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segunda-feira, 4 de junho de 2018
Resenha DVD: The Post: A Guerra Secreta
É difícil não pensar que Steven Spielberg tocou The Post com alguma pressa tendo em vista o delicado momento da política norte-americana e a relação desajeitada de Donald Trump com a imprensa.
É perfeitamente plausível supôr que Spielberg tenha lido o script de Liz Hannah e Josh Singer e pensado em Trump twitando "fake news!" dia sim, dia também, a cada vez que vê alguma coisa a respeito de si próprio com a qual não concorda no noticiário, ou em seus assessores falando sobre "fatos alternativos" quando o presidente é pego na mentira. Dessa forma o drama histórico/biográfico de Steven Spielberg se torna tanto um relato do passado quanto um comentário do presente.
O longa narra a saga dos "Pentagon Papers", quando em 1971 o jornalista Daniel Ellsberg (Matthew Rhys) coloca as mãos em milhares de páginas a respeito da história da guerra do Vietnã, incluindo todas as mentiras que o governo norte-americano contou ao público ao longo do mandato de quatro presidentes. À certa altura, o relatório informa que em 1965, o governo dos EUA já sabia que não podia vencer aquela guerra, e só não se retirava do Vietnã por medo da humilhação.
Após seis anos, o medo do fiasco já ceifara milhares de vidas de soldados americanos na guerra que se alongava, e é nesse momento que o The New York Times começa a publicar reportagens a respeito dos relatórios, desvelando a verdade por trás do conflito.
Ao mesmo tempo em que as cortes julgam que o Times não pode publicar novos documentos, tampouco as informações neles contidas, o Washington Post tem acesso aos papéis quando o repórter Ben Bagdikian (Bob Odenkirk, o Saul Goodman) chega à mesma fonte do Times.
Isso coloca o Post sentado em cima de milhares de páginas de informações sigilosas e confidenciais que tribunais julgaram impublicáveis exatamente no momento em que a dona do jornal, Kay Graham (Meryl Streep)está abrindo o capital da empresa na bolsa de valores.
Kay estava sitiada por todos os lados. Não apenas era uma mulher em um mundo essencialmente masculino, frequentemente escanteada da tomada de decisões pela sua junta diretora, mas também estava em uma situação socialmente delicada à medida em que, sendo uma ricaça de Washington, estava no círculo pessoal de diversas pessoas implicadas no escândalo, como o autor dos relatórios, Robert McNamara (Bruce Greenwood) de quem era amiga pessoal.
Para piorar a situação de Graham, ela estava em uma janela de tempo na qual os investidores podiam desistir da opção de compra das ações do Post, levando o jornal à bancarrota, e se via frequentemente em uma queda de braço moral com seu editor, Ben Bradlee (Tom Hanks), que não tem a mais remota dúvida de que o Post precisa publicar as informações por dever moral de ofício.
Fica difícil não admirar dois personagens interpretados por dois dos atores mais talentosos/amados em atividade no cinema contemporâneo. Ambos estão sensacionais em seus papéis, e enquanto Hanks encontra o tom certo para Bradlee, alguma coisa entre o grave e o turrão, naquela toada de homem comum alçado à situação extraordinária que o vencedor de dois Oscar é capaz de fazer dormindo, Meryl Streep entrega uma de suas melhores atuações em anos recentes, deixando claro que suas indicações anuais aos prêmios da academia não são, de forma alguma injustificadas. Seu retrato de Kay Graham é repleto de nuances, deixando claro o quão acima da média Streep é, e quão longe ela pode chegar quando dirigida com excelência.
Infelizmente, o longa não permite que nenhum dos protagonistas entre em um "tour de force", e isso se deve ao fato de o roteiro jamais deixar que haja verdadeiro suspense no desenrolar da história.
Mesmo quem não sabe absolutamente nada a respeito do escândalo dos Pentagon Papers é capaz de antever com uma boa antecedência como os eventos do longa se desenrolarão, e o que deveria ser um longa sobre o peso da escolha de Kay Graham, que se viu entre a cruz e a caldeirinha com o destino de seu negócio e do legado de sua família em suas mãos, não chega a deixar a audiência na ponta da cadeira ou roendo as unhas.
Por sorte, toda a vez em que The Post parece perigosamente perto de se tornar um melodrama edificante de cartilha, o talento de alguém surge pra elevar novamente o longa.
Do elenco, que conta com gente do calibre de Carrie Coon, Sarah Paulson, Tracy Letts, Bradley Whitford, Jesse Plemons e Michael Stuhlbarg passando pela fotografia de Janusz Kaminski, a trilha de John Williams ou a edição de Sarah Broshar e Michael Kahn, não faltam elementos para tornar o longa memorável, e fazer o espectador se comprometer para com o filme. Afinal de contas, o longa é mais um trabalho de um sujeito que é um dos cineastas fundamentais de nosso tempo.
Conforme eu disse lá em cima, The Post é tanto um relato do passado quanto um comentário do presente, mas acima de tudo, um libelo em favor da liberdade de imprensa, uma instituição que, sim, precisa de escrutínio crítico, mas merece um pouco mais de crédito em um momento onde tanta gente parece tão disposta a aceitar "fatos alternativos" de fontes que não podem ser confirmadas.
Certamente vale a locação.
"A imprensa deve servir aos governados, não aos governantes."
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