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quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Olhos nos Olhos


-Eu me sinto à vontade assim contigo: Pode me perguntar qualquer coisa. Qualquer coisa. Qual-quer coi-sa - Ela disse assim, pausando cada sílaba, enquanto olhava direto nos olhos dele.
Ele se sentia, pra ser bem franco, um pouco incomodado quando ela entrava naquelas de olhar direto nos olhos.
Não que não gostasse do contato olho no olho.
Gostava.
Mas gostava quando era algo casual. Quando conversavam casualmente e ele se pegava perdido nos olhos dela.
Isso ele achava legal.
Quando ela entrava em "modo de combate" e transformava os olhos em armas, aí ele francamente se sentia meio desconfortável, mas ainda assim, gostava dela.
Talvez gostasse muito.
Quiçá a amasse.
E suportava essas coisas.
-Que bom... - Disse, incerto, sorrindo amarelo.
-Não,não - Ela disse. -Tu não tá entendendo. - Reforçou:
-Qualquer coisa.
Ela parecia o Robin Willians inticando com o psicológico do Matt Damon no final do Gênio Indomável. Qual era a dela?
-Eu entendi. - Ele disse, sorrindo de lado.
Percebeu que repetia a expressão corporal e facial do Will Hunting. Ficou preocupado. Será que ela o faria se desmanchar em lágrimas?
-Pode perguntar. - Ela encorajou.
-Quando eu pensar em uma pergunta, pode deixar que eu vou fazer. - Ele assegurou, reforçando sua posição pegando a mão dela e chacoalhando de leve.
Ela não pareceu satisfeita, porém.
Sem aviso disse:
-Eu me masturbei pro Alan Rickman.
Ele ergueu as sobrancelhas sem dizer nada.
Aquilo fora inesperado.
-Quê?
-Eu me masturbei pro Alan Rickman. O Severo Snape. - Ela disse, com a naturalidade de quem não se envergonha, mas a expressão solene de quem sabe que não agiu dentro da normalidade.
Ele continuava sem entender:
-Tu te masturbou vendo Harry Potter?
-Não! - Ela disse, revoltada como se aquela fosse uma ideia demasiado transgressora até pra ela.
-Que horror, não... - Completou.
-Mas tu disse - Ela não o deixou completar.
-Eu disse "Alan Rickman", só mencionei o Severo Snape pra tu saber quem era...
-Eu sabia quem era... Mas enfim... Hã... Ao vivo? - Ele perguntou.
-Não, tonto... Eu fiquei com tesão vendo ele num filme... - Ela explicou.
Ele fez um "hmmm" de fingida compreensão, mas não disse mais nada.
Ela seguiu:
-Era um filme de caubói. Com o Magnum...
-O Tom Selleck? - Ele perguntou.
-É... - Ela assentiu. -Também é lindão.
Ele estranhou tudo naquelas últimas palavras, mas não disse nada, ela, porém, parecia empolgada com o assunto:
-O Tom Selleck chegava na Austrália pra cuidar de um rancho, e o rancheiro era o Alan Rickman. Ele usava uma roupa toda preta... Chapelão, e era malvado...
-Parece mesmo um sonho... - Ele disse, casual.
-E eu não sei - Ela continuou -Mas acho que a ambientação, a voz, a roupa... Aquilo tudo me deixou excitada. E eu me toquei, e quando vi, estava me masturbando pensando no Alan Rickman. Dali pra frente, toda a vez que eu via ele num filme, me vinha uma lembrança algo envergonhada à mente. Uma mistura de vergonha e tesão... Sei lá. Não conseguia evitar. Quando ele morreu foi um lance conflitante pra mim. Comiseração e vergonha. Porque agora ele sabia o que eu tinha feito...
-Tu contou pra ele? - Ele quis saber, confuso.
-Quê? - Ela não entendeu.
-Como é que ele ficou sabendo que tu tinha... feito... Batido, se... Enfim, o que tu tinha feito?
-Ele morreu, oras. - Ela disse, como se fosse uma obviedade.
-Tá, mas e daí?
-E daí que quando tu morre eu acho que tua alma fica sabendo dessas coisas... - Ela explicou, dando-se conta que não sabia, de fato, se era assim que a coisa toda funcionava.
Eles ficaram ali sentados, um de frente pro outro sem dizer nada.
Ele percebeu, porém, que ela esperava alguma coisa dele.
Havia se exposto com a intenção de receber algo. Era uma troca, e, a contragosto, ele deveria oferecer seu quinhão:
-Eu bati uma pra Madonna... - Disse.
Ela o encarou com algum desapontamento. Ergueu uma das sobrancelhas bem alto, mas manteve as pálpebras à meia altura numa expressão que poderia ilustrar o verbete "desdém" na enciclopédia Basca.
-Sério? - Disse.
-O que? Eu tô te confessando um lance estranho meu na mesma toada do que tu me disse... - Ele se defendeu.
-Ah, pára... Madonna... Nada mais normal. Um monte de caras deve ter batido uma pra Madonna... - Ela disse, desapontada. -Gurias, também, diga-se de passagem. Na Cama com Madonna... Erotica... - Enumerou.
-American Pie... - Ele disse.
-O filme? - Ela perguntou, fazendo uma careta.
-Não, a música... - Ele corrigiu. -Bom, o clipe da música. - Explicou.
-Tem música? - Ela quis saber.
-Sim...
-Quem canta?
-A Madonna, ué... - Ele disse, como se fosse uma obviedade, encolhendo os ombros.
-Credo, a Madonna já foi mais seletiva com os filmes dela...
Ele percebeu a confusão que se desenrolava:
-Não. Nada a ver com o filme American Pie. É a música American Pie... Sabe, "bai, bai, missamerwican pai..." - Cantarolou enrolando o inglês.
-Ah! Conheço... É da Madonna essa música? - Ela perguntou.
-Ela gravou uma versão.
-E como é o clipe?
-É a Madonna cantando e dançando entrecortado por umas pessoas na frente da bandeira dos Estados Unidos...
O rosto dela se retorceu numa careta de divertido pavor:
-Guris se masturbam pras coisas mais estranhas...
-Não... Não era... Eu não tava fazendo pras pessoas... Era pra Madonna. - Ele explicou. -E quem toca uma siririca pro Hans Grübber caubói não tem direito de julgar a inspiração masturbatória de ninguém. - Ele sentenciou ofendido.
-Tá, desculpa... -Ela disse, erguendo as mãos como quem se rende. -Ela tava toda de couro e tal?
-Não... Calça jeans e blusinha azul, eu acho... - Ele puxou pela memória. -Mas sei lá. Naquela época ela tava super atlética. Uma delícia. E de jeans, blusa de alcinha, cabelo solto, sem sutiã... E ela dança no clipe e os seios dela balançam... E tu sabe, eu não sou um homem de peitos...
-Eu sei... - Ela disse, cobrindo os próprios.
-Ainda assim, o movimento dos seios da Madonna naquele clipe me levaram a-
-Descabelar o palhaço. - Ela interrompeu.
-Onanismo... - Ele corrigiu.
-Ou isso.
Ficaram os dois ali, parados. Evitando o contato visual direto.
Será que era isso? Bastava se abrir um pouco, contar uma bobagem íntima um pro outro e tudo desmoronava? Não se sentia, de fato, tão à vontade um com o outro...
Imagine se fossem grandes segredos... Graves revelações.
Aquela era uma relação fadada ao fracasso?
Ela olhou pra ele, quase como se pudesse ouvir o que ele pensava.
Sorriu de lado, algo maliciosa:
-Eu posso ver a guria tentando provar a inocência que coloca o colar de diamantes no puma e tu o advogado certinho que me dá uma carona...
Ele sorriu de volta:
-Eu acho que prefiro que tu seja a secretária vadia e eu seja o dono da empresa que tu quer seduzir.
Os dois riram, se aproximaram olhando nos olhos um do outro, e se beijaram.
Talvez houvesse, afinal de contas, esperança pra aqueles dois esquisitos.

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