Na última década e meia, mais ou menos, Christopher Nolan conseguiu se alçar à condição de deus cinematográfico dos nerds do mundo graças a seu compromisso com uma forma muito esperta de fazer cinema, embrulhando temas em narrativas de múltiplas camadas, ás vezes não lineares, e sempre perfeitas do ponto de vista técnico. Ajudou bastante a carreira do homem o fato de ele ter feito o filme do Batman mais próximo da perfeição, e algumas fitas de ficção científica e ação que estão, todas, na prateleira de cima do que se produziu dentro da proposta nos últimos anos, como Interestelar, A Origem e O Grande Truque, de modo que o status de que o cineasta goza nos dias de hoje não é imerecido, de forma alguma. Nolan é o tipo de sujeito que sempre merece a deferência de uma visita ao cinema.
E foi por isso, e a recomendação de uma morena muito cheirosa, que eu resolvi gastar duas horas e meia do meu feriado na sala de cinema mais próxima de casa e conferir Tenet, o mais recente trabalho do diretor e, segundo o próprio, um roteiro tão complexo que lhe tomou mais de cinco anos para ser concluído.
Tenet começa durante um sítio terrorista na Rússia, quando o protagonista, Protagonista (John David Washington, de Infiltrado na Klan), e não, eu não estou brincando, esse é o nome dele nos créditos, faz parte de um grupo de operações especiais da CIA encarregado de resgatar um agente infiltrado tentando recuperar um artefato misterioso.
A missão porém, dá errado, o artefato cai em mãos inimigas e o Protagonista é capturado e torturado pelos vilões até conseguir comer um comprimido de cianeto e se matar.
Exceto que ele não morre.
Ao despertar em uma localização secreta, ele descobre que toda a operação foi um teste para verificar se o agente estava apto a encarar a missão de verdade, fazer parte da organização chamada Tenet...
O Protagonista começa a tomar conhecimento de que se trata a coisa toda ao conhecer Barbara (Clémence Poésy), que lhe explica que, no futuro, a humanidade descobriu uma forma de alterar as propriedades dos objetos para que eles interajam com o tempo de maneira reversa. Objetos largados ou jogados no chão, vêm para a mão de quem os arremessou, balas disparadas por uma pistola, são aparadas pelo cano da arma, pilhas vão ganhando mais energia conforme o tempo passa...
Barbara explica que os objetos expostos à essa tecnologia são chamados de "invertidos" e que pessoas más do futuro, estão usando os invertidos para influenciar objetos no passado, o nosso presente, criando uma Guerra Fria Temporal, e Tenet está tentando impedir que essa guerra destrua o mundo.
Investigando as balas invertidas em posse de Tenet, o Protagonista chega a um traficante de armas indiano, que o direciona até o bilionário do contrabando bélico Andrei Sator (Kenneth Brannagh).
Sator, porém, é tão inatingível, que a única maneira de se conectar a ele é através de sua esposa, Kat (a bela e enorme Elizabeth Debicki, uma cabeça mais alta que todo o resto do elenco).
Kat, porém, vem sendo chantageada por Sator a permanecer casada com ele, e em troca de sua ajuda, ela deseja se ver livre do jugo do bandido e garantir que seu filho escape com ela, o que leva o Protagonista e seu parceiro, Neil (Robert Pattinson) a divisar um arriscado e explosivo plano para conseguir acesso ao mafioso e descobrir, de uma vez por todas, como impedir que a inversão do tempo cause danos catastróficos ao planeta.
É estranho dizer isso a respeito de um filme de Christopher Nolan, mas eu francamente não sei se gostei de Tenet.
O longa desafia a análise convencional porque ele se esforça o tempo todo para não sê-lo, e sim, isso é positivo, mas ao mesmo tempo é o tipo de filme que provavelmente precisa ser assistido múltiplas vezes para ser compreendido e apreciado em sua totalidade.
Assistindo ao filme uma única vez, seus defeitos acabam saltando aos olhos mais do que as eventuais qualidades que se escondam nas entrelinhas, então, eu me ressinto do fato de não saber absolutamente nada a respeito d'O Protagonista, exceto que ele é durão e esperto, e que qualquer resquício de personalidade que ele tenha, se deve ao carisma de John David Washington, ou que, ao invés de nos apresentar seu mundo e seus personagens para que nós nos aclimatássemos a eles (como era o caso em A Origem) o longa dispara nos mostrando uma série de eventos mais ou menos explicados porque quer que, no clímax, nós vejamos esses mesmos eventos sob um novo ponto de vista graças à narrativa não-linear.
Não me entenda errado, o filme é movimentado, repleto de sequências de ação interessantes, usa os invertidos de maneira visualmente bem esperta e deixa qualquer pessoa que esteja disposta a pensar nas implicações de longo prazo da utilização das Catracas coçando a cabeça por horas após o fim da sessão.
Aliás, falando em coçar a cabeça, eu fico imaginando como é que os povos que têm inglês como língua nativa conseguiram assistir a esse filme. Em certas cenas o som é tão abafado que, sem legendas, eu não faço ideia de como o público foi capaz de acompanhar o que estava acontecendo, e, lendo a respeito online, vi que isso é proposital, e não um problema da sala do GNC onde eu vi o filme.
O maior problema de Tenet, entretanto, é a maneira como o longa parece ter a cabeça enterrada em seu conceito, mais do que em sua história. Com os eventos parecendo muito mais com uma desculpa para a próxima sequência de tempo invertido que desafia a realidade do que tentativas de movimentar a narrativa adiante.
Os personagens são algo estéreis, como eu disse, o Protagonista mal tem uma personalidade, Kat quer fugir do marido malvado, Sator é malvado... A exceção é surpreendentemente Robert Pattinson, que consegue flutuar entre entendido de ciência e espião durão com uma boa dose de esquisitice e charme britânico, e parece estar realmente se divertindo no papel, o que o torna o ator mais divertido de assistir em um elenco que ainda conta com Dimple Kapadia,, Himesh Patel, Michael Caine, Aaron Taylor-Johnson e Martin Donovan.
Claramente há um bocado de trabalho duro por trás de Tenet, tanto do ponto de vista técnico quanto intelectual, tudo é filmado de maneira mais do que competente e é divertido de ver e até de ficar ponderando depois do fim, mas é difícil não ver o longa da mesma forma que eu vi Projeto Gemini no ano passado, muito mais como um exercício de conceito do que como uma história com a qual a audiência possa se conectar do ponto de vista emocional. O longa, em outras palavras, parece uma guria muito bonita, que parece inteligente e que fala bem, mas com quem tu não quer namorar.
Christopher Nolan continua sendo um cineasta fundamental de nossos tempos, e um cineasta necessário em um momento onde mais e mais os filmes parecem sair de linhas de montagem, entretanto, Tenet prova que apuro técnico e grandiloquência intelectual podem ser aspectos importantes de uma experiência cinematográfica, mas não substituem uma narrativa atraente e personagens bem desenvolvidos.
Em suma, mesmo tendo a impressão de que eu gostaria mais de Tenet ao vê-lo uma segunda vez, eu certamente não o farei no cinema.
"-O que aconteceu aqui?
-Ainda não aconteceu..."
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