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segunda-feira, 7 de maio de 2018
Resenha Game: God of War
A verdade, nua e crua, é que eu jamais fui um grande fã da série God of War. Pra ser completamente honesto, o correto seria dizer que eu sempre meio que desprezei Kratos e seu sistemático massacre ao panteão grego em busca de vingança, e que se não tivesse encontrado, certa feita, uma oferta onde se comprava God of War e God of War II em versões remasterizadas, mais God of War III para PS3 pelo preço de um único game, eu jamais teria jogado nenhum dos capítulos da franquia.
Mesmo após ter jogado os três jogos da série e reconhecido o bom equilíbrio entre hack'n slash e quebra-cabeças dos dois primeiros jogos e o apuro técnico e a grandiloquência do terceiro game, a verdade é que Kratos continuou me parecendo um anti-herói dolorosamente genérico em sua sangrenta busca por vingança. Eu não podia evitar ver o musculoso protagonista de God of War como a epítome do personagem que todo o jogador de RPG faz quando vai começar a jogar: O sujeito durão, atormentado, com a família morta, que não se deixa deter jamais e que sucede a qualquer custo contra qualquer obstáculo sem se deixar demover por nada ou ninguém... Em suma, da aparência física ao apelido cabuloso, o Fantasma de Esparta era um herói de ação oitentista perdido na mitologia grega. Era Stallone Cobra encontrando Fúria de Titãs, Dirty Harry na Lista de Zeus ou algo que o valha.
Era, a bem da verdade, meio exaustivo.
O que me fez querer comprar o novo God of War não foi, de forma alguma, o passado sangrento da série com seu, por vezes divertido, massacre de deuses. Mas o modo como a divulgação desse novo capítulo da saga de Kratos parecia alardear uma tentativa de fazer as pazes com esse passado ao mesmo tempo em que tentava construir um novo futuro. No dia 20 de abril eu estava na megastore mais próxima da minha casa pra comprar o game, e após pouco mais de uma semana de intensa jogatina, posso afirmar que valeu a pena.
Anos se passaram desde que Kratos matou Zeus com a Lâmina do Olimpo e foi empalado pela própria para espalhar o dom da esperança para ser usado pela humanidade e não apenas pelos deuses.
O Fantasma de Esparta deixou a Grécia e rumou para Norte. Quando o reencontramos, o deus da guerra está, novamente, enlutado.
Ele perdeu sua esposa, Faye, e junto com seu filho, Atreus, foi incumbido de cremar o corpo dela, e espalhar suas cinzas da montanha mais alta da região.
Não é um momento fácil par nenhum dos dois. Kratos lida com o luto de forma silenciosa e mecânica. E Atreus é um menino jovem que nutre pouquíssima afinidade com o pai.
Kratos sabe que a jornada até o alto do pico será árdua. A terra onde a família vive está infestada de perigos, de lobos a espíritos malignos que habitam cadáveres com poderes elementais chamados draugrs e até coisas piores.
Para ter certeza de que Atreus está pronto para a viagem, Kratos testa o menino com uma caçada, mas constata que ainda não é o caso. Atreus carece de habilidade e disciplina. E Kratos não arriscará o último desejo de sua mulher.
Ou ao menos essa era sua intenção.
Ao voltar para casa, Kratos é interpelado por um homem coberto de tatuagens. O sujeito não se apresenta, mas parece obcecado com o fato de não ser capaz de sentir nada, e ataca brutalmente o Deus da Guerra, que luta com todas as suas forças para o deter, conseguindo, no último segundo, jogar o estranho em uma greta, e retornar a Atreus coberto de sangue e dúvidas.
Duas coisas ficam claras, porém:
A presença de Kratos na Escandinávia não é mais um segredo para os poderes locais, e, estando Atreus preparado, ou não, é hora de os dois colocarem o pé na estrada.
Em sua viagem rumo ao último desejo de Faye, Kratos e Atreus precisarão trabalhar juntos, e isso coloca a dupla e o jogador em uma trilha repleta de perigos e de maravilhas enquanto conhecem um ao outro e visitam diversos elementos da mitologia nórdica.
E funciona?
No tocante à jogabilidade, God of War beira a perfeição. A movimentação do protagonista é fluida e os controles são fáceis de pegar. O machado Leviatã, a nova "ferramenta de trabalho" de Kratos, é uma das mais satisfatórias armas que um game já viu. Além de uma eficiente arma de ataque corpo-a-corpo com poderes congelantes, ele pode ser usado para ataques à distância ao ser arremessado, e retorna à mão de Kratos com um comando ao melhor estilo Mjölnir.
Outra novidade na jogabilidade é a presença de Atreus.
O filho de Kratos não é um desses coadjuvantes irritantes que o jogador se vê obrigado a proteger o tempo todo e amaldiçoa em alto e bom som quando o desgraçado corre feito um demente em meio ao caos (lembranças de Natalia Simonova em Goldeneye 64). Atreus participa da pancadaria de modo ativo e consciente e em diversas ocasiões pode fazer toda a diferença em uma luta, basta que o jogador aprenda a usá-lo.
Além da pancadaria Ateus também toma partido na resolução de quebra-cabeças, e, ilustrando sua familiaridade com a cultura local, é capaz de ler as runas que Kratos desconhece, e frequentemente oferece discas de como proceder em determinadas ocasiões, garantindo que prestar atenção ao que ele fala sempre valha a pena.
A câmera contínua sobre o ombro do protagonista não é tão inovadora quanto foi alardeado. É a mesma perspectiva que deixou muito purista emputecido com o ótimo Resident Evil 4, o grande barato, aqui, é que essa câmera jamais sai do lugar, oferecendo ao jogador a perspectiva que Kratos tem quando enfrenta inimigos enormes, adentra grandes salões abandonados ou precisa resolver quebra-cabeças para avançar em sua busca.
Essa sensação de tomada única dá ao game uma sensação de continuidade muito visceral, e considerando que em toda a minha primeira campanha eu vi uma única queda na taxa de frames, um disparate em termos de realização técnica digno de parabéns.
Os gráficos, por sinal, são dos mais sensacionais que eu já vi em um game. O nível de detalhamento de todos os personagens é simplesmente deslumbrante, de fios de barba a cicatrizes, e o mundo por onde esses personagens andam é espetacular, dos templos dourados e negros às cavernas rochosas com estalactites, passando pelas florestas gélidas, os picos nevados... Tudo é lindo, imersivo e com um pé cravado na mitologia nórdica com referências por todos os lados.
A trilha sonora é uma beleza, com várias músicas belíssimas, algumas inclusive com coral de vozes, e os efeitos sonoros são bons, embora, a certa altura, eles fiquem meio repetitivos junto com as animações das finalizações de inimigos de Kratos. O trabalho de dublagem é ótimo, com destaques óbvios para a dupla protagonista, Christopher Judge, que assumiu a voz do deus da guerra após sete games com Terrence Carson no papel, e Sunny Suljic, que dá voz a Atreus. Os dois são o coração e a alma deste God of War, ainda que os trabalhos de Jeremy Davies como Baldur e Mímir de Alastair Duncan sejam dignos de nota e simplesmente não haja más performances entre um elenco que conta com Troy Baker, Nolan North e Danielle Bisutti entre outros.
A despeito de tantos predicados técnicos o que realmente faz toda a diferença em God of War é sua história e a abordagem que o diretor Cory Barlog escolheu para contá-la.
O novo Kratos é um personagem muito mais interessante e dimensionado do que aquele que vimos nos sete jogos anteriores da série sem necessariamente ser um personagem diferente.
Ele ainda é capaz de grandes prodígios de força, se expressa de forma lacônica, e por vezes é rude e permanece capaz de atos inomináveis de selvageria no calor do combate. Ao mesmo tempo ele é um pai, um pai cheio de dúvidas e segredos que precisa encontrar uma forma de explicar ao seu filho que eles são deuses e que isso os torna um alvo. Kratos não é mais atormentado pela perda de sua família, mas pela necessidade de proteger a família que lhe resta.
A maneira como o espartano tenta ensinar Atreus a ser um guerreiro tão formidável quanto ele próprio ao mesmo tempo em que claramente deseja que seu filho trilhe um caminho diferente é incrivelmente presente, e ganha peso por conhecermos o passado que o protagonista luta para ocultar.
A relação ente os dois, e a evolução dessa relação, é sensacional, e não fica devendo em nada ao espetacular The Last of Us em termos de excelência. O elo que se forma entre Atreus e Kratos é profundo, vivo, e uma via de duas mãos, com Kratos ensinando Atreus a ser um guerreiro e um deus, e Atreus ensinando Kratos a ser um bom homem. Os momentos em que vemos os ensinamentos de um sendo assimilados pelo outro são francamente calorosos, e dão a um jogo tecnicamente irretocável o lastro de uma narrativa que queremos acompanhar até o fim.
God of War é tão competente na condução de sua história e no povoamento de seu mundo que nem sequer precisa lançar mão dos pesos pesados da mitologia nórdica para se sustentar. Pelo contrário. As cerca de 25 horas que o game toma para ter sua linha narrativa principal concluída (sem as atividades secundárias e a exploração à qual o game convida, que alongam consideravelmente o tempo de jogo) se encerram com diversas missões opcionais por atender, de favores aos anões a Valquírias por libertar, e sem mostrar os óbvios Thor, Odin, Súrtur e afins, deixando claro que ainda há lenha pra queimar e lugares por visitar no futuro escandinavo de Kratos e Atreus.
Que esse futuro não demore a chegar.
"Você não deve cometer os mesmos erros que eu cometi. Você deve ser melhor."
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