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sábado, 17 de janeiro de 2015
A Diferença
Jaime e Breno eram muito amigos. Amigos de infância/adolescência, daqueles que tinham frequentado escola, alistamento militar e vestibular juntos, e após mais de vinte anos continuavam sendo grandes amigos, de frequentar a casa um do outro.
Até aí nada demais. Muitos de nós ainda mantém amizades da época da adolescência, o que era interessante em Jaime e Breno, é que eles não tinham absolutamente nenhum traço em comum.
Nenhum mesmo.
Esperaria-se que o Breno e o Jaime fossem desprezar um ao outro nove chances em dez, mas quis o destino que aqueles dois se conhecessem e se gostassem.
O Jaime era um encrenqueiro.
Não um marginal, de modo algum... Mas era desses sujeitos que não tinham medo de resolver seus problemas através da violência. Se fosse necessário esmurrar alguém, ele esmurrava. Vez que outra parecia confundir impetuosidade com coragem, e agia de maneira imprudente por acreditar que era a coisa "valente" a se fazer.
Jaime era de esquerda, era colorado, gostava de humanas, preferia loiras, jogava futebol na defesa, e era um rematado mulherengo.
Fazia sucesso com as mulheres, era alto, forte, cabelos longos, e não tinha muito critério na hora de cortejar. Cortejava todo e qualquer tipo de mulher.
Quando perguntavam ao Jaime qual era seu tipo favorito entre as representantes do sexo oposto, respondia:
A que me der bola.
E era assim, de fato. Qualquer mulher que concedesse um mínimo de atenção ao Jaime, tinha retorno garantido e larga margem de lucro, pois o Jaime retribuía ao afeto com juros e correção. O importante era "pontuar", dizia.
O Breno, por outro lado, era sossegado e caseiro.
Contido, tímido, sorumbático.
Não chegava a sofrer de nenhum transtorno antissocial, de modo algum... Mas era desses sujeitos que, podendo manter o silêncio, mantinha. Se fosse necessário levantar a voz para resolver um problema, era provável que Breno aprendesse a conviver com o tal problema. Vez que outra parecia confundir marasmo com segurança, e pecava pela inação acreditando que era melhor manter as coisas como estavam, mesmo que não estivessem bem, do que arriscar criar um cataclismo.
Breno era de direita, era gremista, gostava de exatas, preferia morenas, jogava futebol no meio-campo, e tinha tido apenas uma namorada, a Dulce.
Não fazia particular sucesso com as mulheres, de estatura mediana e corpo franzino, só não passava totalmente despercebido por causa da calvície. Não cortejava mulher alguma, foi cortejado por Dulce, que viu nele o tipo de sujeito bonzinho que os pais adorariam conhecer, e com quem parecia tarefa fácil edificar uma família.
Quando perguntavam ao Breno qual era seu tipo favorito entre as representantes do sexo oposto, respondia:
A Dulce.
E era assim de fato. Para o Breno não existiam outras mulheres, senão a Dulce, pois o Jaime não se via sem ela. Morria de medo de fazer uma bobagem e perdê-la.
O interessante é que, olhando em perspectiva, o Breno e o Jaime eram quase o mesmo sujeito. Haviam crescido no mesmo bairros, em casas semelhantes, filhos de famílias semelhantes, frequentavam as mesmas escolas públicas na infância e adolescência, e universidades privadas de mesmo conceito depois. Conseguiram empregos em serviços públicos que lhes garantiam recursos semelhantes e gostavam basicamente das mesmas coisas, então, porque eram tão diferentes?
Entre os amigos dos dois, havia a crença que era o cabelo.
Jaime sempre ostentou uma vultuosa cabeleira.
Não era um cabelo bonito, não. Era pouco melhor que o cabelo do Valderrama e do Gustavo Kuerten, mas era um mundo de cabelo. Uma cabeleira densa que lhe forrava a cabeça da testa à nuca sem falhas ou fronteiras e que, não raro, era ostentada longa, presa em rabos de cavalo ou contida por tiaras.
O Breno, por sua vez, era um calvo precoce. Antes dos vinte já se via que o Breno seria careca, pois sua testa ficava cada vez maior. E de fato, antes dos vinte e cinco, Breno era absolutamente calvo. Pra piorar, nem sequer era um desses carecas descolados que raspam toda a cabeça. Não chegava a ser ridículo a ponto de armar um elaborado combover para ocultar o deserto capilar, mas mantinha a "coroa de louros" ao redor do crânio, chegando a ir ao cabeleireiro para apará-la quando tornava-se longa demais.
De algum modo, quando via-se o Jaime, com suas revoltas madeixas abraçado em alguma periguete de vestido mais justo que a ira divina numa mesa de bar em plena segunda-feira, e o Breno, com sua careca declarada brincando de Banco Imobiliário com os filhos às nove e meia da noite de uma sexta-feira, fazia sentido...
No caso daqueles dois, a biologia perrecia um inexpugnável destino.
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