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segunda-feira, 22 de junho de 2020

Resenha Game: The Last of Us Part II


Em 2013, a Naughty Dog lançou The Last of Us, um game de horror de sobrevivência que, em sua superfície, pouco diferia de outros jogos do gênero. Ele trocava o habitual apocalipse zumbi por uma pandemia de escala global após o fungo cordyceps, que existe de verdade e ataca insetos e outros artrópodes, sofrer uma mutação e começar a afetar pessoas. Em alguns anos, mais de 60% da população mundial foi derrotada pela doença, a civilização como conhecemos deixou de existir. Alguns dos remanescentes da sociedade se dividiram em zonas de quarentena controladas pelas forças armadas, enquanto outros passaram a viver como bandoleiros e salteadores nas ruínas de cidades abandonadas infestadas pelos infectados.
Como eu disse, na superfície The Last of Us não parece muito diferente de outros games desse tipo, mas apenas na superfície.
No game, nós conhecíamos e explorávamos esse mundo pelos olhos de Joel, um contrabandista que aceitava a missão de transportar a jovem Ellie, uma adolescente imune à doença, para fora da zona militarizada no que eventualmente se transformava em uma viagem através dos EUA onde o sobrevivente nato tocado pela tragédia e a menina que nascera depois do fim do mundo se conectavam em uma das relações mais humanas que os games já viram.
The Last of Us foi um estrondoso sucesso, recebeu prêmios e láureas, vendeu horrores, rendeu um dos melhores DLCs já lançados e mostrou que a Naughty Dog podia fazer ainda mais do que a série Uncharted.
Sete anos se passaram e na última quinta-feira eu estava comprando The Last of Us Part II, sequência que vem experimentando atribulações desde antes de seu lançamento, com atrasos e adiamentos, equipe reclamando do regime de trabalho extenuante e até a divulgação de segredos da trama na internet semanas antes da chegada do game às lojas.
E, se eu fiquei chateado com cada um dos adiamentos do game, por outro lado consegui me manter totalmente alheio aos spoilers do jogo, de modo que, quando liguei meu PS4 na última quinta à noite, praticamente tudo era uma novidade pra mim.
The Last of Us Part II começa com Joel confessando a Tommy os eventos transcorridos no hospital de Salt Lake City no final do jogo anterior. Os irmãos estão vivendo em Jackson, no Wyoming, na comunidade que vimos no capítulo Outono do jogo anterior.
É uma vida de trabalho duro e patrulhas constantes para livrar a comunidade de infectados errantes, mas é uma boa vida. Daí, o game corta para cinco anos mais tarde. Ellie, agora com dezenove anos está começando a participar das patrulhas, namora com Dina, outra jovem da cidade, e está, aparentemente, brigada com Joel. A rotina da jovem é alterada de maneira drástica e incontornável após a chegada de Abby.
Abby é outra jovem sobrevivente, e em sua passagem por Jackson, ela comete um crime e passa a ser seguida por Ellie, que deseja fazê-la pagar não importa o custo.
As coisas, porém, não serão fáceis. Abby vive em Seattle, e faz parte da Frente de Libertação de Washington (WLF na sigla em inglês), um grupo para-militar que está em guerra com os Seraphitas, uma comunidade religiosa ao estilo amish com quem disputam territórios, e para encontrá-la, Ellie terá que mergulhar de cabeça no meio do conflito entre esses dois grupos, além de ter que lidar com as hordas de infectados espalhados pela cidade em uma jornada que levará a jovem que já foi a esperança da humanidade às mais sombrias profundezas do inferno que é o desejo de vingança...
Em termos de jogabilidade, The Last of Us Part II mantém o sistema redondinho do primeiro jogo, com comandos simples e eficientes e combate permitindo abordagens variadas de acordo com o estilo do jogador. Há novos tipos de inimigos tanto do lado dos infectados quanto dos humanos sãos, e sua inteligência artificial foi turbinada, o que aumenta sensivelmente o desafio, especialmente ao se enfrentar inimigos múltiplos. Há algumas novidades entre as armas, como as bombas de tonteio e os silenciadores, e o sistema de manuais de sobrevivência existente no primeiro game foi reformado, com cada um dos livros encontrados liberando uma nova árvore de habilidades para o jogador expandir com os suplementos espalhados pelo jogo.
Algumas sessões do game são pequenos mundos "semi-abertos" com uma esperta engenharia de fase que permite uma boa dose de exploração. A exploração, por sinal, agora conta com a possibilidade de quebrar janelas e vitrines e fazer rapel ou escalar paredes usando cordas, nos dando a oportunidade de aproveitar a beleza de ambientes internos e externos belamente renderizados.
Graficamente, The Last of Us Part II não chega a ser para o PS4 o que o primeiro game foi para o PS3 no sentido de espremer de forma inédita até a última gota de potencial do console, mas certamente faz um trabalho sensacional em retornar aos píncaros que já havíamos visto em Horizon, Uncharted 4 e Homem-Aranha, por exemplo, com figuras humanas transbordando expressão e texturas e efeitos de luz e sombra lindos, mas a exemplo do primeiro game, o grande trunfo de The Last of Us Part II é sua narrativa.
O game é uma montanha-russa de emoções conflitantes, de largada ele me deixou revoltado, furioso, e mais ou menos na metade, eu me senti esbofeteado na cara, apenas para ser, paulatinamente, conduzido em uma guilty trip de proporções bíblicas conforme era surpreendido por uma mudança de ponto de vista durante o decorrer da trama.
E não me entenda errado, há inúmeras seções do game que são de destruir os nervos. períodos de tensão cavalar que te fazem ficar na ponta do sofá e sentir o coração pulsando na gargante com a adrenalina, mas o momento em que o andamento da história é puxado de baixo dos teus pés é em mesma medida revoltante e genial... Provavelmente o tipo de coisa que Rian Johnson queria fazer em Os Últimos Jedi, e não soube como.
Eu não li reviews de The Last of Us Part II, eu não li comentários a respeito, mas vi que o jogo está sendo vilipendiado no Metacritic, e eu francamente não entendo por que. Talvez as pessoas que leram os spoilers do game entrem na experiência já com uma inclinação hostil ao jogo, talvez a panfletária (e, segundo alguns, hipócrita) agenda política de Neil Druckmann incomode parte da audiência, talvez algumas pessoas não gostem dos eventos que colocam a trama do jogo em movimento e talvez alguns gamers não gostem de protagonistas femininas, eu não sei, mas eu achei o jogo fenomenal...
Ele frequentemente parece um chute nas gônadas, mas no bom sentido, pela forma como sua narrativa nos pega desprevenidos e nos desarma de maneira inapelável, pela forma como ele começa sendo uma narrativa sobre ódio, mas termina sendo uma história sobre amor entre pais e filhas...
É possível que The Last of Us Part II não seja um jogo pra todo mundo, e ninguém é forçado a jogá-lo, mas se tu resolver experimentar, o faça despido de prejulgamentos, e se deixe afetar pela trama.
É um jogaço.

"-Se de algum modo o Senhor me desse uma segunda chance naquele momento... Eu faria tudo de novo."

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