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quarta-feira, 18 de setembro de 2013
A Melhor das Hipóteses?
Quando o telefone tocou e ela estava toda chorosa do outro lado da linha ele já imaginou o que era. Não se falavam já tinha algum tempo, exceto por mensagens de celular e eventuais e-mails com imagens ridículas que volta e meia ela mandava pra ele, e que vinham rareando.
Ela estava namorando, não era de agora. Ela dava uma sumida quando se envolvia com alguém, ao menos do convívio dele, o que era natural considerando que se tratava de um heterossexual solteiro e, pior de tudo, ex-namorado.
Quando ele a encontrou, na Borges em frente ao IPERGS, onde ela desceu da lotação, o rosto dela denunciava que não estava bem quase tanto quanto suas roupas, demasiadamente largadas para o padrão dela.
Usava uma calça de ginástica, tênis e uma jaqueta jeans sobre um blusão cinza de gola alta. As canelas finas expostas ao vento gélido que soprava do Guaíba chegavam a estar azuis.
Ele caminhou até ela, e a abraçou sem dizer palavra. A segurou alguns instantes entre os braços, e ela se desvencilhou:
-Para... Para se não eu vou começar a chorar...
-O que houve, alemoa? - Ele perguntou, passando a mão pelo braço dela.
-A vida é uma merda, Ned... - Ela disse, fazendo sinal com a cabeça para que começassem a andar.
-Novidade... - Ele respondeu andando ao lado dela.
Continuaram em silêncio, andando em direção ao shopping, quando estavam na esquina do Marinha com a Ipiranga ela disse:
-Não quero ir ao shopping...
-Não precisamos ir. - Ele respondeu.
Pegaram a Ipiranga e seguiram andando em direção à Praia de Belas, onde entraram, e foram andando até a praça Itália. Ela perguntou se ele queria sentar num dos bancos, ele disse que sim, mas pensou se não seria melhor catar uns cubos de gelo e fazer um iglu. Estava surpreendentemente frio pra uma Semana Farroupilha.
Sentaram num dos bancos da praça, perto do obelisco, e ela se esgueirou à sua maneira, abraçando os joelhos no espaço mínimo do banco sob o olhar divertido dele:
-Eu sempre me impressiono com a tua flexibilidade...
Ela riu sem vontade:
-Pois é... Eu devia colocar isso no meu currículo.
Ele não disse nada. Ela apoiou o queixo nos joelhos e ficou olhando pra frente. Após alguns longos minutos falou:
-Eu fiquei te chamando de idiota o tempo inteiro por causa do teu lance, e acabou que a idiota sou eu, sabia?
-Mesmo? - Ele perguntou.
-Mesmo. - Ela confirmou. -Eu devo ter algum distúrbio.
Ele permaneceu em silêncio. Ela respirou fundo:
-Eu não sei... Na verdade eu acho que nem gostava dele. Só não queria estar sozinha...
-Então tu agiu certo...
Ela suspirou. Ele continuou:
-Não era justo estar com uma pessoa só pra não se sentir sozinha... Não era justo nem com o Gervásio e nem contigo.
-Gerson. - Ela corrigiu.
-Tanto faz. - Ele deu de ombros.
Ela riu, mas voltou a ficar séria.
-Tu tem razão... Não era justo... Mas agora eu tô... Sei lá. Me sinto mal, angustiada porque terminei.
-É natural... Logo passa. Se tu não gostava dele...
-Eu gostava... Gosto. Mas não amo ele... Ele não é o amor da minha vida.
-Claro que não. - Ele garantiu.
-Claro... Porque se fosse eu não teria terminado com ele, né?
Ele a encarou muito sério.
Ela sustentou o olhar por um instante, e então arregalou os olhos:
-Ah, não... Não me diz isso...
Ele não disse nada. Só olhou pra frente.
-Puta merda... Esquece o que eu disse. Tu é que é o idiota. Parabéns. Mesmo se eu fosse idiota, tu me ganha. Tu me ganha por um monte. Tu é idiota em nível olímpico.
Ele assentiu com a cabeça.
Ela tomou fôlego pra falar, mas deteve-se. Ele perguntou:
-Que foi, alemoa?
-Eu ia te perguntar por que, mas nem tu deve saber... Então deixa. - Ela respondeu, irritada.
-Eu sei por que... É porque eu me cansei de magoar ela. De deixar ela triste. De não conseguir cumprir as menores expectativas dela. Ela merece mais do que eu tenho a oferecer agora. Ela ficou brava comigo, chateada... Pensou que eu fiz uma escolha que eu não fiz...
-Vem tu com as tuas neuras de ser julgado injustamente de novo? - Ela atravessou feito um trator.
-Não... - Ele respondeu, francamente. -Não mesmo. Ela tem o direito de pensar assim, mesmo que não seja o caso. Da perspectiva dela provavelmente é o que parece... Pra quem olha de fora, talvez, também. Mas não foi...
-O que aconteceu?
-Eu não quero falar a respeito... Entrar em detalhes. Até porque, cada vez que repasso as coisas na minha cabeça parece pior. Mas foi só uma besteira que eu fiz. Eu não... Eu não tinha nenhuma intenção de magoar ela. Mas conscientemente assumi esse risco, e ela se magoou comigo. Se chateou como eu acho que nunca tinha se chateado antes. A forma como ela falou comigo depois me deixou muito claro que ela estava mais brava comigo do que já havia estado. Mais desencantada, mais triste... Distante.
Ele se ajeitou no banco incômodo. Esticou as pernas pra frente, e deixou o corpo paralelo, apoiando-se nos braços atrás de si. Continuou:
-Então eu percebi que tinha estragado alguma coisa... E que o que eu estava fazendo... Magoando ela e pedindo desculpas, magoando ela e pedindo desculpas, magoando ela e pedindo desculpas... Bom, era o oposto de amar.
-E como é que tu sabe que ela se sentia assim? Como é que tu sabe que ela não entendeu o que houve, que não foi compreensiva - Ele a interrompeu dessa vez:
-Ela deixou claro. Ela deixou bem claro. Ela usou palavras que expressaram exatamente a forma como ela se sentiu. E ela se magoou. Se irritou. E foi justificável. Depois ela escreveu um lance que... Enfim. Deixou bem claro a ideia que ela tinha de mim.
Ele ficou em silêncio, olhando pra frente. Ela tirou as pernas de cima do banco. Olhou pra ele.
-Eu não tenho lido vocês... Vocês andaram falando demais de sexo e eu não me sentia confortável lendo...
Ele sorriu.
-Pois é... Acho que ela e eu estávamos numa seca danada e ainda... Enfim... Acabamos verbalizando.
-Que merda... - Ela concluiu.
-Pois é. - Ele concordou.
Uma lágrima escorreu pelo rosto dela. Ele viu, se endireitou e a aparou com a manga do moletom vermelho-melancia que usava.
-Não chora alemoa... O Gerônimo não era o homem da tua vida...
-Gerson... - Ela corrigiu.
-Nem o Gerson, nem o Gerônimo... - Ele confirmou.
-Não é por isso... É por causa de vocês... Vocês tinham... Vocês têm que ficar juntos. Eu já disse... O que é que tu vai fazer agora, seu traste?
-Não te preocupa. - Ele disse, sorrindo um sorriso cansado. -Nada vai mudar. Ela vai ser sempre o amor da minha vida. Mesmo brigada comigo. Mesmo justificadamente chateada. Mesmo me excluindo da PSN, mesmo mudando o telefone... Ela sempre vai ser o amor da minha vida. Na pior das hipóteses, vai ser aquela lembrança cálida quando eu for um velho cruel que vive sozinho numa casa escura furando a bola das crianças da vizinhança e criando serpentes em grandes viveiros de vidro... No plano médio, minha vida vai se resolver num futuro próximo, e eu vou mandar um e-mail naquele endereço que ela mencionou pra mim, certa vez. E talvez eu nem receba resposta, visto que provavelmente não mereço nenhuma, mas ao menos ela vai ter certeza de que ela era a the one, que sempre foi e que sempre seria.
-E na melhor? - Ela perguntou, fungando e limpando mais uma lágrima fugidia.
-Na melhor? Na melhor, nos encontramos daqui dez anos, quando ela estiver autografando o livro de crônicas dela na Cultura, e a gente vai sair pra dar uma volta e não nos largaremos mais...
-Isso não é de um filme?
-É.
-Vai tomar no teu cu.
Ele sorriu de novo. Agora triste. Ela o abraçou, o xingou mais um pouco, e pediu que ele a levasse até a parada pra ela tomar um táxi, mas ele a convenceu a voltar a pé pra casa, e eles foram, conversando sobre mil coisas que não tinham nenhuma importância, de modo que pela hora e quinze seguintes, ele conseguiu não pensar no amor perdido de sua vida.
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