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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Ninguém Precisa
E a Florinda chegou em casa naquela quinta-feira chuvosa esperando receber, assim que abrisse a porta, o único afeto a que estava acostumada. O de seu cachorro, o Nino.
Florinda era uma solteira convicta nos seus quase quarenta anos de idade. Tinha construção de gringa da serra gaúcha, com cabelos aloirados que tingia de cobre, olhos muito verdes, e altura generosa, além de facilidade pra acumular peso na região do busto.
Jamais se casara a Florinda. Era do interior do RS, passara, ainda moça, em um concurso público que exigiu que ela se mudasse para Porto Alegre. Sua mãe, no entanto, permaneceu no interior, não era louca, dizia, de ir morar naquele formigueiro que era Porto Alegre, e, sendo Florinda filha única, ela viajava com frequência semanal à cidade natal para ver sua mãe.
Essa rotina de trabalho durante a semana e viagens ao interior nos finais de semana afastaram Florinda da vida social, de modo que Florinda, tímida que era, acabava não tendo lá muitas oportunidades de conhecer pessoas. Tudo isso conspirava para que, aos trinta e sete anos, Florinda, que não era uma mulher feia, nem burra, nem desprovida de atrativos, estivesse sozinha.
Bem, não sozinha. Alguns anos antes, sua vizinha do andar de cima, dona Maria, lhe dera um cãozinho ainda filhote que encontrara na rua. Dona Maria ofereceu-lhe o filhote, pois o apartamento de Florinda, no térreo, possuía um espaçoso pário, onde o pequeno animal poderia fartar-se de brincar.
Relutante de início, Florinda acabou por acolher o cão, a quem batizou Nino, e ele tornou-se seu melhor amigo naqueles dias solitários que ela passava em Porto Alegre, entre o trabalho e sua casa, e sua casa e o trabalho.
Em alguns dias particularmente difíceis, a única coisa que mantinha Florinda no caminho pra casa era encontrar o seu cachorro, brincar com ele, ligar pra sua mãe e ouvir que precisava achar um homem, e assistir à novela com ele se refestelando a seus pés.
Naquela quinta, porém, Nino não recebeu Florinda à porta. Surpresa, ela entrou no apartamento pensando onde o cão estaria. E, ao chegar ao pátio, deparou-se com Nino, olhando atento para cima. Seguindo o olhar de seu cachorro, Florinda encontrou a razão da apreensão de Nino. No andar de cima, no apartamento de dona Maria, um sujeito grandalhão trabalhava na reforma do apartamento.
Florinda levou uma fração de segundo para lembrar que dona Maria, adoentada, estava por se mudar. Seu apartamento seria devolvido à imobiliária e passava por reparos para tanto.
O sujeito empoleirado em uma escada, massava buracos nas paredes, e sorriu desejando boa noite quando deparou-se com Florinda, de pé no andar de baixo. Tímida, ela respondeu com um aceno de cabeça.
Ao virar-se, ela deixou os ombros caírem ao se deparar com o varal repleto de roupas molhadas. Começou a recolher a roupa molhada pela chuva torrencial da tarde e levá-las novamente à lavadora. Lá de cima, o homenzarrão falou:
-Uma judiação. São as mazelas de viver sozinha, porém.
Florinda virou-se olhando o sujeito sem entender, e ele explicou:
-As roupas. A moça deve ter passado o dia todo fora, não é?
Ela sorriu, tímida.
-Sim. Trabalho fora de manhã à noite. Se chove no meio da tarde já sei que vou encontrar minhas roupas todas imundas.
Ele sorriu lá de cima.
-É... Coisas que acontecem.
Florinda deu mais uma olhada no sujeito. Era pouco mais velho que ela. Cabelos grisalhos na têmpora, corpulento. Usava óculos o que lhe amainava um pouco a rudeza das feições. Tinha braços grandes e cobertos de pelos negros, barba de alguns dias. Era visivelmente um sujeito afeito a trabalhos braçais, mas era educado o bastante para cumprimentar com um "boa noite", dedicado o suficiente pra trabalhar noite adentro, e sabia usar a palavra "mazelas". Além disso, era obviamente um homem de verdade. Que sabia realizar uma reforma, e, certamente outros trabalhos domésticos. Se Florinda encontrasse, pra si, um sujeito daquele, sua mãe jamais lhe diria ao telefone que encontrasse um homem. "Já encontrei, mãe. Homem com agá maiúsculo. Sexta de noite estamos aí e ele vai derrubar uma parede do sobrado com uma marreta pra tu ver uma coisa.", imaginou-se dizendo ao telefone enquanto seu bruto robusto a aguardava no quarto, onde usaria sua força e vigor em atividades mais delicadas mas igualmente cansativas de alcova... Florinda foi, porém, removida de seus devaneios pois o sujeito continuou:
-Uma pena, mesmo que tenha que voltar tudo pra lavadora. Especialmente as roupas delicadas. - Disse, apontando com o queixo para as calcinhas de Florinda, no canto do varal.
Florinda, ruborizando, não disse nada, apenas encarou, de olhos esbugalhados, o sujeito que seguia trabalhando como se aquela conversa fosse perfeitamente normal. E continuou:
-Mas olha, se serve de consolo, mais cedo homenageei com meus sumos viris a vossa roupa íntima numa atividade de prazer solitário. Aquela branquinha de renda, em especial, coisa muy fina. Atrevo-me a dizer que muito me gustaria repetir tal atividade na moça em pessoa.
A Florinda, de novo, demorou a entender o que o sujeito tinha dito, mas quando entendeu, fechou a cara e, quase incorporando sua mãe, juntou suas roupas de encontro ao peito generoso enquanto dizia:
-Mas tenha vergonha!
E voltou a passos largos pra dentro do apartamento batendo a porta, e abrindo-a novamente em seguida pra chamar o Nino de volta pra dentro.
Mais tarde, quando sua mãe ligasse repetindo pela enésima vez que ela precisava encontrar um homem, ouviria poucas e boas.
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