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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Privação


-Quando eu era criança me ofereceram um cachorro...
-Que sortudo que tu é. Pra mim nunca ofereceram cachorro, eu sempre pedia e nunca me deram. Me diziam que dava trabalho, responsabilidade, que quando eu fosse uma menina crescida, se eu ainda quisesse muito um bochinho podia ganhar um gato.
-É... Pra mim ofereceram um cachorro de presente, e eu não quis.
-Tu não quis?
-Não.
-Por que? Tu tem medo de cachorro?
-Não... Não, não tenho medmo, não. Eu adoro cachorro, na verdade... Gosto muito, acho um bicho muito maneiro.
-Quantos anos tu tinha?
-Uns oito anos, eu acho... Oito, nove...
-Mas então porque tu não quis o cachorro quando te ofereceram?
-Eu... Eu sabia que cachorro viviam menos que a gente. Eu sabia que, antes de eu ser um adulto, o meu cachorro já seria um ancião. Ele ia começar a se deteriorar, e não ia poder me acompanhar nas brincadeira, e eu ia sentir pena dele. Ele ia ficar doente, e talvez tivesse que ser sacrificado. Eu não ia poder suportar a perda. Eu talvez não me recuperasse.
-Mas... Mas isso é a ordem natral das coisas... A gente não é eterno. Da mesma forma que a gente perde quem a gente ama, muitas pessoas que nos amam nos perdem... Os bons momentos que tu e o teu cachorro tivessem passado juntos iriam superar a tristeza de tê-lo perdido, especialmente se tu tivesse te esforçado ao máximo pra garantir que a vida dele fosse tão boa quanto pudesse ser pelo tempo que ela durasse...
-É... Hoje em dia eu sei disso. Naquela épca eu não sabia, então não quis ter o cachorro. Aliás, eu me privei de muitas coisas na vida pensando nisso, sabe? Em não sofrer com a perda... Não queria me afeiçoar nem a nada nem a ninguém, não queria me apaixonar, e nem me aproximar de nada... Preferia ser mártir a ser testemunha.
-E o que te fez mudar de ideia?
-Tu.

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