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terça-feira, 4 de abril de 2017
Resenha Cinema: Fragmentado
Lá se vão... O quê? Quinze anos desde Sinais, que, pra mim, foi o último filme de M. Night Shyamalan que valia a pena ir ver no cinema. De lá pra cá, houveram tropeços como Fim dos Tempos e A Vila, bombas de proporções bíblicas como Depois da Terra, e filmes mornos como O Último Mestre do Ar e A Visita, numa série de trabalhos que foram minando a credibilidade de Shyamalan, que surgiu com o arrasa-quarteirão O Sexto Sentido, e seguiu com o espetacular Corpo Fechado dando pinta de que seria o novo Alfred Hitchcock, uma promessa que, à certa altura, pareceu ter subido à cabeça do cineasta, que declarou guerra aos críticos e pareceu se ver como o salvador criativo da sétima arte (cof, A Dama na Água, cof, cof).
Shyamalan se tornou uma caricatura do cineasta que surgira em 1999, e seus projetos, de um tempo pra cá, deixaram de despertar interesse ou antecipação. Quando muito curiosidade mórbida.
Tanto que quando eu vi no cinema o trailer de Fragmentado, ano passado, meu interesse diminuiu quando apareceu ao perceber que o filme era de M. Night Shyamalan. É provável que eu tivesse esperado o longa sair em vídeo se a crítica não estivesse sendo tão positiva com split (e pensar que houve um tempo em que Shyamalan foi o diretor que eu mais vi no cinema).
Foi ontem que eu resolvi adiar Ghost in the Shell e encarar o thriller em nome dos velhos tempos.
Fragmentado mostra três jovens colegas de escola, as estudantes do ensino médio Claire e Marcia (Haley Lu Richardson e Jessica Sula), duas gurias normais, bonitas e tagarelas, e a tímida e retraída Casey (Anya Taylor-Joy), convidada meio que por pena de Claire para sua festa de aniversário num shopping da Philadelphia. Após a festa, as três ganhariam uma carona do pai de Claire pra casa, mas, antes que se deem conta do que está acontecendo, um estranho assume o volante do automóvel, e as droga.
Acordando-se sem saber quanto tempo depois em um quarto improvisado em um porão, as três adolescentes descobrem que foram aprisionadas por um homem com óbvios problemas psicológicos, que se apresenta hora como um sujeito de comportamento obsessivo com limpeza e organização, hora como uma senhora de disposições severas, hora como um menino de nove anos que adora Kanye West...
Conforme a audiência descobre com o desenrolar do longa, esse homem é Kevin (James McAvoy), portador de transtorno dissociativo de identidade, ou, múltiplas personalidades.
Nada menos do que vinte e três personalidades distintas habitam o corpo de Kevin, nos conta sua terapeuta, a doutora Fletcher (interpretada de maneira elegante e calorosa por Betty Buckley).
O rapaz parecia ter sua incomum situação sob controle, mas aparentemente um episódio recente reavivou seus traumas de infância, e criou uma situação onde as facetas mais sombrias de Kevin puderam sair à luz, e enquanto Claire, Marcia e especialmente Casey tentam entender a situação em que se encontram e descobrir uma forma de escapar de seu cativeiro, a doutora Fletcher começa a pensar que algo de terrível pode acontecer quando uma nova e tenebrosa personalidade de Kevin passa a espreitar das trevas.
Fragmentado é provavelmente o mais tenso filme de M. Night Shyamalan desde sempre.
É bom ver o diretor, que em seus melhores momentos desfilava um domínio sobre jogo de câmera digno de mestre, voltar à boa forma de seus primeiros trabalhos em um longa enxuto, com ritmo acertado e que jamais enche linguiça.
Não há cena sobrando em Fragmentado, nada parece fora de lugar ou excessivo. O primeiro e o segundo atos do filme são tudo o que se pode desejar de um suspense, com o tabuleiro bem armado e os peões em movimento para fazer a trama andar. O arranjo de tais peças é tão bem acabado que os pequenos exageros do terceiro ato são absolutamente perdoáveis, especialmente quando a câmera de Shyamalan se junta à trilha sonora de West Dylan Thordson para aquelas sequências de assistir na ponta da cadeira tentando equilibrar o Isordil embaixo da língua enquanto rói as unhas.
Usando breves flashbacks para equilibrar o filme e nos dar insights do passado de Casey (uma subtrama de embrulhar o estômago), e contando com atuações acima da média de Anya Taylor-Joy e Betty Buckley e um show de rock de McAvoy, demonstrando com gosto todo o seu repertório de esquisitices, mostrando inacreditáveis distorções de identidade em um único suspiro, e retratando tanto o temperamento explosivo de um homicida quanto a fragilidade de um jovem traumatizado, Shyamalan faz um dos melhores thrillers dos últimos tempos sem apelar para nenhuma reviravolta sinistra de última hora, e mostra que, quando o ego não sobe à cabeça, ele ainda pode ensaiar para ser o herdeiro cinematográfico de Alfred Hitchcok apenas com talento e criatividade.
Assista no cinema. Shyamalan finalmente voltou a valer o preço de um ingresso, e o fez em grande estilo.
A propósito, quando for assistir, tenha certeza de ficar até a última cena do longa de fato. Na pior das hipóteses, é um easter egg divertido.
"Os alquebrados são os mais evoluídos!"
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