorrer antes de chegarmos ao final açucarado.
Por que o nome de Chbosky teria mudado minha inclinação inicial e me feito dar uma chance ao longa no cinema? Porque Chbosky é o diretor de As Vantagens de ser Invisível, um filme que eu provavelmente não teria ido assistir ao cinema se não tivesse sido levado pela mão por alguém deveras persuasiva, mas que eu adorei pela forma leve e divertida que abordava seu drama adolescente.
Após conferir Extraordinário em uma tarde/noite de domingo, posso afirmar que o longa, baseado no livro de R.J. Palacio adaptado por Steven Conrad, Jack Thorne e pelo próprio Chbosky, tem sua checklist de dramas edificantes, de situações obrigatórias a personagens óbvios, mas também tem uma abordagem leve e divertida para o seu drama pré-púbere.
August Pullman (Jacob Tremblay) nasceu dez anos atrás com uma rara anormalidade genética que o obrigou a passar por quase trinta cirurgias para ser capaz de enxergar, ouvir, comer... Além disso, as cirurgias deixaram o jovem August, ou Auggie, com diversas cicatrizes, e um rosto diferente do de todas as outras crianças, ainda que seja um moleque de dez anos igual a qualquer outro. Louco por Star Wars, com um senso de humor esperto, jeito pra ciências e uma imaginação fértil que, por vezes, é um refúgio.
Por conta de sua situação médica, Auggie tem sido ensinado em casa por sua mãe, Isabel (Julia Roberts) nos últimos anos. Isabel era uma artista e escritora em potencial que deixou sua carreira e estudos em stand-by desde o nascimento do filho. Com Auggie chegando aos dez anos de idade, Isabel e seu marido Nathan (Owen Wilson) resolvem que é hora de dar um salto de fé e colocar o moleque em uma escola de verdade, onde ele possa conviver com outras crianças e aprender a socializar no mundo real.
Obviamente Nate e Isabel estão apreensivos. O potencial para bullying e exclusão têm proporções bíblicas para uma crianças com as características únicas de Auggie, mas o que mais eles podem fazer? Mantê-lo dentro de sua casa no Brooklyn pelo resto da vida?
Infelizmente os temores de Isabel, Nate e do próprio August se mostram fundamentados. Auggie é motivo de olhares e de cochichos por onde passa, atraindo falatório e isolamento por onde passa.
Aqui, a lista obrigatória da cartilha dos dramas edificantes é mostrada item por item:
Temos o professor maneiro que ensina lições inusitadas que têm tudo a ver com o filme (vivido por Daveed Digs), o guri rico e malvado (Bryce Gheisar) que atormenta Auggie com uma entourage de valentões, a garota tímida que surge para se tornar uma amiga (Millie Davis), e o diretor gentil e justo (O Inigo Montoya em pessoa, Mandy Patinkin).
Quando Auggie faz amizade com um jovem de classe social mais baixa chamado Jack Will (Noah Jupe), quase tão alienígena quanto Auggie na escola preparatória chique que frequenta com bolsa de estudos, nós temos a impressão de que Extraordinário será um tão convencional quanto possível em sua fórmula, mas aí, o filme pisa no freio, e dá uma guinada.
Chbosky começa nos levando de volta ao primeiro dia de aula, e nos dando a perspectiva de outros personagens do longa a respeito da vida de Auggie. Começando com Olivia (Izabela Vidovic), a irmã mais velha de Auggie que generosamente permite que o irmão seja o centro dessa família, muitas vezes à custa de suas próprias necessidades emocionais. A vida de Via não é um passeio no parque. Começando um novo ano no ensino médio ela se vê mais solitária do que nunca após a morte da avó (uma ponta de Sônia Braga) que sempre a apoiou. Com todas as atenções de Nate e Isabel voltadas para o primeiro ano de August na escola, Olivia se vê separada de sua melhor amiga, Miranda (Danielle Rose Russell), que subitamente passou a esnobá-la na escola, e, após conhecer um carinha legal (Nadji Jeter), resolve tomar parte nas peças teatrais da escola.
Depois disso, nós passeamos por um dia da vida de Jack Will em sua casa, enriquecendo o significado de sua amizade com Auggie. E descobrimos o que se passou com Miranda, para fazê-la se afastar de Olivia.
A exemplo do que fizera em As Vantagens de Ser Invisível, Chbosky repete a decência e elegância com que trata o drama de cada um de seus personagens. O efeito cumulativo dessas idas e vindas no tempo, e dos pontos de vista múltiplos é a possibilidade de exercer empatia querendo ou não. Essa compreensão súbita do que é estar no lugar de outrem se entranha na audiência de maneira furtiva, e quando vemos, estamos derramando uma lágrima que nem esperávamos enquanto fazemos uma piada (ao menos eu fiz isso...).
Até mesmo Owen Wilson, que provavelmente tem o papel central menos escrito do longa, encontra formas de chegar à audiência. Ele tem uma das falas mais poderosas do filme, que está no trailer, e uma cena particularmente dolorosa após uma perda inesperada.
Por conta da esperteza do roteiro de Extraordinário e de sua condução, nós até podemos sentir uma ponta de frustração quando o desfecho do filme retoma o checklist da cartilha lá do início, com uma platéia na escola e tudo mais, tão clichê quanto possível. Mas após pouco menos de duas horas andando nos sapatos desses personagens, nós podemos nos sentir inclinados a aceitar um pouco de clichê, e simplesmente aplaudir com o resto dos personagens.
A sensação morna no peito ajuda.
Teria valido a ida ao cinema. Certamente vale a locação.

"-Eu sinto falta do seu rosto. Eu sei que ás vezes você não gosta dele, mas eu o amo. É o rosto do meu filho."

terça-feira, 3 de abril de 2018

Resenha Cinema: Jogador N° 1


Literalmente ontem, eu falava com meu irmão a respeito de diretores de cinema, e de como nós dois concordamos que, apesar de Martin Scorsese ser o sujeito do qual nós gostamos de todos os filmes, nossa referência em se tratando de cineastas topo de linha, era Steven Spielberg.
Conjecturei que isso provavelmente se deve ao fato de que Spielberg foi o sujeito que ajudou a moldar os anos oitenta, a década do qual eu sou filho, com seu cinema.
É impossível ter crescido nos anos oitenta e gostar de cinema sem ter assistido a filmes dirigidos ou produzidos por Spielberg, e se nas décadas seguintes o diretor de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Os Caçadores da Arca Perdida e E.T. - O Extraterrestre "cresceu", dirigindo grandes filmes para adultos como A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan, ele jamais deixou de, volta e meia, brindar as audiências com retornos ao seu eu nerd, embora, eles se tornassem menos recorrentes com o passar dos anos, conforme a aura de cineasta sério de Spielberg foi tomando conta e suas escapulidas de volta à diversão descompromissada não fossem mais tão eficientes.
Ainda assim, eu resolvi ir ao cinema para assistir a Jogador Nº 1 sem ter visto um único trailer do filme sequer (embora tivesse uma ideia básica da premissa por ter lido a respeito), e ver a quantas anda a nerdice de Spielberg. Na pior das hipóteses, pensei, seria uma oportunidade de exercitar minha própria nerdice.
Jogador N°1 se passa em 2045.
A Terra é um lugar basicamente com os mesmos problemas de hoje, mas pior.
O mundo ainda não é uma distopia, mas está no caminho. Há breves explicações de como isso ocorreu, mas a escassez de comida e a falta de tecnologia para todos são mencionadas na "seca do xarope de milho" e nas "passeatas por banda-larga", enfim, é um mundo que não é difícil de imaginar para daqui há 27 anos, infelizmente. As super-corporações tornaram os ricos super ricos, e os pobres tão pobres que as empresas podem usar as dívidas das pessoas para prendê-las em campos de trabalho virtual conhecidos como Centros de Lealdade.
Todavia, em meio a esse futuro sombrio e miserável há um lugar onde todos são iguais: O OASIS.
OASIS é um game de realidade virtual que permite ao seu jogador ter a aparência que ele quiser e fazer o que tiver vontade em um universo artificial onde tudo é permitido. De enfrentar monstros em mundos vulcânicos com cara de Mustafar, a fazer apostas em cassinos do tamanho de planetas, a escalar o monte Everest com o Batman, tudo é possível, até mesmo apenas andar por aí com seus amigos, como faz Parzival.
Parzival é o avatar com pinta de personagem de Final Fantasy de Wade Watts (Tye Sheridan, o Ciclope de X-Men), um jovem órfão que vive nas "Pilhas", favelas verticais formadas por trailers empilhados na periferia de Columbus, Ohio, a cidade que mais cresce no mundo.
Wade, como a maioria das pessoas, passa a maior parte de seus dias na Oasis, escondido da tia com quem mora e do seu namorado abusivo, na companhia de seu amigo Aech, um gênio da mecânica e customização virtual com a aparência de um orc com próteses biônicas catando moedas para usar no jogo.
As coisas no OASIS, porém, mudaram há algum tempo.
James Halliday (Mark Rylance), o gênio tecnológico que criou o OASIS, anunciou, em seu leito de morte, que daria início a uma competição para encontrar seu sucessor.
Dentro da OASIS haveriam três chaves, e a primeira pessoa que fosse capaz de encontrá-las, iria se tornar o herdeiro de Halliday, comandando o reino virtual e seu império de negócios multi-trilionário.
Isso, porém, foi há cinco anos. E nesse período ninguém encontrou sequer uma chave.
Não que não haja pessoas tentando. De rastreadores solitários como Art3mis (Samantha Cooke) a caçadores corporativos como Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), CEO da IOI, companhia de tecnologia rival de Halliday, disposto a investir uma fortuna na busca pelas chaves, pagando times de funcionários para passar 24 horas por dia no ambiente virtual em busca de pistas que possam levá-lo ao controle da OASIS, mas a verdade é que a maioria dos jogadores meio que já abandonou a busca.
Ao menos até Parzival/Wade entender uma das pistas espalhadas por Halliday em seu reino virtual após uma conversa com Art3mis, e encontrar a primeira chave.
Isso imediatamente dá início a uma corrida da qual as consequências se espalham do OASIS para o mundo real, e Wade logo percebe que, sozinho, não tem grandes chances contra a máquina corporativa de Sorrento, e que sua melhor chance de vencer a IOI nessa competição pelo destino da OASIS, é contar com a ajuda de seus amigos na busca pela herança de Halliday.
A mera oportunidade de ver Spielberg brincar de povoar um gigantesco sandbox virtual renderizado à perfeição com homenagens e referências à cultura pop (oitentista em particular, mas não apenas) já valeria um ingresso.
Logo no começo do filme há uma corrida de automóveis sendo disputada por entre outros, o DeLórean de De Volta Para o Futuro, o furgão de Esquadrão Classe A, a moto de Kaneda em Akira, Christine, o Carro Assassino pilotado pela Lara Croft e o Batmóvel dos anos sessenta. A corrida ocorre em uma Nova York virtual e à certa altura há um ataque do T-Rex de Jurassic Park, e logo adiante King Kong salta do Empire State para impedir os corredores de chegarem ao Central Park...
Mais adiante no filme, há uma batalha lutada por um Gundam, pelo Mechagodzilla, e pelo Gigante de Ferro em um campo tomado pelos Battletoads, pelas Tartarugas Ninja, Spartans de Halo, o Arkham Knight e a Arlequina...
Mas espertamente Spielberg não deixa que o filme se torne apenas um Onde Está Wally de referências nerd digitais.
A despeito de eventuais sessões de exposição ("easter-egg" é um termo relativamente comum para a audiência média de hoje em dia, mas particularidades do game setentista Adventure, do Atari 2600, podem não ser), e do vilão manjado de Mendelsohn (que repete o papel de Rogue One, O Cavaleiro das Trevas Ressurge e Êxodo: Deuses e Reis), o diretor conseguem equilibrar o longa, sabendo a hora de voltar pro mundo real e, mais do que isso, de centrar fogo na relação entre Wade e Samantha, o alter-ego de Art3mis.
Essa relação, por sinal, é um dos pontos altos do filme, com Art3mis sendo uma parceira em pé de igualdade, se não superior a Parzival, tomando parte na aventura, da pancadaria à resolução dos quebra-cabeças.
Sheridan e Cooke são bons juntos, mas todo o "High Five" trocadilho que se perde na tradução do nome do grupo como "Os Cinco do Topo", é bacana, com destaque para Lena Waithe, que se sobressai a Win Morisaki e Phillip Zhao, que têm papéis menores em um elenco que conta ainda com Simon Pegg, T.J. Miller, Hannah John-Kamen e Susan Lynch.
Um diretor menos talentoso poderia se perder na hora de conduzir o roteiro de Zak Penn e do autor do livro, Ernest Cline, e levar a coisa toda pro lado errado, mas Spielberg consegue contrabalançar a nostalgia oitentista que permeia todo o roteiro com suas referências a De Volta Para o Futuro, aos filmes de John Hughes e O Iluminado (uma das mais sensacionais sequências do filme) com uma história envolvente e despida de cinismo que, se não chega a repetir a magia do Spielberg de antigamente, deixa bem claro que ele ainda é um mestre no jogo que criou.
Assista no cinema, e liberte sua criança interior.
Vale a pena.

"As pessoas vêm a OASIS por tudo aquilo que podem fazer, mas ficam por tudo aquilo que podem ser."