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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Resenha Cinema: Django Livre


Foi com algum atraso que nesse final de semana finalmente consegui assistir Django Livre, mais recente filme de Quentin Tarantino, que desembarcou no Brasil carregando as polêmicas do país original onde foi duramente criticado (Inclusive por Spike Lee, outro ótimo cineasta, mas que infelizmente parece ter dificuldade em rir de si mesmo.) e acusado de ser um filme racista que trata sem a devida solenidade um tema espinhoso e delicado (especialmente nos EUA) como a escravidão.
Filme conferido, há que se entender porque alguns setores consideram a fita racista. A palavra "nigger" por exemplo, que poderia ser livremente traduzida como "crioulo", mas nos Estados Unidos tem uma conotação muuuuuito mais pejorativa, é repetida à exaustão durante a projeção. As representações dos castigos físicos aos quais os escravos eram submetidos também aparecem com frequência e de forma bastante gráfica, uma delas, envolvendo um cão, é particularmente brutal, e, de fato, todos os temas são tratados com a irreverência Tarantinesca habitual, o que, sejamos francos, é meio que uma marca do diretor que resolveu reescrever a História em Bastardos Inglórios. Tarantino demonstra reverência apenas pelo cinema, pelas centenas de filmes que viu durante a vida e aos quais faz declarações apaixonadas de amor cada vez que joga outro longa metragem no cinema.
O compromisso do diretor de 49 anos não é para com a importância de fatos históricos, mas sim com como esses fatos podem ser moldados para se tornarem um produto de entretenimento divertido, esperto, violento e vibrante. E nesse sentido, Quentin Tarantino e seu cinema acertam gloriosamente.
Django Livre narra a história de Django (Jamie Foxx), um escravo com um histórico de tentativas de fuga que é comprado por um caçador de recompensas alemão, o doutor King Schultz (Christoph Waltz), para ajudá-lo a encontrar um trio de foras da lei. Em troca da ajuda de Django, Schultz se propõe a libertá-lo e ajudá-lo a encontrar sua esposa, Brunhilde (Kerry Washington, um doce), que, como forma de puní-los por uma tentativa fracassada de fuga, foi vendida separada de Django a Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), um rico fazendeiro do Mississippi, dono da fazenda Candiland, palco de sangrentas lutas até a morte entre escravos.
Antes de chegar a Candie, porém, os dois caçadores de recompensa passam o inverno coletando prêmios com Django sendo treinado por Schultz até se tornar "o gatilho mais rápido do sul".
Nesse período uma das melhores sequências envolve uma acalorada e surreal discussão sobre os prós e contras de usar os sacos brancos furados como máscara na hora de caçar negros. Debate travado por um grupo de supremacistas brancos encabeçados por Big Daddy (Don Johnson) com participação especial de Jonah Hill.
Aliás, há várias participações especiais em Django Livre, além de Hill, há Amber Tamblyn, que aparece de relance olhando por uma janela, Zöe Bell, a estranhamente atraente musa atlética de Tarantino que nem sequer mostra o rosto, apenas os olhos como uma rastreadora a serviço de Candie, o ator australiano John Jarrat, como um funcionário da companhia mineradora The LeQuint Dickey, além de Franco Nero, o Django original e, claro, Quentin Tarantino, todos em pontas.
Quem de fato tem tempo em cena pra mostrar o que sabe é Jamie Foxx, competente como sempre na pele marcada de Django, e Leonardo DiCaprio, ótimo como o asqueroso fazendeiro francófilo que não sabe falar francês, monsieur Candie, mas não adianta, mesmo com dois atores desse calibre, e depois com a aparição de Samuel L. Jackson, muito bem como o detestável Stephen, quem rouba a cena e a atenção da audiência sempre que dá as caras é Christoph Waltz. O austríaco é quase tão destruidor em Django Livre quanto fora em Bastardos Inglórios, e se falta ao doutor King Schultz a perversidade magnética do coronel Hans Landa, sobra simpatia, e o carisma de Waltz torna-o uma presença tão rica em cena que é fácil esquecer que ele é um coadjuvante.
No fim das contas o grande e inspirado elenco, a sólida e divertida trama de vingança, regada com a violência crua, bruta e profundamente gráfica que se espalha ao longo do filme, e o selo Tarantino de excelência do entretenimento tornam Django Livre mais uma demonstração de como Tarantino ama o cinema de gênero.
Filmaço obrigatório.

"-O "D" é mudo, filho da puta."

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Rapidinhas do Capita



Uma velhinha britânica que já viu oitenta e seis invernos disse, em entrevista à BBC News, que para manter sua mente ativa, dedica uma parte do seu tempo a...
Tcham, tcham, tcham tchaaaaaaaam!
Jogar vídeo game.
Isso mesmo. A veterana Hilda Knot, gamer a mais de quarenta anos, disse que os jogos eletrônicos mantém sua mente ativa, e que sempre procura por algo de novo no game para chegar a um novo estágio.
Seus favoritos? Disgea 4, RPG japonês descontraidão, e pasmem:
Grand Theft Auto 4. É, a adorável vovó se diverte detonando Liberty City sob as rodas do seu possante na pele de Niko Bellic...
Agora tu já tem uma nova ideia do que dar de presente pra tua avó quando ela fizer aniversário esse ano.





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Se Genésio fosse um homem pio, crente e temente a Deus, ele teria acordado de madrugada agradecendo pelo turbilhão de problemas na sua vida. Agradecendo pelo sujeito que quebrou a barraca acampando no Uruguai, pela gordinha que conseguiu quebrar o bastão de caminhada de fibra de carbono, por ter se transformado em pedreiro meio-expediente, e por sua avó ter voltado pra UTI. Ele teria dobrado os joelhos, juntado as mãos, e agradecido de maneira contrita por todas as mazelas de seus dias, pois elas desviavam sua atenção do fato de que ele não era confiável para quem queria ser confiável. Que suas palavras soaram vazias nos ouvidos em que deviam ter soado significativas. E que ele ia ter que se acostumar a isso.
Mas Genésio não acredita em Deus, e está puto da vida.

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Star Wars pode preceder de tudo. Do elenco original, dos personagens originais, de George Lucas, só não pode preceder de três coisas:
A trilha sonora com o tema central de John Williams.
Sabres de Luz.
Pôsteres desenhados por Drew Struzan.
Sabendo disso a Disney está tentando tirar o legendário ilustrador da sua aposentadoria. O sujeito pintou alguns dos mais icônicos pôsteres da história do cinema, incluindo Indiana Jones, De Volta para o Futuro, Férias Frustradas e, claro, Star Wars.
Struzan ainda não disse sim, mas também não disse não.

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Obrigado.
Obrigado por não acreditar em mim. Obrigado por me olhar de esguelha. Obrigado por me afastar. Obrigado.
Obrigado por desistir. Obrigado pela desconfiança. Obrigado. Muito obrigado.
Obrigado pelo não, também. Obrigado pelo "não" aceno. Obrigado pela "não" despedida. Obrigado pela "não" consideração. Obrigado.
Obrigado pelo processo que eu não entendo. Obrigado pela falta. Obrigado pelo eco.
Obrigado pelas manias que eu terei que perder. Pelos presentes que eu deixarei de embrulhar. Obrigado pelas músicas que perderão o significado. Obrigado por Van Morrison, Henry Mancini e Coldplay. Obrigado.
Obrigado pelos filmes que perderam a graça. Obrigado pelos cheiros, texturas e sabores que se vão.
Obrigado pela ausência. Obrigado pelo silêncio. Obrigado pela exclusão.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Iogurte


A Marília estava parada na frente do balcão frio do super mercado, absorta em pensamentos difusos. Pensava se comprava o iogurte light ou o normal. Era, sim, uma dúvida atroz. A Marília sabia que o iogurte normal era mais gostoso, tinha uma variedade maior de sabores, e ela conseguia perfeitamente trocar a janta por um copo dele, enquanto o light só tinha de ameixa, que mal e mal tinha gosto de ameixa, era ruim de doer, meio aguado, e depois de tomar um copo dele, a Marília fantasiava com um pratão de batata frita até dormir com o estômago roncando ruidosamente. Ainda assim, o iogurte de ameixa com gosto de nada, tinha baixo teor calórico, enquanto o Iogurte gostoso, assim que fosse engolido, ia correr pelo corpo da Marília até chegar às suas coxas, bem no alto, onde elas se juntavam à sua virilha e nádegas, e ali permaneceriam erguendo uma feroz resistência à qualquer tentativa que Marília fizesse de removê-lo de lá no futuro próximo.
Não... Marília não perderia uma luta pro Iogurte gostoso, pensou consigo mesma. "Se perder pra uma garrafa de iogurte vou empatar com quem?" perguntou-se, apanhando a garrafa de Iogurte batido com mel que ela tanto gostava, já antevendo a sua cremosidade quando caísse no copo generoso donde ela o sorveria enquanto assistia TV, os goles aveludados e saborosos que lhe trariam prazer às papilas gustativas, e, por que não? A praticidade de apenas encher um copo com um negócio que, no fim das contas, era praticamente leite talhado, ao invés de ter que ir pra cozinha ou gastar uma grana pra comprar uma janta nalgum lugar. O iogurte gostoso, pois, vencera a contenda. "Amanhã eu vou a pé pro trabalho, ou como menos no almoço, ou malho um pouco, ou uso a escada quando chegar na firma..." justificou pra si própria enquanto apanhava a garrafa e a colocava na cestinha de compras.
Ao se virar, o choque.
Atrás dela, a cinco metros, separado por não mais que uma gôndola baixa de sucos e outra de leite que formavam um corredor e uma barreira entre os iogurtes e os congelados, estava César.
Não, Marília não era uma cristã do século I que temia a presença do César do Império Romano, César, no caso, era um sujeito de ótima aparência, que cheirava muito, muito bem, e era uma pessoa incrivelmente legal, e que, casualmente, ou não, esmigalhara o coração da Marília pouquíssimo tempo antes.
A Marília tinha pra si, que o César era o grande amor da sua vida. Era uma certeza inabalável da Marília. E o César, na verdade, confirmara aquilo pra Marília mil vezes nos poucos anos em que eles se conheciam.
O César era tudo aquilo que a Marília sempre sonhara num homem, numa embalagem que era agradabilíssima aos sentidos, e que ela queria ter por perto oito em dez vezes.
Marília suspirou ao pensar nisso abraçada na garrafa de iogurte que trazia colada ao peito. "Oito em dez vezes", expirou em voz alta.
Claro... Anormal era a Marília. Qualquer mulher em sã consciência quereria o César junto de si vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. A Marília não... A Marília precisava de um tempo longe do César.
Por que, mesmo? Ela se perguntou... Justificava pra si própria que era pra manter as coisas em perspectiva. Manter alguma distância lhe permitia ter uma visão ampla do relacionamento, e bi-bi-bi... Prepóstero, claro.
A Marília sabia que se o César chutasse uma macega na rua ele encontraria uma mulher mais bonita, mais inteligente, sofisticada, divertida e resolvida pra si. Uma mulher que estivesse mais à sua altura. Não uma guria cheia de neuras e excentricidades irritantes (pra dizer o mínimo e ser generosa consigo mesma, vá lá), com gostos tremendamente particulares, e uma aparência que, falando sério, não era o seu ponto forte, e que pra piorar, ainda tinha a péssima mania de abrir uma lavra de distância dele sempre que tinha a oportunidade, quase como se quisesse manter um perímetro de afastamento da pessoa que lhe era mais cara.
Era óbvio que ele iria se ofender. Era óbvio que ele iria se magoar, e era óbvio que iria acabar querendo, também, distância dela. Era dolorosamente natural. Estranho é que tivesse demorado tanto pra ter aquele estalo.
Foi quando Marília se deu conta...
O César não tinha se cansado dela de repente. Ele não tinha tido uma epifania súbita baseada em algum mal entendido e se desgostado dela de uma hora pra outra. A bem da verdade, o César vinha se cansando dela já algum tempo antes de eles pararem de se falar, antes de a Marília se ofender com uma insinuação do César e submergir em uma de suas típicas crises de ira silenciosa.
Era claro... Muito antes daquilo tudo o César vinha preparando o terreno pra dar adeus à Marília. Ele tinha feito todo um ensaio pouco antes e recuado. O desacerto que se seguiu foi apenas um elemento que adiantou o que era inevitável, inexorável, líquido e certo:
O César não gostava da Marília como a Marília era de verdade.
Com o perímetro a Marília mostrava o que queria que ele visse. Sem o perímetro, ele viu a Marília como ela era.
"E não há jura de amor que resista a mim como eu sou de verdade..." suspirou Marília pra si mesma. Deu mais uma olhada em César que apanhava um congelado de um freezer próximo, o colocava em seu carrinho e seguia seu rumo. E entendeu que não tinha mais raiva dele. Não tinha direito de ter raiva dele, que já a tinha suportado por mais tempo do que era razoável, aprazível, e humanamente possível.
Sorriu triste enquanto via o amor da sua vida ir embora com um congelado qualquer e uma Coca Cola dois litros que provavelmente ele beberia sozinho no cesto de compras, e lembrava que as últimas palavras que haviam trocado haviam sido polidas mas carregadas de ressentimento. Pensou em ir atrás dele, agarrá-lo pelo braço e esbravejar como ele podia ter duvidado do amor dela por ele? Como ele podia ter achado que ela era vil como ele sugerira? Mas refreou-se. César fizera de tudo pra se ver livre dela e continuar sua vida. Ela tinha que engolir suas mágoas deixá-lo ir, e fazer o mesmo.
Largou o iogurte gostoso e apanhou o light.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

É O Preço...


A prostituta estava sentada, nua, numa poltrona próxima da cama na peça que fazia as vezes de quarto e de sala no acanhado apartamento onde ela trabalhava. Trazia na mão um pedaço de papel higiênico amassado que usara para limpar as partes íntimas do excesso de lubrificante à base d'água que usara durante o coito.
Otávio saiu do banheiro e cobriu, com injustificada timidez, a própria nudez enquanto andou a passos miúdos até a cadeira que se tornara o cabide de suas roupas durante o ato. Se vestiu incomodado com a presença da profissional de alcova que o observava enquanto se abanava, afastando a perna direita até equilibrá-la sobre o braço da poltrona onde sentava recebendo entre as pernas o ar fresco emanado pelo split sem pudor algum. Respirou fundo enquanto jogava a cabeça coberta de cabelos loiros pra trás e espiava o céu por entre os tacos de uma das folhas da veneziana que cerrava a janela do apartamento, mantendo-o na penumbra.
Perguntou:
-Tá com cara de chuva, né? Tá nublado na rua?
Otávio vestindo as cuecas, falou quase automaticamente sobre o tempo. Sim, estava nublado na rua, mas não, não tinha cara de chuva devido ao vento forte que já expulsara as nuvens antes por duas vezes durante a manhã.
Otávio se perguntou, intimamente, se a prostituta não teria saído de casa ou ao menos aberto as janelas durante o dia. Teria estado ali, na penumbra, nua e lânguida durante o dia todo? Fora, afinal, como lhe abrira a porta quando ele chegara, cerca de uma hora antes. Usando apenas uma calcinha negra e sapatos de salto alto, exibindo o corpo magro e ágil com volume excedente apenas em todos os lugares certos.
Lhe oferecera o chuveiro para que ele lavasse o suor do corpo antes do sexo, e quando ele saiu da ducha fria que tomara, ela estava sobre a cama, mexendo os pés deitada de bruços mostrando que o dinheiro de Otávio seria bem gasto se ele quisesse apenas estampa, mas ergueu-se assim que o viu, entrando nu no recinto, e se pôs a fazer o que era seu ganha-pão. Algumas alegorias de alcova, umas bastante elaboradas, outras muito simples. Otávio aproveitou-as a todas, sentiu particular prazer ao tê-la, alta e suada sobre si, com os longos cabelos loiros a dançar-lhe na face enquanto se contorcia ao seu redor com os seios fartos colados ao seu peito que também vertia suor, e quando ela jogou para fora da cama os travesseiros, e se posicionou para recebê-lo em si erguendo os tornozelos até seus ombros.
Passaram quase uma hora assim, passando de uma modalidade à outra, e, ao terminarem, ela correu ao banheiro para cuspir e lavar a boca, e voltou rindo enquanto mexia no botão do aparelho de ar-condicionado, e disse, enquanto a sala se enchia de ar frio:
-Baita foda.
Imediatamente Otávio se sentiu vazio. Evitou, para si mesmo, a piada de que ao menos seu escroto estava, de fato vazio. Sentiu-se subitamente envergonhado. Recolheu os dois preservativos que haviam sido usados durante a contenda íntima e perguntou se podia tomar mais uma ducha, ao que a mulher assentiu com um sorriso enquanto ligava o televisor.
Otávio se perguntou quantas vezes ela já devia ter feito aquilo apenas naquele dia. Com quantos sujeitos abjetos, quiçá mais abjetos do que ele próprio, pois considerava, sim, abjetos homens que pagavam por sexo, e era justamente o que estava fazendo.
Contorceu o rosto enquanto vestia as calças com as costas ainda molhadas do segundo banho e já se molhando de suor.
A prostituta, que ao menos na lista da internet chamava-se Stéphanie, o que Otávio sabia ser apenas um cognome, devia, em seus documentos, chamar-se Imaculada, Creusa, Gerusa ou alguma outra coisa brochante, o olhou com interesse:
-Porque essa cara, amor? Não tava bom? Tu parecia que tinha gostado quando se acabou na minha boquinha, amor.
Otávio era polido. Não tinha problemas em ser educado ao falar com as pessoas. Mas o "amor" no final da frase quase o agredia.
-Nada. Uns problemas, só. - Respondeu simulando um sorriso pouco elaborado enquanto vestia a camiseta.
Sentou-se numa das quatro cadeiras que cercavam uma mesa pequena onde deixara seus pertences, e vestiu as meias e calçou os tênis. Apanhou seu telefone, as chaves e guardou-os no bolso. Pediu emprestado um pente à "Stéphanie", que sorriu e lhe passou um pente fino que devia se adequar perfeitamente bem aos cabelos loiros e sedosos dela, mas que quase escalpelaram Otávio e seus espessos cabelos encaracolados, mesmo molhados do banho ligeiro.
Por fim, apanhou a carteira, e sacou os cem reais que haviam sido acordados com a meretriz, e estendeu a nota para ela, que a apanhou com um sorriso. Enquanto Otávio se aproximava da porta, agradecendo e pedindo licença como lhe era inato, Stéphanie o tocou de leve no ombro e disse enquanto girava a chave na porta:
-Não fica assim, viu, gato? De uma forma ou de outra, a gente sempre paga por sexo.
Otávio a olhou com gravidade por alguns instantes, absorvendo o que ela dissera e vendo que, sob certo prisma, era verdade. Balançou a cabeça aquiescendo, e deu um passo para sair do apartamento. Virava as costas para ir embora quando tornou para ela novamente. Precisava perguntar, já que Stéphanie se julgava tão sabida:
-E por amor?
Ela sorriu triste, bonita que era, com os cabelos loiros bem finos a cair-lhe sobre os olhos repletos de rímel:
-Também... Só que muito mais caro.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Resenha Cinema: Cloud Atlas - A Viagem


Os irmãos Wachowski (outrora Larry e Andy, hoje Lana e Andy) estavam rotulados como gênios de um único trabalho. Seu Matrix, que se tornou clássico instantâneo assim que Keanu Reeves vestiu seu sobretudo preto e se desviou de balas pela primeira vez rendeu livros, games, teorias malucas, uma revolução tecnológica que mudou a forma de filmar cenas de ação, e duas continuações que de OK não passavam.
Eles não desistiram, contudo. Dispostos a provar que tinham mais a oferecer do que aquele final imbecil de Matrix Revolutions os Wachowski acertaram a mão ao escrever e produzir a adaptação da graphic novel V de Vingança, em 2005, e em 2008 dirigiram um Speed Racer que tinha tudo o que o anime tinha, mas foi vilipendiado pela crítica e pelo público, que talvez esperasse outra revolução cinematográfica regada a filosofia, kung fu e sado masoquismo...
Seja como for, os irmãos Wachowski meio que se recolheram depois de Speed Racer, e retornaram às telonas na companhia de Tom Tykwer, diretor alemão responsável por Trama Internacional, Perfume - A História de Um Assassino, e Corra, Lola, Corra para transformar em filme o romance de David Mitchel, Cloud Atlas, que muitas pessoas, inclusive o próprio autor, consideravam infilmável.
Cloud Atlas (que aqui no Brasil se chama A Viagem, nome tão preguiçoso e reducionista que que eu não vou nem me dar ao trabalho de chamar de imbecil quem escolhe os títulos em português dos filmes...) conta seis histórias interligadas que se estendem por centenas, quiçá milhares de anos, mostrando como as ações de cada um dos personagens reverberam ao longo dos séculos influenciando suas vidas e a daqueles a seu redor.
As histórias diversas se estendem de 1849, quando o jovem advogado Adam Ewing (Jim Sturgess) se envolve na luta de um escravo por liberdade a um futuro pós-apocalíptico em 2321 onde Zachry (Tom Hanks) recebe a visita da presciente Meronym (Halle Berry), que precisa de um guia para chegar a um local considerado assombrado.
Além dessas histórias dispostas em extremos, há um romance homossexual proibido entre os personagens de Ben Wishaw e James D'arcy, que toma lugar na grã bretanha em 1936, uma investigação jornalística em São Francisco, em 1973, uma revolta de velhinhos tentando escapar de uma casa de repouso no Reino Unido em 2012 que é protagonizada por Jim Broadbent, e uma tentativa de revolução engendrada por um relutante clone (Doona Bae) na Neo Seul do ano de 2144.
Há, como se pode ver, ótimos atores em cena, Tom Hanks mantém uma boa média em suas atuações, Jim Broadbent rouba a cena e Halle Berry é gatíssima demais pra ser questionada. Susan Sarandon faz quase uma ponta, e Hugh Grant, de vilão, é algo que vale a pena assistir pela estranheza. Menos estranho aos papéis malvados é Hugo Weaving, particularmente brilhante como a enfermeira malvada Noakes. Ben Wishaw está bem, assim como Jim Sturgess. James D'arcy é irregular de um segmento ao outro, e Keith David faz a mesma cara de durão de sempre, Doona Bae está bem quando pode ser oriental, nos seus outros papéis ela fica esquisita demais pra gente perceber sua atuação, e David Giasy aparece muito pouco mas vai muito bem no papel de Autua.
A despeito do elenco, entre dramas de época, filmes de suspense, ficções científicas futurísticas e pós-apocalípticas e comédias britânicas, digamos que algumas coisas se salvam, mas não tudo.
Provavelmente é impossível filmar tantas histórias tão diferentes entre si sem haver alguma irregularidade de um segmento para o outro, mas a verdade é que os segmentos de A Viagem são muito irregulares. Embora se veja o esmero da produção, que faz bonito no tocante às reconstituições de época e á criação dos dois futuros presentes no filme, um longa ambicioso como A Viagem precisava de mais do que apenas isso. As idas e vindas alucinadas pelo tempo acabam impedindo tanto a conexão da audiência com os personagens que à certa altura das quase três horas de projeção, eu já estava com a bunda quadrada e louco pra que todos os personagens ( muitas vezes interpretados por atores com máscaras de maquiagem ás vezes convincentes, em outras constrangedoras) morressem logo e eu pudesse ver o desfecho do filme e ir pra casa, o que não seria um bom sinal pra nenhum filme, e tragédia absoluta pra um longa que se imaginava uma sinfonia sobre a alma humana.
O "maior filme independente de todos os tempos" acabou parecendo um barulhento exercício de megalomania e pretensão dos irmãos Wachowski e de Tom Tykwer, tão equivocado em sua grandiloquência e escala, que a melhor história das seis contadas no longa, é justamente a singela comédia inglesa estrelada por velhinhos com Hugo Weaving interpretando uma enfermeira malvada.

"Do ventre ao túmulo, nossas vidas não nos pertencem..."

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Resenha Cinema: Sete Psicopatas e um Shih Tzu


A temporada 2013 de cinema começou, pra mim, com esse filme de Martin MacDonagh, mesmo diretor do ótimo Na Mira do Chefe, de 2008, e que também produziu o não menos interessante O Guarda, de 2011, dirigido por seu irmão, John Michael McDonagh. Aparentemente o sujeito encontrou seu ator fetiche no irlandês Colin Farrell, protagonista de Na Mira do Chefe e que estava precisando de um bom filme depois da bomba nuclear de proporções cataclísmicas que foi O Vingador do Futuro pra equilibrar um pouco o placar.
E Sete Psicopatas e um Shih Tzu é justamente isso, um bom filme.
Na trama conhecemos Marty (Farrell), um roteirista de cinema alcoólatra que passa por um bloqueio criativo enquanto tenta escrever seu novo filme, a que pretende chamar Sete Psicopatas.
O amigo de Marty, Billy (Sam Rockwell, louco, louco.), um ator fracassado que toca um negócio de sequestro de cães junto com Hans (Christopher Walken, genial como sempre), decide ajudar, colocando no jornal um anúncio de busca por psicopatas de verdade que queiram compartilhar suas histórias de vida para inspirar o escritor.
Por estranho que pareça, não é isso que faz com que os problemas de Marty aumentem geometricamente, mas sim o fato de Billy e Hans sequestrarem o cão shih tzu do mafioso Charlie (Woody Harrelson, brutal), que não vai poupar esforços e nem vidas para recuperar sua mascote, custe o que custar.
É um bom filme, como eu já disse, mas não passa muito disso.
O diretor MacDonagh, também roteirista do longa, se esforça sobremaneira pra armar um tremendo tabuleiro anti-clichê (Marty não quer escrever apenas mais um filme de homens com armas na mão, mas sim falar sobre amor e paz...), e depois, parece não saber muito bem o que fazer com o tal tabuleiro no desfecho do seu filme.
Sorte que a escolha do elenco foi inspirada, e as atuações, por vezes algo caricatas, ajudam a audiência a se conectar aos personagens, já que o roteiro não chega a dar espaço pro vínculo. Colin Farrell sabe fazer o tipo bebum boa-praça, e Sam Rockwell tem toda a manha de interpretar um pirado, assim como Woody Harrelson, e Christopher Walken é um sábio, do tipo que faz basicamente sempre a mesma coisa, e ainda assim, cativa a audiência. Somam-se a eles Harry Dean Stanton, como o psicopata quacre, Linda Bright Clay como a esposa de Hans, Myra e Tom Waits como Zachariah, todos muito bem, além de Gaborney Sidibe, Abbie Cornish, Olga Kurylenko e Michael Pitt, estes quase em participações especiais.
No fim das contas, fica a certeza de que Sete Psicopatas e um Shih Tzu diverte por um par de horas, mas podia ser muito mais se o diretor não estivesse tão desesperado pra erguer um cartaz contra a convenção.

"-Olho por olho deixa todos cegos.
-Não, não deixa. Vai ter um cara sobrando com um olho. Como é que o último cara cego vai tirar o olho do último caolho? Ele só tem que correr bem rápido e se esconder, tipo, atrás de um arbusto."

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Top 10 Cinema: 2012

Não, o mundo não acabou. Nem perto disso. Mas tudo bem, pra compensar, nós tivemos um ano de 2012 repleto de grandes filmes, tantos, que cheguei a flertar com a ideia de fazer um top 15 ou 20, tamanha a oferta de bons filmes nesse ano que se encerrará em breve. Mas, uma vez superado esse impulso trapaceiro, encolhi a lista, aos dez filmes de praxe, mas não posso elencá-los sem fazer algumas menções honrosas a Os Descendentes, maior atuação da carreira de George Clooney e baita história, Dredd, qualificada adaptação de quadrinhos econômica e colhuda, Poder Sem Limites, mostrando que talento e inventividade substituem grandes orçamentos inchados na hora de contar qualquer história, o faroeste moderno Drive e o fofíssimo e adorável Moonrise Kingdom, 007 - Operação Skyfal, transformando Daniel Craig em James Bond, Ted, a comédia boca-suja do ano, todos filmaços que por uma razão ou outra, acabaram fora da lista final, mas que merece, e muito uma visita ao cinema ou à locadora.
Feitas essas pequenas justiças, sem mais delongas eu lhes entrego o infame Top 10 Casa do Capita versão 2012. À lista:





10° - O Espetacular Homem-Aranha

Há quem tenha torcido o nariz pra nova encarnação do cabeça de teia nos cinemas. Só posso supôr que são membros do fã clube do Tobey Maguire que jamais abriram um gibi na vida. O Espetacular Homem-Aranha tem defeitos, claro, mas os filmes de Sam Raimi também tinham defeitos. O principal?
Tobey Maguire jamais foi Peter Parker, e muito menos Homem-Aranha o suficiente pra fazer justiça aos cinquenta anos de cronologia do personagem.
Andrew Garfield ratificou isso em dez minutos de (inspirada) atuação . O filme tem falhas, claro, mas no principal, em seu coração e alma, acertou na mosca. O seu protagonista É o herói dos quadrinhos que eu cresci lendo, e eu só posso esperar que melhore ainda mais na inevitável sequência.

9° - Procura-se Um Amigo Para O Fim do Mundo

Com quem você gostaria de estar no fim de todas as coisas? Dodge Paterson (Steve Carrell) achava que sabia, até conhecer a espevitada Penny (Keira Knightley). Conforme rodam por um mundo que se prepara para o apocalipse os dois viajantes encontram espaço um no coração do outro, e ambos dentro do coração da audiência.
Lindo filme, intimista, esperto, emocionante, pra assistir com um lençol do lado, porque um lenço não pode não ser o suficiente.

8° - O Espião Que Sabia Demais

Filme de gente grande, dirigido com estilo por Tomas Alfredson contando com um elenco brilhante encabeçado por um Gary Oldman no auge de sua forma narrando uma história de espionagem no melhor estilo de John LeCarré só podia acabar num dos melhores filmes do ano. Não espere por soluções fáceis, pistas óbvias nem pirotecnias gratuitas. Em O Espião Que Sabia Demais as coisas andam devagar, garantindo a audiência tempo para aproveitar a jornada e tentar desvendar o mistério do agente duplo infiltrado na Circus junto com o protagonista George Smiley. Genial.

7° - Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge

Ainda que haja gente que possa se incomodar com eventuais furos do roteiro (é um filme de super-herói...) é impossível fechar os olhos à qualidade impressa por Christopher Nolan à trilogia do Homem morcego desde Batman Begins. Claro, a série alcançou seu pico com O Cavaleiro das Trevas e o Coringa de Heath Ledger, mas esse terceiro e último capítulo da saga engendrada por Christopher e seu irmão Jonathan Nolan tem tudo o que nos fez roer as unhas de antecipação antes de cada uma das estreias anteriores. Christian Bale se despede do capuz como o melhor Batman da história do cinema, e o que esteve presente nas melhores produções com o guardião de Gotham City.
Boa sorte pro próximo que tentar levar o morcegão às telonas.

6° - Os Vingadores

Desde que o Homem de Ferro de Robert Downey Jr. recebeu a visita de Nick Fury (Samuel L. Jackson) após os créditos do seu filme de estreia todo mundo esperava desesperadamente por isso. O Incrível Hulk, o Thor e o Capitão América só aumentaram a expectativa, e quando a estréia do longa se aproximava todo mundo só tinha na cabeça que Os Vingadores teria que ser, no mínimo, espetacular pra chegar perto do que todo mundo estava esperando.
Joss Whedon construiu então um tremendo espetáculo visual, cheio de piadinhas e frases de efeito, estrelado por um elenco de gente talentosa que sabia exatamente o que tinha que fazer.
O resultado foi um filme que arrancou maxilares ao redor do globo e faturou uma quantidade absurda de dinheiro, além de, aparentemente, ter deixado os estúdios Marvel mais confiantes no tocante a realizar filmes com temática mais elaborada, mais longos, e, quem sabe, ainda melhores?
Homem de Ferro 3 vem aí. Que ele esteja na versão 2013 dessa lista...

5° - Argo

Que Ben Affleck tinha se transformado em um bom diretor todo mundo já sabia desde Medo da Verdade. Novidade foi ele ter feito um dos melhores longas do ano ao transformar em filme a inacreditável história de como uma ficção científica falso salvou um grupo de pessoal diplomático americano retido no Irã durante a crise dos reféns em 1980.
Affleck faz um suspense tenso, conduzido com mão firme, mas que encontra espaço pra respirar ao fazer rir, e declarar o quanto ama o cinema.
Baita elenco (encabeçado pelo próprio Affleck, mais Bryan Cranston, John Goodman e Alan Arkin), roteiro espertìssimo e direção de primeira, no grande filme da carreira de Affleck atrás das câmeras, e um dos melhores de um tremendo ano.

4° - As Vantagens de Ser Invisível

Deve dar gosto dirigir um filme que pode se apoiar inteiramente no roteiro e no talento dos protagonistas pra tocar a audiência.
A história do problemático e solitário adolescente Charlie (Logan Lehrman, ótimo) e de como sua vida muda ao fazer dois amigos na escola, o veterano Patrick (Ezra Miller, um mutante) e a adorável Sam (Emma Watson, deixando Harry Potter lá pra trás) é daquelas coisas que a gente assiste sentindo o gosto que nossa boca tinha quando éramos adolescentes acreditando que todas as nossas pequenas tragédias pessoais eram o fim do mundo sem fazer ideia de que cada experiência moldaria nossa personalidade nos dias vindouros.
Stephen Chbosky adapatou seu próprio livro com uma sensibilidade que seria difícil encontrar em outro diretor, contou uma bela história de crescimento e amadurecimento, e fez um dos melhores e mais apaixonantes filmes do ano.


3° - A Invenção de Hugo Cabret

Martin Scorsese manja demais de seu ofício. Nesse A Invenção de Hugo Cabret o cineasta esbanja estilo e excelência ao contar a história de como a vida do jovem órfão Hugo (Asa Butterfield) muda quando ele vê seu caminho se cruzar com o de Isabelle (Chloë Moretz), e seu tio, Géorges (Ben Kingsley, um monstro brincando de atuar).
A tocante fábula de Scorsese, uma velada declaração de amor ao cinema em sua aurora é linda em todos os aspectos, do tocante roteiro, à apaixonada atuação dos atores, passando pela beleza estética do filme e até no 3D, um dos melhores já utilizados no cinema.
Obrigatório pra qualquer um que já tenha visto um filme na vida.


2° - As Aventuras de Pi

A linda história de Piscine Molitor Pattel (Irrfan Khan, Suraj Sharma, Ayush Tandom) , e de como ele sobreviveu a meses à deriva, perdido em meio ao Oceano Pacífico após o naufrágio do navio cargueiro que levava sua família e os animais de seu zoológico da índia ao Canadá, preso em um bote salva-vidas com um tigre de bengala é desses filmes que a gente vê ora com um nó na garganta, ora com um sorriso no rosto.
Trabalho excepcional de Ang Lee, dominando com maestria a técnica de se fazer um filme feito pra ser visto em tela grande com tudo o que a moderna tecnologia cinematográfica tem a oferecer, e com a sensibilidade habitual do trabalho do taiwanês, elenco inspirado, e a grande fábula cinematográfica do ano que se encerra.

1° - O Hobbit

Aposta certa. Todo mundo sabia que O Hobbit, na mão de Peter Jackson só podia dar em coisa muito da boa.
E o neo zelandês não decepcionou. Seu O Hobbit é mais leve que a trilogia O Senhor dos Anéis. Mais divertido, menos grave e urgente, mas a excelência técnica e a habilidade narrativa do diretor pra conduzir grandes fantasias épicas está toda lá, do jeitinho que a audiência se lembrava.
Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage), Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), Gandalf o Cinzento (Ian McKellen) e a companhia de anões que saem do Condado em direção à Montanha Solitária para reaver o tesouro de Erebor, usurpado pelo dragão Smaug, o Magnífico ganham o coração da platéia quase instantaneamente, e quando as duas horas e quarenta do filme se encerram, a gente já está roendo as unhas pensando que ainda falta um ano pra ver como a história vai continuar.