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quinta-feira, 16 de julho de 2015

Engano...?


Não foi à primeira vista.
À primeira vista, assim que ela entrou, ele a achou bonita.
Nem atraente. Bonita, apenas.
Ela era. Estatura média, pele branquinha, cabelos castanho-escuros bem lisinhos cortados em estilo chanel, mal e mal cobrindo as orelhas. Era magrinha, tão magrinha que seria o tipo de menina a quem sua avó se referiria como "cavaquinho", e, vestida toda de preto, parecia ainda mais miudinha.
Calçava sapatos rasteiros, calças jeans, e uma blusa de manga longa, tudo preto, sobre o conjunto, usava uma grande pashmina cinza.
Se não tivesse visto Rachel se dirigir à uma pashmina como "pashmina" em um episódio de Friends, provavelmente teria chamado a peça de "um pala curto". Mas enfim, aprendera alguma coisa vendo TV, a despeito do que lhe dissera um tio em certa ocasião.
Ela entrou e ele viu de imediato que era bonita. Rosto lavado, pleno sábado de manhã, sem um pingo de maquiagem, e bonita.
Olhos verdes.
Muito verdes.
Amigável, querida demais pra ser atraente, ao menos assim à primeira vista. Ela olhou em volta, o encarou e sorriu:
-Talvez tu possa me ajudar...
Foi à primeira ouvida.
A voz dela. Rouca, um timbre agradável, mas rouca. Ele sempre tivera um fraco por mulheres de voz rouca. A atriz Maria Zilda, na infância, a deputada Maria do Rosário, na adolescência, sua primeira namorada, também, bonita, de voz rouca... Ele tinha isso: Uma propensão à queda por mulheres roucas. E essa, além de bonita, amigável, educada, discreta... Ainda rouca.
De súbito ela foi de bonitinha, cavaquinho, carinha lavada, a extremamente atraente.
De 0 a cem em cinco palavras.
"Claro", ele sorriu de volta, da maneira menos assustadora que sabia. Falaram por algum tempo, ele, impressionado com a amabilidade dela. Com a beleza de seu sorriso, e com a forma como a voz rouca lhe cabia tão bem.
Ela foi embora, sorrindo, e prometendo retornar.
E, de fato, ela retornou. Na segunda feita seguinte.
Novamente vestida de maneira sóbria, sorridente, bonita, e com a vozinha.
Chamava-se Bruna.
Era arquiteta, procurava por artifícios alternativos para fazer a decoração de um escritório. Achava que o equipamento de alpinismo daria um visual singular à sua composição.
Com a certeza de que era daquilo que ela precisava, mas sem uma noção concreta das características do material que desejava, suas visitas foram tornando-se frequentes ao longo daquela semana.
E a cada visita, conversavam mais, se conheciam, e em dado momento, já riam juntos como se fossem velhos amigos.
Ele nunca imaginou que cinco dias seriam suficientes para se apaixonar por alguém, mas, que diabos, aconteceu.
Ele se flagrou apaixonado, inapelável e perdidamente apaixonado por ela. Por suas roupas despojadas, seu sorriso meigo, sua total ausência de maquiagem e até sua inseparável garrafa d'água.
Como era de seu feitio, não supunha que fosse recíproco. Na vida, raramente vira um sorriso assim da sorte, de modo que imaginou que tudo fosse estar na esfera do platônico de onde, pra ser bem franco, àquela altura achava que os amores ideais não deveriam sair.
Ele se alimentaria de migalhas da presença dela. De drops de sua beleza pálida e seus olhos verdes. De gotas de sua vozinha rouca.
Imaginou o que faria quando ela concluísse a decoração. Como seguiria seus dias sabendo que ela não voltaria mais?
O que devia fazer? Talvez pedir um cartão? Contatá-la para pedir a ela que orçasse uma repaginada em sua casa, ou na loja, ou no escritório?
Ou, mandar a cautela lá pra casa do capita, os escrúpulos ao inferno, e chamá-la para sair...
Um programa simples... Cinema e jantar... Nada demais.
O que de pior poderia ocorrer? Ouvir ela responder "não"?
A vida estava sempre lhe dizendo "não", ele próprio era um sujeito de "nãos", por vezes peremptórios, entenderia se ela lhe dissesse que não. Que não queria, não estava interessada, não tinha tempo, ou qualquer negativa que fosse...
Resolveu arriscar.
Não podia conviver com mais um "se". A História, afinal, só amava aos vencedores, e só vence aquele que tenta. Ficou repassando toda essa ladainha enquanto esperava que ela aparecesse.
Levou dois dias. Dois dias que se arrastaram para a Bruna voltar a aparecer. Foi de repente, em meio a uma manhã chuvosa, lá estava ela, sorridente à porta, com uma sombrinha vermelha brilhante em punho.
Ele se levantou para atendê-la com o estômago leve. Andou até a porta medindo cada passo. Pensando no que fazer. No que dizer. Em como abordar seu convite. Deveria conversar com ela normalmente enquanto ela estivesse lá e só revelar suas intenções ao final? Quando ela se preparasse para ir embora?
"-Bom, obrigada, vou indo..."
"-Olha, desculpe a ousadia...". Ainda se dizia "Desculpe a ousadia?"...
"-Bruna... Olha só... Tu quer fazer alguma coisa um dia desses? De repente ir ao cinema, sair pra jantar...?". Normal demais. Não tinha os ingredientes de tragédia que polvilhavam sua vida inteira... E, pra piorar, era algo morno. Tornava muito mais fácil dizer não do que algo mais drástico e dramático.
Como se revelar logo de cara, de supetão, sem pudores e sem cuspe?
"-Bom dia..."
"-Te amo."
Essa sim. Essa era a receita perfeita da tragédia.
Os passos haviam acabado. Ali estava ele, frente a frente com ela, sorrindo feito um idiota, ela sorrindo de volta enquanto chacoalhava a sombrinha.
Articulou:
-Oi... Que chuvarada, né?
Ela pendeu a cabeça pro lado, sorrindo:
-Nem me fala. Acabei de me livrar de uma gripe e agora essa chuvarada. Haja saúde...
Ele ficou olhando pra ela com uma expressão indefinida. O que é que estava errado?
A roupa despojada estava ali... Calça cargo bege, camisa branca e casaco de lã vermelho-escuro. Um lenço escuro segurando-lhe estrategicamente os cabelos finos, sapatos pretos de sola alta, a sombrinha uma declaração de estilo, estava tudo lá. O rostinho branco lavado, os olhos verdes, o sorriso doce... A única coisa que faltava... A voz.
Ela não tinha mais aquele agradável timbre rouco.
Tudo fez sentido.
A indefectível garrafa de água não era uma ode às benesses da hidratação. Era um paliativo à rouquidão proveniente de uma gripe.
Ele abriu a porta. Ela entrou, esticou-se para dar-lhe um beijo no rosto. Conversaram, ele, chocado com a voz dela.
Que não... Não era feia. Nem perto disso. Era uma voz perfeitamente normal, que cabia certinho na boca de uma menina com a aparência da Bruna. Mas não era aquela vozinha.
Ele se deu conta, enquanto falava com ela mostrando cordas e cordames com seus respectivos laudos de resistência e certificados de excelência internacionais, de que a Bruna volta e meia tocava nele.
Em sua mão. Em sua perna, em seu braço... Se perguntou se aquilo era de antes ou se começara agora. Foi estranho ver-se, de repente, livre da inebriação que a presença dela lhe causava antes.
Após cerca de 45 minutos, a Bruna se levantou dizendo que precisava ir. Ele sorriu, já tendo desistido da iniciativa de chamá-la para sair, e levantou-se para levá-la até a porta. Quando chegaram lá, ela lhe beijou o rosto novamente, e quando se preparava para abrir a sombrinha, deteve-se.
Virou e disse:
-Olha... A minha firma tá inaugurando um restaurante, amanhã. Tem um coquetel de inauguração e tal, fechado, só pra convidados... Achei que, se tu tivesse tempo, podia aparecer lá pra dar uma olhada no meu trabalho. De repente te ajuda a visualizar melhor essas maluquices que eu falo, e tu pode me ajudar a "realizar minha visão" que nem tu diz.
Ele ficou olhando pra ela uma fração de segundo. Pensando no que faria se ela tivesse dito exatamente aquelas mesma palavras antes de curar o resfriado. Ela continuou:
-Bom... Eu tenho que ir de qualquer forma. Tem trabalho meu lá... Se tu quiser aparecer... Eu ia gostar... Bastante.
Entregou um cartão pra ele.
-Aí tem o endereço do evento. E atrás o meu celular... Qualquer coisa liga.
Sorriu.
-Eu... Eu te mando uma mensagem pra confirmar. - Ele sorriu de volta ao perceber que ainda não havia falado nada além de sons indefinidos de "Aaah" e "Hum".
-Pensa bem. - Ela disse, dando uma piscadela, abrindo o guarda-chuva vermelho, e ganhando a rua chuvosa.
Ele fechou a porta. Andou até o escritório, e ficou encarando o cartão. Riu ao pensar em como era bom não tê-la pedido em casamento enquanto estava rouca. Conjecturou que o fato de aquele encantamento todo ter se dissipado seria até positivo para um relacionamento. Se perguntou se havia alguma criatura mais cheia de dúvidas e manias do que ele próprio na Terra. E por fim, inquiriu-se:
Ligava, ou não ligava...?

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