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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A Carta que Veio de um Sonho


Ele sentou diante da folha com a caneta vermelha à mão. Colocou-a junto ao papel, e suspirou.
Escreveria motivado por um sonho.
Sonhara com ela naquela noite, e acordara sem conseguir tirá-la da cabeça desde então.
Começou:
"Uma das minhas lembranças mais prazerosas, foi uma tarde de sábado, quando tu estava de férias e foi pra minha casa. Éramos os dois adolescentes, eu um pouco mais adolescente que tu. Nós nos aproveitamos que meus pais e irmãos não estavam em casa, e fizemos sexo na cama deles, bem à moda dos adolescentes.
Foi sexo bem-feito. Resfolegante, suado, em alto e bom som. Tu gemeu, arranhou minhas costas, e até gritou alto em alguns momentos. Coisa que eu nunca soube se fora espontânea, ou se tu estava apenas tentando me excitar de alguma forma, como se precisasse... Lembro de quando estávamos deitados, ambos nus na cama, janelas abertas, e eu te olhei, em toda a tua glória, alta, esguia e branca, com os cabelos loiro-escuros longos e lisos descansando sob as tuas costas e cabeça, os seios fartos que eu aprendi a considerar minha casa olhando para o teto... E pensei que aquela... Aquela era uma ideia de felicidade perfeita.
Aquele mulherão de voz rouca, um metro e setenta e quatro de temperamento difícil, por vezes beirando a grosseria, deitada nua a meu lado, antevendo as coisas mundanas que faríamos durante o dia, sorrindo, e perguntando, fingindo timidez, se havia feito barulho demais...
Eu olho pra trás, e me lembro do prazer de te ter ao meu lado na cama naquela tarde. Me lembro de como aquele momento foi feliz pra mim. E lembro de outros momentos felizes contigo.
Não foram poucos.
Me lembro de te ver chegando de surpresa na praia, invadindo o veraneio da minha família. Da minha avó implicando contigo. De como tu te apegou à minha mãe. Me lembro dos passeios de mãos dadas... Dos beijos... Dos meus gols feitos pra ti que tu nunca via, pois não estava (e nem deveria estar) prestando atenção à pelada que se desenrolava no parque.
Me lembro de te cuidar dormindo na cama do Renan, durante o jantar trágico na casa dele em 97. Me lembro do teu amigo Alex, olhando pra mim na poltrona que partilhávamos velando teu sono, apontando pra mim, então pra ti, e fazendo um sinal de coraçãozinho com as mãos como quem pergunta "Tu tá apaixonado por ela, não tá?". E eu, depois de rir da mímica, confirmei com um aceno de cabeça tímido.
Lembro das nossas conversas madrugada adentro. Das risadas. Das brigas verdadeiras e das falsas, fingindo lutinhas.
Muitas lembranças cálidas. Muitos bons momentos. Alguns maus momentos, também... Mas nada de grave. Maus momentos fazem parte da vida, e ajudam a gente a mensurar com mais justiça os bons momentos.
Grave, muito mais grave que os eventuais maus momentos, são os arrependimentos. Arrependimentos de coisas que não podem ser remediadas.
Me arrependo de ter mentido pra ti. De ter te enganado. Me arrependo de não ter te levado ao cinema. De não ter te levado à montanha-russa. Me arrependo de não ter te agarrado de jeito naquele dia em que tu foi falar comigo linda, de cabelos soltos, calça e blusa verde-água, e dito que te amava. Me arrependo de ter feito uma piada quando tu me perguntou se o que nós fazíamos era trepar, fazer sexo, ou fazer amor.
Contigo eu sempre fiz amor.
Mesmo quando era acrobático e resfolegante, era amor.
Hoje nada disso importa. Todas as portas se fecharam. Todos os pontos finais foram pincelados. Todos os Is devidamente pingados. Tu me exorcizou, e eu fico feliz por ti. Por tu não precisar mais conviver com o meu fantasma pálido ao redor de cada esquina.
Tu me disse, muito depois, depois de a vida seguir seu curso, quando já não estávamos juntos, uma coisa muito bonita. Em outras palavras, tu me disse que eu precisava saber que, quando eu me sentia desesperado e sozinho, existia, em algum lugar, alguém que me amava muito.
Naquele dia, eu contraí mais um arrependimento pra minha vida:
Não respondi que a recíproca era verdadeira.
Ainda assim, hoje eu sei. Após algumas pancadas, algumas enxovalhadas, após chegar ao fundo do poço e resolver parar de cavar, eu sei. Sei que era amor. Sempre foi. Eu só não soube verbalizar. Só não soube demonstrar. Eu era jovem. Era estúpido. Era imaturo. E por isso eu lamento.
Não quero novas chances. Nem as mereço. Acho que nosso momento, infelizmente, passou. O mundo continuou girando e pessoas entraram e saíram da vida de nós dois, e hoje as coisas são diferentes... Mas ainda assim, eu te amei.
Amei muito. De verdade.
E amor de verdade, pode perder intensidade. Pode mudar de forma. Mas jamais se apaga.
Então, em todos os momentos da tua vida, lembre-se:
Tem alguém, em algum lugar, que te ama muito."
Quando descolou a caneta vermelha do papel, lágrimas lhe escorriam pelo rosto, mas ele ostentava um sorriso. Não sabia se mandaria a mensagem, mas sentiu-se bem por, finalmente, após tanto tempo, ser capaz de verbalizar, de maneira vagamente inteligível, aquilo que sentia.

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