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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Silencia. Fecha a Porta. E toca o Barco


Certa feita, uma namorada do Raul tinha dito pra ele que "a cerca" dele não era alta, mas ficava muito longe da casa.
Fora uma bem bolada figura de linguagem que a Lisiane, primeira namorada do Raul, arranjou pra explicar o que não estava dando certo naquela relação. O Raul era legal com ela, tanto quanto podia ser um fedelho de dezesseis anos, era polido, afetuoso, mas, no final das contas, mantinha um grande perímetro de segurança, ou seja, era fácil passar pela cerca do Raul, mas o caminho entre a cerca e a casa era tão, mas tão longo, que no caminho, muita coisa podia acontecer.
Como, de fato aconteceu, e a Lisiane, mais velha e mais sabida que o Raul, encheu o saco de lutar por um espaço na vida dele, e foi embora.
Foi interessante porque, dois anos mais tarde, mais ou menos, a Ticiane, a segunda namorada do Raul, disse, sem figuras de linguagem, nem floreios, que não entendia o Raul, e que gostaria que ele dissesse, com todas as letras, sem se preocupar com as consequências, o que ele queria que ela fizesse pra que ele deixasse ela entrar na vida dele "direito".
O Raul não entendeu. A Ticiane tinha total trânsito na vida dele. Ela dormia na casa dele, conhecia os pais dele, foi à praia com ele e a família dele inteira, eles partilhavam amigos, e até frequentavam a mesma escola, e disse, francamente, não entender o que ela queria dizer. A Ticiane deu de ombros, fechou a cara e deixou Raul dois dias pensando que o namoro tinha acabado, o que foi acontecer, de fato, quase oito meses depois.
A Daniele, terceira namorada do Raul, parecia a mais relax de todas. Ele chegou a conhecer o pai e a mãe dela, mas só por acidente um dia em que fora deixá-la em casa. Ela jamais conheceu sua família, ou seus amigos, e parecia não se importar. Na verdade, a Dani parecia tão alheia ao Raul durante o namoro dos dois quanto pareceu quando se mudou pra Argentina sem nem mesmo terminar a relação com ele, deixando bastante claro, ao menos pro Raul, que ela não se importava nem um pouquinho em entrar na vida dele de qualquer forma que fosse.
Foi apenas uns cinco ou seis anos mais tarde, quando a Daniele voltou da Argentina, que ela se encontrou algumas vezes com o Raul, e, numa dessas conversas, confidenciou-lhe, com voz chorosa, que parte do que a havia feito partir, fora o fato de ter percebido que jamais conseguiria um espaço na vida dele.
Ela disse, tentando parecer divertida, que namorar com Raul era como namorar com Ned Stark, o que não fez nenhum sentido pro Raul, que ainda não tinha lido As Crônicas do Gelo e Fogo, e só saberia de quem se tratava tempos depois, quando a série The Game Of Thrones chegou à TV.
Tudo isso, no entanto, serviu pra que o Raul percebesse o quanto eram eficientes seus mecanismos de defesa e isolamento eram funcionais.
A verdade, plena, é que em muitas ocasiões o Raul tentara dar um pouco de abertura às mulheres da sua vida, mas jamais abertura total.
Pro Raul parecia que abertura ampla, geral e irrestrita era demasiado perigosa, dava poder demais às pessoas, e, no seu exíguo histórico de relacionamentos, aprendera que, de modo geral, as pessoas vão magoá-lo quando tiverem a chance.
Funcionara pro Raul por anos a fio, mantivera-o a salvo, mantivera-o inteiro, era um sistema que se tornara parte integrante dele, e que o fizera crescer pra se tornar a pessoa que desejava ser. Longe de ser perfeito, cruzes, não podia estar mais longe disso, mas alguém que podia, na medida do possível se orgulhar de quem era.
Apenas uma vez o Raul resolveu desligar todo o seu sistema de segurança. Uma vez apenas. E, pôxa, só podia valer a pena. Era, afinal de contas, a pessoa que ele sempre sonhara encontrar na sua vida inteira, surgindo, linda, cheirosa e divertida bem na sua frente, e querendo estar com ele.
Se isso não valia um salvo-conduto pleno pra dentro da sua cerca, nada mais nessa vida valeria.
E Raul, que tinha muitos defeitos nessa via, mas achava, francamente que burrice não era um deles, a aceitou de corpo, alma e coração em sua vida, sem medir consequências ou se preocupar com futuros arrependimentos.
Hoje em dia é irônico pro Raul pensar que o poder destrutivo que uma pessoa pode ter na nossa vida, é, no fim das contas, dado por nós mesmos.
Raul ficou mais magoado nessa última vez do que já estivera em qualquer outro momento de sua vida. Ele deixou de ser quem era e se tornou o que restou de si próprio.
Seus amigos lhe dizem que ele é intransigente. E ele concorda. Raul conhece seus defeitos. Sabe que é rápido para julgar as pessoas, e lento para perdoá-las, teimoso como uma mula e que tem dificuldade de admitir quando está errado. E sabe, também, que tem orgulho de, na medida do que lhe é possível, agir com retidão. E que ser injustiçado é algo que lhe causa ojeriza.
E Raul foi julgado, injustamente, pela pessoa cuja opinião lhe era mais cara.
E foi julgado de novo, e de novo.
E sempre considerado culpado.
E depois, lhe teve jogado na cara o fato que era responsável pela tendência dela de julgá-lo culpado. E, novamente, foi julgado.
E novamente de maneira equivocada e injusta.
Raul não anda bem. As palavras "focos malignos", "conforto" e "pouco tempo" o perseguem, lhe tiram o sono e o apetite. Muita coisa anda dando errado na vida dele, mas ainda assim, é esse julgamento injusto que o persegue e lhe fomenta com mais severidade.
E Raul tem vontade de gritar nos ouvidos de sua juíza. Perguntar como ela se atreve a julgá-lo e continuar o julgando depois de ter reduzido seus sonhos a cinzas, de tê-lo feito experimentar a completude e a felicidade e depois tirar tudo isso dele.
Mas aí Raul percebe que estaria apenas dando mais poder a uma pessoa. Mais poder para alguém ferí-lo. Magoá-lo, e transformá-lo no que restou de si.
Então Raul silencia.
Fecha a porta.
E toca o barco.

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