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quarta-feira, 1 de março de 2017

Resenha DVD: A Garota no Trem


É difícil não ver A Garota do Trem como um subproduto de Garota Exemplar...
Os dois filmes são baseados em livros que alardeiam ter "chocado o mundo", têm garotas no título, tratam sobre intrincadas investigações de mulheres desaparecidas, têm narradoras não-confiáveis, maridos como principal suspeito do sumiço, e até uma policial que parece a única pessoa totalmente sã e imparcial na narrativa.
Mais do que isso, ambos tratam de lançar uma luz sobre o lado mais sombrio das vidinhas pacatas da classe média/alta dos subúrbios norte-americanos (ainda que, originalmente, o romance A Garota do Trem, de Paula Hawkins, se passe em Londres).
A história gira em torno de três protagonistas:
Rachel (Emily Blunt), Rachel já teve uma vida feliz e completa, casada e feliz morando nos subúrbios de Westchester em uma bela casa que ela e o marido Tom (Justin Theroux) compraram e decoraram juntos, mas isso é passado.
Rachel jamais superou o divórcio, e sua existência vazia regada à vodka que ela mama incessantemente de uma shakeira é entrecortada pelos seus apagões alcoólicos após tomar seus porres diários e pela obsessão com a vida alheia que ela observa da janela do trem que toma diariamente até Manhattan.
Uma vida que Rachel observa com particular interesse é a de Megan (Haley Bennet), a loira bonita que parece ter um casamento de sonhos com o parrudo Scott (Luke Evans), morando na mesma vizinhança onde Rachel viveu, ela está sempre de agarramento com o maridão, e se torna o alvo primário onde Rachel projeta todos os seus ideais de romance e felicidade.
Megan, porém, não é a criatura angelical que sua aparência e seu trabalho como babá sugerem.
Uma mulher atribulada e inquieta que parece incapaz de se contentar com a vida simples e tranquila que Scott oferece, e seu trabalho cuidando do bebê da vizinha Anna (Rebecca Ferguson), que calha de ser a nova esposa (e ex-amante) de Tom.
Anna parece a mais ajustada das três, mas a verdade é que ela própria luta contra o marasmo da vida de dona de casa, e sente falta dos tempos em que era a outra.
As vidas interligadas dessas três mulheres se interliga ainda mais quando Rachel, casualmente, faz uma descoberta que a enche de fúria pouco antes de Megan desaparecer.
Sem poder confiar na própria memória, Rachel começa a questionar seu papel no desaparecimento de Megan, e quando a polícia surge à sua porta fazendo perguntas, ela precisa começar uma investigação por conta própria para tentar descobrir o que, de fato, há por trás do caso, iniciando uma série de eventos que podem mudar totalmente a vida de todos os envolvidos.
Conforme eu disse lá no início, é difícil não comparar A Garota no Trem e Garota Exemplar, mas a comparação é injusta e desigual.
Ainda que ambos sejam filmes derivados de literatura fast food, Garota Exemplar teve um diferencial gigantesco na comparação, e foi o diretor.
Enquanto David Ficnher deu show no comando da adaptação do romance de Gillian Flynn, em A Garota no Trem Tate Taylor (o mesmo de Histórias Cruzadas) faz um trabalho algo estéril na condução do roteiro de Erin Cressida Wilson, transformando o longa em um suspense sem suspense, algo insípido e modorrento.
Não apenas o crime que move a história carece de intriga (ou de surpresa, a resolução do caso pode ser antevista uns bons quarenta e cinco minutos antes de chegar), as personagens carecem de desenvolvimento.
As três personagens principais são reduzidas a um pequeno conjunto de características que deveriam torná-las interessantes e repelentes em mesma medida, mas devido à falta de profundidade as tornam apenas aborrecidas já que a alternância entre as protagonistas carece de fluidez.
Não falta esforço de parte do trio, e Emily Blunt, a principal das três, faz o que pode, abraçando o material que lhe é oferecido de maneira comprometida. Seus olhos vítreos e expressão vazia são reflexo de sua solidão e constante intoxicação, mas a pressa do longa para fazer a história andar a tornam irritante durante quase todo o filme.
Haley Bennett ganha uma personagem que, bem explorada, poderia ser a vadia que todos amam odiar, mas o longa falha, também, com ela, e suas inserções pontuais a tornam apenas repelente, e Rebecca Ferguson tão pasteurizada que sua personagem precisa dizer, textualmente, que sente falta de seus tempos de amante, outrossim, nós jamais ficaríamos sabendo.
Se esse é o tratamento dispensado às protagonistas, não é difícil adivinhar que o restante do elenco, que conta ainda com Alisson Janney como a detetive Riley (a única pessoa sã do filme, conforme eu disse antes), Edgar Ramírez como o doutor Kamal Abdic, terapeuta de Megan, Laura Prepon, Darren Goldstein e Lisa Kudrow é menos que acessório do roteiro, com nada a fazer além de dizer as falas que fazem a trama andar.
Com muito mais forma do que conteúdo, a Garota no Trem é um filme falho, indicado apenas para fãs hardcore do subgênero do suspense com elencos bonitos, e olhe lá...

"Eu não sei exatamente quando foi... Eu acho que foi mais ou menos um ano atrás que eu comecei a notá-la, e gradualmente, conforme os meses passavam, ela se tornou importante pra mim. Eu não sou a garota que costumava ser. Eu acho que as pessoas conseguem ver isso na minha cara."

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