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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
Resenha Blu-Ray: Heróis de Ressaca
Se eu fosse o diretor Edgar Wright, eu odiaria o Brasil.
Odiaria, francamente. Na melhor das hipóteses, eu desprezaria o Brasil de maneira bastante honesta.
Se alguém tem razões pra isso, uma dessas pessoas é certamente o diretor britânico. Seus filmes são solenemente ignorados pelas distribuidoras brasileiras que parecem sequer cogitar exibi-los em tela grande. Por conta disso, pérolas como Todo Mundo Quase Morto e Chumbo Grosso, desembarcaram no Brasil direto em home-video, e Scott Pilgrim Contra o Mundo passou voando pelos cinemas em circuito reduzidíssimo.
Não bastasse isso, existe ainda a questão da tradução dos nomes dos longa-metragens do diretor. Scott Pilgrim foi fiel, muito por conta do quadrinho que adaptava, mas Hot Fuzz, tornou-se Chumbo Grosso, o que é besta mas inofensivo, em compensação, Shawn of the Dead, virou "Todo Mundo Quase Morto", o tipo de título que afugenta pessoas com algum bom gosto da prateleira da locadora, e o que dizer do último trabalho do diretor que de The World's End, literalmente "O Fim do Mundo", se transformou em "Heróis de Ressaca"?
Sério, se eu fosse Edgar Wright, eu já teria mandado o Brasil à merda e me recusaria a ver meus filmes vindo pra cá.
Por sorte, Wright não é vingativo e mesquinho como eu, e segue fazendo filmes que, de uma maneira ou de outra, chegam ao Brasil, nem que seja nas locadoras e nos serviços de aluguel digital.
Após dar uma pausa em suas desconstruções satíricas aos filmes de gênero com Scott Pilgrim, em 2010, Wright se reuniu à sua dupla de protagonistas, Simon Pegg (de Star Trek) e Nick Frost (de Os Piratas do Rock) e deu sequência à série Cornetto iniciada em 2004 com Todo Mundo Quase Morto, uma das melhores produções de zumbi do cinema, e seguiu com a tiração de sarro aos filmes estilo buddy cop em 2007 com Chumbo Grosso, para invadir o terreno das ficções científicas de invasão alienígena.
Heróis de Ressaca apresenta Gary King (Pegg), quarentão internado em uma clínica de reabilitação onde se gaba de suas peripécias juvenis ao lado de seus melhores amigos, e de como falharam em cumprir a "Milha Dourada", o caminho de doze pubs de sua cidade natal, Newton Haven.
Gary rejeita o fato de ser um fracassado nato, alcoólatra, viciado em drogas, o tipo de sujeito de quem todos se cansam rapidamente, ele se considera especial, realeza, e deixa isso bem claro na forma como se comporta ao resolver que precisa reunir seus velhos amigos da juventude, a quem considera acomodados domesticados pelas regras da sociedade, para refazer a Milha Dourada, e, dessa vez, terminá-la de maneira apropriada, tomando o décimo-segundo pint da noite no décimo-segundo pub do caminho, o The World's End.
Ele sai em busca de seus ex-companheiros de noitada, Peter (Eddie Marsan, de Sherlock Holmes), um vendedor de carros que trabalha com o pai, Oliver (Martin Freeman, de O Hobbit), corretor imobiliário que parece ter um fone de ouvido bluetooth implantado na orelha, Steven (Paddy Considine, de O Ultimato Bourne), arquiteto recém divorciado que sai com uma instrutora de academia de 26 anos e que na juventude disputava com Gary as atenções de Sam (a lindona Rosamund Pike, de Jack Reacher - O Último Tiro), irmã de Oliver, e Andrew (Frost), advogado que se recusa a falar com Gary, ou a respeito de Gary, por conta de uma desavença do passado.
A despeito das antigas diferenças, todos acabam concordando em retornar à cidadezinha para tomar algumas cervejas, relembrar o passado e rever os amigos.
Entre decepções como a "starbucksação" de todos os pubs da região e o fato de Andrew não beber a seis anos, e reminiscências do bullying que Peter sofria na escola e da rivalidade entre Steven e Gary, porém, algo acontece, e o grupo descobre que há uma coisa sinistra acontecendo na cidadezinha de Newton Heaven.
Muitos moradores foram substituídos por duplos mecânicos no que parece ser uma invasão alienígena em estágios avançados de progresso.
De posse dessa informação o grupo de beberrões vê-se subitamente como uma improvável esperança de garantir a liberdade da humanidade!
É genial.
Heróis de Ressaca (me dói escrever esse título) talvez seja o melhor filme de Wright até aqui. Além dos óbvios elementos anárquico/cômicos prestando homenagem a um tipo específico de filme (invasores de corpos sendo a mais óbvia influência como antes acontecera com Madrugada dos Mortos e Caçadores de Emoção), há também uma verdadeira preocupação com os personagens. Se o salto que o filme dá em direção à ficção científica lá pela metade não fosse tão bem desenhado e absurdamente divertido, daria até pra sentir falta da linha narrativa "Amigos de infância fazendo viagem agridoce de lembranças por bares de outrora". Por sorte, as reminiscências seguem enquanto surgem na tela alienígenas mecanorgânicos (Não são robôs!) superfortes recheados de gosma azul, que resultam em ótimas sequências de ação intercaladas por gargalhadas escancaradas e até momentos genuinamente tocantes.
Sem jamais perder o foco na interação dos protagonistas (o elenco inteiro está em excelente forma), e nos temas inerentes ao filme (o medo de abrir mão da juventude e da liberdade para se enquadrar em um ideal mais adulto e "civilizado"), o filme de Wright e Pegg (co-autores do roteiro) encaixa certinho, e garante a diversão e as risadas por 109 minutos que passam voando.
Alugue e assista. Vale demais a pena.
"-Cinco caras, doze pubs, cinquenta pints!
-Sessenta pints.
-Oooh, segura a onda, seu alcoólatra!"
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