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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Não Importa


Tinha a mão dela entre as suas. O cheiro dela em suas narinas.
Despertou e sorriu.
Estava deitado na cama, vestindo apenas um velho calção da Adidas. Branco, com listras vermelhas. O rádio sintonizado em uma FM qualquer tocava músicas hora ruins, hora péssimas, vez que outra boas. Estava quente, mas era um calor facilmente gerenciável com a ajuda do ventilador.
Ela estava deitada junto com ele. Vestia uma camisola curta, que deixava suas pernas à mostra. Não se apaixonara pelas pernas dela. Se apaixonara por suas ideias e pela forma como ela as escrevia. As pernas haviam sido uma grata surpresa. Um inesperado, bem-vindo e apaixonante bônus.
Ela estava ali, deitada de lado, com as pernas encolhidas, mas descoberta. Ele podia ver suas pernas e parte da bunda, mas, fato raro, não tinha nenhuma luxúria enquanto a olhava.
Apenas ternura.
O cabelo dela, a cada volta do ventilador, fazia cócegas no rosto dele. Em outra ocasião, ele teria se afastado. Teria passado a mão no cabelo dela para colocar os fios fugidios em outra direção. Mas não naquela vez. Naquela vez, qualquer contato era acolhido. Qualquer toque era aceito.
Talvez porque, naquele momento, tivesse plena consciência de sua própria fortuna. Da dimensão de sua sorte. Do quanto era feliz ali. E teve no peito uma sensação morna de calidez e completude quando ela despertou levemente, e seus olhos se cruzaram com os dele na penumbra, e ela sorriu antes de voltar a dormir.
Ele ficou ali, deitado, sorrindo, quando subitamente pensou em como estivera perto de colocar tudo aquilo a perder. Em como quase desperdiçara aquela felicidade que mal podia medir. E puxou pela memória pra lembrar de como as coisas haviam se ajeitado. Em qual fora o passo decisivo para que a situação se remediasse e eles tivessem, finalmente, a chance de viver um ao outro da maneira que ele sempre havia imaginado...
E então se deu conta...
Aquele momento não existia.
As coisas jamais haviam se ajeitado. Eles não haviam consertado nada. O que ele havia quebrado, quebrado permaneceu. Não houvera festa de aniversário. Nem viagem. Semana na praia com passeios de mãos dadas à luz da lua e jantares desastrados entre risos. Não houvera mudança. Nem arrumação das estantes. Nem as discussões eventuais... Nada daquilo existira.
Respirou ofegante ao se dar conta de que estava sonhando. E de que iria acordar a qualquer momento sozinho em um apartamento vazio. Ela abriu novamente os olhos, percebeu que ele estava aflito, e se ergueu parcialmente, apoiando-se em um cotovelo. Inclinou-se, fazendo seu cabelo derramar-se sobre o rosto dele. e o beijou nos lábios. Passou a mão em seu rosto e sorriu de novo.
-Tudo bem? - Perguntou.
Ele respirou fundo. Sorriu de volta e assentiu.
Estava tudo bem. Estaria até acordar. Aquele seria um tempo precioso. Talvez o melhor momento de seu dia. E não importava se não fosse durar. Não importava sequer que não fosse real.
Tinha as mãos dela entre as suas. O cheiro dela em suas narinas.

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