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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
Dúvida
Não se passou um dia sem que eu tenha sentido a tua falta, meu amigão.
Nenhum dia sem que eu tenha saído do trabalho pensando que era nossa hora de dar uma volta. Nem vez em que eu tenha ido ao mercado sem pensar em te comprar uma guloseima.
Não houve noite em que eu não tenha sentado no sofá, olhado pro teu canto, e te visto deitado ali.
Não teve madrugada em que eu não tenha entrado no banheiro cuidando meus passos pra não pisar num xixi eventual.
Também não teve vez em que eu não tenha lembrado de ti e pensado se eu fiz a coisa certa. Em que eu não tenha questionado se eu não espichei inadvertidamente o teu sofrimento. Ou na implicação moral de ter, de fato, pagado a veterinária pra te matar enquanto eu te afagava.
É difícil pra mim olhar pra trás e não ter a impressão de que eu não soube cuidar de ti. De que eu te deixei na mão quando tu precisou.
O fato de que eu vou continuar pagando até abril as despesas com as duas clínicas veterinárias onde tu esteve internado não diminuem a minha dúvida...
Eu continuo pensando, não se eu falhei contigo. Mas o quanto eu falhei.
Te deixando longe de todo mundo que tu amava e de tudo o que tu conhecia por tanto tempo. Com apenas dois períodos de visita diários dos quais eu só conseguia estar presente por um. Da forma como tu tentava te levantar toda a vez que eu chegava na clínica, talvez na esperança de voltar pra casa... E em como eu te deixei lá por dez dias, em uma gaiola, esperando o fim...
É tão estranho que eu já tenha perdido tantas coisas e tantas pessoas a quem eu amava, e minha maior dor seja por tua causa.
Um cachorro...
E eu suponho, quando penso a respeito, que seja por causa do peso da minha responsabilidade com relação à tua vida. Ao contrário de todas as outras pessoas que eu perdi, onde as decisões eram tomadas por outrem e eles que arcassem com suas consciências e eu ficava apenas com a saudade, no tocante ao meu felpudo camarada amarelo, no final das contas, as decisões foram minhas. Todas elas. E por mais que eu tenha pensado, racionalizado e pesado as decisões que tomei, eu continuo sem saber se eu fiz a coisa certa durante todo o caminho da tua doença e eventual morte.
Eu nem sei porque estou escrevendo isso.
Nem porque estou publicando aqui.
Eu não acredito em vida após a morte, nem em céu, nem nada do tipo. E mesmo se acreditasse, tu não sabia ler.
Eu acho que é apenas uma forma de desabafo... De pleitear a absolvição da posteridade porque eu não sou capaz de pesar minhas decisões como boas ou ruins e sigo me sentindo dolorosamente culpado.
Eu sem dúvida fiz o melhor que eu pude. E obviamente não foi o suficiente. Meu cachorro sofreu e morreu e eu e outras pessoas que o amavam testemunharam esse sofrimento. O viram definhar, perder peso e qualidade de vida até precisar ser carregado de um lado para o outro incapaz de sustentar o próprio peso... Eu o carreguei nos braços o sentindo cada vez mais leve em pouco mais de dois meses que pareceram anos até o fim sentenciado por mim, quando liguei pra veterinária e disse "tudo bem, vamos fazer" após passar uma noite pensando na recomendação dela sobre a eutanásia.
Talvez eu devesse ter feito antes...
Talvez eu devesse tê-lo levado pra casa e esperado, junto com ele, pela chegada do fim ao natural.
Talvez eu tenha deixado de fazer alguma coisa em algum momento que poderia tê-lo poupado da doença e do sofrimento que ela trouxe. Quem sabe? Todas as decisões passaram por mim... Menos guloseimas. Uma ração diferente. Uma vacina a mais, uma vacina a menos...
Eu não sei.
O que eu sei é que eu continuo com saudades do meu camarada. E não consigo passar dez minutos sozinho sem pensar que eu posso ter sido o responsável pelo sofrimento dele. E esse pensamento me assombra, pois ele foi o melhor cachorro que alguém poderia querer. E eu não sei se fui o dono que ele merecia.
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