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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Resenha Blu-Ray: É o Fim


Vou dizer que um dos meus grandes arrependimentos cinematográficos do ano passado foi ter perdido esse filme no cinema, lado a lado com O Último Desafio, que eu também não assisti em tela grande. Muito disso é culpa, pra variar, das distribuidoras, que colocaram o filme em poucas e longínquas salas de Porto Alegre.
Desde os primeiros trailers, com inúmeros atores recorrentes das comédias dirigidas/produzidas por Judd Apatow, É o Fim parecia um projeto divertido não apenas pelo elenco, ou por ser um roteiro de Seth Rogen e Evan Goldberg, mesma dupla de Superbad - É Hoje, mas também pela particularidade de todos esses atores estarem interpretando a si próprios no longa metragem.
Ontem, achei É o Fim no serviço de locação virtual da TV a cabo, e aluguei para tentar dar algumas risadas na madrugada insone de calor que se apresentava. E consegui.
É o Fim começa com Jay Baruchel, ator de Menina De Ouro, Como Treinar seu Dragão e Aprendiz de Feiticeiro chegando à cidade de Los Angeles, onde é aguardado por seu amigo Seth Rogen, de O Besouro Verde, Segurando as Pontas e Ligeiramente Grávidos.
Os dois comem hambúrgueres na lanchonete Carl's Jr., vão à casa de Rogen, fumam maconha, jogam videogame e finalmente Seth convida Jay para ir à uma festa na casa de James Franco, de Homem-Aranha, 127 Horas e Planeta dos Macacos - A Origem.
Os dois vão à festa onde estão Rihanna, Jonah Hill, Michael Cera, Jason Segell, Craig Robinson, Emma Watson, Mindy Kaling, Christopher Mintz-Plasse, e mais um extenso pot-pourri de comediantes egressos dos bromances que dominaram as comédias na última década.
Enquanto conhecem a fortaleza de concreto de James Franco, Jay e Seth dão uma saída para comprar cigarros, e testemunham o início do apocalipse!
Com pessoas sendo arrebatadas aos céus, o chão se abrindo, e as colinas de Hollywood prendendo fogo!
Abrigados na casa de Franco, Baruchel, Rogen, Hill, Robinson e Danny McBride esperam por resgate até perceberem que pode não haver nenhum, e que talvez devam começar a tentar descobrir como sobreviver ao fim do mundo.
É muito engraçado.
Rogen e Goldberg (que também roteirizaram Segurando as Pontas) não têm o menor pudor de expôr seus amigos e colegas de elenco numa auto paródia sem concessões. Dos suores excessivos de Craig Robinson à sexualidade ambígua e a paixão pela arte de Franco, passando pela carreira séria do duas vezes indicado ao Oscar Jonah Hill, nada passa em branco na hora de o filme fazer piada com o elenco.
Talvez esse despudor em rir de si mesmo seja o ponto alto de É o Fim, que com seu fiapo de história, acaba sendo melhor sucedido como produto para os fãs da filmografia do grupo do que como um longa metragem isolado. Por sorte as piadas são boas e seguram a peteca garantindo boas risadas graças a um elenco raçudo sem vergonha de fazer papel de ridículo, e participações especiais ótimas (Emma Watson e Channing Tatum, impagáveis) e outras nem tanto (Backstreet boys) que sustentam o longa.
Assista, é bem maneiro.

"-James Franco não chupou nenhuma piça noite passada? Agora eu sei que vocês estão todos viajando."

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Resenha Cinema: O Lobo de Wall Street


Pense comigo... Qual foi o último filme ruim que tu viu estrelado pelo Leonardo DiCaprio?
Eu estava pensando a respeito, e, pra mim, foi A Praia, de Danny Boyle, lançado em 2000, e que, a bem da verdade, não é assim tão ruim, apenas empalidece ante a filmografia do ator de lá pra cá.
Lançando em média um longa por ano (quase sempre um filmaço, ou no mínimo uma ótima atuação), DiCaprio se mostrou não apenas um grande intérprete, mas um tremendo gênio na hora de escolher seus roteiros. Não bastasse isso, ainda firmou uma bem-sucedida parceria com Martin Scorsese, com quem realizou Gangues de Nova York, O Aviador, Os Infiltrados, Ilha do Medo e o filme do título, esse O Lobo de Wall Street.
No longa DiCaprio (brilhante) vive Jordan Belfort, jovem ambicioso que decide se tornar rico. Pra isso, vai para onde vão a muitos dos jovens ambiciosos dos EUA:
Wall Street.
Lá ele começa, nos anos 80, sua curta carreira de corretor da bolsa sob a tutela de Mark Hannah (Matthew McConaughey, que vai roubar o Oscar de DiCaprio.), que dura apenas até a segunda-feira negra em 87, quando a Rothschild na qual trabalhava, fechou as portas.
Jordan chega a flertar com a ideia de abandonar a corretagem, mas é convencido por sua esposa, Teresa ( Cristin Milioti) a tentar novamente, e assim se torna um corretor da bolsa de tostões, negociando ações de companhias de baixo capital com preços mínimos por cota. É lá, com as comissões de 50% (face às comissões de 1% de Wall Street), que Jordan começa a fazer dinheiro de fato usando seus conhecimentos adquiridos na meca das bolsas de valores e uma boa dose de mau-caratismo. É na mesma época que conhece Donnie Azoff (Jonah Hill, surtado), com quem começa a trabalhar.
Jordan prospera, funda sua própria empresa, e se farta de tanto ganhar dinheiro de maneiras que vão das moralmente reprováveis às totalmente ilegais.
Entre trocas de esposa, investimentos milionários em iates de 57 pés, mansões nos metros quadrados mais valiosos da América, Ferraris, Lamborghinis, helicópteros, abuso de drogas, álcool, prostitutas e pílulas acompanhamos Jordan de sua ascensão até sua decadência, atolado até o pescoço em crimes do colarinho branco e corrupção, investigado pelo FBI e ameaçado de prisão.
É ultrajante no melhor sentido da palavra. Scorsese sabe como ninguém transformar criminosos em tipos com quem podemos simpatizar, e Jordan Belfort com sua resistência sobre-humana à drogas, álcool e sexo desprotegido, sua boca-suja e sua lábia de vendedor que não aceita não como resposta é o tipo de escroto repulsivo e hilário de quem é difícil não querer mais, especialmente quando é trazido à tela por um ator com o carisma e o calibre de Leonardo DiCaprio, que dá show durante os 180 minutos de projeção mostrando até uma faceta desconhecida com uma disposição invejável para a comédia rasgada, inclusive física (a sequência dos Lemmons na saída do country club é de fazer Jim Carrey se roer de inveja).
Sem compromisso sério para com a verdade dos fatos, Martin Scorsese conta a história de Jordan Belfort pela ótica do próprio (o filme é baseado na autobiografia de Belfort, adaptada por Terence Winter), o que explica muito do exagero do longa, como a banda de cuecas no escritório, ou o tiro ao alvo com anões, e os momentos em que Jordan se dirige à audiência por alguns momentos até decidir que ninguém é esperto o suficiente pra acompanhar o que ele diz.
Soma-se a DiCaprio um grande elenco de apoio encabeçado por Jonah Hill, impagável como o parceiro de Belfort, Donnie Azoff, além da lindona Margot Robbie como a segunda esposa do corretor, Naomi, mais Kyle Chandler, Rob Reiner, Jon Favreau, Jean DuJardin e outros nomes mais ou menos reconhecíveis de ponta a ponta, todos funcionando como relógio sob a batuta de Scorsese, o diretor que Quentin Tarantino (que eu adoro) gostaria de ser, numa histérica fita baseada em fatos que intercala momentos cômicos de chorar de rir com outros realmente sérios em um show de três horas de duração que passam voando.
Talvez o melhor filme de Scorsese desde Os Bons Companheiros, talvez a coroação de Leonardo DiCaprio como um dos maiores atores de sua geração, mas certamente um filme que estará na lista dos melhores do ano de qualquer pessoa quando dezembro chegar.
Obrigatório.

"Deixa eu te contar uma coisa. Não há nobreza na pobreza. Eu fui um homem pobre e um homem rico, e eu escolho ser rico toda porra de vez."

Resenha DVD: Invocação do Mal


Eu não sou, nem de longe, um fã de filmes de horror. Se tu procurar no blogue, acho que não encontra resenha de cinco filmes do gênero.
Não sou do tipo medroso, que não assiste terror porque não consegue dormir à noite. Na verdade, acho que meu problema é justamente o oposto. As pessoas em geral assistem filmes de terror pela possibilidade de serem amedrontadas. Pelo susto. É como andar de montanha-russa. Um lance de adrenalina.
Pra mim não funciona.
Raros são os filmes que me dão sustos. Acho a fórmula de sustos dos filmes de horror em geral bem boba. Sobe a música incidental, mostra uma coisa no primeiro plano, e ao fundo surge algo, ou ressoa um ruído altíssimo. Não me assusta mais do que aqueles vídeos do Youtube onde um carro percorre a estrada à distância e surge um zumbi rosnando em primeiríssimo plano, ou aquele jogo de labirinto que fecha com a imagem da Regan de O Exorcista ocupando a tela ao som de um grito digno de Wilhelm.
Não funciona pra mim.
Medo, então, nem se fala. Não sou nenhum Demolidor, mas medo do sobrenatural eu não tenho. Não acredito em nada disso. Fantasmas, aparições, sombras, vultos espíritos, demônios ou políticos honestos, pra mim, são todos histórias da carochinha.
Por essas e outras, ver filme de terror, pra mim, é um exercício de futilidade. Não bastasse eu desprezar o medo e o susto que os filmes de horror se propõe a causar, ainda existe outro problema, quiçá mais grave:
Filmes de horror, via de regra, são mal produzidos, mal dirigidos, têm roteiros risíveis e elencos de chorar.
Não há, então, nenhum motivo pra eu querer assistir a um filme do gênero.
Mas, eis que eu acabei assistindo esse Invocação do Mal muito por imposição de certa alemoa comprida que gosta de porcaria, mas acabou que o filme, embora não tenha me assustado, me surpreendeu.
Invocação do Mal conta a história de como Carolyn e Roger Perron (Lili Taylor e Ron Livingston) compraram, em 1971, uma bela casa de fazenda em Rhode Island.
Ao se mudarem com suas cinco filhas para o casarão precisando de alguns reparos (Já notaram como casas assombradas são sempre belos casarões? Nunca aparece um apartamento quarto e sala assombrado. Se eu arranjasse uma puta casa irada que nem a do filme, os fantasmas iam ter que me aguentar lá por muito tempo...), os Perron se veem vítimas de uma série de eventos sobrenaturais que escala até a matéria de quê são feitos os pesadelos.
Ao mesmo tempo, uma segunda linha narrativa acompanha Lorraine e Ed Warren (Vera Farmiga e Patrick Wilson), investigadores paranormais com ampla experiência em espíritos malignos e demônios, os caminhos das duas famílias se cruzam quando Carolyn, temendo pela segurança de sua família procura os Warren, e os convence a investigar a antiga fazenda.
O que os especialistas descobrem é uma imensa área repleta de atividade demoníaca disposta a destruir os Perron onde quer que eles vão.
Para impedir esse fim nefasto, os Warren terão que que usar todo o seu arsenal de conhecimento e força espiritual para derrotar essa ameaça espectral e devolver a paz aos Perron, e a si próprios, também na mira do espírito perverso após confrontá-lo.
Não é ruim.
A começar pelo elenco principal, composto por atrizes talentosas (Farmiga e Taylor) e atores esforçados (Wilson e Livingtson), Invocação do Mal dá seu primeiro passo para sair da vala comum dos filmes de horror.
Soma-se a isso a direção esperta de James Wan, que tem mais na manga do que apenas sustos fáceis (existem alguns) criando de fato uma boa atmosfera de tensão galgada sobre o elenco. Pra exemplificar, numa das sequências mais tensas do filme, não há absolutamente nada de anormal em cena, todo o horror é criado sobre uma criança olhando para a escuridão atrás de uma porta confirmando o adágio que diz que o que amedronta não é aquilo que vemos, mas sim, o que não podemos ver.
Mas não tema, fã de horror, podemos ver muitas coisas ao longo de Invocação do Mal, e ouvir, também. Sobretudo no fim do filme, com uma sequência de cenas tensas e rápidas usando diferentes ângulos de câmera para passear pelos cômodos da casa onde a ação se desenrola até o clímax.
Em suma, a direção sem preguiça de James Wan, e o bom elenco tornam Invocação do Mal um programa razoável, ótimo para fãs de terror, e nenhum calvário para quem despreza o gênero. Se a tua namorada(o) quiser ver, não precisa se descabelar, entre os terrores recentes, certamente está no topo da lista.

"-Vocês têm muitos espíritos aqui, mas há um que me preocupa mais, pois é tão odioso..."

Resenha DVD: Machete Mata


Em 2010 Robert Rodriguez transformou em filme um dos trailers falsos que talvez tenham sido a coisa mais divertida no projeto Grindhouse que ele e Quentin Tarantino tiraram do papel em 2007 (injustiça, vá lá, Planeta Terror e À Prova de Morte eram ambos bem bacanas...).
Foi de uma das prévias gozadoras que surgiu Machete, "mexploitation" idealizado por Robert e Álvaro Rodriguez contando a história do ex-federale Machete (Danny Trejo), que após ter sua vida destruída pelo narcotraficante Rogelio Torrez (Steven Seagal) foge para os EUA, onde é contratado para matar um senador linha dura (Robert De Niro), é traído por seus empregadores, e começa uma violenta saga de vingança que faz com que ele cruze o caminho de beldades como Luz (Michelle Rodriguez), Sartana (Jessica Alba) e April (Lindsay Lohan) enquanto desmembra, eviscera, decapita e esquarteja rumo ao seu objetivo.
Era uma tremenda porcaria, mas divertido.
Ver Danny Trejo, com sua cara amassada de vilão de faroeste, do tipo que nem mesmo costuma ter falas nos filmes, no papel de mocinho, comendo todas as gatas que passavam à sua frente enquanto fazia absurdos como a decapitação tripla, ou rapelar um prédio usando o intestino de um vilão como corda tinha um certo fascínio galgado na curiosidade e no flerte com o absurdo, além de achar espaço entre a fanfarronice e o gore pra fazer uma crítica à forma como os EUA tratam os imigrantes "ilegales".
Com um custo baixo, estimado em 10,5 milhões de dólares e rendendo um total de mais de 44 milhões, Machete pôde cumprir a promessa de um novo filme (Havia outro trailer falso em Machete, aventando esse Machete Mata).
Machete Mata dá sequência à história do ex-federale, agora trabalhando de maneira independente com Sartana (Alba) no combate à injustiça, Machete é recrutado pelo presidente dos Estados Unidos (Charlie Sheen) para viajar até o México com a ajuda da Miss San Antonio (Amber Heard), onde um traficante de armas chamado Mendez (Demian Bichir) planeja lançar um míssil contra Washington matando milhares de pessoas.
O que Machete não sabe é que Mendez é apenas um peão nos planos de Voz (Mel Gibson), um cientista louco que controla um exército e possui tecnologia além da imaginação para tornar sua nefasta visão de futuro real.
Para enfrentar um inimigo com tantos recursos, Machete novamente precisa da ajuda de Luz, especialmente quando se torna alvo do assassino El Camaléon (Walton Goggins, Cuba Gooding Jr., Lady Gaga e Antônio Banderas), e da prostituta assassina Desdemona (Sofía Vergara), e sua ajudante KillJoy (Alexa PenaVega).
Machete Mata não é, nem de longe, divertido como o antecessor.
Se o primeiro Machete tinha como principal qualidade a despretensão, a simplicidade de uma história de vingança boba que era mais um acessório pra divertir embalada por absurdos visuais, a sequência vai na contramão.
Machete Mata é um produto excessivamente pretensioso pra algo que, desde a origem, lá no trailer falso de Grindhouse, era vazio e bobo.
Entre vilões com fortalezas em forma de pirâmide azteca no meio do oceano, helicópteros usados pra desmembrar vilões, foguetes espaciais, armas laser e super soldados clonados, a graça da piada se perde na grandiloquência descabida.
Mesmo as participações especiais engessam o filme a partir do momento em que são mais personagens que aparecem e desaparecem sem nenhuma função na história. Claro, o desfile de gostosas com pouca roupa é sempre bem vindo (Embora as pernas de Amber Heard devessem ter aparecido mais, muito mais), Mel Gibson é uma presença a ser considerada, e boas sacadas como Charlie Sheen ser creditado como Carlos Estevez e existir até um El Camino convertido em tanque são bacanas, mas muito pouco pra sustentar esse filme, e a sequência que ele tenta emplacar:
Machete Mata Novamente... No Espaço.
Assista em último caso, num domingo à tarde é melhor que ver o Faustão...

"-Eu não sabia que isso ia acontecer...
-Machete acontece."

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Resenha Blu-Ray: Heróis de Ressaca


Se eu fosse o diretor Edgar Wright, eu odiaria o Brasil.
Odiaria, francamente. Na melhor das hipóteses, eu desprezaria o Brasil de maneira bastante honesta.
Se alguém tem razões pra isso, uma dessas pessoas é certamente o diretor britânico. Seus filmes são solenemente ignorados pelas distribuidoras brasileiras que parecem sequer cogitar exibi-los em tela grande. Por conta disso, pérolas como Todo Mundo Quase Morto e Chumbo Grosso, desembarcaram no Brasil direto em home-video, e Scott Pilgrim Contra o Mundo passou voando pelos cinemas em circuito reduzidíssimo.
Não bastasse isso, existe ainda a questão da tradução dos nomes dos longa-metragens do diretor. Scott Pilgrim foi fiel, muito por conta do quadrinho que adaptava, mas Hot Fuzz, tornou-se Chumbo Grosso, o que é besta mas inofensivo, em compensação, Shawn of the Dead, virou "Todo Mundo Quase Morto", o tipo de título que afugenta pessoas com algum bom gosto da prateleira da locadora, e o que dizer do último trabalho do diretor que de The World's End, literalmente "O Fim do Mundo", se transformou em "Heróis de Ressaca"?
Sério, se eu fosse Edgar Wright, eu já teria mandado o Brasil à merda e me recusaria a ver meus filmes vindo pra cá.
Por sorte, Wright não é vingativo e mesquinho como eu, e segue fazendo filmes que, de uma maneira ou de outra, chegam ao Brasil, nem que seja nas locadoras e nos serviços de aluguel digital.
Após dar uma pausa em suas desconstruções satíricas aos filmes de gênero com Scott Pilgrim, em 2010, Wright se reuniu à sua dupla de protagonistas, Simon Pegg (de Star Trek) e Nick Frost (de Os Piratas do Rock) e deu sequência à série Cornetto iniciada em 2004 com Todo Mundo Quase Morto, uma das melhores produções de zumbi do cinema, e seguiu com a tiração de sarro aos filmes estilo buddy cop em 2007 com Chumbo Grosso, para invadir o terreno das ficções científicas de invasão alienígena.
Heróis de Ressaca apresenta Gary King (Pegg), quarentão internado em uma clínica de reabilitação onde se gaba de suas peripécias juvenis ao lado de seus melhores amigos, e de como falharam em cumprir a "Milha Dourada", o caminho de doze pubs de sua cidade natal, Newton Haven.
Gary rejeita o fato de ser um fracassado nato, alcoólatra, viciado em drogas, o tipo de sujeito de quem todos se cansam rapidamente, ele se considera especial, realeza, e deixa isso bem claro na forma como se comporta ao resolver que precisa reunir seus velhos amigos da juventude, a quem considera acomodados domesticados pelas regras da sociedade, para refazer a Milha Dourada, e, dessa vez, terminá-la de maneira apropriada, tomando o décimo-segundo pint da noite no décimo-segundo pub do caminho, o The World's End.
Ele sai em busca de seus ex-companheiros de noitada, Peter (Eddie Marsan, de Sherlock Holmes), um vendedor de carros que trabalha com o pai, Oliver (Martin Freeman, de O Hobbit), corretor imobiliário que parece ter um fone de ouvido bluetooth implantado na orelha, Steven (Paddy Considine, de O Ultimato Bourne), arquiteto recém divorciado que sai com uma instrutora de academia de 26 anos e que na juventude disputava com Gary as atenções de Sam (a lindona Rosamund Pike, de Jack Reacher - O Último Tiro), irmã de Oliver, e Andrew (Frost), advogado que se recusa a falar com Gary, ou a respeito de Gary, por conta de uma desavença do passado.
A despeito das antigas diferenças, todos acabam concordando em retornar à cidadezinha para tomar algumas cervejas, relembrar o passado e rever os amigos.
Entre decepções como a "starbucksação" de todos os pubs da região e o fato de Andrew não beber a seis anos, e reminiscências do bullying que Peter sofria na escola e da rivalidade entre Steven e Gary, porém, algo acontece, e o grupo descobre que há uma coisa sinistra acontecendo na cidadezinha de Newton Heaven.
Muitos moradores foram substituídos por duplos mecânicos no que parece ser uma invasão alienígena em estágios avançados de progresso.
De posse dessa informação o grupo de beberrões vê-se subitamente como uma improvável esperança de garantir a liberdade da humanidade!
É genial.
Heróis de Ressaca (me dói escrever esse título) talvez seja o melhor filme de Wright até aqui. Além dos óbvios elementos anárquico/cômicos prestando homenagem a um tipo específico de filme (invasores de corpos sendo a mais óbvia influência como antes acontecera com Madrugada dos Mortos e Caçadores de Emoção), há também uma verdadeira preocupação com os personagens. Se o salto que o filme dá em direção à ficção científica lá pela metade não fosse tão bem desenhado e absurdamente divertido, daria até pra sentir falta da linha narrativa "Amigos de infância fazendo viagem agridoce de lembranças por bares de outrora". Por sorte, as reminiscências seguem enquanto surgem na tela alienígenas mecanorgânicos (Não são robôs!) superfortes recheados de gosma azul, que resultam em ótimas sequências de ação intercaladas por gargalhadas escancaradas e até momentos genuinamente tocantes.
Sem jamais perder o foco na interação dos protagonistas (o elenco inteiro está em excelente forma), e nos temas inerentes ao filme (o medo de abrir mão da juventude e da liberdade para se enquadrar em um ideal mais adulto e "civilizado"), o filme de Wright e Pegg (co-autores do roteiro) encaixa certinho, e garante a diversão e as risadas por 109 minutos que passam voando.
Alugue e assista. Vale demais a pena.

"-Cinco caras, doze pubs, cinquenta pints!
-Sessenta pints.
-Oooh, segura a onda, seu alcoólatra!"

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Rapidinhas do Capita


Quando o Eugênio entrou de surpresa no quarto com um ramo de flores e uma garrafa de vinho, e viu a Guilhermina deitada na cama com aquele consolo enorme enfiado dentro de si, dando um grito de vergonha ao deparar-se com ele à porta, três coisas lhe passaram pela cabeça:
A primeira foi onde ela escondia aquele troço? Era enorme, devia ter uns sessenta e cinco, setenta centímetros de comprimento, grosso como um baguete, e vermelho vivo. Se estivesse pendurado na parede passaria por um extintor de incêndio, mas não, não havia extintor de incêndio dentro do apartamento.
A segunda coisa foi que fizera sentido o "tu não é homem o suficiente pra mim" que ela lhe dissera quando brigaram algumas horas mais cedo. Ele refletira a respeito enquanto esfriava a cabeça na rua, e chegou a imaginar que ela se referia ao fato de ele não ser um provedor típico, ou de ser um sujeito mais tranquilo, do tipo pacífico. O que o incomodou. Mas se ela se referia às dimensões de seu pênis, e o parâmetro dela era aquele negóssauro que ela não parava de puxar de entre as pernas, então, de fato, ele não era homem suficiente pra ela, e duvidava que mesmo entre atores pornôs, aberrações de circo e magos do Czar houvessem muitos indivíduos que fossem "homem suficiente pra ela.".
A terceira foi que ela levara ao pé da letra o "vai se foder" que ele esbravejara antes de sair de casa, e nesse caso, vendo-a expondo toda a sua elasticidade íntima, pensou em fazer as pazes a mandá-la tomar no cu, só pra ver o que rolava.

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E esse lance dos rolezinhos?
Mais triste que ver a gurizada da periferia se juntando em bando pra incomodar funcionários, lojistas e frequentadores de shopping ou vandalizar os mesmos, é ver psicólogos e defensores de direitos humanos justificar a prática com o discurso de inserção social.
Vi uma psicóloga e um cientista social falando que é uma forma de se inserir num meio ao qual não se tem acesso, impulsionados pelo fascínio gerado pelas letras de funk ostentação, e que impedi-los de frequentar os shopping centers é um ato fascista e perverso da burguesia capitalista...
Bom, sobre se inserir em um meio, vou contar uma história:
Eu sou pobre hoje, mas na adolescência era muito mais pobre. Pobre, mesmo. Pra piorar, como adolescente, não tinha emprego fixo sempre, muitas vezes fazendo trabalhos temporários pra conseguir um troco e comprar alguma coisa que eu queria.
Mesmo sem dinheiro, frequentava o shopping. Com amigos que não tinham muito mais dinheiro do que eu, íamos quase que diariamente ao shopping center perto de casa, visitávamos as lojas, olhávamos produtos, e só comprávamos salgadinho Doritos nas Lojas Americanas pois era mais barato que no mercado, provavelmente a única coisa pra qual o nosso dinheiro dava.
Nunca nos impediram de entrar. Nunca fomos acossados por não estar vestidos com roupas de marca, e nem constrangidos por não termos dinheiro.
Mas sempre soubemos nos comportar, mesmo em grupos de 4, 5, ou 8 moleques, como não era incomum entrarmos no shopping.
A grande diferença?
Quando íamos ao shopping olhar produtos aos quais não tínhamos acesso, nós nos comportávamos direito. Éramos educados. Não fazíamos arruaça, nem algazarra.
Talvez essa seja a grande diferença.
Sobre impedir o acesso da periferia ao shopping, só digo o seguinte, quem fala isso jamais esteve no Praia de Belas em dia de Passe-Livre dos ônibus de Porto Alegre.
O pobre não é impedido de acessar o espaço público, basta se comportar feito gente.

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Vou dar uma dica do que o Internacional deveria fazer com Ignácio Scocco, atacante argentino contratado ao Newell's Old Boys ano passado por cinco milhões de dólares, e que, no início da pré-temporada do Internacional na serra, disse que não está "na adrenalina" de jogar o futebol brasileiro:
Faça-o cumprir o contrato.
Em casa. Não deixem que vá ao Beira Rio treinar, não deixem que jogue futebol amador para não se lesionar. Não deixem que assine com outro clube.
Paguem regiamente seu salário polpudo a cada trinta dias durante os quatro anos de contrato, e deixem que ele se recupere no sofá da sala dessa falta de adrenalina.
Se vamos torrar dinheiro, que o torremos dando um exemplo.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Crescer ou Não?


O ritual era sempre o mesmo. Após chegar do serviço, o Amarildo passava rapidamente em casa, largava suas coisas, apanhava um cooler de cervejas, e ia pra esquina encontrar seus vizinhos Tadeu e Romário. Os três ficavam escorados na grade do prédio de um serviço de proteção ambiental que funcionava por ali, bebendo algumas geladas e olhando o movimento. Amarildo, solteiro e sem namorada, via nesse pequeno ritual diário sua melhor chance de interação social fora do trabalho.
Romário e Tadeu haviam crescido com Amarildo, e sempre moraram na mesma quadra, os três. Quando um deles, o Tadeu, recém casado, avisou que iria se mudar, Amarildo e Romário ficaram muito chateados, mas só até descobrirem que ele se mudaria pra uma casa duas quadras adiante.
A questão é que, embora fossem os três muito amigos, o Tadeu e o Romário estavam chegando à uma fase da vida em que as responsabilidades começam a pesar.
O Tadeu, com uma esposa, um filho pequeno, e mais uma guriazinha a caminho gostava do ritual da cervejinha na calçada, mas tinha obrigações em casa que tornavam simplesmente proibitivo fazer isso todos os dias. O Romário, por sua vez, após anos de escapulidas dignas de Houdini, viu-se sem fuga às cobranças de compromisso de sua namorada, a Fabíola, que conquistou a chave do apartamento de Romário, três gavetas na cômoda e duas portas do guarda-roupa. Mais que o espaço físico na casa, porém, Fabíola conquistara espaço físico na vida do Romário, que também via minguarem as suas chances de ir diariamente conversar sobre amenidades na calçada enquanto bebia uma ceva.
O afastamento deles não era despeito nem nada do gênero, era circunstância da vida, e tanto Tadeu quanto Romário mantinham a intenção de continuar com a cervejinha na calçada, mas dando ênfase aos finais de semana, quando poderiam fazê-lo sem culpa de nenhum tipo.
Esse afastamento gradual dos amigos começou a preocupar o Amarildo.
Quando estava com o Tadeu e o Romário, eram três amigos conversando na calçada, sem eles, era apenas um bêbado abjeto tomando cerveja na rua e olhando as mulheres que passavam.
Isso fez com que o Amarildo parasse pra pensar se sua forma de abordar a vida não estava errada.
O Amarildo sempre morara sozinho, desde que saiu da casa dos pais. Gostava assim. Era um sujeito na dele, o Amarildo. Prezava sobremaneira a sua privacidade. Tinha horários estranhos, gostava de dormir cedinho à noite, acordar de madrugada, e aí, sim, fazer as tarefas da casa e as coisas que lhe apraziam. Ver TV, ler, jogar videogame...
Com todas as suas peculiaridades, o Amarildo sabia que não seria qualquer mulher que o aceitaria sem que ele tivesse que mudar radicalmente seus hábitos. Tinha os relatos de Tadeu pra comprovar. O amigo casado só conseguia jogar videogame, por exemplo, entre a meia-noite e a uma da manhã. Ás vezes estava tão cansado que não tinha ânimo nem pra ligar o aparelho. Sem contar os sermões que ouvia da esposa, Deise, quando resolvia investir cento e cinquenta reais em um jogo novo ao invés de em algo "para a casa".
Sem ir tão longe, Romário também tinha suas queixas da vida a dois.
Fabíola invadira sua casa como os exércitos de Saruman fizeram com Helm's Deep. Lhe explodira as muralhas e se alojara confortavelmente no pátio externo do seu Forte da Trombeta particular.
Romário ainda tinha a sorte de Fabíola manter uma casa só sua, e geralmente dar-lhe uma folga alguns dias da semana, mas o próprio Romário admitia que era questão de tempo até ser confrontado por Fabíola novamente e ter que transformar o hábito de frequentar a casa um do outro em morar juntos, e então, algo ainda mais sério.
Amarildo não entendia por que os amigos aceitavam abrir mão de suas individualidades. Pra ele parecia lógico que se uma pessoa era incapaz de aceitá-lo como ele era, com toda a sua bagagem de características qualidades e defeitos, não era a pessoa ideal pra ele. Alguém que tentava mudar quem ele era, era como um alfaiate que ao ver que a roupa não servia começava a mexer no corpo do cliente. Não era o que ele queria da vida, especialmente da vida a dois.
Ainda assim, naquela semana que passou sozinho, o Amarildo se viu desejando que houvesse alguém em sua vida. Ao ver Romário e Fabíola, felizes saindo de mãos dadas para ir ao cinema, ou ao ver Tadeu e Deise voltando do super mercado aos risos com o filhote correndo na frente, imaginou se sua reserva, seu desejo por privacidade, sua necessidade de espaço não eram apenas desculpas para adiar seu amadurecimento.
Ficar acordado até tarde jogando videogame e vendo TV não eram, afinal de contas, as prioridades de um adolescente?
Aliás, tanto Fabíola quanto Deise já haviam confidenciado a Romário e Tadeu que gostavam de Amarildo, mas o achavam demasiado juvenil em certos aspectos.
Talvez tivessem razão.
Amarildo, por vezes, era demasiado juvenil. Fazia piadinhas despropositadas. Abordava determinadas situações sem a profundidade que requeriam. Emburrava-se frequentemente, preferindo guardar silêncio taciturno sobre o que o incomodava ao invés de travar diálogo com a outra parte...
Talvez fosse isso. Talvez Amarildo precisasse encarar a vida de frente. Dar um salto de fé. Tentar.
Pensava nisso, escorado na grade do prédio, quando olhou para o lado e viu a aproximação da Vanessa.
Vanessa morava na rua a tanto tempo quanto Amarildo, Tadeu e Romário.
Era bonita. Tinha longos cabelos cor de mel, faiscantes olhos verdes, era alta, magra como um cabide, e o único lugar onde lhe abundavam curvas era no traseiro que todos costumavam acompanhar com os olhos à cada passagem da jovem pela calçada.
Mais de uma vez Vanessa e Amarildo trocaram olhares, palavras, e gracejos, mas Amarildo, juvenil que era, jamais dera um passo adiante, especialmente por saber que Vanessa era moça séria.
Agora, a via andando em sua direção, o vestido roxo esvoaçante, os chinelos Havaianas brancos calçando-lhe os pés delicados, um insuspeito picolé de limão que todos os homens de bom gosto por certo invejariam dançando em sua mão... Se fosse pra se amarrar com alguém... Se fosse pra mudar por alguém... Se fosse pra ser feliz ao lado de alguém numa relação de abrir precedentes de parte à parte... Então, Amarildo escolhia Vanessa.
Vanessa o conhecia a tempo o suficiente. Vanessa era bela e acessível. Era divertida e leve. Era alguém por quem valeria a pena crescer.
Ela estava se aproximando, o viu e abriu um sorriso. Era um sorriso bonito. Era lindo, na verdade. O modo como o lábio inferior, mais cheio, se deitava sobre a ruguinha acima do queixo bem desenhado, e as sobrancelhas bem desenhadas se arqueavam sobre os olhos verdes... Bastava Amarildo demonstrar boa-vontade e comprometimento. Bastava agir com deferência e educação, e conseguiria que Vanessa saísse com ele. Iriam ao cinema, a um barzinho. Conversariam e ele sabia que podia conquistá-la. A conhecia o suficiente para saber que ela não era uma mulher fútil interessada apenas em materialismos. Que se encontrasse o homem certo, trabalharia para edificar uma vida ao lado dele. Bastava a Amarildo mostrar que podia ser o homem certo.
Sorriu de volta.
Era a hora. Se escolhesse suas palavras com sabedoria, poderia, ali, dar o primeiro passo rumo ao amadurecimento. Ao crescimento. O primeiro passo rumo à vida adulta. Ao amor. Aos relacionamentos de verdade. Ao que Tadeu tinha com Deise, ao que Romário tonha com Fabíola.
Respirou fundo, escolheu as palavras, e quando Vanessa estava passando bem à sua frente disse:
-Ô, Vanessinha... Tá bem, hein? Com uma bunda dessas tá convidada pra fazer cocô lá em casa.
Ela riu e o chamou de idiota enquanto entrava no prédio.
Amarildo respirou aliviado quando ela fechou a porta atrás de si, rindo.
Ainda não estava pronto pra amadurecer.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A Carta que Veio de um Sonho


Ele sentou diante da folha com a caneta vermelha à mão. Colocou-a junto ao papel, e suspirou.
Escreveria motivado por um sonho.
Sonhara com ela naquela noite, e acordara sem conseguir tirá-la da cabeça desde então.
Começou:
"Uma das minhas lembranças mais prazerosas, foi uma tarde de sábado, quando tu estava de férias e foi pra minha casa. Éramos os dois adolescentes, eu um pouco mais adolescente que tu. Nós nos aproveitamos que meus pais e irmãos não estavam em casa, e fizemos sexo na cama deles, bem à moda dos adolescentes.
Foi sexo bem-feito. Resfolegante, suado, em alto e bom som. Tu gemeu, arranhou minhas costas, e até gritou alto em alguns momentos. Coisa que eu nunca soube se fora espontânea, ou se tu estava apenas tentando me excitar de alguma forma, como se precisasse... Lembro de quando estávamos deitados, ambos nus na cama, janelas abertas, e eu te olhei, em toda a tua glória, alta, esguia e branca, com os cabelos loiro-escuros longos e lisos descansando sob as tuas costas e cabeça, os seios fartos que eu aprendi a considerar minha casa olhando para o teto... E pensei que aquela... Aquela era uma ideia de felicidade perfeita.
Aquele mulherão de voz rouca, um metro e setenta e quatro de temperamento difícil, por vezes beirando a grosseria, deitada nua a meu lado, antevendo as coisas mundanas que faríamos durante o dia, sorrindo, e perguntando, fingindo timidez, se havia feito barulho demais...
Eu olho pra trás, e me lembro do prazer de te ter ao meu lado na cama naquela tarde. Me lembro de como aquele momento foi feliz pra mim. E lembro de outros momentos felizes contigo.
Não foram poucos.
Me lembro de te ver chegando de surpresa na praia, invadindo o veraneio da minha família. Da minha avó implicando contigo. De como tu te apegou à minha mãe. Me lembro dos passeios de mãos dadas... Dos beijos... Dos meus gols feitos pra ti que tu nunca via, pois não estava (e nem deveria estar) prestando atenção à pelada que se desenrolava no parque.
Me lembro de te cuidar dormindo na cama do Renan, durante o jantar trágico na casa dele em 97. Me lembro do teu amigo Alex, olhando pra mim na poltrona que partilhávamos velando teu sono, apontando pra mim, então pra ti, e fazendo um sinal de coraçãozinho com as mãos como quem pergunta "Tu tá apaixonado por ela, não tá?". E eu, depois de rir da mímica, confirmei com um aceno de cabeça tímido.
Lembro das nossas conversas madrugada adentro. Das risadas. Das brigas verdadeiras e das falsas, fingindo lutinhas.
Muitas lembranças cálidas. Muitos bons momentos. Alguns maus momentos, também... Mas nada de grave. Maus momentos fazem parte da vida, e ajudam a gente a mensurar com mais justiça os bons momentos.
Grave, muito mais grave que os eventuais maus momentos, são os arrependimentos. Arrependimentos de coisas que não podem ser remediadas.
Me arrependo de ter mentido pra ti. De ter te enganado. Me arrependo de não ter te levado ao cinema. De não ter te levado à montanha-russa. Me arrependo de não ter te agarrado de jeito naquele dia em que tu foi falar comigo linda, de cabelos soltos, calça e blusa verde-água, e dito que te amava. Me arrependo de ter feito uma piada quando tu me perguntou se o que nós fazíamos era trepar, fazer sexo, ou fazer amor.
Contigo eu sempre fiz amor.
Mesmo quando era acrobático e resfolegante, era amor.
Hoje nada disso importa. Todas as portas se fecharam. Todos os pontos finais foram pincelados. Todos os Is devidamente pingados. Tu me exorcizou, e eu fico feliz por ti. Por tu não precisar mais conviver com o meu fantasma pálido ao redor de cada esquina.
Tu me disse, muito depois, depois de a vida seguir seu curso, quando já não estávamos juntos, uma coisa muito bonita. Em outras palavras, tu me disse que eu precisava saber que, quando eu me sentia desesperado e sozinho, existia, em algum lugar, alguém que me amava muito.
Naquele dia, eu contraí mais um arrependimento pra minha vida:
Não respondi que a recíproca era verdadeira.
Ainda assim, hoje eu sei. Após algumas pancadas, algumas enxovalhadas, após chegar ao fundo do poço e resolver parar de cavar, eu sei. Sei que era amor. Sempre foi. Eu só não soube verbalizar. Só não soube demonstrar. Eu era jovem. Era estúpido. Era imaturo. E por isso eu lamento.
Não quero novas chances. Nem as mereço. Acho que nosso momento, infelizmente, passou. O mundo continuou girando e pessoas entraram e saíram da vida de nós dois, e hoje as coisas são diferentes... Mas ainda assim, eu te amei.
Amei muito. De verdade.
E amor de verdade, pode perder intensidade. Pode mudar de forma. Mas jamais se apaga.
Então, em todos os momentos da tua vida, lembre-se:
Tem alguém, em algum lugar, que te ama muito."
Quando descolou a caneta vermelha do papel, lágrimas lhe escorriam pelo rosto, mas ele ostentava um sorriso. Não sabia se mandaria a mensagem, mas sentiu-se bem por, finalmente, após tanto tempo, ser capaz de verbalizar, de maneira vagamente inteligível, aquilo que sentia.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Acaso, Suicídio e Stevie Wonder


A Fátima acordou esfregando os olhos, toda torta no sofá da sala diante da TV. O telefone tocava e a despertou de seu sono sofrido. Ela cavou os lenços de papel amassados que abundavam sobre a mesa, resultado de uma crise existencial que a Fátima, Fafá para os íntimos, vinha experimentando naquela semana, procurando pelo aparelho.
Um toque.
Quem via aquela mesa repleta de lenços de papel amassados, podia pensar que a Fátima experimentava as mazelas de um fim de relacionamento, ou um coração partido. Ledo engano.
O problema da Fátima era muito mais grave do que um coração partido. A Fátima estava experimentando a consequência de uma auto-análise severa, escrutinadora e até impiedosa que a fez chegar à conclusão de que ela não podia ser amada.
Explica-se:
Fátima namorou por cerca de um ano e meio com Romão. Romão era um bom rapaz. Boa aparência, emprego estável, boa conduta, boa família. Fátima e Romão viviam bem juntos. Se gostavam, eram pessoas civilizadas que partilhavam gostos em comum.
Mas à certa altura, a Fátima começou a se afastar do Romão.
Nem foi por querer. Não foi calculado, nem consciente, nem nada. Simplesmente aconteceu. A distância entre eles foi aumentando até um ponto em que eles pouco se viam, e quando se viam, pouco conversavam, e quando o Romão perguntou-lhe qual era o problema, o que havia de errado, ela, sentindo-se acuada, responsabilizada pelos males da relação, reagiu intempestivamente e tudo terminou em uma briga, cheia de palavras mordazes e ressentimentos.
Outro toque.
Fátima se arrependia mais de ter sido injusta com Romão ao terminarem do que do término em si. Sabia que o Romão encontraria outra pessoa. Quiçá uma pessoa melhor que ela própria.
Não que Fátima se visse como uma má pessoa para se dividir o tempo. Não se via assim e nem o era. Mas sabia que o Romão podia encontrar alguém com quem partilhasse mais afinidades.
Talvez esse altruísmo todo com relação ao Romão, fosse um combustível inconsciente à própria esperança de encontrar alguém com quem, mais do que viver bem, ela pudesse vivenciar um amor de verdade.
Fátima, com mais trinta anos jamais experimentara uma relação de longo prazo. Seu namoro mais longo dera-se entre a adolescência e a vida adulta, quando namorara um rapaz da mesma turma de amigos por dois anos e meio, entre os dezessete e os vinte anos. Se esse fora seu relacionamento mais longo, os outros todos, que não eram tantos, não chegavam a somar o dobro desse tempo de duração.
Foi pensando nisso que Fátima percebeu o padrão...
Mais um toque.
Olhando em perspectiva, revisando sua vida até ali, Fátima viu que sabotava as próprias relações. Percebeu uma teia de eventos que sempre terminava com ela afastando a outra pessoa até ter motivo pra terminar a relação.
Fátima percebeu que estava sozinha, e sempre estaria, porque era incapaz de se adequar à uma vida plena de felicidade, à uma rotina de alegrias e bons momentos. Fátima deu-se conta de que só se sentia normal se estivesse miserável, incompleta e ansiando novamente por algo que possuíra e descartara sistematicamente ao longo de sua vida adulta. Ainda que tentasse racionalizar o próprio comportamento justificando que é natural do ser humano se colocar em situações em que deseje algo, a mola propulsora da busca por crescimento e aprimoramento, era impossível fazer vista grossa ao fato de que ela não buscava por coisas novas, diferentes ou melhores, apenas se colocava em posição de precisar, repetidamente, de algo que já experimentara, e tornara insuficiente por conta própria.
O problema não era o mundo, as pessoas, ou as relações interpessoais. O problema era unica e exclusivamente, a própria Fátima.
Novamente um toque.
Foi essa percepção que fez Fátima se trancar em casa durante toda a semana de folga dos feriados. Foi ver que ela era a única pessoa que havia a quem culpar pelas tristezas e percalços de sua vida. O fato de ninguém ter aparecido em sua casa, telefonado ou sequer mandado um SMS serviu apenas para reforçar a constatação de que Fátima afastava as pessoas gerando um perímetro de espaço vazio e morto ao redor de si, e que qualquer forma de vida que tentasse romper aquela barreira era destruída pelo ambiente corrosivo e inóspito que ela projetava.
Fátima estava irremediavelmente sozinha, e era a única responsável por isso.
Absorver essa realidade era duro, e fora o que Fátima tentara fazer ao longo da última semana. Sem grande sucesso. Face à verdade de sua condição, ela chorou. Chorou muito. E prometeu a si própria que mudaria. Que faria diferente se tivesse a chance. Mas não conseguia ver essa chance, não conseguia ver saída. Isso a deixou tão desesperada que ela chegou a pensar em dar fim a tudo. Ela chegou a pensar em abrir um frasco de remédios, tomar todos os comprimidos, deitar, dormir e nunca mais acordar. Mas faltou-lhe coragem. Faltou-lhe convicção. E isso fê-la chorar ainda mais. Fátima chorou até dormir diante da TV. E agora era acordada pelo telefone, que tocava pela quinta vez. Encontrou o aparelho em meio aos lenços amassados sobre a mesinha de centro, e atendeu, levando o fone ao ouvido.
-Alô? - Disse com a voz chorosa.
Um instante de silêncio, e do outro lado da linha, eclodiu a voz de Stevie Wonder:
-I just called, to say, I love you... I just called, to say how much I care... I just call, to say, I love you... And I mean it from the bottom of my heart...
A música parou, Fátima continuou na linha, os olhos vermelhos e lacrimejantes esbugalhados de surpresa e dúvida. Do silêncio, brotou uma respiração, e então uma voz:
-Tem amo, moça.
E então, o som contínuo do telefone desligado antes mesmo que ela fosse capaz de concatenar uma resposta.
Mas não era necessário. Fátima já sabia o que precisava. Apesar dos pesares, alguém a amava. Alguém se importava. E isso era tudo o que ela tinha que saber. A única certeza de que ela tinha necessidade inadiável:
Alguém ainda a amava, apesar de tudo.
Ela, de posse dessa informação, poderia se levantar e seguir em frente. Poderia tentar mudar, na certeza de que não era tarde demais para aceitar a felicidade. Ela não era a pessoa desprezível que imaginava. Alguém se dera ao trabalho de telefonar apenas para dizer que a amava, e isso dizia muito.
O que a Fafá não ficou sabendo foi que o Juliano, o rapaz que ligara, errara o último dígito do telefone de sua namorada, Servilha, um doce de menina, bonita, diligente, inteligente e prendada, que fazia aniversário naquele dia, e que, além de não receber presente, ficou até sem aquele telefonema mequetrefe que o Juliano improvisara pra economizar. Isso a levou a, no dia seguinte, terminar com ele, que mesmo sendo um idiota pão-duro, aproveitador e egoísta, ainda amava a Servilha, e acabou se suicidando algumas semanas mais tarde, após vê-la em uma festa com o namorado novo.
Justamente o Romão, a quem ela conheceu ao acaso, sempre o acaso, numa festa uma semana antes.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Santinha


Quando o Cláudio percebeu que havia esquecido os óculos, voltou pra casa para apanhá-los. Ao chegar, percebeu o par de calças jeans masculinas jogados no chão da sala, e o "nhéc-nhéc" malicioso das molas da cama no quarto, abriu a porta e se deparou com a Santinha agarrada no Jeremias. Naquele momento, além de chifres, duas coisas lhe vieram à cabeça:
A primeira era alívio.
Não por ser corno, que ser corno ninguém gosta, exceto, talvez, cantores sertanejos que parecem ver guampa como combustível pra música (?). Mas a verdade é que chifre nunca matou o chifrado (embora possa ter feito alguns cornos bravos matar aquele proverbial amante de cuecas no guarda-roupa e a piranha por quem ele botava a mão no fogo...). Mas a verdade, é que a simples ideia de ter uma razão palpável pra terminar com a Santinha, deixou o Cláudio até feliz.
A Santinha era uma tremenda vaca. Mal-educada, mal-agradecida, grosseira, cheia de manias, pretensiosa e nem sequer era bonita.
Tinha pouco pescoço, pele áspera, mãos de colhedora de batata, e pernas finas. A única coisa que mantinha o Cláudio preso à Santinha, era o hábito, e o fato de que ele por alguma razão, via certa fragilidade em seus motivos pra terminar com ela.
Como chegar numa pessoa e lhe dizer que "Olha, eu vou ser franco, não sou eu, é tu. Tu é muito vaca, mal-educada, mal-agradecida, grosseira, cheia de manias, etc...".
Não cabia. Ficava até feio fazer uma coisa dessas.
Se dissesse o contrário, o tradicional "Não é tu, sou eu", estaria não apenas mentindo a respeito de seus sentimentos, mas também mentindo a respeito dos predicados da Santinha, que poderia continuar levando sua vida com a ilusão de que não havia nada de errado com ela.
O que também não cabia. Era injusto, inclusive.
Mas ali, vendo ela enlaçando com as pernas o Jeremias, o bêbado do prédio, e fazendo cara de pânico enquanto tentava tirá-lo cima de si, o Cláudio via o momento perfeito, não apenas para terminar com a Santinha, mas também para extravasar, dizer à ela as verdades que ela precisava desesperadamente ouvir, e tudo isso dentro de um contexto.
As coisas mais pessoais, e que eram mais um reflexo dos gostos e percepções do Cláudio, como o lance da pele áspera, das pernas finas, das mãos grandes e da falta de pescoço, e que obviamente não incomodavam o Jeremias, eram detalhes que não escapariam ao Cláudio na hora de esbravejar, fingindo tristeza, seu discurso de encerramento da relação. Eram verdades que veriam a luz do dia sem parecer cruéis, ou ao menos sem parecer gratuitas. Ele estaria magoado, e talicoisa, seria esperado que pichasse a Santinha ao menos um pouco...
Já as verdades absolutas, as falhas de caráter de Santinha, essas ele poderia enumerar pra ela, e esperar que ela, em relações futuras, não apenas com um homem, mas na vida em geral, se policiasse, se não se tornar melhor pessoa, de fato, ao menos não ser tão vaca.
Tudo isso foi a primeira coisa que passou pela cabeça do Cláudio, a segunda, foi a consumação da óbvia ironia do nome de batismo da vaca, que de Santinha não tinha nada.