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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Crônica

O rapaz entrou na loja com a sacola debaixo do braço e olhou com um sorriso tímido para a balconista. Ela devolveu o sorriso, mas em uma versão amarela e sem graça, quase acompanhado de um suspiro.
Era a terceira vez aquela semana que ele voltava á loja.
-Oi. –Disse ele. – Olha, essas calças...
Não completou, tirou a calça da sacola, e a desfraldou sobre o balcão.
Cínthia olhou com fingido interesse, erguendo as sobrancelhas. “O que pode estar errado agora?” Pensou.
O chato de galochas comprara as calças na terça-feira, demorara quase quarenta e cinco minutos experimentando. Na quarta retornara pois havia uma pequena mancha na parte interna da coxa que ele só vira em casa, trocou. Na sexta voltou pois a calça nova tinha o botão diferente do modelo que comprara originalmente. Cínthia explicou que ele levara um modelo da coleção do ano anterior, praticamente igual, á exceção do botão. O rapaz agradeceu a explicação, disse que entendia, mas que preferia o outro botão. Após quase meia hora remexendo calças no estoque Cínthia encontrou calças com o mesmo botão e nenhuma mancha, embrulhou, carimbou a nota fiscal do xarope e se despediu com o sorriso menos cínico que conseguiu simular.
E agora ali estava ele e novo. Com aquele sorriso cretino, segurando as calças quase como se procurasse algum defeito inexistente com o único intuito de irritá-la.
Cínthia respirou fundo. Simulou um meio sorriso enquanto o rapaz remexia as calças sem certeza do que procurava. A paciência da moça foi se esvaindo, ela não resistiu, tentou fazer com que as palavras saíssem sem o tom de recriminação, mas foi em vão, a frase foi quase uma agressão:
-O que foi desta vez?
O rapaz a olhou com os olhos bem abertos, quase assustado, mas sua expressão foi se amainando, e ele sorriu:
-Nada. Tenho voltado só pra te ver. Desde que comprei essa calça não consigo te tirar da cabeça.
Cínthia engoliu em seco. Cheia de espanto nos olhos mirou seu interlocutor, ele olhava pra baixo, como se não tivesse coragem de encará-la.
Cínthia não esperava por aquilo, quer dizer, ela era uma moça atraente, jovem, claro que podia causar aquele tipo de reação, mas a verdade é que aquele trabalho na loja estava sugando sua jovialidade. Ela estava sempre mal-humorada enquanto trabalhava, e seu alívio ao sair no final do dia só era comparável ao cansaço que sentia, havia se afastado dos amigos, não namorava já a alguns meses e a verdade é que era mais pela falta de um pretendente do que qualquer outra coisa, mas se não saia como encontraria um pretendente, certo?
Talvez o destino tivesse colocado aquele jovem ali, á sua frente, para injetar vida em seus dias, quem sabe animá-la nos finais de semana, quando ela estivesse com os pés doloridos e sem ânimo para coisa alguma.
Ele era agradável, educado, não era exatamente bonito, mas também não era nenhum Pedro de Lara, ela não o amava, mas, afinal de contas, o que é o amor? Ela poderia aprender a gostar das qualidades dele, como o perfeccionismo, afinal, o desgraçado era capaz de encontrar defeitos microscópicos em calças jeans, isso poderia ser útil se morassem juntos e um pedreiro relapso fizesse um serviço mal-feito: “Ah, não cavalheiro, olha só este arremate. O senhor vai ter que refazer isso, ou ao lhe pago.”
Ela se imaginou orgulhosa ao lado daquele homem tão exigente. Poderia, fazer isso. Ensaiou um sorriso, sim, sorriria e diria: “Saio às dez horas.”.
Quando tomou fôlego o rapaz ergueu a cabeça e disse animado:
-Aqui, ó. Essa costura. Tá abrindo. Será que posso trocar de novo? Pode ser o modelo desse ano, não tem problema.
-Claro. – Cínthia respondeu. –Só um minutinho.
Apanhou a calça e foi pro estoque, o coração irremediavelmente partido.

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