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quarta-feira, 29 de março de 2017
Resenha Cinema: T2 Trainspotting
Em 1996 Danny Boyle, Ewan McGregor, Ewen Bremner, Johnny Lee Miller, Robert Carlyle e John Hodge se uniram para transformar a coleção de histórias curtas do escritor Irvine Welsh em um dos mais memoráveis filmes underground dos anos 90.
Trainspotting: Sem Limites contava a história dos amigos Renton, Spud, Sick-Boy e Begbie e seus vícios em heroína, álcool, sexo, ou apenas violência.
Aclamado sucesso de crítica e um daqueles longas discretos que se transformam em cult ao longo dos anos, Trainspotting gerou uma legião de fãs, e eu ainda me lembro de quando um amigo me disse que o filme iria passar na Band, e que eu devia ver porque era "foda".
E fato era.
Mais do que isso, era tão bem fechado em si mesmo que eu me lembro de ter ficado um tano apreensivo quando foi anunciado que a sequência do livro, intitulada Pornô, seria adaptada.
Todos sabemos como anda o cinema, e todos já vimos sequências caça-niqueis de filmes memoráveis sendo lançadas direto pra vídeo com elencos alterados sob a batuta de diretores duvidosos, de Dragão Vermelho a O Pagamento Final - Rumo ao Poder.
Mas fiquei mais tranquilo ao saber que Boyle, McGregor, Bremner, Miller, Carlyle e Hodge estariam de volta, e fiquei extremamente ansioso quando vi o primeiro teaser o longa.
Voltando de férias minha primeira incursão ao cinema só podia ter sido pra me reunir a Renton e companhia.
No longa reencontramos Renton (McGregor) vivendo em Amsterdã.
Vinte anos se passaram e ele está na academia correndo na esteira, um homem adulto e bem ajustado com um emprego estável que em nada lembra o magricela raivoso que roubava para sustentar o vício aos vinte e poucos.
Mas algo leva Renton de volta a Edimburgo. Talvez culpa por ter roubado seu melhor amigo e de Begbie anos antes, talvez uma crise de meia-idade precoce...
Mas Mark Renton volta pra casa, uma Escócia que ele mal reconhece, e quando Spud (Bremner), que colheu mais má sorte do que é capaz de contabilizar ou suportar, após anos sofrendo com idas e voltas da heroína está a dois passos de dar cabo da própria vida é o retorno de Renton a Edimburgo que o salva no último instante.
O reencontro com Spud o leva a um reencontro com Simon, ex-Sick Boy (Miller), que toca o pub da tia e mantém um negócio de prostituição/chantagem com a namorada búlgara Veronika (Anjela Nedyalkova) enquanto planeja montar um bordel.
Sick-Boy não recebe muito bem o retorno de Renton e sua oferta de paz, as quatro mil libras que Renton roubou dele.
"O que eu vou comprar com quatro mil? Uma máquina do tempo?", pergunta Simon.
Os anos passaram pra todos os rapazes.
Mais lentamente para Begbie (Carlyle), que está encarcerado desde a manhã seguinte ao golpe de Renton, ao menos até perceber que não vai conseguir a condicional, resolver executar uma fuga da prisão e descobrir, com a habitual excitação psicopata que Renton retornou.
Esses quatro personagens à solta em Edimburgo inevitavelmente se reencontrarão para uma última dança.
T2 é exatamente a sequência que Trainspotting precisava depois de duas décadas.
É assustador, excitante, triste e engraçado de uma maneira equilibrada e embalada na sensacional edição de Jon Harris, a esperta fotografia de Anthony Dod Mantle, e a excelência do trabalho de Boyle e um elenco talentoso que amadureceu tanto quanto seus personagens e tira de letra o retorno à pele desses homens apavorados pela idade que parecem só perceber ao olhar para os rostos marcados uns dos outros ou para os filhos crescidos conforme trocam um vício pelo próximo.
T2 é uma ode à emasculação do homem de meia idade preso ao passado por medo do futuro.
Muito do sucesso do longa passa pelo trabalho do elenco.
McGregor está ótimo em seu retorno a Renton, trocando a antiga rebeldia juvenil por disfarçada irresignação. Lee Miller também volta com naturalidade ao papel de Sick-Boy, e sua relação de amor e ódio com Renton é muito divertida. Carlyle nasceu para envergar a pele de Begbie, a despeito do rosto mais cheio e dos cabelos mais grisalhos, Francis Begbie ainda é uma ameaça ambulante e seus olhos cheios de desdém e ódio sempre são assustadores ou pelo menos desconfortantes. Mas surpreendentemente é Ewen Bremner quem mais oferece em termos de dramaturgia.
Seu Spud é uma figura tão cômica quanto trágica, e seu corpo encurvado e a expressão de olhos esbugalhados e boca contorcida num sorriso triste é de partir o coração seja fazendo um discurso a respeito das mazelas do horário de verão, seja relembrando os amigos que se foram.
Não me entenda errado, T2 não é tão bom quanto Trainspotting foi vinte e um anos atrás, e talvez para gostar de T2 tu precise ter visto e amado Trainspotting e sua pegada de bebês mortos e mergulhos em latrinas podres, e assim, talvez, T2 não seja pra todo mundo, mas para aqueles de nós que cresceram com Renton, Spud, Sick-Boy e Begbie, e que agora se olham no espelho ou reencontram velhos amigos e percebem os cabelos branqueando e as marcas ao redor dos olhos, talvez seja para aqueles que são, nas palavras de Sick-Boy, turistas no próprio passado. É um file para se assistir sentindo uma melancolia agridoce, por vezes melodramática ou excessivamente auto-referente, mas ainda assim repleto da energia, e daquele pessimismo visceral, quase desafiador, do original.
Por tudo isso, T2 consegue escapar de diversas armadilhas que arma para si próprio, e entregar um filme que oferece a oportunidade, mas felizmente, sonega a traição.
Assista no cinema.
Renton, Spud, Sick-Boy e Begbie certamente valem o preço do ingresso.
"Escolha a vida."
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