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terça-feira, 13 de novembro de 2012
Significado
Existe uma taxa de qualidade pra tudo o que as pessoas fazem. A Zoraide, por exemplo, era péssima de memória. Era quase uma vítima de Alzhaimer, esquecia tudo, horários de compromissos, datas de aniversário, endereços, nomes de conhecidos... Era um fiasco social a Zoraide.
Em mais de uma ocasião a Zoraide se apresentou ao namorado da irmã dela, o Juca, por puro esquecimento. "Oi, prazer, Juca, eu sou a Zoraide.", deixando o guri com uma dúzia de pulgas atrás da orelha, e lançando sobre o relacionamento da irmã uma sombra de guria namoradeira que leva tantos rapazes em casa que a irmã dela até esquece quem é quem.
Não era o caso.
A irmã da Zoraide, Alice, era bem comportada, de namoradeira não tinha nada, namorava normalmente, como qualquer outra pessoa, o lance é que a taxa de qualidade da memória da Zoraide, era zero.
Ela compensava isso sendo a pessoa mais gentil e delicada do mundo. Era muito delicada a Zoraide. Era daquele tipo de moça que domina a arte dos trabalhos manuais, capaz de escrever com letra rebuscada em grão de arroz de tão minuciosa e hábil o bastante pra fazer laço armado em fita mimosa, manja? Era na delicadeza e na habilidade e no jeito que a Zoraide compensava a memória, ali, a sua taxa de qualidade se elevava a níveis estratosféricos.
Já a Alice, a irmã comportada e erroneamente taxada de namoradeira pelo Juca após o(s) mal-entendido(s) com a Zoraide, tinha baixa taxa de qualidade no quesito paciência. A Alice não apenas não sabia esperar, como, por ser uma guria muito eficiente e de rápido entendimento, cobrava essas mesmas características naqueles que a cercavam, o que, aliás, e natural do ser humano.
A Alice explicou duas vezes pro Juca que os lapsos de memória da Zoraide eram tradicionais e até caso de chacota na família, na segunda vez já bufava, e não por conta de ter sua honra injustamente manchada pela amnésia recorrente da irmã, mas sim por ter sido obrigada a explicar uma segunda vez algo que já fizera, de maneira mais do que satisfatória, tinha certeza, pouco antes. Todavia, Alice, que tinha baixa qualidade no tocante à paciência, era mais do que versada na arte da eficiência. Era quase uma exterminadora do futuro de tão eficaz. Nada que pedissem para Alice era feito sem esmero, sem apuro, sem total dedicação. Alice se dedicava ao máximo à qualquer tarefa de modo a executá-la com a certeza de que não deixara nada a desejar, e que ninguém teria que refazer o seu serviço de nenhuma maneira, tal era a qualidade que ela imprimia ao que fazia.
E o Juca? O Juca, o namorado desconfiado da Alice, era assim. Desconfiado. Era essa sua baixa taxa de qualidade. O Juca era quase que patologicamente desconfiado, era quase uma maldição. Se alguém passava pelo Juca na rua e não o cumprimentava, o Juca jamais imaginava que a pessoa estava distraída, que estava apressada e passou correndo, que não o percebeu, ele de imediato se punha a imaginar o que havia feito para que aquela pessoa o ignorasse com tamanha desfaçatez. Imediatamente começava a repassar sua relação com aquela pessoa tentando descobrir o que ele poderia ter feito para ofendê-la, e depois, começava a imaginar o que aquela pessoa estaria maquinando as suas costas para não querer nem mesmo cumprimentá-lo na rua.
O Juca era assim. Desconfiado. Taxa de qualidade zero em termos de confiança. Mas na seara do companheirismo o Juca pagava com juros e correção o seu déficit de confiabilidade. Não deixava amigo na mão. Nem conhecido o Juca deixava na mão. Já entrara em brigas homéricas, daquelas que garantem olhos roxos e abrasões persistentes por semanas pra não deixar um amigo, ou até um conhecido na pior. Juca não gostava de ver ninguém ser deixado pra trás, e não deixava ninguém pra trás, tinha taxa de qualidade nota dez em termos de comprometimento.
As pessoas são assim... Tem taxas de qualidade diversas em aspectos diversos da vida. Dão grande importância a coisas que por vezes não importam nem um pouco pras outras e vice versa, é outra coisa da natureza humana, como procurar significado em coisas que não tem significado algum, e abstrair o peso das coisas que, de fato, têm significância, como o fato de que, no fim das contas, não é a quantidade de amor que importa, mas sim sua taxa de qualidade.
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