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sexta-feira, 25 de abril de 2014
Resenha Cinema: Noé
Foi uma surpresa para mim, um ateu convicto, descobrir que outro ateu (Darren Aronofsky) faria um filme baseado em Noé. Aquele Noé do dilúvio, chuva de quarenta dias e quarenta noites, neto de Matusalém, da arca com dois animais de cada e talicoisa...
A passagem do dilúvio é uma das estórias bíblicas que mais ri na cara da ciência e que é mais risível do ponto de vista científico (nem sei por onde começar a citar as arbitrariedades e impossibilidades científicas do mito, mas digamos que um dilúvio pôr o mundo debaixo d'água e um barco comportar animais que nem existiam, ou viviam a meio mundo de distância, esteja longe de ser fato), então, eu confesso que minha primeira reação à adaptação de Aronofsky foi um misto de descaso e curiosidade.
O elenco, porém, fez a curiosidade prevalecer, afinal, qual cinéfilo minimamente respeitável desperdiça uma oportunidade de ver Russel Crowe, Jennifer Connely, Anthony Hopkins, Logan Lerman e Emma Watson sob a batuta de Aronofsky?
Filme conferido, confesso, com algum atraso, mas bom.
Noé, mostra como o primogênito da linhagem abraâmica de Set, irmão menos famoso de Caim e Abel, leva sua vida tentando ser justo e decente em um mundo consumido pela ganância e pelo pecado.
Em um sonho, Noé recebe do Criador o aviso de que os dias do mundo estão contados, um grande dilúvio lavará o mundo da maldade do Homem para ele ser reiniciado de acordo com os desejos de Deus. De posse dessa informação, Noé vaga com sua esposa Naameh (Connely) e seus filhos Sem, Cam e Jafé até o monte onde vive seu avô, Matusalém (Hopkins).
Aconselhado pelo homem mais velho do mundo, Noé entende que seu dever é erigir a arca que guardará um par de cada um dos animais da criação, garantindo que o reinício da vida na Terra seja completo.
A tarefa de edificar a imensa embarcação, porém, é apenas metade do perrengue pelo qual Noé e sua família irão passar. Os milagres sucessivos que antecedem o dilúvio atraem a atenção de Tubalcain, guerreiro/ferreiro/lenhador/caçador/rei dos homens ímpios (vivido por Ray Winstone), que deseja a arca para salvar a si próprio e seus seguidores, ao mesmo tempo em que a fé cega de Noé o coloca em rota de colisão com sua própria família no limiar do fim do mundo.
Noé está longe de ser mau filme. Muito, muito longe, mesmo.
Ainda assim, há um certo estranhamento em ver que, do projeto de Darren Aronofsky resultou um filme bíblico tão tradicional.
O roteiro escrito por Ari Handel e pelo próprio Aronofsky é bastante conservador para com a história bíblica.
Os grandes diferenciais, Tubal-Cain, a menina Ila (personagem de Emma Watson), a presença de anjos caídos tornados gigantes de pedra (e dublados por Nick Nolte, Mark Magolis e Kevin Durand)... São, em sua maioria, adições em nome do espetáculo muito mais do que do bom andamento da história, representando, em uma interpretação simplista, o vilão, o interesse romântico e as criaturas fabulosas ao melhor estilo O Hobbit.
Some-se a isso a mensagem vegetariana ecológica do filme (os malvados comem carne e queimam a floresta, os bonzinhos catam líquens com tubos de ensaio ante-diluvianos e jamais pegam mais do que precisam ou podem usar) e Noé fica com a maior cara de épico bíblico de fantasia new-age.
Por sorte há espaço para alguns questionamentos mais Aronofskyanos. Se na bíblia Noé e Deus conversam feito dois compadres, no longa as mensagens divinas são todas enigmáticas, chegando ao homem através de sonhos que precisam ser interpretados. Colocar Noé, não como alguém que ouve com clareza a voz de Deus, mas sim como um ser humano tentando interpretar o divino, abre um leque de possibilidades que faz maravilhas pelo personagem e dá a Russel Crowe, um dos grandes atores em atividade no cinema, mais ferramentas pra trabalhar.
É legal, também, perceber que além do acréscimo do espetáculo, o roteiro se esforça para explicar certos aspectos do mito bíblico, dando-lhes mais estofo e lastro, como a embriaguez de Noé, ou o pecado de Cam (Logan Lerman) contra seu pai.
Entre erros e acertos, Noé se segura bem em grande parte graças ao elenco de cobras e ao espetáculo visual bem pensado e executado à perfeição.
A despeito de não ser o grande filme (ou a grande atuação) da carreira de nenhum dos envolvidos, Noé é espetáculo, e, como tal, merece platéia.
Assista no cinema, mas dispense o 3-D.
"-Eu trago homens às minhas costas, e você, sozinho, me desafia?
-Não estou sozinho."
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