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segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
Resenha DVD: O Lar das Crianças Peculiares
Tim Burton já foi um dos grandes.
OK... Talvez seja um pouco de exagero. Ele nunca fez parte da santíssima trindade dos diretores de cinema, mas ele foi um dos mais promissores novatos da indústria e um diretor de assinatura visual ímpar, capaz de criar fábulas repletas de doçura e esquisitice.
Em seus melhores momentos ele foi capaz de criar coisas como Edward Mãos de Tesoura, Batman: O Retorno, O Estranho Mundo de Jack, e Os Fantasmas se Divertem, além de um dos meus filmes favoritos de todos, Peixe Grande.
O problema é que esse ótimo Tim Burton aparece cada vez menos nas telonas.
O último vislumbre dele que tivemos foi com Frankenweenie, que estava ali perdido entre Sombras da Noite, Alice no País das Maravilhas, Sweeney Todd e qualquer outra bobagem pálida e listrada que Burton tenha produzido ultimamente.
Aliás, seria injusto dizer que seu trabalho em Grandes Olhos, com muito pouco dessa palidez e dessas listras, foi um bom exemplar de Burton, abaixo de seus momentos de mais brilho, mas certamente superior à suas fábulas sombrias mais insonsas.
Algum otimista poderia imaginar que o bestseller infanto-juvenil O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares seria a chance de voltarmos a ver um pouco daquele grande Tim Burton das fábulas esquisitas e doces nas telonas novamente.
A história sobre o orfanato que abriga crianças peculiares demais para viver em sociedade com as pessoas comuns era um prato cheio para Burton exercitar sua veia mais estranha e gerar uma pequena maravilha, disseram alguns.
Como eu já não tenho mais a mesma disposição pra ir ao cinema nem pra ver os filmes que eu quero ver, posso afirmar que não me atrevi a mexer minha bunda cansada até o shopping para me arriscar com a adaptação de Burton para o romance de Ramson Riggs.
A julgar pela recepção morna ao longa, e à revolta dos fãs do livro, eu não havia perdido muita coisa, mas resolvi ver por mim mesmo e, nesse final de semana, aluguei o filme para conferir.
Em O Lar das Crianças Peculiares conhecemos Jake (Asa Butterfield), um adolescente ordinário que leva uma vida ordinária na Flórida vivendo com seu pai (Chris O'Dowd) e sua mãe (uma subutilizada Kim Dickens).
Jake cresceu ouvido gloriosas histórias de seu avô, Abe (o ótimo Terence Stamp, em papel que provavelmente teria sido de Christopher Lee dois anos atrás), a respeito do período em que ele foi hóspede de um orfanato na costa de Gales no início da Segunda Guerra Mundial.
Lá, Abe conheceu várias crianças peculiares, com habilidades únicas, que viviam sob os cuidados da senhorita Peregrine.
Quando Abe morre em circunstâncias suspeitas deixando para o neto um livro e um cartão postal ensinando o caminho até o tal orfanato, Jake obviamente fica ansioso por ir para Gales e ver com seus próprios olhos o local sobre o qual tanto ouviu falar.
Apoiado por sua terapeuta, a doutora Golan (Allison Janney), Jake consegue viajar com seu pai, que observa pássaros pela ilha enquanto o rapaz explora a região.
Não é pequena a decepção de Jake quando ele descobre que o tal orfanato foi bombardeado pelo alemães em 1943, estando abandonado desde então.
Ainda assim, Jake resolve dar uma olhada nas ruínas, e então os habitantes do lugar surgem.
Emma (Ella Purnell), a loira bonita que precisa usar sapatos de chumbo para não sair voando, Olive(Lauren McCrostie), a ruiva que precisa usar luvas para não queimar as coisas, o jovem Horace, que projeta seus sonhos pelo olho, a pequena Claire, que tem uma boca com garras oculta sob os cabelos da nuca, ou a miudinha Bronwyn, que tem a força de dez homens, o menino invisível, o que está cheio de abelhas, os gêmeos mascarados, e Enoch (Finlay MacMillan), que é capaz de trazer qualquer coisa à vida usando baterias em forma de coração.
Todos eles estão lá... Mais ou menos.
Na verdade as crianças existem dentro de uma fenda temporal criada pela senhorita Alma Peregrine (Eva Green, que engrandece qualquer filme com sua mera presença).
A diretora da instituição é uma Ymbryne, um tipo de peculiar capaz de manipular o tempo (e se transformar em um falcão peregrino, habilidades que não estão relacionadas).
Todos os dias, quando chega o momento do bombardeio nazista em 1943, ela faz o relógio voltar 24 horas e o dia recomeça sem que as crianças envelheçam um só minuto.
Todos, à exceção de Enoch ficam felicíssimos com a chegada de Jake.
Eles estão há setenta anos sem ver um novo rosto, e ele é bem-vindo, mas nem tudo são flores.
Enquanto se apaixona por Emma, Jake descobre que existe uma casta de peculiares perversos, os Etéreos.
Eles são liderados pelo temível Barron (Samuel L. Jackson), e andam pela Terra procurando as fendas temporais dos Peculiares para devorar os olhos das crianças e aprisionar as Ymbrynes para seus experimentos em busca da vida eterna.
Quando Barron e seus acólitos descobrem a localização do lar da Senhorita Peregrine, cabe a Jake assumir o lugar que foi de seu avô e se tornar o protetor das crianças, algo que o jovem não sabe se terá coragem para fazer.
É um bocado de trama, né?
E ainda assim, é absolutamente inócua.
Há muito pouco de memorável em O Lar das Crianças Peculiares.
As crianças peculiares, em sua maioria, estão ali apenas pra fazer número. Elas surgem, mostram seus poderes e desaparecem sem que ninguém se importe com eles porque elas não têm profundidade pra garantir o interesse da audiência.
O Jake de Asa Butterfield é convincente como um adolescente chato e sem importância, mas fica devendo quando tem que crescer e se tornar o guardião das crianças, e Samuel L. Jackson faz o que pode como Barron, mas o personagem é simplesmente unidimensional demais, e suas habilidades, planos e objetivos são todos meio confusos e genéricos de modo que ele acaba nem conseguindo ser particularmente intimidador.
Todos os personagens dão a impressão de que deveriam ser adoráveis porque são superficialmente esquisitos e têm habilidades bacanas, mas a verdade é que isso simplesmente não funciona mais, e isso parece algo que Tim Burton e a roteirista Jane Goldman não são capazes de entender, e é uma pena, porque quando o longa se dá ao trabalho de dar mais um passo, usar suas melhores ferramentas e oferecer um pingo de profundidade aos personagens (a conversa de Jake com Abe ao telefone, por exemplo), o filme dá vislumbres muito breves do que poderia ter sido.
Da forma como é conduzido, porém, o longa fica com cara de Tim Burton dando sua versão dos X-Men, e, francamente, a versão de Bryan Singer ainda é mais interessante.
Alugue se for um fã hardcore de Burton, outrossim, espere passar na TV a cabo.
"-Você não precisa nos fazer sentir seguros. Vocês nos fez sentir corajosos e isso é muito melhor."
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