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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Alternativa


Acredito que haja na vida, um momento em que a pessoa simplesmente deixa de ser quem é, e se torna o que restou de quem ela costumava ser.
Eu sei, eu sei, parece algo dramático, talvez excessivamente pessimista, ou algo que o valha, mas cada vez mais eu acho que se aplica.
Devem existir mil formas de alguém se tornar o que restou de alguém.
Durante essa semana, estive esvaziando o apartamento da minha avó, que adoentada no hospital, vai deixar de morar sozinha e viver sob a supervisão de minha tia. Em meio a canecas quebradas cheias até a boca com centenas daqueles arames de amarrar saquinhos de pão, a pilhas de papeizinhos com o mesmo número de telefone anotado doze ou quatorze vezes, e amontoados da mesma edição do jornal de ofertas do Supermercado, encontrei um caderno de anotações de aproximadamente dezesseis anos de idade.
Ali, havia o manuscrito na letra corrida característica de minha avó, de uma grande palestra sobre a influência do homem sobre o mundo, dos perigos da influência humana sobre o clima, e da necessidade de um modo de vida mais sustentável.
Vinte páginas mais ou menos. Que eu li inteiras. Escritas de maneira lúcida e célere por uma pessoa que tinha as ideias surgindo na cabeça tão rápido que era difícil transcrevê-las de maneira mais legível, o que resultava em uma letra quase deitada, de tão ligeira.
Encontrei o diploma de pós-graduação em Ecologia Humana, o currículo contento os vários cursos superiores e funções desempenhadas por ela ao longo de mais de trinta anos de profissão dedicados à educação. Tudo aquilo sob aproximadamente quarenta ou cinquenta sacolinhas dobradas sem muito esmero na gaveta de uma estante.
Em algum ponto do caminho, nesses últimos quinze anos ou menos, minha avó deixou de ser quem ela era, uma mulher culta, inteligente, que pensava rápido demais para a própria mão, que escandalizou sua cidade natal a ser a primeira mulher do local a se desquitar e procurar a vida na capital do estado. Uma mulher cuja paixão pela vida era até irritante para a família, que amava viajar e tomar banhos de sol, e se tornou o que restou dela. Uma velhinha às portas da senilidade que guardava sacolas e arames de pão que jamais usava, que tinha dificuldade em usar o um celular, um DVD player ou uma televisão e que tinha tanta dificuldade de se lembrar do passado que inventava um passado diferente cada vez que falava a respeito e que se divertia jogando bolinhas de papel na casa do vizinho...
Foi, confesso, particularmente doloroso ser confrontado com isso. Perceber que minha avó trilhava um caminho do qual não há volta, e que sequer dispõe de uma paisagem que admirar. É um fim triste pra uma pessoa que quis e fez e foi tanto.
Envelhecer, claro, não é a única forma de se tornar o que restou de alguém. Há outras tantas, mas a idade que se acerca é provavelmente a mais inexorável, inadiável, irredutível. E o pior de tudo, é que, se tivermos sorte, é onde chegaremos.

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