Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017
Círculo de Amigas
A Fernanda, a Rafaela, a Paula e a Fabi estavam na praça de alimentação do shopping.
Sentadas ao redor de uma mesa, matavam tempo até a hora em que ia começar Cinquenta Tons Mais Escuros.
A Fernanda era apaixonada pelo Christian Grey, a Paula se sentia totalmente Anastasia Steele, a Fabi adorava romances e tinha gostado muito do primeiro filme, embora não tivesse lido os livros, e a Rafaela tentara desesperadamente convencer as amigas a ver Lego Batman: O Filme, mas fora um voto vencido tão cabalmente que nem suas tentativas de apelar para o sex appeal de Keanu Reeves em John Wick: Um Novo Dia Para Matar surtiram efeito como plano B.
Ela chegou a pensar em continuar argumentando, mas desistiu.
Rafaela estava acostumada, na verdade.
Ela adorava as gurias, era quase irmã da Fernanda, se conheciam desde o ensino médio, era muito amiga da Paula, e até a Fabi, que era meio lado sombrio, tinha seus momentos de andar pra luz e ser uma queridona, como quando a Rafa foi atropelada correndo no gasômetro, e com a Fê viajando e a Paula de prova na faculdade, a Fabi foi pro Divina Providência passar a noite com ela.
Mas meu Deus...
Ela e as amigas eram muito diferentes.
Conforme foram crescendo, as gurias tinha ido paulatinamente passando por uma metamorfose que foi as tornando em praticamente outras pessoas.
Enquanto a Rafaela continuara com o mesmo gosto por esportes da adolescência, a Fê, sua antiga parceira de corrida, se tornou uma sedentária convicta que preferia tomar uma caneca de sopa em cada refeição e roer um biscoito creamcracker durante seis horas a ter que correr por vinte minutos pra manter a forma.
Enquanto a Rafaela ainda era apaixonada por séries de fantasia como Game of Thrones e Stranger Things, a Paula, sua antiga irmã de Arquivos X involuíra para Grey's Anatomy e The Vampire Diaries.
A Fabi, que era uma guria despojada e brincalhona, entrara numas de consumismo ostentação com bolsas de mil e duzentos reais e sapatos de oitocentos pilas que quase davam urticária na Rafa, uma guria que gostava de se embonecar pra certas ocasiões, mas achava que havia um limite pra tudo, e esse limite chegava antes de tu torrar três meses de economia em um sapato e uma bolsa.
As gurias haviam mudado tanto que, por vezes, a Rafa se via evitando andar com elas pra não se indispôr com suas melhores amigas.
E esse dissabor a fazia pensar se não havia, ela própria, mudado, também.
A Rafa sabia que havia se tornado um pouco mais geek conforme os anos haviam passado, mas talvez esse "pouco" fosse por sua própria conta.
A Rafa sempre gostara dessas coisas, não tanto de quadrinhos de super-herói, que pareciam o carro-chefe da cultura nerd, mas gostava de ficção-científica e fantasia estilo capa e espada, espada e magia... Muito.
Conforme ser nerd fora deixando de ser um estigma pra se tornar quase cool, a Rafa viu mais abertura, mais acesso pra cair dentro dessas coisas que ela curtia, e ela considerava que talvez tivesse andado uma distância tão longa quanto suas amigas na própria metamorfose, mas para o outro lado.
Enquanto elas haviam ido para o espectro mais "guria" da vida, a Rafa andara pra um canto algo moleque, algo nerd que as afastava das melhores amigas e a tornava intolerante e beligerante.
E essa ideia era a razão de a Rafa, volta e meia, acatar os programas das amigas em detrimento das próprias preferências, como faria dali a pouco, quando fosse ver duas horas de romance mela-calcinha fantasiado de soft porn com atuações meia-boca e trilha sonora de furar os tímpanos com a tampa da caneta Bic.
Olhou para as amigas ao seu redor na mesa...
A Fernanda bebericava uma garrafa de água sem gás. A Paula tomava um suco de laranja com manga do Balanceado, e a Fabi lixava as unhas e mexia no celular entre um aparte e outro na conversa das amigas enquanto a Rafa comia um sundae do McDonald's com cobertura extra de morango, extravagâncias que era capaz de sustentar com cinco quilômetros diários de corrida e a prerrogativa de, a qualquer lugar que desse pra chegar andando, ir andando.
Percebeu, de súbito, que alguém a estava olhando.
Era um rapaz numa mesa a alguns metros de distância. Estava sozinho, e olhava diretamente para Rafaela, ainda que ela fosse, de longe, a menos alinhada na mesa.
Enquanto Fernanda usava calças de ginástica (ironia das ironias) e uma blusinha branca, Paula espremia seu corpão dentro de um vestido cinza justinho e Fabi envergava uma blusa decotava e uma microssaia, Rafa vestia jeans que não eram particularmente justos e uma blusinha da casa Lannister, de game of Thrones, e era a única das amigas que, ao invés de sapatos, calçava tênis.
Ainda assim, ela tinha certeza que o rapaz olhava pra ela.
Ele era bonitinho. Barba, cabelo comprido penteado estilo samurai, sem aquele negócio medonho que os guris faziam agora, de raspar por baixo e deixar um rabo de cavalo em cima...
Usava óculos, todo vestido de preto... Braços bonitos, mas não parecia um marombeiro, ombros largos, estava sentado mas dava pra ver que era alto.
Sobre a mesa, diante de si, um milk-shake de Ovomaltine do Bob's, uma sacola da Fnac e um livro... Aquilo era crucial, que livro era... A Rafa começou a esticar o olho pra tentar ver o que o cara estava lendo, mas não conseguia. Chegou a disfarçadamente esticar o pescoço pra ver, e isso a denunciou.
A Paula, perspicaz como uma víbora, disse um "arrá!" entre dentes, e de imediato alertou Fabi e Fernanda que a Rafa "casara na festa".
-Ai, não, Rafa, falta vinte minutos pro filme... Deixa isso pra lá. - Disse a Fabi, fazendo cara de aflita.
A Fernanda, com fingido desinteresse avaliou o rapaz, discordou de Fabi:
-Ele não faz meu tipo, mas é bonitinho... Eu te entendo se tu preferir não ver o filme, "miga". - Encorajou, pousando a mão na perna da Rafa.
A Paula também deu uma olada no rapaz, que pareceu intimidado pelas olhadas parcamente camufladas das três e parou de olhar pra Rafa, retomando sua leitura, e concordou com a Fê:
-É... Braços legais, a cara não é feia, peitão largo...
A Rafa não era de ruborizar, mas se fosse, teria ficado vermelha. Repetia apenas:
-Pára, gente... Pára...
Vedo que a Rafa tinha ficado com vergonha, aí mesmo que as gurias não pararam. A Fabi entrou na brincadeira:
-Imagina, Rafa, tu vendo Game of Thrones com ele, vocês reproduzindo os movimentos mais safados da série no sofá depois de cada episódio? - Provocou.
A Rafaela olhou pra ela com cara de pouco-caso, balançando a cabeça negativamente.
As outras riram.
O rapaz se levantou, jogou o copo no lixo, ao invés de deixar na mesa. Ganhou pontos com a Rafa, começou a andar, ia passar por elas.
As gurias começaram a provocar a Rafaela, diziam "Lá vem ele, lá vem ele!" em gritinhos sussurrados, "é possantão", disse a Fabi, "Eu pegava", disse a Fê, "vai que é teu, Rafa", desafiou a Paula.
No exato momento em que passava pela mesa, o rapaz olhou pra Rafa, bem nos olhos, e deu um sorriso meio pro lado, tipo Han Solo, e seguiu seu caminho.
A Rafa deu um sorrisinho contido de volta enquanto as outras três fingiam que não estavam olhando, mas assim que ele passou elas começaram a mandar a Rafa ir atrás dele.
"Tu ganhou, Rafa, vai trás que é teu", disse a Fê, "Por amor de Deus, só vai atrás dele se ele tiver um carro, de pé-de-chinelo já basta a gente", disse a Fabi, prática, e "Tu tá precisando dar", concluiu a Paula, mais prática, ainda, arrancando risos das outras, incluindo da Rafa, que protestou.
-Que isso, Paula?
-Ah, tá - Disse a Paula, revoltada: -Tu não é humana, por acaso? É à prova das necessidades fisiológicas básicas de uma pessoa? - Perguntou.
-Não... - Respondeu a Rafa, confusa.
-Então me diz se tu não ia gostar, de estar saindo do banho, cheirosa, depilada, pele hidratada, cabelo lavado, e ele para atrás de ti, tua cabeça na altura do peito dele, ele te pega pelos ombros... - Disse a Paula, fazendo uma voz sexy.
A Rafa fez cara de pouco caso, mas imaginou... Até ali a ideia era boa...
A Paula continuou:
-Tu sente o cheiro dele, as mãos dele descem dos teus ombros pelos braços e cintura, ele começa a percorrer tua barriga e seios com as mãos, joga teu cabelo pro lado, beija tua nuca, tu sente a respiração dele atrás do teu pescoço...
A Rafa estava gostando do rumo que aquilo tomava, não podia negar...
A Paula continuou:
-Ele te puxa pra perto... Tu sente a virilidade dele na tua lombar...
-Na lombar? - Perguntou a Fê.
-Tu não viu a diferença de altura dos dois? - Devolveu a Paula.
-"Virilidade"? - Questionou a Fabi.
-O pau duro... - Explicou a Paula, pra um constrangido "ah" da amiga.
A Paula retomou:
-Tu sente ele encostado na tua lombar, as mãos dele passeiam pelos teus seios e barriga, com uma das mãos ele vira tua cabeça, afasta teu cabelo, beija teu pescoço, tu sente a respiração dele na tua orelha e ele diz...
-Por Rohan... - Completou a Rafa, de olhos semi-cerrados.
Houve uma fração de segundo de silêncio antes de a Fê e a Paula começarem a rir e a Fabi perguntar o que era rôrrãn, que a Rafa, finalmente ruborizada, negou-se a responder.
Ela foi ver Cinquenta Tons Mais Escuros com as gurias, mas foi emburrada e detonou o filme quando saíram, argumentando que deveriam ter ido ver o Lego Batman.
Quando a Paula sugeriu que deveriam ter ficado em casa e visto o Senhor dos Anéis de novo, a Rafa entendeu a piada e ficou muito puta, fazendo voto de passar ao menos duas semanas sem falar com nenhuma das três, mas também recriminou-se.
Precisava de umas fantasias sexuais mais convencionais. Bondage e sado-masoquismo leve...
Esse negócio de espada e magia tava começando a ficar constrangedor.
Ah, o carinha da praça de alimentação estava lendo A Dança dos Dragões, mas a Rafa não ficou sabendo disso.
Agenda
Estava, pra variar, atrasado.
Acontecia sempre. Conforme chegava a época do verão, com os calorões e a aproximação das férias, ele dormia mais e mais tarde, e, por consequência, acordava tarde, também.
Não era um grande dorminhoco, dormia, em média, seis horas por noite, o que estava dentro da normalidade, nos finais de semana, dormia um pouco mais, no domingo, em especial, chegava a dormir nove, dez horas, lhe parecia justo, já que domingo era dia de dormir, mesmo.
Mas era uma quarta-feira, e ele estava atrasado.
Saiu de casa segundos após ter ouvido a apresentadora da Globo News dizendo que eram oito e cinquenta e oito, antes de dizer "Cala a boca, Raquel!" e desligar a TV e o ventilador.
Equilibrava a mochila e os sacos de lixo em um dos braços enquanto fazia malabarismo pra fechar a porta, a grade da porta, e aplicar um cadeado na grade com a outra mão.
A garrafa de três litros de Coca-Cola vazia sob seu braço porém, cobrou seu preço, ao deslizar levemente pelo tecido da camiseta junto à axila e escapulir de sua pegada.
Ele, instintivamente fez um movimento para tentar recapturar a garrafa, ignorando que não tinha problema algum em deixar um tubo de plástico vazio cair no corredor, obviamente ele falhou em seu intento, e, não apenas derrubou a garrafa, mas também os sacos de lixo, as chaves e o cadeado, fazendo um alarido muito maior do que teria feito apenas a garrafa.
Bufou enquanto se agachava para apanhar as coisas quando ouviu uma voz maviosa proferindo um "bom dia" musical.
Pensou em quem poderia ser.
Estava no prédio havia menos de dois meses, era, de modo geral, um recluso, tirando o síndico e as duas senhoras idosas que moravam no apartamento em frente, não conhecia ninguém, mas, por Odin, a dona daquela voz era alguém que ele queria conhecer.
Virou-se pensando se o agachamento o havia deixado vermelho. Sabia que estava suando, começara a suar ainda lavando o rosto após levantar, mas se não estivesse vermelho, precisava admitir, estaria o mais apresentável possível sem um banho.
Deparou-se com uma moça de cabelos castanhos, consideravelmente mais baixa que ele trajando tênis, um short e uma camiseta.
Era bonita.
Tinha uma beleza algo juvenil, como se ainda fosse uma adolescente, a estampa da Hora de Aventura em sua camiseta reforçava isso, embora, olhando em perspectiva, ele duvidasse que o Darth Vader na própria camiseta lhe tirassem alguns anos da cara barbada.
-Bom dia. - Sorriu de volta, aninhando o lixo sob o braço novamente enquanto aplicava o cadeado à grade do apartamento.
A moça, com uma grande caixa de papelão no colo, olhou pra ele e fez uma cara de desgosto, por uma fração de segundo ele se perguntou se estaria fedendo, mas ela falou antes que ele pudesse alimentar aquela paranoia específica:
-Não me diz que esse prédio é perigoso assim... - Ela suplicou, olhando pra ele com cara de aflita.
Ele entendeu, na hora, que ela estava se mudando para o prédio, antes de se animar com a perspectiva de ter uma vizinha gata, porém, lembrou-se de quem era, e imediatamente conjecturou que ela devia ter namorado ou marido, ou namorada... Não, aquela era uma perspectiva demasiado excitante. Devia ser um namorado, mesmo.
Ou pior, ela estava ajudando o irmão funkeiro a fazer a mudança. Um cara que não trabalhava, só dormia o dia inteiro e ouvia pseudo-música a noite toda de maneira tão obstinada que os pais resolveram expulsá-lo de casa arcando com as despesas...
Mas enfim, a moça fizera uma pergunta, ele ergueu as sobrancelhas:
-Olha... Eu não moro aqui há muito tempo, mas do jeito que andam as coisas...
Ele optou por não desenvolver, explicando que suas mais amadas posses estavam naquele apartamento. Que o lugar era decorado como uma comic-shop, com estantes cheias de gibis e bonecos, pôsteres de filmes pelas paredes e até mesmo um display onde havia não um, nem dois, mas quatro sabres de luz, incluindo uma réplica da arma do Kilo Ren em O Despertar da Força, além de videogames suficientes para manter um adolescente asiático distraído por horas, e filmes e mais filmes em DVD e Blu-Ray.
Ele achou que isso poderia cortar o clima. Resolveu soar adulto e responsável, e fazer um comentário genérico a respeito da situação do país:
-Com a criminalidade como está, seguro morreu de velho, né?
Ela concordou com um maneio de cabeça, enquanto usou um impulso do próprio joelho para erguer a caixa que lhe escorregava pelos braços finos.
Ele reagiu como se tivesse levado um bofetão.
Largou seu lixo ao lado da porta, e passou a alça solta da mochila pelo braço:
-Me desculpa! Olha que idiota... Deixa eu te ajudar.
Andou em direção a ela, apanhando a caixa.
Pesava doze toneladas e meia. Estava cheia de quê? livros? Chumbo? O núcleo superdenso de uma estrela anã branca? Como, por Deus, ela estava carregando aquilo enquanto conversava com ele?
-Ai, obrigada... - Ela disse, deixando os braços caírem. -Mas tá meio pesada, pode deixar que eu levo...
"Não mesmo, Mulher-Maravilha", ele pensou enquanto lutava para não começar a bufar...
-Imagina. - Disse, casual -Eu levo pra ti... Fez sinal pra escada com o queixo, como quem diz "mostre-me o caminho, gentil donzela".
-E o teu lixo? - Ela disse, preocupada.
-Eu pego na volta... - Ele sorriu, esforçando-se para que sua voz não falseteasse ante o esforço sobre-humano que carregar o que só podia ser um dispositivo do juízo final requeria.
-Não quer que eu... - Ela começou a perguntar, mas ele a deteve:
-Não, não... Pode deixar. - Implorou, tão casualmente quanto pôde enquanto o suor começava a verter de sua testa.
Cada degrau foi um suplício. Ele se perguntou porque estava fazendo academia se não conseguia nem carregar... O que quer que fosse aquilo, sem sentir que seus braços cairiam e seus pulmões explodiriam. Pra piorar, a ninfa castanha a seu lado morava no quarto andar, o último do prédio. Os dois lances de escada que separavam seu andar do dela pareceram-lhe não ter fim, e o corredor se estendeu por 12 parsec até a porta do apartamento 46.
Ela abriu a porta e ele perguntou onde deixar, torcendo para que ela dissesse "Aqui mesmo", mas ela disse "Aqui, ó" e andou apartamento adentro até o quarto.
-Pode deixar em cima da cama, por favor.
Ele largou a caixa, com cuidado sobre a cama. Estava sem colchão, e as ripas de madeira do lastro lhe pareceram frágeis demais para suportar o peso daquela caixa que só podia estar cheia com duzentos e noventa e oito quilos de rochas kryptonianas projetando empuxo gravitacional 20% maior que o da Terra.
De algum modo o lastro suportou o peso.
Ele largou a caixa e se ajeitou para sair, mas a guria apontou a caixa:
-Pesada, né?
-Um pouquinho... - Ele sorriu sentindo os braços formigarem.
-São uns livros e revistas... Incrível como papel pesa... Te pedi pra colocar aqui porque vou colocar uma estante perto da cama, gosto de ver ao menos alguns pertinho quando vou deitar. - Sorriu.
Ele balançou a cabeça, sorrindo em concordância, e agarrou a alça da mochila.
Ela fez cara de "ai, claro!", e se dirigiu à porta com ele. Desceram.
-Elevador faz falta, né? - Ela disse. -Mas é bom que vai substituindo a academia...
Ele pensou em comentar que havia uma normativa municipal que dizia que prédios com mais de quatro andares obrigatoriamente deveriam ter elevadores, e que essa norma criara coisas como o prédio onde os dois moravam agora, com dois blocos de quatro andares, ao invés de um grande edifício de oito andares, que precisaria, não de um, mas de dois elevadores segundo o plano diretor da cidade, mas achou que isso o faria soar como um nerd pretensioso, e, além do mais, quando ela falara em academia, fora um reflexo, ele não conseguiu não olhar pro corpo dela.
Era bastante óbvio que ela frequentava academia.
As pernas dela não mentiam.
O corpo todo era bonito, mas as pernas... Ele sempre fora um homem de pernas. Não era a primeira coisa que via em uma mulher, mas era uma das coisas que mais gostava de ver em uma mulher...
Ficou imaginando que o namorado dela devia ser algum rato de academia marombado...
Ao passar no primeiro andar, apanhou seu lixo, que ainda repousava do lado da porta, um senhor subia a escada com um microondas no colo, sorriu ao vê-la.
-Daqui a pouco vai sobrar só coisa pesada. - Disse.
Ele, em silêncio, pensou que o velho não tinha chegado perto daquela caixa, cujo conteúdo, ele estava certo, era o núcleo de uma estrela de nêutrons, pra achar que ainda não tinha começado o movimento de coisas pesadas.
-A gente dá um jeito, tio. - Ela riu, casual.
O sujeito apontou com o queixo pra ele:
-A gente podia usar mais um par de mãos.
"As minhas estão inúteis." Ele pensou. "Meus músculos vinham derretendo pelo mês afastado da academia, e o que tinha sobrado foi destruído por essa caixa macabra que eu carreguei escada acima", mas disse:
-Eu ia adorar ajudar, mas estou atrasado pro trabalho...
De fato estava. Muito atrasado. Eram nove e onze quando olhou no relógio, e ele levava coisa de doze a quinze minutos pra chegar ao trabalho andando. Fez uma careta:
-Talvez quando eu voltar, se vocês ainda estiverem...
-Imagina... - Ela disse. -Desculpa o meu tio, ele é um velho preguiçoso. A gente dá jeito, obrigada pela ajuda.
Ele se despediu algo constrangido por não poder ajudar mais. Ao chegar à frente do prédio, viu o motorista do caminhão da mudança tirando os cobertores de móveis. Entre a mobília grande havia um guarda-roupa, a geladeira, o fogão e uma máquina de lavar, de resto, era tudo bem gerenciável, e, francamente, ele duvidava que a geladeira e a lavadora de roupas, juntas, fossem mais pesadas do que a caixa que acabara de carregar escada acima.
Chegou ao trabalho mais de vinte minutos atrasado, tempo que seria obrigado a recuperar no horário de almoço pra não precisar ficar além do horário mais pro fim do dia.
Durante a tarde, pegou-se pensando na nova vizinha, recriminando-se por não ter se apresentado formalmente antes de sair fazendo galanteios vazios...
Preocupava-se com que tipo de impressão inicial teria passado, mas logo julgou que a primeira impressão não importava.
Aquela menina não parecia o tipo que tem um fraco por geeks solitários.
A caminho de casa no final da tarde, renovou sua associação à academia, retomaria os exercícios a partir da semana seguinte, e, ao chegar no seu prédio, experimentou o ímpeto de bater à porta do apartamento 46, se apresentar formalmente, e perguntar se a nova vizinha precisava de alguma ajuda pra colocar os móveis no lugar, fazer alguma ligação elétrica ou instalação, mas não o fez.
Sentia-se demasiado enxovalhado naqueles dias, e a última coisa que queria era ser usado por uma mulher que inevitavelmente iria rejeitá-lo.
Abriu as três fechaduras da porta e o cadeado, e entrou em casa.
Assistiu noticiários, lavou roupa, fez um sanduíche de presunto de parma e cogumelos com maionese e um toque de molho de tomate e o comeu tomando coca-cola enquanto assistia White Rabbit Project na Netflix, depois jogou videogame até a hora de se recolher.
A caminho da cama passou pelo display de seus sabres de luz e brandiu brevemente duas das armas cruzadas diante do peito na escuridão. Sorriu ao pensar que nenhuma mulher jamais veria aquilo com bons olhos, ligou a lista de reprodução de músicas do telefone celular, escolheu Johnny Cash entre os artistas, e adormeceu ouvindo o homem de preto cantar One, do U-2, à qual se seguiria sua versão de Hurt, do Nine Inch Nails.
Dois andares acima, no fim do corredor, Graziela finalmente conseguira configurar o modem. Limpou o suor da testa e se deu conta de que aquela parte nem havia sido a mais difícil do seu dia.
Tirou os tênis e foi a té a área de serviço para deixá-los arejando. Olhou com desgosto para a máquina de lavar, pensando que precisava encontrar alguém que fosse capaz de instalá-la, habilidade que seu tio não tinha.
Voltou para dentro, e na sala começou a tirar a blusa para tomar um banho. Foi procurar pela toalha e percebeu que ainda não havia ajeitado o colchão sobre a cama.
Claro... A sua grande caixa de livros ainda estava ali.
Apanhou-a com dificuldade, e ergueu com um gemido de esforço, a soltando no chão com alarido. Com esforço jogou o colchão de molas ensacadas sobre a cama, bufando para ajustá-lo.
Quando conseguiu sentou na cama remexendo a mala entre seus pés descalços, vermelhos e doloridos pelo dia de atividade extenuante, e apanhou sua toalha.
Olhou a estante vazia junto à cama e pensou que gostaria de já ter seus livros ali, infelizmente, o mais prático a fazer seria deixar tais detalhes por último e se preocupar em colocar seus móveis no lugar.
Pensou que não deveria pedir ajuda a seu tio... Ele já era um sujeito de idade, e estava muito gordo pra fazer tais esforços.
Cogitou, brevemente, a possibilidade de pedir ajuda ao vizinho todo de preto do 28, que fora tão gentil a ajudando com sua mais preciosa posse. A caixa com os livros dos quais mais gostava desde a tenra infância, de 20000 Léguas Submarinas a O Amor nos Tempos do Cólera passando por A Laranja Mecânica e O Silmarillion.
Ele tinha um jeitão de nerd roqueiro, meio tímido meio bronco, mas polido... Era uma combinação intrigante... Tomou banho, tomou uma garrafa de iogurte, e se deitou pra dormir. Chegou a pensar em apanhar algum livro da caixa pra ler até o sono bater, mas estava pregada. Ao invés disso ligou o notebook e acessou suas músicas. Olhou a lista por cima, e clicou sobre o nome de Johnny Cash, escolheu, na lista, o dueto de Cash e Joe Strummer para Redemption Song, de Bob Marley, antes de sua versão de Hurt, do Nine Inch Nails.
O mais irônico e triste, é que por conta dos horários de ambos, a despeito de morarem no mesmo prédio, ela e ele não voltaram a se esbarrar nos corredores do edifício, e por terem escanteado aquela primeira oportunidade, jamais voltaram a se ver.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
Resenha Cinema: Lion: Uma Jornada Para Casa
Comprar ingresso para assistir a um longa como Lion: Uma Jornada Para Casa é, indubitavelmente, comprar ingresso pra chorar.
Não que Lion seja um daqueles dramalhões manipulativos que até nos arrancam lágrimas mas depois fazem a gente dizer "filhos da puta" ao percebermos que o choro foi proveniente de um golpe sujo do cineasta...
Não.
Lion é um longa equilibrado, que na qualidade dos melhores dramas, mantém sua pujança na manga, construindo o cenário de maneira que a audiência se envolva com a história e os personagens até ser tarde demais para tentar não se importar com o desfecho.
O diretor Garth Davis, fazendo seu debute em longas metragens, e o roteirista Luke Davies mantém a sobrecarga sentimental de lado enquanto contam a história de Saroo (o sensacional estreante Sunny Pawar), um menino de cinco anos de idade que leva uma vida pobre num vilarejo indiano onde mora com sua mãe, Kamla (Priyanka Bose), sua irmã Shakila (Krushy Solanki) e seu irmão mais velho Guddu (O ótimo Abhishek Bharate).
Enquanto Kamla trabalha em uma pedreira, os meninos fazem pequenos serviços e cometem pequenos furtos, como apanhar carvão de trens de carga para trocar por leite e trocados.
As coisas mudam radicalmente para Saroo quando, em 1986, após convencer Guddu a levá-lo para uma noite de trabalho na estação de trem de uma cidade próxima, ele se perde do irmão e cai no sono em um trem.
Ao acordar, o menino se vê preso na composição vazia em movimento, de onde só consegue sair dois dias depois, na cidade de Calcutá, a mais de mil e seiscentos quilômetros de sua cidade natal.
Incapaz de falar a língua local (o bengali, Saroo fala apenas hindi), sem saber o nome de sua mãe (para ele o nome de Kamla é "mamãe") ou de sequer pronunciar corretamente o nome de sua vila, o menino sobrevive na rua dormindo sobre caixas de papelão e roubando comida de templos públicos.
Eventualmente Saroo encontra um homem que conversa com ele e o leva à polícia, onde ele é cadastrado como uma criança perdida e enviado a um orfanato.
A vida na instituição com cara de Oliver Twist não é das mais fáceis, o lugar parece uma prisão e as crianças convivem com a ameaça da violência e dos abusos, mas Saroo tem a sorte de ser resgatado de lá por um casal gentil disposto a adotá-lo, os australianos John e Sue Brierley (o eterno Faramir David Wenham e a ótima Nicole Kidman).
Os dois acolhem Saroo, e pouco depois, outro menino indiano, Mantosh, muito mais atribulado e traumatizado pelo seu background.
Corta pra vinte anos mais tarde.
Saroo, agora um rapagão crescido com a cara de Dev Patel (muito bem, de sotaque australiano e tudo) está se despedindo de John e Sue para viajar a Melbourne, onde fará um curso de hotelaria.
Lá, entre a turma multinacional que atende ao curso ele conhece a americana Lucy (uma desperdiçada Rooney Mara) e um grupo de indianos, e é justamente numa festa na casa desse grupo que Saroo, ao experimentar uma iguaria indiana com a qual sonhava na infância, sente despertar em si a necessidade de se reconectar com seu passado.
Mergulhando em uma profunda obsessão, Saroo abandona o emprego e se afasta da namorada enquanto usa o Google Earth para tentar descobrir onde nasceu, e ter uma chance de reencontrar a mãe e os irmãos de sangue, uma busca que ele esconde obstinadamente de Sue e John, pois não quer parecer mal-agradecido por tudo o que recebeu de seus pais adotivos.
O filme é sensacional.
Dev Patel está ótimo como o Saroo crescido, e se a certa altura de sua participação ele pareça restrito a estar emburrado, cabeludo e barbudo enquanto cola recortes nas paredes de casa, o final do filme lhe dá espaço de sobra para atuar de verdade.
Outra que atua de verdade é Nicole Kidman.
A despeito do rosto parcialmente paralisado pelas cirurgias plásticas e a medonha peruca ruiva que ela usa quando aparece pela primeira vez, a atriz australiana entrega ao menos duas cenas de esmigalhar o mais duro dos corações, uma delas, quando, com uma honestidade devastadora, explica a Saroo por que ela e John decidiram adotar Mantosh e ele, é tão terna e maternal que faz a gente sentir vontade de sair do cinema e abraçar a nossa mãe.
No geral, Lion é todo bem atuado, mas se há um destaque de fato no filme, ele é Sunny Pawar, o menino indiano que faz seu primeiro longa metragem e não é um ator treinado é a mola propulsora que nos faz querer saber até onde Saroo chegará.
Se não fosse sua presença durante a primeira metade do filme, as boas atuações de Kidman e Patel não teriam razão de ser.
Pawar consegue expressar pânico, desconfiança e resignada altivez de maneira muda e crível, e a forma como a cinematografia de Greig Faser mostra o mundo através de seus olhos é brilhante e incrivelmente relacionável.
Quando Dev Patel parece demasiado soturno e ranheta com sua (justificada) obsessão, ameaçando nos afastar, a memória do pequeno Sunny ressurge, e nós não podemos evitar de continuar com ele para ver o desfecho de sua busca. E quando esse desfecho chega, o melodrama que havia sido espertamente economizado ao longo do filme finalmente transborda, e os olhos da audiência transbordam junto.
Ao longo de duas horas Lion: Uma Jornada Para Casa espalha cargas explosivas pelo coração da audiência, e as detona vigorosamente no terceiro ato de maneira belíssima.
Excelente filme, lindo e bem atuado, obrigatório para fãs de cinema e qualquer ser vivo que tenha uma família.
Assista no cinema.
Vale demais a pena.
"Eu não sou de Calcutá... Eu estou perdido."
terça-feira, 21 de fevereiro de 2017
Mundano
Algo se partiu...
Se quebrou. Deixou de existir...
O que fora um amor sincero e pujante, que não precisava de reconhecimento ou retorno, simplesmente sumiu, mergulhado em um negro mar de esquecimento.
Algo que brilhou belo e forte no céu da felicidade, para sempre olvidado, apartado, perdido.
Foi o que aconteceu entre o Inter e eu.
Quando os dirigentes tomaram todas as decisões erradas, colocaram todos os interesses pessoais acima do clube, e pegaram o que fora o maior clube de futebol do sul do mundo e transformaram em um nanico da segunda divisão.
A segunda divisão é uma mancha que jamais sai.
Ela apequena tudo o que toca, destrói, corrói, é como o câncer definitivo, incurável e irrefreável.
Pra quem duvida e acha que exagero, aconselho a olhar para o Inter que começou esse ano.
Assisti alguns minutos do jogo contra o Passo Fundo, no domingo, e o que eu vi, foi um time de segunda divisão até a raiz da alma.
Um clube rebaixado em seu cerne.
Um anão lutando pra fazer uma imitação paupérrima de gigante.
Um grupelho de cartolas se enraizou nos gabinetes do poder colorado às custas do futebol do clube, sua razão de ser, e agora, o que vemos, é o eco pálido do que fora uma orgulhosa nação de torcedores.
O mais doloroso é que toda a bazófia e o prepóstero que acabaram com o Internacional continuam em efeito. Os dirigentes mudaram, mas a forma de dirigir é a mesma que em seis anos pegou o maior clube das Américas e transformou num arremedo lastimável de si próprio.
O Inter deixou de existir.
Se tornou algo que não me chama a atenção. Que sequer me desperta curiosidade. Que eu não tenho a mínima vontade de acompanhar.
Eu leio as notícias, me incomodo brevemente, e depois esqueço que existe.
A cartolagem conseguiu algo que parecia impossível:
Fez do Internacional algo mundano.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
Forever Insonso
O calor era desumano.
Mesmo ela, que tinha uma qualidade algo élfica de não suar de escorrer pelo corpo que casava com sua figura esguia, loura e branca, estava secando o suor da testa, e quando tirou sua mochila, revelou nas costas, uma mancha escura na camiseta branca que vestia sob a jardineira amarela.
Não era, porém, nada comparável ao suadouro dele.
Ele suava sempre.
Acima do peso, abaixo do peso, dentro do peso... Não importava.
Na adolescência era um varapau de 78 quilos e vertia suor em profusão ante qualquer atividade física, agora, com mais de trinta e cinco, e ainda precisando baixar uns oito quilos, ele tinha a camiseta tão molhada que poder-se-ia torcê-la.
Não era nem aquele suor localizado, no meio do peito, sob as axilas e nas costas... Não. Era por inteiro.
A camiseta com o pôster de A Fantástica Fábrica de Chocolate, a versão de 1971, parecia ter sido toda embebida em suor.
Entraram juntos na sorveteria, uma sorveteria mais velha que os dois, quiçá que os dois juntos, na avenida Venâncio Aires, pra lá da João Pessoa.
O ambiente branco, com as paredes forradas de azulejos dava cara de banheiro ou laboratório à loja, mas as mesas de plástico colorido e a grande tabela de preços e sabores na parede atrás do balcão eram testemunho a real natureza do lugar.
O sorvete, justiça seja feita, não era tão bom assim.
Longe de ser ruim, haja vista que é uma proeza fazer sorvete ruim, era, no máximo, OK, mas a sorveteria em si era convite de sobra, com os atendentes de chapéu e avental branco, e o cardápio que trazia opções como sundaes, milk-shakes e bananas-split que eram montados na hora e entregues em taças de vidro pesado com colheres de aço-inox...
Além do mais, Porto Alegre parecia ter-se lembrado subitamente que era verão, e todo o calor que ainda não havia dado as caras na cidade resolveu fazer-se presente naquele final de semana.
E gelar-se de dentro pra fora parecia uma alternativa para suportar a caminhada de volta pra casa.
Ele pediu um milk-shake de creme de setecentos mililitros.
Quase um litro de leite e sorvete gelado lhe pareceram a medida ideal para tentar vencer as próximas quadras.
Ela pediu uma banana split com todos os sinos e apitos possíveis, de granulado multicolorido a marshmallow, passando por bijous, chantili, cerejas e três estrambóticas bolas de sorvete de uva, passas ao rum e zabaione.
Ela fez o pedido e ele a ficou olhando, sério, com uma sobrancelha erguida:
-Sério, isso? Uva, zabaione e passas ao rum? - Perguntou.
-É muito bom - Ela se defendeu.
-Quando tu estiver trancada no banheiro sofrendo com cólicas, garanto que não vai parecer tão bom assim. - Ele recriminou.
-Porque é que isso ia me deixar trancada no banheiro? - Ela protestou, divertida.
-Olha essa combinação! - Ele disse. -Uva é um laxante natural... Todos os laxantes são baseados em passa de uva, desde o Activia original, e, pra acompanhar teu sorvete de uva, tu pede um sorvete de passas, de uva_ ele grafou com um movimento de mão - e rum, e depois o Zabaione...
-E tu lá sabe o que é zabaione? - Ela desafiou.
-Ovo, açúcar e... E vinho? - Ele perguntou, triunfante.
Ela fez uma careta de quem não sabe. Perguntaram ao atendente atrás do balcão, que lhes explicou que era uma combinação de gemas de ovo, açúcar e vinho marsala, mas também podia ser feito com vinho do porto.
Ele olhou pra ela com a expressão soberba de quem achava que sabia tudo, ela riu, e chegou a reclamar que ele disse "ovo", e não gema, e que disse vinho, sem especificar qual o tipo, mas isso não arranhou-lhe o orgulho de quem sabia que caramelo era açúcar queimado, baunilha vinha de orquídeas e tutti-frutti era salada de frutas.
-Só pra constar, gema, açúcar e vinho... Vinho... Mais uva. - Ele completou, sardônico.
-Eu nem me importo - Ela disse, dando de ombros. -Na melhor das hipóteses é um detox.
-Tu vai precisar fazer um "detox" no teu banheiro amanhã... -Ele riu, secando o suor da testa com um guardanapo de papel no momento em que chegavam seus pedidos, uma linda taça de milk-shake de vidro pesado com um canudo dobrável listrado de vermelho e branco, e a gloriosa banana-split que ela pedira.
-Milk shake de baunilha? - Ela perguntou, fazendo cara de desdém enquanto apontava para seu vigoroso e colorido sorvete.
-Creme - Ele corrigiu.
-Não é tão festivo quanto o teu doce, eu admito - Admitiu ele. -Mas garanto que me apraz. Além disso, não tem nenhum risco de me trancafiar no banheiro por horas e nem de deixar meu cuspe com sete cores.
Ela enfiou o dedo no nariz e disse, forçando uma voz fanhosa:
-Cuspir é um hábito muito feio.
Ele, sorrindo e entendendo a referência, fez cara de Willy Wonka e disse:
-Eu conheço um pior...
Riram.
-Eu adoro esse filme... - Ela falou, tascando a colher na imensa sobremesa diante de si.
-Eu, também. - Ele concordou. -Mas a versão antiga. A nova eu acho bem meia-boca.
--E bonitinha, vá... - Ela protestou.
-Não... - Ele retrucou. -É ruim. Toda excessiva, superlativa de maneira vazia... Os números musicais, a história com o passado do Willy... Nada daquilo me cativa. É tudo artificial demais.
-O teu problema - Ela disse, sorrindo detrás do sorvete - É que tu pensa demais.
Ele já ouvira aquilo.
De formas variadas e repetidas.
Dela própria, inclusive. Ela, certa feita, o chamara de "reprimido", querendo dizer que ele não sabia ser espontâneo.
Era verdade.
Ele não era bom nisso, de agir, simplesmente, sem planejamento ou agenda.
Até tentara, em mais de uma ocasião, ser um pouco mais...
Espontâneo.
Geralmente essas tentativas surgiam em momentos de necessidade.
Como por exemplo quando a mulher que foi o amor de sua vida ameaçava se acostumar com a distância dele... Na tentativa de evitar esse desfecho, ele tomava alguma atitude completamente solta... aleatória, até boba, para evitar o desfecho.
Fosse surgindo na porta dela com uma caixa cheia de bombons e presentes, pedindo que lhe entregassem em casa uma coberta comprada pela internet, ou escrevendo uma história de amor à imagem e semelhança da que partilhavam com um final irrefutavelmente feliz na esperança de que ela lesse e se deixasse contagiar.
Ele não podia negar...
Sempre sentira-se bem sendo espontâneo com ela.
Por vezes tinha a sensação de que aquela havia sido a sua melhor versão.
Pena que essa versão não existia mais.
Enquanto ouvia a ninfa loura do outro lado da mesa gemer de prazer com sua extravagante combinação de sabores, sorveu um gole do seu milk shake de creme.
Refrescante, mas algo insípido.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Resenha Cinema: A Qualquer Custo
Entra ano, sai ano e o cinema Hollywoodiano encontra um espacinho entre as adaptações e os remakes para lançar um bom drama de fronteira, esses longas algo atemporais que carregam elementos de faroeste em tramas passadas em um mundo cinzento onde o bem e o mal são algo borrados e não se pode ter certeza de o que é o que.
Talvez o maior expoente do gênero seja Cormac McCarthy, autor de A Estrada, O Conselheiro do Crime e Onde os Fracos Não Têm Vez, que é, de maneira muito clara, a grande influência deste A Qualquer Custo, que estreou nos EUA e agosto e só na semana passada desembarcou por aqui, talvez turbinado pelas múltiplas indicações ao Oscar.
O longa, do roteirista Taylor Sheridan, o mesmo de outro ótimo drama de fronteira, o aclamado Sicario: Terra de Ninguém, conta a história dos irmãos Toby (Chris Pine) e Tanner (Ben Foster)Howard, e sua onda de assaltos a bancos. Na verdade, a um banco, várias agências do Texas Midland Bank.
O modo de operar dos dois caubóis é simples, eles entram nas agências menores do banco, mascarados e armados com pistolas, rendem o caixa e roubam o dinheiro das gavetas em notas pequenas, de cinco, dez e vinte, fugindo rapidamente.
Eles voltam ao rancho da família e enterram o carro da fuga usando uma escavadeira, tudo tão rápido e eficiente quanto possível.
Os roubos são feitos em um banco que só tem agências no Texas, evitando o FBI, e a quantia roubada é praticamente irrisória, deixando o caso em um tipo de limbo de forças policiais onde ele acaba caindo no colo dos rangers do Texas Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e Alberto Parker (Gil Birmingham).
Se inicialmente a opinião de Alberto é a mesma do resto dos policiais, os roubos são maluquice de drogados, não tarda para que Marcus perceba um padrão e até certo brilhantismo nos ataques da dupla de ladrões.
Nós logo descobrimos o quão brilhantes os ataques realmente são. O Texas Midland está prestes a executar a hipoteca reversa do rancho da mãe dos rapazes.
Através de manobras legais, ainda que moralmente reprováveis, a instituição está a um passo de ficar com a propriedade, e os pequenos assaltos executados por Toby e Tanner são para levantar a quantia devida.
Os Howard planejam pagar a dívida com o dinheiro do próprio banco, devidamente lavado de maneira criativa e auxiliados por um advogado amigo da família.
O plano é genial e tem tudo para dar certo exatamente como Toby planejou, exceto se a cabeça quente de Tanner e o faro do quase aposentado Hamilton se interporem no caminho com consequências trágicas para todos os envolvidos.
A Qualquer Custo é ótimo.
Uma mistura de faroeste de fronteira com filme de assalto com um saboroso tempero de "fight the power! Stick it to the man" à moda caubói com o que todos os envolvidos têm de melhor a oferecer.
A história se equilibra entre os gêneros no roteiro coeso de Sheridan, salpicado de uma ironia que arranca risadas graças à boa mão do diretor David Mackenzie, que usa o visual do Texas de maneira brilhante, mostrando tanto as paisagens áridas das planícies quanto os ambientes urbanos repletos de placas de vende-se, pichações falando sobre a falta de amparo aos veteranos e anúncios de empréstimos rápidos para criar um cenário inóspito e melancólico de todos os lados com ecos de Elmore Leonard e do subestimado Tudo Por Justiça.
A consciência regional é uma parte importantíssima do longa, muito mais profundo que aparenta, com uma consciência moral que não é óbvia, ou direcionada.
A dobradinha Sheridan/Mackenzie é ótima ao retratar isso, mas o maior esteio de A Qualquer Custo é mesmo o trabalho de seu elenco.
Ben Foster já encontrou uma forma de interpretar certos tipos de personagem, e ainda que Tanner Howard seja um desses tipos instáveis e, por vezes, descontrolado, o ator o suaviza com uma ternura insuspeita, humanizando-o de maneira muito bem vinda.
Chris Pine faz provavelmente o melhor trabalho de sua carreira como Toby, o bom rapaz que resolve cometer crimes em nome da justiça. Ele se despe de todo o garbo sardônico do capitão Kirk para viver um sujeito algo ensimesmado e endurecido pela vida e sua química com Foster é sólida e convincente.
Outra química digna de nota é a de Bridges e Gil Birmingham, que exorciza Crepúsculo com seu ranger meio comanche, meio mexicano que, por vezes, parece não suportar mais as piadinhas do parceiro, mais politicamente incorreto, impossível, e genial.
Não é difícil elencar grandes trabalhos do ator, mas ultimamente o vencedor do Oscar vinha errando a mão mais do que acertando, tendo embarcado em porcarias como O Sétimo Filho e R.I.P.D. - Agentes do Além, então é bom ver Bridges fazendo um grande trabalho, tão cheio de nuances.
Isso, aliás, vale para todo o longa.
A Qualquer Custo é um filme erigido sobre nuances, e de ter tantas coisas espertas a dizer, e formas tão espertas para dizê-lo, pode acabar passando despercebido porque a qualidade de seu cerne, como filme de perseguição, é demasiado instigante.
Por sorte, nós sempre podemos ver o filme novamente, e encontrar mais algumas delas nos enxutos cento e dois minutos de projeção.
Outro excelente filme de um começo de ano acachapante, que merece toda a pompa de uma ida ao cinema.
Obrigatório para qualquer amante da sétima arte.
"-Você sabe o que 'comanche' significa? 'Inimigos para sempre.
-Inimigo de quem?
-De todos.
-Você sabe o que isso faz de mim?
-Um inimigo.
-Não. Faz de mim um comanche."
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017
Resenha Game: Resident Evil 7: Biohazard
Eu jamais fui sujeito de torcer o nariz para mudanças bruscas de jogabilidade em games. Fui, inclusive, um dos fãs de Resident Evil a aprovar a mudança de câmera e de foco do game em Resident Evil 4, quando o estilo multi câmera foi trocado por uma visão fixa sobre o ombro do protagonista, e o survival horror deu uma guinada para o lado da ação.
Eu não me importo com as alterações se elas resultarem em um produto divertido e empolgante, e eu encontrava as duas coisas em Resident Evil 4.
As coisas, porém, não correram muito bem na sequência, com cada jogo sendo menos divertido e interessante do que o anterior (embora ainda sucessos de vendas), culminando com a recepção morna a Resident Evil 6, que eu sequer cheguei a jogar após RE5 ter me desapontado além do que eu considerava razoável.
Estava absolutamente alheio aos rumos da série quando tomei conhecimento de Resident Evil 7.
O game apresentado na E3 do ano passado seguido pela demo disponibilizada na PSN logo em seguida mostraram um jogo que gritava "Silent Hill" a plenos pulmões, com jogabilidade em primeira pessoa e um climão de horror sobrenatural misturado com um quê de O Massacre da Serra Elétrica e que em nada lembrava Resident Evil antes ou após a mudança de foco da série.
Ainda assim, era uma demo interessante, tanto que "Parece um bom jogo, mas não parece Resident Evil" virou um tipo de mantra entoado nas galeria de comentários de sites de games.
Eu fui obrigado a concordar.
Parecia um bom jogo.
Tanto que eu comprei o game assim que tive chance, após duas tentativas frustradas em lojas onde a versão de PS4 já estava esgotada.
Após uma semana, conheci os Baker, e posso dizer que, diferentemente do que a demo sugeria, Resident Evil 7: Biohazard, é Resident Evil até a medula.
No game o player encarna o protagonista Ethan.
Ethan viaja até a Louisiana, no sul dos EUA, para procurar por sua ex-esposa, Mia, desaparecida há três anos.
Ele chega à propriedade Dulvey, uma mansão dilapidada na zona rural da Louisiana, onde encontra Mia e seus anfitriões, a família Baker, composta pelo patriarca Jack, a mãe, Marguerite, o filho Lucas e uma anciã numa cadeira de rodas.
Os Baker querem que Ethan se junte à família, e cabe ao protagonista evitar isso enquanto tenta resgatar a esposa com a ajuda da misteriosa Zoe, a filha dos Baker que também deseja escapar.
Sem as habilidades táticas e de combate de outros protagonistas da série, Ethan precisa lutar para sobreviver a mais um pesadelo biológico.
Conforme eu disse antes, Resident Evil 7 tem todas as ferramentas consagradas da série, da ambientação restrita a um único ambiente, passando pela escassez de recursos e a ameaça biológica se confundido com horror sobrenatural graças à atmosfera tenebrosa da mansão.
Até mesmo as famigeradas ervas estão lá, junto com os itens que podem ser combinados, as portas com entalhes extravagantes, os quebra-cabeças, as caixas infinitas e interligadas onde ficam guardados os itens encontrados no jogo, e os arquivos, que ganham o interessante adendo das fitas jogáveis, que em diversas ocasiões oferecem ao player a chance de jogar um VHS pelo ponto de vista de outro personagem, e descobrir formas de progredir no jogo.
Um elemento interessante de tais fitas é que nelas, geralmente o ponto de vista é o de alguém que não está armado, e cuja única possibilidade de sobrevivência é fugir e se esconder.
Ainda assim, a jogabilidade de RE7 não está ligada à furtividade conforme os trailers e demos poderiam levar a crer.
Ethan está sempre armado (ainda que nem sempre tenha munição), e é capaz de infligir dano aos seus algozes, e aí entra um dos pontos baixos do game:
A câmera em primeira pessoa.
Se a escolha de nos mostrar o game pelos olhos do protagonista dá um interessante adendo à atmosfera do game, que ao invés de nos transformar em Leon ou Chris, ou Jill, transforma Ethan em nós. Isso é muito bacana porque quando uma criatura ataca, ela não está atacando outra pessoa, ela está nos atacando, quando entramos em um ambiente sombrio e opressivo, não é outra pessoa entrando ali, somos nós. Quando há um ruído no ambiente, precisamos nos virar para ver se está atrás de nós... A imersão é infinitamente superior.
Por outro lado, um game que inevitavelmente encerra conflitos como RE precisava ter estudado melhor as mecânicas de combate em primeira pessoa.
Especialmente porque o jogo não é um FPS, por vezes nós estamos armados com facas, machadinhas, motosserras... O combate é dinâmico e nós precisamos nos movimentar, fugir, ter uma visão do que acontece ao nosso redor, os inimigos estão se movimentando e, com isso, a câmera nem sempre funciona direito, o que é terrivelmente frustrante em diversas ocasiões.
Contrabalanceando a câmera por vezes desastrada, há uma magnífica qualidade no som.
Se as músicas do game são apenas OK, fazendo sua parte de maneira discreta, o som do jogo é cabuloso.
O tempo todo a mansão Dulvey, talvez o ambiente mais vivo da franquia em todos os tempos, a primeira localização que parece, de fato, o lugar onde pessoas moravam, e não um parque temático de horror como a mansão Spencer do primeiro game, range, estala, respira e geme ao redor do player.
Jogar Resident Evil 7 com o fone de ouvido a todo o volume é uma experiência espetacular de pavor, por vezes mais assustadora pela sugestão da atmosfera do que pelas ameaças que o game efetivamente apresenta.
Claro, os Baker, caipiras mutantes que apavoram e fazem rir na mesma medida, são a ameaça primordial de Resident Evil 7, mas não são as únicas.
No lugar dos bons e velhos zumbis surgem os mofados, criaturas mutantes que parecem feitas de puxa-puxa coberto de piche.
Não são particularmente assustadoras, nem particularmente difíceis de matar, mas consomem munição que, por vezes nós não temos pra desperdiçar, tornando a fuga um recurso bastante útil.
A história, ainda que pareça um reboot, conforme se aprofunda mostra-se como uma sequência com os pés bem fincados no universo da série, e, devo dizer, quando isso acontece, muito do medo inerente ao jogo se perde.
Ainda assim, a experiência é bacana, e Resident Evil 7, a despeito de suas falhas, é obrigatório para os fãs da série, e altamente recomendável para quem quiser experimentar alguns sustos enquanto explora ambientes sinistros e vivos como nunca antes.
O melhor capítulo da série desde Resident Evil 4, RE7 alcança o posto ao alterar diametralmente a jogabilidade e o foco da experiência voltando ao cerne da franquia:
O terror.
"-Bem-vindo à família, filho..."
Resenha DVD: Cães de Guerra
Durante os anos que se seguiram ao começo da Guerra ao Terror de George W. Bush, que culminou com invasões norte-americanas ao Iraque e ao Afeganistão, brechas surgiram na legislação dos EUA para permitir que os lucros provenientes do conflito não ficassem apenas nas mãos dos grandes capitães da indústria bélica.
Claro, o grosso do bolo ficaria com as grandes empresas e com os grandes fornecedores, mas todo mundo teria a possibilidade de tentar suprir um contrato de licitação com as Forças Armadas dos Estados Unidos se achasse que fosse capaz de vencer a concorrência pública e colocar as mãos nas migalhas do bolo.
Em se tratando de um negócio multi-bilionário como a guerra, essas migalhas eram cifras nada desprezíveis.
Cães de Guerra conta a história de dois amigos de infância, David Packouz (Miles Teller) e Efraim Diveroli (Jonah Hill), dois rapazes de Miami que, aos vinte e poucos anos, resolveram aproveitar esse momento da administração Bush e fazer seu caminho rumo ao sonho americano, nem que o fizessem de maneira pouco-ortodoxa, moralmente reprovável, ou até ilegal.
O longa é contado do ponto de vista de David, que passava por maus bocados quando Efraim ressurgiu em sua vida.
Recém casado com Iz (a delicinha Ana de Armas) ele trabalhava como massoterapeuta cobrando 75 dólares a hora de ricaços de meia-idade nos condomínios suburbanos de Miami enquanto tentava emplacar um negócio vendendo lençóis de algodão egípcio para asilos da região, um negócio que não apenas não dava dinheiro, como havia consumido todas as suas economias e o deixado com dezenas de caixas de lençóis na sala do seu acanhado apartamento.
Ao descobrir que Iz está grávida, David fica desesperado tentando descobrir como sustentar um bebê com massagens.
As coisas mudam quando seu amigo de infância Efraim retorna à Miami e o convida para ajudá-lo em seu novo negócio:
Suprir armas para o exército dos EUA.
Se inicialmente David se mostra relutante com a ideia (ele e Iz são opositores do conflito), ele, de fato, não tem muita alternativa, e não tarda para que ele e Efraim estejam viajando de caminhão pelo triângulo da morte Iraquiano para fazer uma entrega de pistolas para o exército dos EUA equipar a polícia iraquiana.
A adrenalina e a fortuna fazem a cabeça da dupla, que mergulha de cabeça no mundo do tráfico de armas fazendo dinheiro, fama e sucesso no mundo dos negociadores de armas.
As coisas vão bem, mas ambos querem mais, e o pulo do gato pode ser o Contrato Afegão, uma licitação para a compra de cem milhões de balas para fuzis AK-47, uma licitação que pode ser tanto o sucesso definitivo quanto o fracasso derradeiro para a dupla.
É difícil assistir Cães de Guerra e não perceber que Todd Phillips, co-roteirista ao lado de Stephen Chin e Jason Smilovic se inspirou em longas como Os Bons Companheiros e Scarface, usando muito da estrutura narrativa do primeiro, com a narração em off de David, a estrutura em capítulos, a história de companheirismo no crime, enquanto do segundo há a ambientação, a ostentação, e frequentes menções, mas acabou criando um híbrido de O Lobo de Wall Street e O Senhor das Armas sem alcançar a qualidade de nenhum dos quatro filmes.
Os problemas de Cães de Guerra são muitos.
O filme jamais escolhe seu gênero, jamais decide seu enfoque, não aprofunda os personagens centrais e usa os coadjuvantes como acessórios de maneira descarada.
O filme passa o tempo todo se comportando como uma buddy comedy típica, praticamente com um letreiro na tela tentando mostrar à audiência que David e Efraim são melhores amigos, "Olhe como eles são engraçados", "veja como se dão bem", "bros before hoes', cara", e negligencia o desenvolvimento de ambos.
David é apenas um cara legal que se deixa levar, Efraim é um gordão escamoso, Iz apóia ou se opõe ao modo de vida de David de acordo com a necessidade do roteiro para aquele momento da narrativa...
É uma pena. Teller e Hill têm uma boa química e convencem como bons amigos, conseguindo, de fato, algumas risadas nessa quase comédia.
Hill, por sinal, faz milagre com seu Efraim Diveroli.
O ator (gordo como não o víamos há um bom tempo) cria um sujeito instável, sarcástico de temperamento volátil com olhos nebulosos e uma risada aguda que pontua suas frases como um emoticon sonoro.
Um filme centrado nele, com a história de seu ponto de vista, talvez fosse muito mais interessante do que a versão "bom sujeito arrastado para o lado do mal" que efetivamente assistimos, e é uma pena, porque David e sua história são rasos demais, e ao centrar foco nisso, Phillips reduz Efraim, que era um personagem muito mais promissor ao papel de palhaço gordo e ganancioso.
O longa não chega a ser perda total.
Tem seus bons momentos, e certamente distrai numa tarde calorenta de domingo, o elenco, que ainda conta com Kevin Pollak, Shaun Toub e Bradley Cooper (também produtor do longa) faz um trabalho decente, e mereciam um roteiro melhor ajambrado.
Melhor sorte na próxima vez.
"Eles chamavam caras como nós de cães de guerra. Negociadores pequenos que faziam dinheiro com a guerra sem nunca botar o pé no campo de batalha. Era pra ser pejorativo, mas... Nós meio que gostávamos."
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