Na década passada, mais especificamente em 2002, o espião desmemoriado Jason Bourne voltou a dar as caras fora da literatura (Em 1988 o herói teve a cara de Richard Chamberlain em uma mini série para a TV).
Ele foi a estrela de A Identidade Bourne, bom thriller de espionagem e ação dirigido por Robert Ludlum e estrelado por Matt Damon. Era um filme maneiro, fez uma carreira decente, e garantiu uma sequência dois anos mais tarde, em 2004.
Matt Damon retornou na pele de Bourne, mas houve uma troca na cadeira de diretor, saiu Ludlum, que se tornou produtor do longa, e entrou Paul Greengrass, o que foi ótimo para a série.
A Supremacia Bourne era geometricamente superior ao antecessor em todos os aspectos, e o terceiro filme, O Ultimato Bourne, de 2007, novamente dirigido por Greengrass e estrelado por Damon era ainda melhor e fechou com chave de ouro a trajetória de Bourne nas telonas.
Os três filmes renderam mais de um bilhão de dólares mundo afora e mexeram tanto no cinema de espionagem e ação que uma lacuna surgiu após o fim da série. Uma lacuna tão grande que até James Bond, o pai dos espiões pop do cinema, se viu tentando ser Bourne nas encarnações mais recentes.
Mas apesar das iniciais, James Bond não pode ser Jason Bourne. E os estúdios não estão dispostos a abrir mão de uma franquia rentável nesses dias.
Um quarto longa da franquia Bourne, no entanto, parecia fadado a não acontecer.
Paul Greengrass disse que não voltaria à série, e Matt Damon engrossou o coro, dizendo que, pra ele, chegava de Bourne. Entretanto Tony Gilroy, roteirista dos três longas originais, parecia disposto a tentar descascar esse pepino. E assim o fez com esse recém lançado O Legado Bourne.
O longa dá sequência a série sem precisar continuar a história de Bourne, mas sim iniciando uma trama paralela, que mostra que Treadstone e Blackbriar não eram os únicos e nem tampouco os mais radicais programas de criação de espiões do governo dos EUA, e que a deserção e exposição de Jason Bourne ao público não fizeram bem aos participantes dos demais programas, como os agentes Outcome.
Enquanto Treadstone e Blackbriar criavam assassinos invisíveis para serem espalhados pelo mundo e acionados quando houvesse necessidade, o Outcome criava espiões capazes de missões de infiltração impossíveis através de um experimento que gerava alterações genéticas em cromossomos chave, tornando os agentes mais fortes, resistentes e inteligentes através da administração de medicamentos.
Com a exposição dos programas Blackbriar e Treadstone, a CIA não tem alternativa exceto fechar o programa Outcome, matando todos os participantes do experimento.
Um desses agentes, no entanto, consegue sobreviver à limpeza da CIA.
Aaron Cross (O Gavião Arqueiro Jeremy Renner, dando as caras em outra franquia) escapa inteiro de seus algozes, mas para se manter assim, precisa concluir seu tratamento de melhoria cognitiva, e só conseguirá isso com a ajuda de Marta Shearing (Rachel Weisz, mais linda do que nunca), geneticista da empresa que fabrica os medicamentos usados pela CIA nos seus programas secretos.
Enquanto foge da CIA e do obstinado Eric Byer (Edward Norton), Cross parte em uma viagem ao outro lado do mundo tentando se manter funcional sem sua medicação e protegendo Marta do governo dos EUA, da polícia e de um agente de outro programa de alteração comportamental, o LARX.
Ótimo filme.
Tony Gilroy não é Paul Greengrass, mas certamente está, no mínimo, no mesmo patamar que Robert Ludlum. O personagem central, Aaron Cross é muito interessante, e não fica devendo em nada ao Bourne de Damon, em alguns momentos, é até um personagem com quem o público pode ter uma empatia mais genuína, e realiza todas as proezas que nos acostumamos a ver nos filmes da franquia, como as pancadarias de cortes próximos e movimentos ligeiros, os tiroteios tensos, as correrias sobre telhados e a perseguição automobilística. Faz um pouco de falta, é verdade, a grande porradaria mano a mano contra o agente inimigo da vez, mas nada que vá matar a audiência. A edição também não é o espetáculo que era na época de Greengrass, mas, novamente, nada que estrague o show, até porque o resto da parte técnica do espetáculo está irrepreensível.
De negativo mesmo, fica a excessiva necessidade de situar o filme o tempo todo no último filme O Ultimato Bourne, o que permite que voltemos a ver personagens como Noah Vosen (David Strathairn), Albert Hirsh (Albert Finney) e Pamela Landy (Joan Allen), mas prejudica o desenvolvimento das caras novas como o Eric Bayer de Norton e o Mark Turso de Stacy Keatch, além das excessivas menções a Bourne, que poderiam ter ofuscado totalmente o novo protagonista se não houvesse um bom ator no papel.
Ainda assim, fica a esperança de que essa necessidade de ligar a nova série à anterior tenha sido apenas uma forma de estabelecer uma história, e que daqui por diante a franquia de Aaron Cross possa caminhar com suas próprias pernas (E com as belas pernas da Rachel Weisz, também.).
"Jason Bourne era só a ponta do iceberg."
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