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quarta-feira, 4 de maio de 2016

"Con Migo" Ninguém Pode


A Cristina, deusa, deliciosa, linda de morrer, morena de pele clara, bunda bonita, pernas bonitas, braços bonitos, rosto bonito... Era tudo aquilo e ainda por cima inteligente.
Não uma pseudo-intelectual pedante, mas esperta, de raciocínio rápido, preparada para enfrentar o inesperado.
Estava sentada na praça de alimentação do shopping tomando um café e pensando na crise financeira. Não era uma grande investidora. Nem pequena ou média. Não era uma empresária acossada pela desproporcional carga tributária e nem mesmo estava de malas prontas para uma viagem ao estrangeiro que seria encarecida pelo aumento do IOF.
Nada disso.
Apenas uma frequentadora de supermercados e lojas que percebia a diminuição sistemática de seu poder de compra cada vez que entrava em uma loja qualquer.
Foi percebendo a dupla de rapazes que a secava de maneira acintosa algumas mesas adiante que se flagrou pensando que, com tantas bolsas e programas sociais, deveria existir um programa Bolsa Gostosa... Uma ajuda financeira para homens sem poderio financeiro poderem se relacionar com mulheres de estampa além de seu poder de conquista inato.
Os dois sujeitos que a olhavam agora, por exemplo. Nenhum dos dois era bonito. Não eram feios, também. Aparência mediana.
Mas não pareciam ter grandes atrativos.
Fossem inteligentes ou espirituosos não estariam olhando para Cristina feito dois psicóticos de maneira incessante por quase dez minutos, confundido aquilo com algum jogo de sedução. Como dissera certa feita Irene Adler, "inteligente é o novo sexy", mas os dois jovens não eram nem uma coisa, e nem a outra.
Se existisse um Bolsa Gostosa, talvez aqueles dois pudessem se vestir com distinção, dirigir um bom carro, mesmo que alugado, e ter condições de outorgar à uma bela mulher um programa capaz de oferecer entretenimento e diversão além do que eles eram capazes de oferecer apenas com suas personalidades e aparência.
Sorriu pensando na perspectiva recém elucubrada.
Perguntou-se se existiria mulher capaz de se submeter a um relacionamento, ou mesmo a um encontro baseado unicamente no ganho material que poder-se-ia arrancar de tal enlace, e suspirou a dar-se conta de que era claro que existiria.
Notou, aflita, que um dos rapazes se aproximava, cheio de coragem. Amaldiçoou a própria distração. Ao sorrir para si mesma por conta do absurdo da ideia do "Bolsa Gostosa" acabara mandando o sinal errado para os dois sujeitos.
Preparava-se para o discurso do "desculpe, não estou interessada" ou "sou comprometida", mas surpreendeu-se ao ver que o rapaz passou reto por ela, pousando um guardanapo dobrado sobre sua mesa.
Ergueu as sobrancelhas bem desenhadas em admiração.
Um torpedinho de papel à moda antiga. Não era uma coisa que se via todo o dia em tempos de revolução digital onde 24 horas de Whats-App quase lançavam o país nos horrores de uma guerra civil.
Perguntou-se se não fora demasiado dura ao julgar os dois sujeitos. Talvez fossem mais do que a primeira vista sugeria, talvez fossem mais do que postulantes ao Bolsa Gostosa...
Abriu o pedaço de papel e lia-se:
"Oi, limda
Quer sentar con migo?".
Cristina esperou que os dois rapazes estivessem juntos novamente. O que deixara o bilhete voltou à mesa, carregava consigo dois chopes. Entregou um ao amigo, e ofereceu um brinde. Tocaram as caneca. E voltaram a olhar para Cristina.
Ela dobrou novamente o guardanapo, olhou com resolução para os dois, e rasgou o bilhete no máximo de pedaços que conseguiu, jogou os fragmentos dentro do copo de café vazio, se levantou e foi embora abanando a cabeça em sinal de negativo.
Aquele tipo, sentenciou para si mesma, nem com todos os Bolsa Gostosa do mundo.
"Con migo", não. "Con migo", ninguém pode.

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