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segunda-feira, 9 de abril de 2018

Resenha DVD: Extraordinário


Se eu tivesse visto que o diretor de Extraordinário era Stephen Chbosky, talvez tivesse ido ao cinema conferir o longa metragem. Digo isso porque, sem ter lido nada a respeito do filme à época de seu lançamento, apenas assistido aos trailers no cinema, Extraordinário me pareceu uma dessas óbvias histórias edificantes hollywoodianas que são, via de regra, bem montadinhas e bem produzidas, e muito chatas, com sua fórmula óbvia e checklist quase obrigatório de personagens e situações que devem ocorrer antes de chegarmos ao final açucarado.
Por que o nome de Chbosky teria mudado minha inclinação inicial e me feito dar uma chance ao longa no cinema? Porque Chbosky é o diretor de As Vantagens de ser Invisível, um filme que eu provavelmente não teria ido assistir ao cinema se não tivesse sido levado pela mão por alguém deveras persuasiva, mas que eu adorei pela forma leve e divertida que abordava seu drama adolescente.
Após conferir Extraordinário em uma tarde/noite de domingo, posso afirmar que o longa, baseado no livro de R.J. Palacio adaptado por Steven Conrad, Jack Thorne e pelo próprio Chbosky, tem sua checklist de dramas edificantes, de situações obrigatórias a personagens óbvios, mas também tem uma abordagem leve e divertida para o seu drama pré-púbere.
August Pullman (Jacob Tremblay) nasceu dez anos atrás com uma rara anormalidade genética que o obrigou a passar por quase trinta cirurgias para ser capaz de enxergar, ouvir, comer... Além disso, as cirurgias deixaram o jovem August, ou Auggie, com diversas cicatrizes, e um rosto diferente do de todas as outras crianças, ainda que seja um moleque de dez anos igual a qualquer outro. Louco por Star Wars, com um senso de humor esperto, jeito pra ciências e uma imaginação fértil que, por vezes, é um refúgio.
Por conta de sua situação médica, Auggie tem sido ensinado em casa por sua mãe, Isabel (Julia Roberts) nos últimos anos. Isabel era uma artista e escritora em potencial que deixou sua carreira e estudos em stand-by desde o nascimento do filho. Com Auggie chegando aos dez anos de idade, Isabel e seu marido Nathan (Owen Wilson) resolvem que é hora de dar um salto de fé e colocar o moleque em uma escola de verdade, onde ele possa conviver com outras crianças e aprender a socializar no mundo real.
Obviamente Nate e Isabel estão apreensivos. O potencial para bullying e exclusão têm proporções bíblicas para uma crianças com as características únicas de Auggie, mas o que mais eles podem fazer? Mantê-lo dentro de sua casa no Brooklyn pelo resto da vida?
Infelizmente os temores de Isabel, Nate e do próprio August se mostram fundamentados. Auggie é motivo de olhares e de cochichos por onde passa, atraindo falatório e isolamento por onde passa.
Aqui, a lista obrigatória da cartilha dos dramas edificantes é mostrada item por item:
Temos o professor maneiro que ensina lições inusitadas que têm tudo a ver com o filme (vivido por Daveed Digs), o guri rico e malvado (Bryce Gheisar) que atormenta Auggie com uma entourage de valentões, a garota tímida que surge para se tornar uma amiga (Millie Davis), e o diretor gentil e justo (O Inigo Montoya em pessoa, Mandy Patinkin).
Quando Auggie faz amizade com um jovem de classe social mais baixa chamado Jack Will (Noah Jupe), quase tão alienígena quanto Auggie na escola preparatória chique que frequenta com bolsa de estudos, nós temos a impressão de que Extraordinário será um tão convencional quanto possível em sua fórmula, mas aí, o filme pisa no freio, e dá uma guinada.
Chbosky começa nos levando de volta ao primeiro dia de aula, e nos dando a perspectiva de outros personagens do longa a respeito da vida de Auggie. Começando com Olivia (Izabela Vidovic), a irmã mais velha de Auggie que generosamente permite que o irmão seja o centro dessa família, muitas vezes à custa de suas próprias necessidades emocionais. A vida de Via não é um passeio no parque. Começando um novo ano no ensino médio ela se vê mais solitária do que nunca após a morte da avó (uma ponta de Sônia Braga) que sempre a apoiou. Com todas as atenções de Nate e Isabel voltadas para o primeiro ano de August na escola, Olivia se vê separada de sua melhor amiga, Miranda (Danielle Rose Russell), que subitamente passou a esnobá-la na escola, e, após conhecer um carinha legal (Nadji Jeter), resolve tomar parte nas peças teatrais da escola.
Depois disso, nós passeamos por um dia da vida de Jack Will em sua casa, enriquecendo o significado de sua amizade com Auggie. E descobrimos o que se passou com Miranda, para fazê-la se afastar de Olivia.
A exemplo do que fizera em As Vantagens de Ser Invisível, Chbosky repete a decência e elegância com que trata o drama de cada um de seus personagens. O efeito cumulativo dessas idas e vindas no tempo, e dos pontos de vista múltiplos é a possibilidade de exercer empatia querendo ou não. Essa compreensão súbita do que é estar no lugar de outrem se entranha na audiência de maneira furtiva, e quando vemos, estamos derramando uma lágrima que nem esperávamos enquanto fazemos uma piada (ao menos eu fiz isso...).
Até mesmo Owen Wilson, que provavelmente tem o papel central menos escrito do longa, encontra formas de chegar à audiência. Ele tem uma das falas mais poderosas do filme, que está no trailer, e uma cena particularmente dolorosa após uma perda inesperada.
Por conta da esperteza do roteiro de Extraordinário e de sua condução, nós até podemos sentir uma ponta de frustração quando o desfecho do filme retoma o checklist da cartilha lá do início, com uma platéia na escola e tudo mais, tão clichê quanto possível. Mas após pouco menos de duas horas andando nos sapatos desses personagens, nós podemos nos sentir inclinados a aceitar um pouco de clichê, e simplesmente aplaudir com o resto dos personagens.
A sensação morna no peito ajuda.
Teria valido a ida ao cinema. Certamente vale a locação.

"-Eu sinto falta do seu rosto. Eu sei que ás vezes você não gosta dele, mas eu o amo. É o rosto do meu filho."

Um comentário:

  1. Bom, vamos ver se consigo ser deveras persuasiva de novo e fazer tu ir ver um filme ; vai ver correndo Um Lugar Silêncio, sério !

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