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segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Resenha DVD: A Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell


Em meados de novembro do ano passado, quando o trailer de Ghost in the Shell foi divulgado, eu publiquei o trailer no blog, e mencionei, brevemente, minhas implicâncias com a estética do mangá/anime, que, de modo geral, não funciona pra mim, mencionei o quanto desgosto de adaptações norte-americanas de mangás/animes, e mencionei que Rupert Sanders, a mente brilhante por trás de Branca de Neve e o Caçador, não era exatamente um convite para correr pro cinema e conferir o filme.
Devo ter feito algum comentário a respeito do figurino de Scarlett Johansson, e do beijo lésbico do trailer (que, olhando em perspectiva, não está no filme).
Acabou que, com os horários divididos entre versões dubladas e legendadas do filme, eu provavelmente não gostei da divisão, e resolvi assistir Trainspotting 2 e esperar Ghost in the Shell, então já batizado como A Vigilante do Amanhã, sair em DVD/Blu-Ray pra conferir.
Acabei demorando a conseguir alugar o filme, que parece ser o longa mais concorrido da locadora nos finais de semana, e apenas nesse final de semana, após mais de um mês de tentativas frustradas, consegui assistir.
No futuro onde o longa se desenvolve, a barreira entre humanos e máquinas se tornou tênue. Os aperfeiçoamentos cibernéticos em humanos não são apenas possíveis, são corriqueiros. Todo mundo tem algum, seja uma para fins práticos, seja para fins recreativos, de olhos perdidos em um acidente a um novo fígado para suportar mais álcool, o mundo dos pós-humanos se torna cada vez mais amplo, e é considerado por especialistas a próxima etapa na evolução humana.
Nesse contexto conhecemos a major Mira Killian (Johansson), a primeira de sua espécie.
Mira teve seu cérebro removido do corpo após se afogar durante um ataque terrorista à balsa de refugiados onde ela estava. O órgão, então, foi transplantado para um (lindo) corpo totalmente sintético, um triunfo inédito da Hanka Robotics, empresa financiada pelo governo, que gera uma mulher viva, com mente e espírito, vivendo dentro de um corpo munido de todas as vantagens da mais alta tecnologia.
Um fantasma humano, em uma concha de altíssima tecnologia.
Sob a tutela da doutora Ouelet (Juliette Binoche), a major é colocada ao serviço da Seção 9, uma força-tarefa anti-terrorismo (ou algo que o valha), onde ela usa toda a extensão de suas habilidades para enfrentar o grande perigo de seu tempo: O cyber terrorismo.
Quando as empresas Hanka começam a sofrer ataques violentos de um criminoso particularmente perigoso chamado Kuze (Michael Pitt), a major e seus companheiros imediatamente iniciam uma caçada ao inimigo, mas enquanto se aprofunda na busca por Kuze, a major passa a experimentar falhas em sua "programação", pequenas alucinações visuais e auditivas que a fazem questionar de maneira ainda mais profunda a sua discutível humanidade.
Ao confrontar Kuze, e ouvir do terrorista que ela não deve confiar na Hanka, a major é impelida a começar uma investigação paralela em busca da verdadeira natureza de sua existência, e dos segredos de seu passado humano.
A Vigilante do Amanhã, obviamente, não é sequer comparável ao anime de Ghost in the Shell.
O longa, co-escrito por Jamie Moss e William Wheeler, rapidamente passa os olhos pela complexidade filosófica da existência pós-humana da major, para investir pesado nas cenas de ação em câmera lenta, e nos arroubos visuais de uma megalópole repleta de arranha-céus imensos cercados por comerciais holográficos abissais, de gueixas-robô cujos rostos de abrem revelando caveiras mecânicas, e cujos membros se rearranjam para que elas se mexam como criaturas de pesadelo enquanto escalam paredes, ou raios azuis passando pelo corpo (divino) de Scarlett Johansson enquanto ela se torna invisível.
Há dezenas de pequenas cenas que gritam por aplauso, mas a verdade é que o impacto visual se desvanece rapidamente porque o roteiro pobre torna esses personagens pouco-relacionáveis.
Scarlett Johansson é linda, boa atriz, e tem se mostrado uma intérprete inteligente em anos recentes, intercalando papéis em filmes-pipoca e projetos mais autorais onde pode mostrar seu repertório dramático. Ela provavelmente imaginou que A Vigilante do Amanhã poderia ser uma rara oportunidade de fazer ambos de uma só vez, e, se o longa fosse mais galgado no material de origem, provavelmente seria.
Nas mãos de Wheeler, Moss e Sanders, porém, apenas o esqueleto do material de origem é mantido, enquanto camadas e mais camadas de blockbuster vão sendo acumuladas em cima dele, tornando-o mais e mais insonso.
A major Killian é a heroína porque é única.
Ela é um alvo porque é especial.
E ela sucede porque foi construída pra isso.
Nós sabemos isso porque o longa se esforça de maneira hercúlea para que saibamos. Ao menos umas vinte vezes nós somos lembrados de que a major é especial. Nós sabemos. Ela é a protagonista, tem o rosto, a voz e o corpo de Scarlett Johansson, não se fica muito mais especial que isso.
O problema é que, enquanto segue deixando claro o quanto a major é especial, o roteiro se esquece de dar lastro à essa qualidade. A major deveria ser uma humana no corpo perfeito de uma máquina. Mas ela é escrita de maneira tão artificial, que se nos dissessem que ela é um robô, ponto, nós acreditaríamos. Scarlett, em sua interpretação de sistema operacional em Ela, apenas com a voz, era muito mais humana do que Mira Killian, não importa em qual circunstância.
Essa falta de humanidade se estende ao restante dos personagens.
Quase todos são estereótipos vazios, a única exceção é Batou, parceiro de Mira vivido pelo Euron Greyjoy de Game of Thrones, Pilou Asbæk. Batou parece ter um pouco de substância e humanidade, gosta de cachorros, de cerveja e de mulheres, se preocupa com a major e consegue até arrancar risinhos dela de quando em quando.
Outra que tenta emprestar alguma humanidade à sua personagem é Juliette Binoche, que se esforça para carregar a doutora Ouelet com algum calor maternal que, em outra circunstância, com outro roteiro, poderia criar uma dinâmica de mãe-e-filha menos artificial para sua personagem e a protagonista.
De resto, os atores poderiam ser trocados durante o filme e a audiência não perceberia.
Michael Pitt, Takeshi Kitano, Chin Han, Peter Ferdinando... Todos estão ali apenas para dar uma voz a um acessório do roteiro, o vilão, o chefe-linha-dura, o colega implicante, forma desprovida de conteúdo.
Eu nem sequer vou entrar no mérito da questão racial, tão em voga recentemente que ganhou até um termo próprio, "whitewashing".
Não sou tão politicamente correto.
Acredito que, se um estúdio holywoodiano vai se dar ao trabalho de fazer uma adaptação de um longa estrangeiro, é natural que o faça com atores americanos. Qual seria o ponto de fazer uma versão americana de um filme japonês e escalar um elenco todo japonês?
O problema de A Vigilante do Amanhã não é sua protagonista, ou a nacionalidade de seu elenco.
O problema é que o longa se torna tão obcecado por sua forma e visual, que se esquece de robustecer seu conteúdo, tornando-se oco.
Não é ruim. Mas é vazio.
Uma concha desprovida de fantasma.

"Minha mente é humana. Meu corpo é fabricado. Eu sou a primeira de minha espécia, mas... Não serei a última."

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