Pesquisar este blog

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Resenha Série: Space Force, Temporada 1


Esse período de distanciamento social que tem se seguido ao isolamento social recomendado pelas autoridades sanitárias não tem sido particularmente gentil para com a indústria do entretenimento em geral e, por consequência, com seus consumidores.
As pessoas estão órfãs de lançamentos já que a maioria dos estúdios resolveu guardar seus produtos para quando as pessoas puderem sair para consumir sem medo de pegar uma doença altamente transmissível e potencialmente fatal, e até criadores de conteúdo que poderiam estar lucrando com a pandemia, como a Naughty Dog (que podia ter lançado The Last of Us 2 durante um período em que estava todo mundo trancado em casa e precisando de um game novo), resolveu segurar a onda.
Eu passei praticamente todo o mês de maio estudando, assistindo documentários, lendo gibis do Conan e vendo filmes repetidos, a única exceção foi Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, mas, na última sexta-feira, a Netflix disponibilizou a primeira temporada de sua nova comédia, a co-criação de Steve Carell e Greg Daniels, ambos egressos de The Office, Space Force, e eu resolvi aproveitar o final de semana para maratonar a série.
Space Force não tem o melhor episódio piloto.
À primeira vista, é uma série estranha, política, mas não necessariamente específica, engraçadinha, mas não histérica, irônica, mas ocasionalmente surpreendentemente doce de um modo que desafia descrição. Logo de cara acompanhamos a pequena cerimônia onde o general da aeronáutica Mark R. Naird (Carell) recebe sua quarta estrela e se prepara para assumir o comando da força aérea norte-americana. Ele, sua esposa Maggie (Lisa Kudrow) e sua filha Erin (Diana Silvers) são surpreendidos ao descobrir que esse não será o caso. O governo dos EUA está criando um novo ramo nas forças armadas, a Força Espacial, e o presidente quer "coturnos na Lua" até 2024. A hercúlea tarefa de criar e dirigir esse novo setor da defesa dos EUA recairá sobre Mark, e se ele inicialmente fica profundamente frustrado com a nomeação, seu pétreo senso de dever o faz abraçar o desafio com unhas e dentes.
O episódio, então, salta no tempo para nos mostrar a Força Espacial totalmente funcional e ainda sob o comando de Naird que precisa lidar com problemas do dia-a-dia que assolam esse totalmente novo setor das forças-armadas enquanto tenta agradar o presidente dos EUA, controlar seu ávido diretor de comunicações e trabalhar ao lado dos vários cientistas que tornam a Força Espacial remotamente operacional.
Este, por sinal, é um dos conflitos centrais de Space Force, o cabo de guerra entre os militares e os cientistas necessários para fazer a viagem espacial possível fica ilustrado na relação de Naird com o doutor Adrian Mallory, interpretado com descontraída maestria por John Malkovich (que é extremamente subestimado como comediante).
Mallory é, sob diversos aspectos, o braço-direito de Naird, mas os dois são extremos opostos que passam o tempo todo se bicando. Há, entretanto, um respeito inerente de parte a parte, que continua os mantendo juntos a despeito de suas discórdias, e a amizade entre esses dois personagens, é um dos fundamentos de Space Force, e uma tábua de salvação onde se agarrar quando a sátira se torna excessiva.
Porque Space Force é uma comédia satírica fundamentada em alguns dos mais ridículos aspectos da situação política atual dos EUA (e do mundo em geral) extrapolando o que aconteceria se o mandatários dos EUA enfiasse na cabeça que quer "coturnos na Lua até 2024". A série faz todo o possível para jamais nomear seu chefe do executivo, mas as constantes referências feitas à sua presença no Twitter, seu gênio ruim, sua falta de conhecimento ao fazer demandas e promessas grandiosas e até o foco da primeira-dama em moda deixam claro que a série trabalha com um presidente que é Donald Trump ou um personagem que é igual a ele.
A sátira política não para por aí, também há referências às deputadas Alexandria Ocasio-Cortez e Nancy Pelosi, e até o diretor de comunicação interpretado por Ben Schwartz, Tony Scarapiducci, guarda semelhanças com Anthony Scaramucci, ex-diretor de comunicações da Casa Branca de Trump.
Eu não sei como esse festival de referências políticas cai com a audiência americana, mas no Brasil isso provavelmente passa batido para pessoas que não dão muita atenção ao noticiário internacional ou não assistem programas como Last Week Tonight e Real Time com Bill Maher, e acabam sendo apenas uma distração para o público em geral.
Felizmente antes de se tornar excessivamente política, Space Force resolve trabalhar em seus personagens. A despeito de preparar seu terreno em um mundo claramente polarizado o programa é menos sobre as diferenças entre as pessoas, e mais sobre onde elas podem encontrar terreno comum para trabalhar juntas por um objetivo, não importa o quão estrambótico ele pareça à primeira vista. Isso é um acerto da série porque, por mais que política seja importante na vida das pessoas (e é, não importa o quão indigesta ela seja), provavelmente é o aspecto menos interessante de Space Force enquanto entretenimento. O mapa da mina para a série, assim como acontecia em O Rei do Pedaço, The Office e Parks & Recreation, todas essas produzidas por Greg Daniels, são seus personagens, um grupo de pessoas por quem a audiência sente prazer em torcer (com destaque para a capitã Angela Ali, interpretada pela ótima Tawny Newsome, uma piloto de helicóptero que deseja se tornar astronauta e o extremamente qualificado e aborrecido cientista Chan Kaifang vivido por Jimmy O. Yang). O potencial desses personagens fica óbvio no próprio arco de Naird, que domina a temporada, e no qual Steve Carell faz um excelente trabalho.
À primeira vista Naird não parece um grande candidato a protagonista de série cômica. Ele praticamente não tem senso de humor, tem mão firme e é um sujeito competente em seu ramo. Ainda assim, Daniels e Carell (que também faz parte do time de escritores da série) conseguem usá-lo para criar piadas e situações de humor mais seco que funcionam em especial quando ele é oposto a personagens mais intencionalmente engraçados, como Scarapiducci, ou quando faz a tradicional comédia de "estranho casal" com Mallory.
Outro aspecto que torna o general Naird um anti-Michael Scott é o fato de ele ser capaz de profunda empatia, conforme seu relacionamento com a filha Erin atesta. A relação dos dois, por sinal, é outro dos alicerces emocionais da temporada, ainda que, por vezes, Erin não seja a personagem mais gostável da trama, algo que provavelmente advoga em favor do apuro dos roteiristas na hora de escrever uma adolescente.
Na parte técnica, fica claro que a Netflix não poupou esforços para fazer com que Space Force não tenha o visual de uma sitcom comum. Há uma óbvia qualidade cinematográfica na produção, com cenas externas, cenários múltiplos e efeitos visuais de boa qualidade. Diretores habituados à tela grande como Paul King e Dee Rees comandam alguns dos episódios, e a trilha sonora é assinada pelo indicado ao Oscar Carter Burwell.
A pergunta fundamental, porém, quando se fala em comédias é: É engraçado?
E a resposta é sim.
Space Force é uma série engraçada. Ela não é histérica, não é de rolar de rir, mas é divertida e sabe jogar com o elemento do absurdo que permeia toda a sua trama, então é uma comédia de situação mais do que de texto, ainda que Ben Schwartz, em especial, faça piadas desse tipo com sucesso ao longo dos dez episódios (ele certamente me arrancou as risadas mais altas durante minha maratona).
A grande força de Space Force, eu repito, são seus personagens. Há um charme muito bem explorado na performance de Steve Carell, e sua relação com John Malkovich é absurdamente repleta de potencial, alguns personagens funcionam melhor do que outros, algumas piadas funcionam melhor do que outras, e a série não encontra seu tom logo na primeira meia hora, mostrando que navegar pela seara da sátira foi mais difícil do que os roteiristas talvez tenham esperado, ainda assim há uma genuína sinceridade que brilha durante os melhores momentos dessa primeira temporada, e eu me vi enternecido pelo programa e ansioso pelo que vem a seguir.
A série precisa rever algumas coisas? Claro.
Mas qual série cômica teve uma primeira temporada perfeita? Friends engrena a partir da terceira, Seinfeld, também. The Big Bang Theory precisou de mais do que isso, e mesmo The Office passou por várias mudanças da primeira para a segunda temporada, então...
Com uma pequena correção de curso, Space Force pode aproveitar todo o seu potencial.
Eu estou ansioso pela segunda temporada.

"-Digam-me, o que faz a relação de vocês funcionar?
-Confiança. E respeito-mútuo.
-Certamente confiança."

Nenhum comentário:

Postar um comentário