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sábado, 30 de novembro de 2019

Resenha Game: Star Wars Jedi: Fallen Order


Não é apenas no cinema que os anos recentes têm sido sombrios para a base de fãs de Star Wars.
Após a Disney ter comprado a Lucasfilm (e extirpado a alma de Star Wars no processo) a LucasArts, bem sucedido braço de criação de games da empresa foi sumariamente executado, deixando para trás um currículo que tinha êxitos como Rogue Squad, The Force Unleashed e Knights of the Old Republic, e uma desolada base de fãs. Mal sabiam os amantes de games de Star Wars (entre os quais obviamente me incluo), que isso nem era o maior problema. A Disney, ao vender a exclusividade da produção de jogos eletrônicos de Star Wars, encontrou o pior comprador que poderia ser escolhido:
A Eletronic Arts.
É, a EA que em anos recentes se configurou num tipo de maligno Império Galáctico do mundo dos jogos eletrônicos. A empresa explora marcas e jogadores das piores maneiras, enfia loot boxes e sistemas de monetização em todos os seus títulos e chegou a declarar o fim dos games Single Player em nome dos jogos como serviço (apesar de seguir cobrando o preço tradicional de U$60,00 por seus jogos antes de começar a vender os serviços...) após ficar deslumbrada com o êxito financeiro de seu FIFA Ultimate Team, uma mina de ouro que a empresa californiana tenta reproduzir de qualquer forma.
A EA comprou e dissolveu a Visceral Games (do ótimo Dead Space) e no processo cancelou o game de Star Wars que Amy Henning, roteirista da série Uncharted desenvolvia para a empresa para, em seu lugar, lançar Star Wars Battlefront, um multiplayer de tiro online que nem sequer tinha um modo história, e ainda oferecia aos jogadores a oportunidade de pagar uma grana para comprar heróis e vilões lendários da saga para usar nas partidas contra outros jogadores. Dois anos após a publicação de Star Wars: Battlefront a EA lançaria mais um título de Star Wars.
Outro Battlefront...
Que tinha um curto e mal ajambrado modo história que amplamente criticado e apostou com tanta força em loot boxes que chegou a se tornar alvo de uma investigação nos EUA por ser excessivamente parecido com um jogo de azar.
Enquanto a Disney destruía Star Wars nos cinema (e na literatura, ao "descanonizar" todos os livros da saga, incluindo clássicos como a trilogia Thrawn para dar peso de Escritura à histórias podres como a série Aftermath e Estrelas Perdidas), a EA repetia o processo nos games.
Se nós fôssemos ter um texto subindo pela tela no ano de 2019 ele provavelmente começaria com algo como "São tempos negros para os fãs de Star Wars...", mas eis que chegou o mês de novembro, e no dia 12, houve o lançamento da excelente O Mandaloriano, melhor coisa com Star Wars no título desde A Vingança dos Sith, e, no dia 15, o lançamento desse Star Wars Jedi: Fallen Order, publicado pela EA e desenvolvido pela subsidiária Respawn Entertainment (conhecida pela série Titanfall), e que eu me senti na obrigação de comprar tanto porque os vídeos e gameplay do jogo me trouxeram reminiscências de The Force Unleashed, pra mim, uma das experiências mais divertidas que um fã de Star Wars pode ter jogando videogame, quanto porque eu sempre me sinto impelido a jogar games single player apenas pra que as produtoras continuem sabendo que há público cativo pra games que não são uma festa da uva online.
Após pouco menos de duas semanas, posso dizer que Star Wars Jedi: Fallen Order acertou na mosca.
Na história conhecemos Cal Kestnis (interpretado pelo Coringa da série Gotham, Cameron Moynaghan), que graças ao sacrifício de seu mestre Jaro Tapal, sobreviveu ao expurgo Jedi, exilando-se na orla exterior da galáxia para viver como um mecânico em um planeta ferro-velho onde espaçonaves são desmontadas e recicladas para turbinar a frota imperial.
Cinco anos se passaram desde que a Ordem 66 foi dada por Palpatine, e Cal vive ocultando sua verdadeira natureza, profundamente traumatizado pelos eventos de então, além de viver sob a sombra da culpa que sente por ter sobrevivido ao massacre.
Eventualmente, um acidente obriga Cal a usar a Força, e isso imediatamente atrai a atenção da Inquisidora Imperial conhecida como Segunda Irmã. Quando Cal está prestes a ser capturado pelo Império, ele é resgatado por Cere Junda e seu piloto, capitão Greez Ditrus, que o levam a bordo da nave Mantis e lhe oferecem uma missão: Procurar por relíquias de uma antiga civilização chamada Zeffo, em criptas onde o antigo mestre de Cere, Eno Cordova, ocultou informações capazes de revelar a localização de milhares de crianças sensitivas à Força dos registros dos Jedi, uma informação que precisa ser salvaguardada do Império tanto para proteger tais crianças de se tornarem inquisidores ou serem mortas, quanto para garantir o futuro da Ordem Jedi.
Logo, Cal, Cere e Greez ganham a companhia do dróide BD-1 (uma estranhamente adorável mistura de Wall-e, cachorro e galinha), antigo companheiro mecânico de Cordova, e partem em uma corrida para obter as informações reunidas pelo velho acadêmico Jedi antes que o Império use sua infinita máquina de guerra para fazê-lo, em uma aventura que os levará das profundas florestas verdejantes do planeta wookie de Kashyyyk até os empoeirados desertos vermelhos de Dathomir. Uma jornada que levará tanto Cal quanto Cere a superarem seus traumas e limitações enquanto arriscam tudo para dar à galáxia uma chance de emergir da escuridão do lado sombrio.
Longe de ser particularmente original, a trama de Fallen Order se encaixa muitíssimo bem na proposta do jogo. Cal é um padawan que teve seu treinamento bastante avançado, mas jamais concluído, e Cere perdeu sua padawan durante a execução da Ordem 66, ambos estão incompletos, e juntos têm a oportunidade de se tornarem quem deveriam ser.
Apesar de suas culpas e temores, Cal é essencialmente o mocinho o tempo todo. Ele jamais é perverso ou egoísta a ponto de sequer roçar no lado escuro da Força, e nesse sentido, a trágica história pretérita de Cere é mais interessante, servindo para humanizar a figura tradicional do mentor, e mesmo a principal vilã do game, a Segunda Irmã, tem uma surpreendentemente profunda vida pregressa, que enriquece a divertida trama do jogo, um curioso misto de Star Wars com Indiana Jones que deixaria George Lucas muito feliz se ele estivesse vivo (o que? Ele não morreu depois de assistir Os Últimos Jedi?).
Se à primeira vista cada um dos planetas visitados por Cal e a tripulação da Mantis parece pequeno, não é necessário muito tempo para descobrir que eles são surpreendentemente maiores conforme nós nos dedicamos à exploração (eu me perdi tanto no complexo imperial em Kashyyyk quanto nas cavernas de gelo de Zeffo, um sistema de viagem rápida faz falta em alguns momentos...) de enormes seções ocultas por atalhos ou passagens. A engenharia das fases é particularmente esperta, garantindo que o jogador de imediato saiba que, em um momento inicial, Cal não tem como acessar esse ou aquele lugar, poupando tempo.
Alguns desses cenários mudam dramaticamente de uma área para a outra, como as regiões sombrias sob as raízes da árvore sagrada de Kashyyyk, ou as criptas repletas de puzzles que, vez ou outra, fazem o jogador quebrar a cabeça para entender como fazer um mecanismo funcionar andando por cenários que contrastam de maneira flagrante com o que estamos habituados a esperar das ambientações da saga espacial, algo que se reflete no tipo de quebra-cabeças que surgem nas tumbas dos antigos Zeffo (imagine Nathan Drake usando a Força para congelar objetos em movimento por tempo suficiente para acessar uma área distante da sala, ou para empurrar uma enorme esfera metálica pelo cenário até uma caçapa magnética).
A exploração é a razão de ser desses enormes mapas, e tanto os baús (cheios de itens cosméticos) quanto os ecos da Força (sensações e memórias gravadas em certos itens que Cal é capaz de captar e que enriquecem a história do game) estão espalhados por toda a parte. Isso dá ao jogador razões de sobra para vasculhar cada canto escuro do mapa, frequentemente retornando a planetas já explorados para catar um novo traje, um novo poncho, ou aquela peça que falta para que o sabre de luz de Cal fique exatamente do jeito que nós queremos (há ainda pinturas novas para a Mantis e para BD-1). Além de personalizações e desses pequenos recortes que contam mais sobre o local explorado, eventualmente podemos encontrar até mesmo itens que afetam o gameplay na prática, como cartuchos de cura (BD-1 pode carregar até 10 deles, mas encontrar os dez demanda horas de exploração pelos mapas do jogo), ou um terço de um aumento permanente em sua barra de energia ou de Força.
Desde a cena de abertura, no planeta Bracca onde espaçonaves da trilogia prequel estão sendo transformadas em sucata, tanto a atenção aos detalhes quanto o amor dos criadores do game pelo material-fonte fica evidenciado. O visual de Jedi: Fallen Order é lindo, e transpira Star Wars tanto quanto The Mandalorian (embora seja importante dizer que os gráficos dos Wookies ficaram bastante esquisitos, parecendo bichos de pelúcia baratos). Claro, o altíssimo nível de detalhes do jogo cobra seu preço, e não é raro, ao entrar em uma nova área, haver alguns segundos de congelamento enquanto os pixels do cenários e dos inimigos nele se alinham no lugar, o que, se não chega a ser uma tragédia, por vezes é um pouco irritante. Nós podemos perdoar esses pecados à medida em que não há um imenso HUD de nenhuma espécia poluindo a tela. Até mesmo a barra de energia de Kal é discreta, BD-1, pendurado nas costas do herói geralmente faz as vezes de barra de energia, com as luzes de seu cérebro positrônico (não, essa expressão não é usada no game, mas foi a impressão que me deu), servindo de indicativo da saúde do protagonista, se o jogador se perder, também é através do pequeno dróide que um mapa tridimensional holográfico (que nem sempre é fácil de usar para encontrar o lugar onde queremos ir) aparece em cena e mesmo quando o combate começa, apenas a barra de Força e a de energia, sublinhada pela discretíssima barra de bloqueio, aparecem sobre o que estamos vendo, garantindo que os gráficos do jogo sempre tenham espaço para brilhar.
Em termos de jogabilidade, Fallen Order pega seu combate do modelo baseado em deflexões ou "parry" de Dark Souls, onde o timing dos bloqueios e saber a hora de se esquivar é a alma do negócio para não apanhar até de stormtroopers (eu comecei, cheio de moral, jogando na dificuldade Jedi Master, para após um par de fases calçar as sandálias da humildade e colocar de volta em Jedi Knight), enquanto a exploração é regida pela cartilha de Uncharted, com saltos, escalada, corrida por paredes e balanço em cordas, tudo turbinado pelos poderes da Força, um tempero que deixa tudo mais divertido, especialmente conforme novas habilidades da Força vão sendo introduzidas e ampliadas no decorrer da campanha.
Inicialmente o combate é difícil, mas a recompensa de vencer o mano a mano contra uma horda de inimigos sem sofrer um arranhão vale a curva de aprendizado.
Usando com esperteza todos as melhores facetas da cartilha dos games de aventura Star Wars Jedi: Fallen Order é um tremendo êxito da Respawn, um pedido de desculpas decente da EA, e um bálsamo para os vilipendiados fãs de Star Wars que esperavam há anos por uma volta da série a seus melhores tempos gamísticos.
Novembro de 2019, a Força está com esse mês.

"-Você não estará sozinha.Terá um amigo com você.
-Não. Eu terei um Jedi comigo."

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Resenha Série: O Mandaloriano, Temporada 1, Episódio 3: Capítulo 3: O Pecado


Atenção! Há spoilers abaixo.
Os dois primeiros episódios de O Mandaloriano eram, ao mesmo tempo, tudo o que um fã de Star Wars poderia esperar de uma série, e nada do que um fã de Star Wars esperava da série.
Eu digo isso porque, em um primeiro momento, imaginei que o seriado seria um tipo de aventura espacial procedural, no formato tradicional de episódios tendo começo, meio e fim, cada um tratando de uma recompensa do protagonista em algum canto obscuro da orla exterior.
Mas não.
Uma grata surpresa, o seriado é como um grande longa metragem dividido em capítulos de meia hora, e a cada capítulo ele desenvolve um pouco mais sua trama e seu protagonista.
O terceiro capítulo de O Mandaloriano, intitulado O Pecado, já começa com um elemento brilhante em sua execução: Nós realmente não sabemos o que Mando irá fazer com a criança ao chegar de volta ao planeta onde é aguardado pel'O Cliente.
À essa altura do programa, nós ainda não sabemos o bastante a respeito do protagonista para antever qual será seu comportamento com relação a seu mais recente prêmio.
Mas a verdade é que Mando segue (quase) todas as regras da guilda dos caçadores de recompensas, entrega o contrato, recebe seu riquíssimo pagamento em lingotes de aço Beskar, e retorna ao esconderijo dos mandalorianos local para transformar todo aquele tesouro em utilidade a exemplo do que fizera no primeiro capítulo ao receber sua comissão.
Claro, trabalhar para clientes ligados ao Império, o indiscutível responsável pelo grande expurgo que reduziu os mandalorianos a um pequeno grupo de caçadores de recompensas escondidos nos subterrâneos de antros de escória e vilania não deixa Mando na melhor das posições com seus colegas de clã, e uma altercação acaba acontecendo entre Mando e outro guerreiro (sejamos francos, os demais mandalorianos também podiam estar apenas com inveja da inestimável fortuna em aço Beskar que o protagonista carregava em sua sorveteira). Uma altercação que logo é encerrada calmamente pela Armeira (Emily Swallow) apenas com algumas palavras lembrando aos brigões sua situação, e que a força dos mandalorianos é sua sobrevivência.
É justamente quando a armeira oferece a Mando o mudhorn, o rinoceronte felpudo (cuidado, morena) que lhe deu uma surra no episódio passado, como seu símbolo, ao que ele nega, confessando que não pode aceitar porque não foi uma vitória honrosa, que nosso anti-herói é tomado por uma onda de remorso.
"Eu tive ajuda de um inimigo.", ele diz. "Por que um inimigo o ajudou?" questiona a Armeira. "Ele não sabia que era meu inimigo, então.".
Os constantes flashbacks que remontam à infância de Mando no que parece ser o grande expurgo de Mandalore mostram que ele é um dos enjeitados que foram acolhidos pela ordem guerreira, e aparentemente Mando não consegue evitar de pensar que a criança é um enjeitado a quem ele virou as costas, e essa percepção não está deixando o caçador de recompensas sossegar a cabeça dentro de seu elmo de viseira estreita.
De posse de sua gloriosa armadura (que o deixou com um visual meio Jango Fett, meio Phasma, mas com mais personalidade e ginga do que os dois combinados), Mando volta à cantina para obter novos trabalhos com Greef.
Ele apanha todos os que consegue carregar, ansioso por sair logo do planeta, mas assim que chega à Razor Crest, nós sabemos que Mando não vai à parte alguma.
O que se segue é uma sucessão de sequências de ação que estão entre as melhores da série até aqui, e o ponto em que Mando deixa de ser apenas o protagonista de O Mandaloriano, para se tornar o herói da série, além de dar ao programa seu mote:
A partir de agora, Mando deixa de ser o caçador para se tornar a recompensa, o que certamente colocará todo um parsec de caça-prêmios impiedosos em seu encalço pelos cinco capítulos vindouros.
Capítulo 3: O Pecado foi, disparado, o melhor episódio de O Mandaloriano até o momento. Finalmente o seriado nos deu insights sobre o herói da série (aliás, palmas para Pedro Pascal, que consegue a proeza de lançar olhares hesitantes de dentro de um elmo de viseira fechada, e demonstrar emoções conflitantes apenas com a voz e movimento do pescoço e das mãos), lançar alguma luz sobre o que o restolho do Império deseja com A Criança, que segundo o doutor Pershing (Omid Abtahi, de Deuses Americanos) é um menino. Aparentemente extrair algo dele, midi-chlorians, talvez? Material genético para iniciar uma sanha clonadora em Kamino? Mas com que fins?
Isso descobriremos mais adiante, o importante é que o capítulo dirigido por Deborah Chow (que tem episódios de Better Call Saul, Punho de Ferro e O Homem no Castelo Alto em seu currículo e será a showrunner da vindoura série de Obi-Wan Kenobi) deu um tremendo passo na direção certa, não apenas mantendo a qualidade que tornou O Mandaloriano um oásis de qualidade em meio ao deserto de mediocridade de Star Wars pós-Disney, mas ampliando o lore da série e nos mostrando, mais ou menos, para onde iremos a partir daqui.
Que venham os próximos capítulos.

"-Esse é o caminho."




terça-feira, 26 de novembro de 2019

Resenha Série: O Mandaloriano, Temporada 1, Episódio 2: Capítulo 2: A Criança


Uma Nova Esperança.
É isso que O Mandaloriano representa para Star Wars após Jar Jar Abrams e Rian Johnson aleijarem a franquia sob as mãos de ferro do império, digo, da Lucasfilm de Kathleen Kennedy.
O primeiro episódio da série fora uma aula de como se faz Star Wars sem precisar reciclar histórias já contadas, e nem tampouco jogar a mitologia da série pela janela enquanto sapateia em seus personagens clássicos.
Na verdade, Capítulo Um (o econômico título do primeiro episódio) conseguiu exalar Star Wars por cada poro e ainda ampliar a mitologia da série quando Mando (o "nome" do protagonista a partir de agora, cortesia de Kuill) descobriu que seu alvo de cinquenta anos de idade é um bebê da raça de Yoda, um dos mais poderosos Jedi da história da ordem.
De posse de seu prêmio, o caçador de recompensas ainda precisa enfrentar alguns concorrentes trandoshanos que imediatamente descobrem que não é bolinho tentar tirar o ganha-pão de um mandaloriano, apenas para encontrar sua espaçonave depenada por Jawas (sugerindo que o planeta em questão é Tatooine, talvez?).
Após tentar recuperar suas peças num entreveiro desigual contra um sandcrawler dos obstinados recicladores espaciais, Mando se vê preso em um planeta hostil sem ninguém a quem recorrer, exceto Kuill, que está disposto a intermediar um acordo entre o caçador de recompensas e os larápios.
O preço que os pequenos roedores do deserto demandam para devolver as partes roubadas da espaçonave, porém, pode ser mais do que o mandaloriano é capaz de pagar, a menos que ele receba ajuda, ainda que da mais improvável das fontes...
Capítulo 2: A Criança é outra pequena joia que abarca tudo aquilo que os fãs de Star Wars amam. Os figurinos, a trilha, os personagens e o tom que a série escolheu para si, é tudo Star Wars em seu mais puro estado.
Além de todos esses acertos, a série mostra que seu protagonista não nasceu pronto, e começa a desenvolver sua personalidade a medida em que relação entre o caçador de recompensas e seu prêmio começa a ser erigida.
Mando, após lutar contra os trandoshanos, está ferido, e por duas vezes o bebê tenta curá-lo. Alheio à essa demonstração de gratidão de seu alvo, o caçador de recompensas simplesmente coloca a criança de volta em seu berço, mas ao final do episódio, essa dinâmica parece ter mudado sensivelmente.
Outro elemento que pode ter gerado essa alteração, é Kuill.
O personagem de Nick Nolte (que bom que pudemos voltar a vê-lo) é tudo aquilo que Mando não sabia que havia na galáxia. Honesto, prestativo, generoso e abnegado, ele sai de seu caminho não uma, mas duas vezes para ajudar o mandaloriano. E não deseja nada em troca, exceto um obrigado. Seu bordão "E tenho dito", deveria entrar no vernáculo de fãs de Star Wars toda a vez que fizerem algum gesto desinteressado de gentileza por um estranho. Certamente é possível que o comportamento do velho Ugnaught seja um dos catalisadores em alguma mudança na forma de Mando ver o universo iniciando o que possivelmente seja a jornada do protagonista ao longo da temporada.
Capítulo 2: A Criança não é apenas o veículo de ótimas sequências de ação, mas nos acena com qualificado desenvolvimento de personagem e revelações que podem reverberar por toda a mitologia de Star Wars, enquanto pavimenta caminho para o que deve ser um explosivo terceiro episódio. Iremos descobrir o que o Império quer com o bebê? Mando irá finalizar o acordo conforme o combinado a despeito dos eventos desse episódio?
Com mais um excelente capítulo, que consegue encaixar tanto conteúdo em pouco menos de meia hora, o diretor Rick Famuyiwa faz um trabalho fantástico mantendo o alto nível do piloto.
A série se consolida como o melhor exemplar de Star Wars em mais de uma década, capturando a velha magia da série, do ritmo, ao humor, à aparência e ao sentimento que os antigos filmes criavam. E após apenas dois episódios, eu já começo a me preocupar com o vazio que a série irá deixar quando a curta temporada de oito episódios terminar...
Que venha o terceiro capítulo.

"-Eu sou um Mandaloriano. Armas são minha religião."

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Resenha Série: O Mandaloriano, Temporada 1, Episódio 1: Capítulo Um


Acredito que tenha sido em 2012 ou 13 que a Disney concluiu a compra da Lucasfilm, colocando sob seu guarda-chuva corporativo Indiana Jones e Star Wars (ou 66% da carreira de Harrison Ford).
Se o arqueólogo mais famoso do cinema foi mantido em banho maria, imediatamente a Disney começou a maquinar formas de fazer dinheiro com aquela galáxia bem, bem distante, e em 2015 já estava sendo lançado O Despertar da Força.
Apesar de eu inicialmente ter gostado do Episódio VII, me lembro de ter deixado claro que aquele filme não acabava, mas se interrompia, e que seu verdadeiro potencial só poderia ser reconhecido após termos assistido aos episódios VIII e IX. Não preciso dizer que Os Últimos Jedi, não apenas destruiu O Despertar da Força, mas deixou claro que a Disney não sabia o que estava fazendo com a franquia. A trilogia que deveria encerrar a saga da família Skywalker é uma festa da uva onde cada diretor chega e faz o que quer (basta ver que Rian Johnson massacrou O Despertar e o episódio IX, já que o diretor original do longa, Colin Trevorow, implorou a Johnson que não matasse Luke, pedido que não foi atendido, deixando o diretor de Jurassic World em um mato sem cachorro tão violento que ele eventualmente seria afastado do filme, algo que também aconteceu com Phil Lord e Chris Miller em meio à filmagem de Solo, e com Gareth Edwards nos estágios finais de desenvolvimento de Rogue One), não há uma história definida, não existe jornada para os personagens e parece que a única preocupação da saga é garantir que os protagonistas da trilogia original deixem claro que suas vidas foram miseráveis e seus feitos inócuos antes de matá-los.
Foi por isso que eu não assisti Solo no cinema, é por isso que não assistirei A Ascensão Skywalker no cinema, e é por isso que eu estava pouco me lixando para O Mandaloriano, único produto novo da recém lançada plataforma de streaming digital do Mickey, a Disney+.
Mas eu adoro Star Wars.
Esse universo é importante pra mim, e fazer juízo prévio das coisas não é do meu feitio, de modo que após alguns trailers bem maneiros do seriado idealizado por Jon Favreau, o sujeito que lançou a pedra angular do MCU com Homem de Ferro em 2008, resolvi ver ao menos um episódio da série e ver se, por alguma eventualidade, ela não tinha atrativos que me mantivessem ligado.
No primeiro episódio, intitulado apenas Capítulo Um, conhecemos o mandaloriano do título (Pedro Pascal, o Oberyn Martel de Game of Thrones, que jamais tira a sua máscara). Ele entra em um bar repleto de pessoas terríveis acossando um alienígena azul, Mythrol (o ex-SNL Horatio Sanz), a quem querem matar por suas glândulas, que valem muito dinheiro.
O mandaloriano entra na briga, nocauteia os vagabundos, e, quando Mythrol se prepara para agradecer pelo resgate, descobre que o guerreiro não o salvou por nutrir nenhum sentimento fraterno, mas porque há uma bela recompensa pelo sujeito.
Tomando lugar sete anos após os eventos de O Retorno de Jedi, O Mandaloriano mostra a galáxia no período de transição entre o Império e a Nova República, um momento particularmente cinzento na Orla Exterior, quando o submundo está se rearranjando sob o novo prisma político com a entrada de ex-oficiais imperiais nas fileiras do crime organizado.
Movido unicamente pela pétrea vontade de manter os refugiados da tribo unidos e com uma perspectiva de futuro, o mandaloriano encaixa um trabalho no outro, sempre procurando o corretor de recompensas Greef Karga (Carl Weathers) em busca do próximo alvo.
Quando o seu caminho se cruza com o d'O Cliente, um elemento sombrio ligado ao Império (Werner Herzog, cujo mero sotaque torna tudo o que ele diz ameaçador) que lhe oferece um valiosíssimo carregamento de aço Beskar em troca de um fugitivo, o Mandaloriano não pensa duas vezes antes de aceitar o trabalho, que o leva até um planeta desértico onde o Ugnaught Kuiil (voz de Nick Nolte) o ajuda e ensina a montar um tipo de peixe-dinossauro bípede chamado Bluurgh, antes de levá-lo até o local para onde dezenas de caçadores de recompensa têm ido, tirando o sossego da vida idílica do velho eremita.
Mas encontrar o alvo é apenas metade do problema, a partir do momento que a oposição guardando o alvo do mandaloriano é feroz, e, pra piorar, ele tem concorrência pelo prêmio na forma do dróide caçador de recompensas IG-11 (voz de Taika Waititi).
Jon Favreau é o idealizador e showrunner de O Mandaloriano, e co-escreveu o roteiro da série, da qual este primeiro episódio é dirigido pelo veterano das séries animadas de Star Wars Dave Filoni, e Favreau parece ser o primeiro sujeito ligado à Disney a entender que Star Wars é, em essência, um faroeste.
Sim, ele se passa no espaço, em um tipo de futuro velho, e tem uns magos samurais com espadas laser, mas não se tira de Star Wars suas raízes de bangue-bangue.
Se esse prisma serviu à perfeição para contar a história da rebelião encabeçada por uma princesa, um salafrário e um garoto da fazenda, quando colocamos ela sobre a história de um caçador de recompensas em uma região sem lei, ela alcança píncaros de harmonia comoventes.
Some-se a isso o valor de produção que permite que o seriado tenha direção de arte, sets, efeitos visuais e práticos, e elenco dignos de cinema, mais uma trilha sonora fodelona de Ludwig Göransson, e um protagonista que se despe de qualquer vaidade se escondendo debaixo de um capacete o tempo todo, atuando apenas com a voz e expressão corporal, e O Mandaloriano precisa de apenas meia hora para se tornar a melhor coisa com Star Wars no título desde A Vingança dos Sith.
É muito tarde para apagar os últimos quatro filmes, cancelar o Episódio IX e começar de novo com Favreau no comando?

"-Caçar recompensas é um negócio complicado..."

Resenha Série: Watchmen, Temporada 1, episódio 6: This Extraordinary Beig


Atenção!
Há spoilers abaixo.
Após responder um par de perguntas e fazer outras duzentas no ótimo A Little Fear of Lightning, o sexto capítulo da série nos joga dentro da mente de Angela Abar após ela empinar todo o frasco de Nostalgia de seu avô. Não o perfume (aos não iniciados, nos quadrinhos Nostalgia era o nome do perfume lançado pela empresa de cosméticos de Adrian Veidt após ele se aposentar do combate ao crime e se dedicar a seu império de negócios).
Na série, Nostalgia são pílulas carregadas de memórias extraídas com o uso de nanotecnologia da mente de pacientes. Quando ingeridas, as pílulas levam a pessoa a reviver esses momentos.
Inicialmente desenvolvida para pacientes sofrendo de demência senil, eventualmente a Nostalgia foi proibida por gerar vício e psicose nos usuários, e Angela acabou de tomar o frasco inteiro, a levando de imediato até 1938, o ano em que Will Reeves (interpretado em sua versão jovem por Jovan Adepo) se graduou policial na cidade de Nova York realizando seu sonho de seguir os passos de Bass Reeves, o delegado negro cujos filmes mudos ele assistia na infância enquanto sua mãe tocava a trilha sonora ao piano.
As coisas não começam bem, porém. Will é o único negro na turma de formandos de 1938, e o oficial que está cumprimentando e pregando distintivos em todos os demais cadetes, pula o jovem oficial Reeves sem nenhuma cerimônia, deixando que o tenente Sam Battle (o verdadeiro primeiro policial negro de NY interpretado por Philly Plowden) cumprimente e oficialize Will na força.
As congratulações vêm com um alerta sinistro "Cuidado com o ciclope".
Ao longo dos próximos cinquenta e tantos minutos, nós veremos o quanto o alerta de Battle era necessário, conforme Will tenta ser o melhor policial possível, levando a cabo as palavras de Bass Reeves no cinema, e evitando a "justiça das ruas", apenas para ser confrontado com o fato de que os anos desde o massacre racial de Tulsa e o fato de ter trocado Oklahoma por Nova York não mudam o fato de que Will é negro, e ninguém está disposto a deixá-lo esquecer disso.
Frequentemente acompanhado por June (Danielle Deadwyler), o bebê que ele encontrou no campo após escapar por pouco da morte em Tulsa em 21, Will segue sendo vilipendiado e brutalizado até mesmo por outros policiais, e é após uma violenta agressão que ele resolve parar de seguir a filosofia do delegado negro de sua infância, e, de rosto coberto, fazer justiça com seus punhos.
É June, que sempre viu toda a raiva contida dentro de Will quem o encoraja a se tornar um vigilante. É ela quem o encoraja a adotar a máscara e a fingir que é branco. É ela quem o ajuda a criar a persona do Justiça Encapuzada, o primeiro vigilante mascarado dos EUA, que daria origem a todos os demais, dos Minuteman originais, até os policiais mascarados de Tulsa em 2019.
A reputação do novo herói cresce até Nelson Gardner (Jake McDorman), identidade secreta do Capitão Metrópolis aparecer à sua porta oferecendo a Will um convite para se juntar aos Minuteman originais.
E, enquanto sua relação com Gardner se aprofunda ao mesmo tempo em que sua relação com June se deteriora, Will percebe que, mesmo entre os "super-heróis" que inspirou, ainda há espaço de sobra para preconceito racial.
Repleto de camadas e mais camadas de sub-texto que remontam ao episódio piloto da série, This Extraordinary Being é um ótimo capítulo de Watchmen. Em seus melhores momentos, o capítulo dirigido por Stephen Willliams e co-escrito por Damon Lindelof e Cord Jefferson consegue não apenas empilhar as referências aos episódios anteriores, a Bass Reeves, o massacre de Tulsa e Superman, mas fazer com que tudo isso ressoe de maneira harmoniosa para narrar a história de um homem que pegou sua raiva e os símbolos de sua opressão e os ressignificou em emblemas de justiça.
É provavelmente a melhor sacada de Watchmen até aqui, ainda que provavelmente vá causar urticária em Alan Moore e fazer fãs do quadrinho sentirem algum desconforto com a grande quantidade de liberdades criativas tomadas com a obra.
O fato de todo o segmento do passado ser filmado em preto e branco com breves interlúdios de cor, e de Regina King frequentemente assumir o lugar de Adepo no papel de Will Reeves é outra bela sacada.
E, nos derradeiros momentos do episódio, como sempre, a série responde uma pergunta, no caso a verdade sobre a morte de Judd Crawford, e faz outras duzentas... Por exemplo, por que matar Judd? Por que matá-lo agora? Qual a importância do chefe de polícia nos planos que Trieu, Will e, aparentemente o senador Keene têm em mente?
Não sabemos.
Mas sabemos que o segundo terço da série chegou ao seu fim mantendo o ritmo de seus melhores momentos.
Faltam três episódios para o fim de Watchmen. Vamos aguardar para ver se todas as inúmeras perguntas levantadas pela série podem ser respondidas em mais ou menos três horas...

"Você não vai conseguir justiça com um distintivo, Will Reeves. Você vai conseguir com um capuz."

Resenha Série: Watchmen, Temporada 1, episódio 5: Little Fear of Lightning


Após um quarto capítulo bastante moroso com If You Don't Like My Story Write Your Own, Watchmen acertou a mão ao voltar para o passado e abrir o quinto capítulo no fatídico dois de novembro de 1985, quando o jovem Wade Tillman, então membro de uma congregação religiosa que tentava converter pessoas à religião antes que o relógio do Juízo Final chegasse à meia-noite, visitou o antro de pecadores de Hoboken, em Nova Jersey, tentando levar uma palavra de salvação aos perdidos, apenas para ser seduzido por uma jovem punk, e deixado em uma situação desagradável ao mesmo tempo em que o ataque interdimensional de uma lula gigante em Nova York matava três milhões de pessoas.
Mesmo em Jersey o reflexo do ataque foi devastador, com centenas de pessoas morrendo, e outras tantas sentindo de imediato os efeitos da onda psíquica espalhada pela criatura, um evento apocalíptico que freou a Guerra Fria ao unir capitalistas e comunistas contra um inimigo comum, ao mesmo tempo em que deixou milhões marcados para o resto da vida pelo pavor de que algo assim voltasse a acontecer.
Uma das pessoas que jamais se recuperou o ataque foi, justamente Wade.
Anos mais tarde, o agora detetive Looking Glass do Departamento de Polícia de Tulsa vive sob o trauma do ataque de trinta e quatro anos atrás, conduzindo constantes testes com seu sistema de alarme anti-ataques interdimensionais, participando de um grupo de apoio para pessoas que convivem com o mesmo pavor, e até mesmo baseando todo o seu disfarce policial na reflectina, material espelhado que, aparentemente, rebate as ondas psíquicas do ataque da lula gigante.
Wade é solitário, quase isolado. Há uma foto de sua ex-esposa na parede de sua sala, e ele come feijões direto da lata usando a máscara espelhada sobre o rosto (ao melhor estilo Rorschach) enquanto assiste American Hero Story: Minuteman na TV, e mantém um emprego de fachada como consultor para grupos de pesquisa, ajudando moderadores a ver por trás das mentiras dos participantes (o filme da campanha chamando as pessoas de volta para Nova York é particularmente inspirado), porque Wade sempre sabe quando alguém está dizendo a verdade.
Ou ao menos é no que ele acredita.
Após conhecer a bela Renee (Paula Malcolmson) no seu grupo de apoio, outra traumatizada pelo ataque de 85, Wade se veja enredado em uma conspiração que envolve não apenas a Sétima Kavalaria, mas pessoas poderosas de Oklahoma e além, que desejam que ele tome parte em um plano do qual ele não será totalmente inteirado, que vai demandar que ele sacrifique a sua lealdade, mas que tem potencial para libertá-lo do medo que o acompanha desde dois de novembro de 1985, à medida em que, em troca de sua alma, lhe é oferecida a verdade sobre o ataque interdimensional que apaziguou o mundo.
E falando na verdade, novamente fomos levados ao claustro de Adrian Veidt, e após muito preparo e ensaio, o Ozymandias finalmente coloca em prática seu plano envolvendo a catapulta e o traje espacial caseiro, e é lançado aos céus por dezenas de Sras. Croockshanks e Srs. Phillips confirmando a verdadeira natureza, tanto da localização de seu aprisionamento (eu não podia estar mais errado quando falei que era no País de Gales), quanto que seus esforços recentes não eram uma tentativa de fuga, mas um pedido de socorro, endereçado, aparentemente, ao Doutor Manhattan.
Como se isso já não suscitasse questões o suficiente, Ozymandias é puxado de volta ao seu idílio pelo Guarda Florestal (mais um Sr. Phillips), que promete punir o prisioneiro fujão, enquanto Veidt retorque que todos os clones foram abandonados por seu deus, deixando no ar que, tanto o local onde ele está aprisionado, quanto suas companhias, são criação de Manhattan (talvez punindo Adrian por seus atos em 1985? Mas se for esse o caso, então por que Veidt esperaria ser resgatado por seu captor? Perguntas, perguntas...).
O fim do capítulo nos mostra Wade precisando lidar com as consequências de seu pacto com a Sétima Kavalaria, e Angela tomando medidas desesperadas para lidar com a descoberta de seu segredo, medidas que podem ter graves consequências para a Sister Night.
Pegando parelho com She Was Killed by Space Junk, Little Fear of Lightning é um dos pontos mais altos de Watchmen, mas ainda assim confirma a irritante tendência da série a não responder nenhuma pergunta sem levantar mais meia-dúzia de questionamentos, entretanto, nos mostrar um vislumbre mais aprofundado da vida de Looking Glass, e através dele, o trauma que toda uma geração deve ter experimentado após o ataque de 1985, foi uma tremenda sacada.
Brincando com o visual espelhado do "cara do espelho", a diretora Steph Green frequentemente tem um espelho na cena, desde o título do episódio, que aparece invertido, e constantemente o usa, não para nos mostrar algo que queiramos ver, mas para ocultar, traçando um esperto paralelo com a maneira como Wade usa a reflectina para de proteger, seja de alienígenas interdimensionais, seja de mulheres propensas a lhe dar um pontapé nas bolas, aparentemente sem sucesso, afinal de contas.
Em seu quinto capítulo, Watchmen voltou à curva ascendente. Vamos torcer para que continue assim.

"-A única forma de impedir a extinção da humanidade é com uma arma mais poderosa do que qualquer dispositivo atômico. Essa arma é o medo. Eu, senhor presidente, sou seu arquiteto."

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Resenha Filme: Casal Improvável


Um dos gêneros mais explorados pelo cinema de massa em décadas recentes, a comédia romântica tem diversos atrativos para encorajar o investimento dos estúdios. É um gênero que não demanda grandes investimentos em nenhum fronte. As produções raramente vão além da ambientação urbana contemporânea, os elencos não precisam ser particularmente talentosos (ainda que eventualmente o sejam), os diretores não precisam ser particularmente renomados, e, por vezes, temos a impressão de que os roteiristas nem precisam ficar acordados durante todo o processo de construção dos scripts, de modo que com pouco dinheiro, é possível obter um grande retorno em bilheterias, e, se não houver o tal retorno, as perdas são relativamente pequenas...
Claro, em anos recentes essa lógica acabou migrando para os filme de horror, e produtoras como a Blumhouse e a Ghost House vivem basicamente disso no final das contas, de modo que as comédias românticas acabaram tendo sua frequência reduzida nos cineplexes do mundo, diminuindo nossas chances de ver novamente fenômenos de bilheteria como Casamento Grego, Uma Linda Mulher e Do Que as Mulheres Gostam. Ainda assim, o gênero sobrevive, e volta e meia podemos nos deparar com eventuais exemplares pipocando daqui ou dali, caso desse Casal Improvável lançado nos cinemas em junho, e que eu assisti na semana passada no Amazon Prime Video.
No longa conhecemos Fred Flarsky (Seth Rogen) um íntegro repórter investigativo que trabalha em um pequeno jornal comprometido com a verdade dos fatos em Nova York, o Advocate. Quando o Advocate é comprado pelo inescrupuloso magnata das comunicações Parker Wembley (um irreconhecível Andy Serkis), Fred imediatamente se demite, mesmo sem nenhuma perspectiva de emprego em seu futuro imediato.
Enquanto isso, a secretária de estado norte-americana Charlotte Field (Charlize Theron) é informada por seu chefe, o presidente Chambers (um ótimo Bob Odenkirk), que ele não irá concorrer para um segundo mandato. Um ex-ator que ficou famoso por interpretar o presidente dos EUA em uma série de TV, Chambers deseja seguir com sua carreira e fazer a transição para o cinema, mas está disposto a oferecer seu apoio à Charlotte caso ela deseje tentar o cargo nas eleições que se avizinham.
Eventualmente Charlotte e Fred se encontram em uma festa e relembram seu passado em comum.
Vinte e cinco anos antes, Charlotte, então com dezesseis anos, costumava trabalhar como babá de Fred, à época com 13. Ela já almejava uma carreira política no colegial, tanto que foi durante o ensaio do discurso de Charlotte para a presidência da classe que Fred roubou-lhe um beijo antes de ser humilhado pelo namorado dela ao ter uma ereção...
Com Charlotte tendo seu senso de humor e "gostabilidade" questionados nas pesquisas de intenção de voto, ela resolve turbinar seus discursos com um pouco da irreverência dos textos de Fred, e oferece a ele uma posição em sua equipe como seu escritor pessoal.
Inicialmente o casal bate cabeça com a as noções irreais de integridade de Fred esbarrando com as concessões que uma figura política da envergadura de Charlotte precisa fazer para manter uma base de apoio, mas a despeito de todas as diferenças entre os dois, com ela sendo uma mulher linda, elegante e sóbria, e ele um homem de aparência mediana, no máximo, esculhambado e desleixado, uma fagulha nasce, e logo se torna um relacionamento.
Mas quando esse relacionamento começa não apenas a interferir nas funções de Charlotte como secretária de estado, mas também a ameaçar suas chances de disputar o Salão Oval, o namoro dos dois se torna um risco que ela terá de pesar, e que sua equipe, em especial a assistente Maggie (June Diane Raphael), prefere que ela não corra.
Uma releitura bem banal de Cinderella com a (bem-vinda) inversão de gêneros que a contemporaneidade demanda, Casal Improvável é um filme bem bobinho em seus melhores momentos, e totalmente inócuo nos piores.
A despeito de suas tentativas de fazer comentário sócio-político, o longa naufraga porque é uma comédia sem risadas e um romance sem química, e por mais que uma comédia-romântica surpreendentemente possa sobreviver sem um desses elementos, sem os dois é absolutamente impossível.
Não basta suspensão de descrença para aceitar Rogen e Theron como casal, é necessária absoluta ausência de descrença, e não apenas porque ele é feio e pobre e ela é linda e bem-sucedida, em nosso mundo mulheres lindas e inteligentes podem se interessar por sujeitos feiosos e medíocres (eu sei bem disso. Acredite.), mas porque ele simplesmente não tem atrativo nenhum. O personagem de Rogen não é particularmente inteligente, caloroso ou divertido e, pra piorar, é um santarrão liberal dos mais enjoados.
O roteiro de Dan Sterlig e Liz Hannah frequentemente é constrangedor, irregular, e parece mais uma coleção de gags repetidas do gênero que simplesmente não funcionam se a audiência estiver interessada em mais do que uma coleção de situações aleatórias que se empilham sem nenhuma ordem particular exceto a perspectiva de uma piada que quase nunca funciona.
O cineasta Jonathan Levine, que dirigiu o que foi possivelmente a melhor atuação da carreira de Rogen em 50% não consegue repetir a dose aqui, Fred Flarsky é o típico personagem de Rogen em todos os outros filmes da carreira do ator, o maconheiro gente-boa cujo humor auto-depreciativo é uma máscara para uma arrogância algo juvenil, ele deveria ser encantador, mas não é.
Charlize Theron faz seu melhor com o material, a sul-africana é linda e competente como sempre, mas a verdade é que Charlotte Field é uma personagem que está abaixo da atriz. Essa nem mesmo é a primeira vez que vemos e atriz que tem múltiplas indicações ao Oscar no cartel bancar a idiota (o que ela já havia feito de maneira muito mais divertida em Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola), de modo que não é nem uma chance de ver a atriz em uma nova seara.
Com problemas tão flagrantes e poucas e tão discretas qualidades, Casal Improvável não é um filme que eu ousaria recomendar nem mesmo para substituir a programação habitual da TV em um domingo chuvoso. Se quer ver uma comédia romântica, volte para os clássicos. O catálogos da Amazon e da Netflix está repleto de opções melhores do gênero.

"-Eu nunca senti tanto medo na minha vida inteira. E eu já estive em um elevador com Saddam Hussein."

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Resenha Filme: Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw


Eu não me lembro de nenhuma outra série de filmes que tenha transitado tanto entre gêneros quanto Velozes & Furiosos.
A muitíssimo bem-sucedida galinha dos ovos de ouro da Universal começou como uma descarada cópia de Caçadores de Emoção, eventualmente se transformou numa série de filmes de assalto, e, então começou a se esfregar na ficção científica.
Sob a pena do roteirista Chris Morgan desde o terceiro longa da série, Velozes & Furiosos foi paulatinamente se tornando mais excessivo, canastrão e engraçado (ás vezes de propósito), mas a verdade é que com todos os seus defeitos a franquia de filmes jamais deixou de ser divertida e entregar o mesmo tipo de entretenimento que a série Transformers entrega, por exemplo. As bilionárias bilheterias da franquia atestam seu sucesso em alcançar um determinado público que anseia por um determinado tipo de filme, e por mais que a ação de Velozes & Furiosos seja um pastiche quando comparada a filmes de ação menos genéricos, a verdade é que a franquia se encaminha para dez filmes em sua série principal, e já pariu um spin-of, no caso, esse Hobbs & Shaw.
Estrelado por Dwayne The Rock Johnson, que foi meio que escorraçado do elenco principal de V&F após brigar com Vin Diesel e Tyrese Gibson, e por Jason Statham, que surgiu em Velozes & Furiosos 6 como vilão, matou Han, e logo depois foi incorporado à "família" como se nada tivesse acontecido em Velozes & Furiosos 8, Hobbs & Shaw era o produto ideal para testar a sobrevida da franquia após o décimo filme (que teoricamente deve encerrar a série, mas vá saber. Não é como se Diesel e companhia estivessem nadando em grandes projetos, então...), e manter Johnson atrelado à série sem precisar fazer malabarismo para que ele e o intérprete de Dom Toretto não precisassem contracenar e aproveitando a ótima química que ele e Statham haviam mostrado em Velozes & Furiosos 8.
Em Velozes & Furiosos Hobbs & Shaw nós vemos uma equipe do MI-6 ser interceptada durante uma operação de captura de um vírus tecno-orgânico de altíssima geração chamado Floco de Neve. O algoz da equipe de militares altamente treinados é Brixton (Idris Elba), um operativo da organização terrorista Eteon, que pretende usar o vírus para forçar a evolução humana a qualquer custo (ou algo assim).
Brixton é quase um ciborgue, cheio de implantes cibernéticos que o tornam super-humano, aumentando sua força, velocidade e capacidade de reação. Com tais habilidades ele não tem nenhum problema para limpar o chão com a equipe de militares e forçar a única agente ainda viva, Hattie Shaw (a bela Vanessa Kirby), a injetar o vírus em si própria e fugir.
Brixton, para garantir que Hattie não tenha para onde fugir, altera a cena do crime para fazer parecer que ela se virou contra a própria equipe e roubou o Floco de Neve, o que leva a CIA a convocar o melhor rastreador do mundo, Luke Hobbs (Johnson) e o ex-agente da MI-6 e irmão de Hattie, Deckard Shaw (Statham) no caso.
Sem nenhuma vontade de trabalharem juntos, Hobbs e Shaw precisam colocar suas diferenças para salvar Hattie e o mundo, uma tarefa que pode ser impossível à medida em que os dois descobrem que não são páreo para Brixton e os recursos quase infinitos da Eteon.
Não é necessário ir muito além dessa premissa para perceber o quão requentada é a trama do longa. O vírus injetado na protagonista feminina logo de cara grita Missão: Impossível 2, o agente inimigo que passou por ampliações cibernéticas e despirocou poderia ser parte dos operativos de Soldado Universal, e os dois protagonistas que não se gostam e têm estilos totalmente diferentes mas são forçados a trabalhar juntos é a premissa de quase todos os filmes estilo buddy cop desde Máquina Mortífera, não bastasse a natureza derivativa do roteiro, a trama é mais cheia de furos do que o céu atrás do Capitão América no clímax de Vingadores: Ultimato, mas a verdade é que ninguém vai ao cinema ou, no meu caso, aluga o filme na Google Play Store, esperando um grande filme, mas sim um par de horas de diversão escapista e ação descerebrada, e nesse quesito, Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw é bastante satisfatório.
A química de Statham e Johnson realmente é boa. O festival de falação de bobagem de um pro outro é engraçadinho, e ainda que nenhum dos dois esteja nem perto das melhores atuações de suas carreiras, eles são dois heróis de ação convincentes.
O diretor David Leitch faz um trabalho decente considerando o que lhe é dado, mas eu francamente senti falta de coreografias de luta melhores do sujeito que fez John Wick e Atômica, tudo em Hobbs & Shaw é excessivo demais, megalômano demais, e convincente de menos, o que, eu suponho, não seja um problema se tu não te importar com a aplicação prática das leis da física.
Em termos de elenco, há uma infinidade de participações especiais. Ryan Reynolds aparece como o agente da CIA Locke (que é o Deadpool disfarçado, certo...), Helen Mirren como Queenie, a mãe de Deckard e Hattie, Eiza González como Madame M, Cliff Curtis e o lutador da WWE Joe "Roman Reigns" Anoa'i como irmãos de Hobbs, e Eddie Marsan como o cientista que criou o Floco de Neve, mas a verdade é que ninguém sai de Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw com a cabeça mais erguida do que Idris Elba, que literalmente se apresenta como o vilão do filme em sua primeira cena e convence durante todo o longa conforme surra os protagonistas outra e outra vez, e especialmente Vanessa Kirby.
A britânica corre, salta, escala, faz piadas, tem presença, sabe brigar jamais se torna uma mocinha em perigo e ainda é uma belezura. Se mais alguém for ganhar sua própria franquia em Velozes & Furiosos, Hattie Shaw seria a minha primeira escolha, fácil.
Com uma duração ligeiramente mais longa do que o necessário com duas horas e dezessete minutos, a principal qualidade de Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw é não se levar excessivamente a sério, o que seria a morte para um filme tão bobo.
Consciente de suas limitações, o longa-metragem está longe de ser um grande filme, não é nem sequer um grande filme de ação (ainda que, talvez, seja o melhor Velozes & Furiosos em um bom tempo), mas sucede em seu intento de distrair durante a maior parte de sua duração. Um bom programa para uma tarde chuvosa de domingo.

"-Esse trabalho demanda furtividade. Olha só pra você.
-Eu estou tentando salvar o mundo, e, pra constar, será a minha quarta vez. Porque eu sou bom mesmo nisso."

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Resenha Série: Watchmen, Temporada 1, episódio 4: If You Don't Like My Story, Write Your Own


Até aqui Watchmen havia tido dois episódios interessantes e um episódio muito bom, esse quarto capítulo, If You Don't Like My Story, Write Your Own é o primeiro episódio da série que de regular não passa.
Os tropeços do episódio não chegam a torná-lo ruim, mas é difícil não assistir aos cinquenta e dois minutos sem que a palavra filler venha à mente.
Quase tudo o que aconteceu nesse episódio parece preâmbulo para coisas por vir, e, ainda que os desdobramentos possam ser legais pra cacete, o caminho é um pouco aborrecido.
O episódio abre com uma montagem retratando a rotina simples de um casal de fazendeiros que, no meio da noite, são despertados pela visita da misteriosa trilionária vietnamita Lady Trieu (Hong Chau).
Trieu aparentemente é um tipo de personalidade, pois ao invés de ignorar a estranha na porta de sua casa na madrugada o casal a convida para entrar e as coisas tomam rumos estranhos.
Trieu quer a casa do casal e os quarenta acres de terra sobre os quais ela está. E quer agora. Para obter o que deseja, a ricaça oferece aos dois, mais do que dinheiro, mas legado. Trieu sabe que o casal vem tentando engravidar há anos sem sucesso, e oferece a eles um filho biológico, nascido da ciência clínico-farmacológica que fez a fortuna de Trieu, mais cinco milhões de dólares "para despesas", e assim que um acordo é alcançado e um contrato assinado, um tremor se faz sentir e algo cai do céu na propriedade. Algo que pertence a Lady Trieu.
Enquanto isso, após ser meio escanteada na semana passada, Angela está de volta à linha de frente nesse capítulo. Ela ainda está tentando entender ao certo qual é o lance com o misterioso avô que ela não sabia que existia. O que a leva ao Centro Cultural onde ela descobre um pouco mais a respeito de Will e de seus bisavós, cujo fim fatídico nós conhecemos no primeiro episódio da série.
Enquanto Angela fazia essas pequenas descobertas, seu carro era jogado do céu bem na frente de Laurie Blake, que estava, ora vejam, bem na frente do Centro Cultural de Tulsa.
Laurie, por sinal, está bem `{a vontade na cidade. Ela se alojou no escritório de Judd, tomou a liberdade de colher impressões digitais do carro demolido de Angela, e descobriu as impressões do avô misterioso, um homem de mais de cem anos de idade chamado Will Reeves que foi policial em Nova York dirante as décadas de 1940 e 50. O que Laurie não encontrou no carro de Angela foi o frasco de comprimidos que Will deixou no porta-luvas, e que Angela deixa com Wade/Looking Glass junto com o traje da Klan/Kavalaria que ela encontrou no armário de Judd.
Angela não confia em Laurie, e quer que os eventos da noite da morte de Judd permaneçam desconhecidos para a agente do FBI, mas seu plano de cobrir seus rastros esbarra na presença de um misterioso vigilante mascarado quando ela dava fim ao processo. O sujeito, um magricela vestido com um colante prateado é mais uma dessas coisas esquisitas que, volta e meia a série coloca em seus episódios, e o nome que Red Scare dá ao sujeito "Lube Man", baseado em suas habilidades, é provavelmente o ponto mais alto do capítulo junto com a conversa entre Sister Night e Lady Trieu no Relógio do Milênio, a imensa construção que a trilionária erigiu em Tulsa, e pra onde as investigações sobre o carro de Angela e a morte de Judd levam Laurie, Petey e a nossa freira/policial/vigilante.
Na sequência descobrimos que Trieu e Will estão tramando algo juntos, e que, o que quer que seja, acontecerá em três dias.
E, enquanto isso, no (que eu imaginava ser o País de Gales, mas pode ser qualquer coisa) confinamento de Adrian Veidt, nós temos o que talvez seja o mais estranho dos interlúdios de Ozymandias, onde o vemos pescando fetos mutantes de um lago como se fossem camarões. Ele coloca aqueles monstrinhos em um tipo de microondas enquanto come bolo, e eles crescem para se tornar os mais recentes Sr. Phillips e Srta. Crookshanks, após ele ter tido um problema com os anteriores.
Os dois servos, então, ajudam Adrian com sua experiência usando a catapulta que ele vinha montando, o que nos dá uma nova perspectiva sobre sua localização, e a natureza de sua presença lá. Adrian não se exilou, mas foi aprisionado, segundo ele diz, há quatro anos (O que leva à teoria da internet de que cada uma das aparições de Veidt na série ocorre um ano após a outra), e suas estranhas experiências visam a fuga de seu claustro...
Preparando terreno para o futuro pegando com força no viés de herança e legado em todas as suas linhas narrativas. Das motivações e traumas de Laurie Blake ao conflito de Adrian com suas criaturas, e especialmente as relações sanguíneas entre Angela e Will, e até os planos de Trieu, quaisquer que sejam, If You Don't Like My Story, Write Your Own é um episódio menor de Watchmen tanto porque não se sustenta sozinho quanto por não ter quase nada da divertida histeria do capítulo anterior, ainda assim, dependendo do que vier pela frente, ele pode se justificar.

"-Puta merda. Esse é Adrian Veidt? Por que vocês fizeram ele tão velho?
-Na minha cultura nós veneramos a velhice.
-Bom, aqui é a América, coração, e ele tá uma merda."

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Resenha Filme: Meu Nome é Dolemite


Um dos maiores (senão o maior) celeiro de comediantes da televisão norte-americana é, sem sombra de dúvidas o Saturday Night Live. Programa de esquetes ao vivo que desde 1975 lançou as carreiras de comediantes que se tornariam alguns dos maiores do cinema americano, e que inclusive esnobou gente do quilate de Steve Carell e Jim Carrey quando eles estavam no começo de suas carreiras. Ao longo de sua longeva existência, o SNL viu seu elenco ser reformulado inúmeras vezes, em diversas ocasiões lançando novos grandes nomes que vão de Mike Myers a Will Ferrell, de Chris Rock a Tina Fey. Apesar de ter havido um sem-número de elencos excelentes ao longo da história do SNL (o do início dos anos 2000 é meu favorito pessoal), há que se dizer que o elenco dos primeiros anos, com gente do calibre de Dan Aykroyd, Bill Murray, John Belushi, Gilda Radner e Chevi Chase foi provavelmente a maior reunião de comediantes da história da TV.
Quando todos esses brilhantes comediantes fizeram a transição do SNL para o cinema, o vácuo deixado por eles foi gigantesco. E quem carregou o programa nas costas durante o mais sombrio período de sua existência foi um jovem comediante do Brooklyn:
Eddie Murphy.
Do SNL Murphy fez a natural transição para o cinema intercalando comédias como Trocando as Bolas e Um Príncipe em Nova York e filmes de ação como 48 Horas e Um Tira da Pesada, tornando-se um dos maiores astros de cinema dos anos 80. Eventualmente, após o ótimo Os Picaretas, o comediante entraria em uma tenebrosa série de escolhas equivocadas que incluiria o então maior fracasso financeiro da história de Hollywood, As Aventuras de Pluto Nash, além de bombas como Norbit, Mansão Mal-Assombrada e Grande Dave, além de ter entrado em uma tremenda zona de conforto com as dublagens de Shrek, onde dá voz ao Burro, num período onde só se salva, mesmo, sua excelente participação em Dreamgirls: Em Busca de um Sonho. Após essa longa série de maus filmes, Murphy deixou de dar as caras nos cinemas anualmente. Entre 2012 e 2019 ele lançou apenas dois projetos, um, o piloto de uma série derivada de Um Tira da Pesada que jamais viu a luz do dia, e outro fracasso de público e crítica, Mr. Church.
Enquanto fã da comédia de Eddie Murphy (alguns meses atrás assisti um especial de stand-up antigo do homem no Paramount Chanell e é ótimo) confesso que me sentia triste por ver os rumos que sua carreira haviam tomado.
Então foi uma alegria pra mim ver o trailer de Meu Nome é Dolemite no YouTube meses atrás. A prévia parecia ser um retorno de Muprhy à sua antiga forma e imediatamente eu fiquei com vontade de assistir ao longa metragem o que acabei fazendo, com algum atraso, apenas ontem.
No longa conhecemos Rudy Ray Moore (Eddie Murphy), um obstinado showman que já tentou de tudo para conseguir seu lugar na ribalta, mas que tem dado com a cara na porta do sucesso por anos a fio.
É a década de 1970, e trabalhando em uma loja de discos no sul de Los Angeles, Rudy sonha em ser uma estrela, mas o mais perto disso que consegue chegar é servindo de mestre de cerimônias para os seus amigos cantores no clube noturno onde faz um bico eventual.
As coisas mudam para Rudy no dia em que o bêbado local Ricco (Ron Cephas Jones, roubando a cena) entra na loja de discos para pedir uns trocados aos clientes e começa a entoar rimas a respeito de um sujeito chamado Dolemite, cujos absurdos prodígios sexuais arrancam algumas risadas dos presentes.
Tomado por uma epifania, Rudy percebe o potencial comercial das rimas de Ricco, e eventualmente paga a ele e outros sem-teto por uma batelada de histórias às quais ele eventualmente dá polimento criando um número cômico totalmente novo e absolutamente obsceno.
Adotando no palco a persona do libertino cafetão Dolemite, cujo negócio é "foder filhos da puta", Rudy encontra um sucesso que jamais havia experimentado. Ele grava seu próprio disco, e após ser rechaçado por algumas gravadoras que não compram seu humor desbocado, Ruby eventualmente é acolhido por um selo que o percebe após ele fazer uma boa grana vendendo seus discos por conta própria.
Durante uma turnê pelo sul dos EUA, ele eventualmente conhece Lady Reed (Da'Vine Joy Randolph) uma mãe solteira em quem vê potencial e que integra a seu número. Dolemite entra na lista de mais vendidos da Billboard, grava mais discos, e é provável que qualquer outra pessoa estivesse satisfeita com esse grau de sucesso, mas não Rudy Ray Moore.
Ao levar seus amigos ao cinema para assistir a comédia A Primeira Página no cinema, Rudy percebe o mercado definitivo. Seus shows ao vivo e discos não são páreo para a magia da telona. Um filme é palavras e imagens ao mesmo tempo, e Dolemite é um personagem com uma base de fãs para quem A Primeira Página não tem graça nenhuma, e que está ansiosa por vê-lo em ação.
Um empreendedor nato, Rudy resolve que a tela prateada é a fronteira final, e que o segredo do sucesso é chegar à sala escura com um filme que tenha tetinhas e kung-fu.
Pra levar a cabo sua visão, Rudy tem seus amigos Ben (Craig Robinson), Jimmy (Mike Epps) e Toney (Tituss Burgess), mas precisa de profissionais. Ele contrata o produtor e roteirista de teatro Jerry Jones (Keegan-Michael Key), e, num golpe de sorte, o ator profissional D'Urville Martin (Wesley Snipes, hilário), uma prima-donna convencido a participar da empreitada com o papel de vilão e a direção do filme, além de um grupo de estudantes de cinema da UCLA liderados por Nick (Kodi Smit-McPhee) para cuidar da parte prática da produção na qual Rudy aposta literalmente tudo o que tem, na tentativa de se tornar o astro que sempre sonhou ser.
Como essa premissa deixa claro, Meu Nome é Dolemite bate bastante na tecla do homem e seu sonho. O sujeito que faz o próprio destino apostando tudo em si próprio, mas os roteiristas Scott Alexander e Larry Karaszewski, dois cobras em cinebiografias com um cartel que inclui O Povo contra Larry Flynt, O Mundo de Andy, Grandes Olhos e Ed Wood sabem construir um roteiro que dê espaço para seu protagonista brilhar, e é exatamente o que Eddie Murphy faz.
O astro enche Rudy de uma ingenuidade e otimismo que contrastam com a natureza libidinosa de seu ato cômico, e isso aproxima a audiência do personagem central. Mais do que isso, Murphy, um ator reconhecidamente difícil e dado a estrelismos parece mais generoso do que o habitual, dando espaço para todos os seus coadjuvantes brilharem em algum momento.
A direção de Craig Brewer é correta, e a recriação de época caprichada, resultando num longa que, sem arroubos e nem excessos, conta sua história de maneira macia, divertida e competente, oferecendo a Eddie Murphy a possibilidade de voltar a ser relevante e engraçado como há muito tempo não fazia, e isso, por si só, já faria valer uma espiada.
Meu Nome é Dolemite está disponível na Netflix.

"-Na hora de contar uma história, é sempre melhor escrever sobre o que você conhece.
-Eu não quero falar sobre a minha vida pessoal. Eu quero lidar com clubes noturnos, donos de boate, mafiosos, cafetões e kung-fu. "

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Resenha Série: Watchmen: Temporada 1, Episódio 3: She Was Killed by Space Junk


Atenção!
Há spoilers abaixo.
É interessante o tamanho da guinada que Watchmen deu em seu terceiro capítulo ontem à noite.
Muito do que havíamos visto nos dois primeiros episódios, a construção daquele mundo, os personagens que vivem nele, e os segredos que eles guardam e tem guardados de si, começaram a ser vistos sob outra perspectiva, no caso, a da personagem de Jean Smart, a agente da divisão anti-vigilantismo do FBI, Laurie Blake (que os fãs do quadrinho imediatamente saberão de quem se trata apenas pelo nome).
Laurie é uma agente federal linha-dura encarregada de caçar vigilantes fantasiados usando quaisquer métodos ao seu alcance, como o assalto a banco que vira uma arapuca ao aspirante a Batman, Sombra.
Chegando em casa para ouvir Devo e alimentar sua coruja, Who (uma piada de duplo sentido que se perde na tradução), Laurie recebe a visita do senador Joe Keane (James Wolk), que quer que ela vá pessoalmente até Tulsa para investigar o assassinato do chefe Crawford já que o senador, ansioso para assumir o lugar de Robert Redford nas próximas eleições, não está convencido de que a Sétima Kavalaria é responsável pela morte do policial.
Acompanhada do novato Petey (Justin Ingram), Laurie chega a Tulsa e imediatamente começa a revirar todas as pedras do lugar atrás de pistas do que pode realmente estar por trás da morte de Judd Crawford, e a mulher é boa no que faz.
Ela flutua por todas as pistas que encontra com decisão e galhardia como alguém que já passou por tudo aquilo, exatamente por ela ter, de fato, passado por tudo aquilo. A Espectral II era parte dos Watchmen que estiveram no centro dos planos de Ozymandias em 1985 e pra ela os tiras mascarados de Tulsa são pouco mais que uma incompetente distração, e ela não demora nem um dia para encontrar coisas que passaram batidas a todos eles, dos rastros de cadeiras de rodas sob a árvore onde Crawford foi enforcado, ao fato de que Angela Abar/Sister Night sabe mais do que está contando passando por, de fato, haver alguma espécie de conspiração por trás da morte do chefe de polícia local.
Conduzido pelo ponto de vista de uma super-heroína da velha-guarda, a narrativa de Watchmen muda o tom do programa desde a primeira cena, quando a vemos dentro de uma cabine telefônica futurista, pate de uma rede orbital capaz de enviar mensagens para o Dr. Manhattan em Marte, com cara de poucos amigos.
Laurie senta na cabine, pega o fone, e se põe a contar uma piada que serve de espinha dorsal a She Was Killed by Space Junk. Sua piada é a respeito de três heróis muito familiares e uma mulher insuspeita encontrando Deus nos portões do paraíso.
A piada de Laurie não é engraçada "rá-rá", mas é curiosa, e uma tremenda síntese dos desdobramentos filosófico religiosos da trama básica de Watchmen, e a maneira como o restante do episódio se ergue ao redor da anedota da ex-Espectral embalada pela excelente trilha sonora da série (parabéns a Atticus Ross e Trent Reznor) formam um mosaico dos mais satisfatórios.
Especialmente porque a presença e a segurança de Laurie oferecem um nível de humor que Watchmen ainda não havia experimentado.
Com Rorschach morto de fato, Dr. Manhattan exilado, Ozymandias declarado morto (mais sobre isso abaixo) e o Coruja preso, recai sobre Laurie a responsabilidade de ser o último elo de ligação da humanidade de hoje com os heróis da década de 1980, e ela sabe disso, e age de acordo.
Quem acaba (compreensivelmente) escanteando Angela nesse capítulo.
A policial ainda tem tempo de agir junto com Laurie para evitar que o funeral de Judd se transforme em uma chacina, mas fora isso, ela apenas recebe uma luz alta da agente federal que, de imediato, sacou tudo a respeito dela.
Enquanto isso, na Grã-Bretanha, o senhor da mansão finalmente nos revela a sua verdadeira identidade da maneira mais apoteótica que se poderia imaginar.


Sim. O personagem de Jeremy Irons é, de fato, Adrian Veidt, o Ozymandias em pessoa.
E a estranheza de sua linha narrativa segue aumentando nesse episódio onde temos uma montagem de sua rotina de cientista louco que, analisando friamente, faz todo o sentido para um personagem que é o homem mais inteligente do mundo, que se sacrificou milhões de pessoas para salvar bilhões e trazer paz à Terra.
O que é jogar um criado sintético na atmosfera da Terra com uma catapulta em um traje orbital feito em casa para alguém que construiu uma lula alienígena interdimensional gigante e a atirou em Times Square para acabar com a Guerra Fria?
A despeito da vibe de cientista maluco de seu segmento, nós podemos começar a ver algumas similaridades entre o atual destino de Ozymandias e o do restante dos personagens da série. E perceber que Lindelof e cia. estão dispostos a nos mostrar ao menos um pouco da natureza do exílio/cativeiro de Veidt torna a coisa toda um pouco menos ridícula em seus excessos ao mostrar alguma sombra de método na loucura que o personagem parece ter abraçado após se apartar do mundo que moldou.
She Was Killed by Space Junk é, fácil, o melhor episódio de Watchmen até aqui. Após dois capítulos muito mais pretensiosos e misteriosos do que o necessário, a audiência é conduzida com firmeza por Laurie Blake numa jornada que mostra que, por mais desorientados que nós estejamos, não há motivos para não se divertir enquanto se desvela um mistério.

"-Eu aprendi que homens com compartimentos secretos em seus armários pensam que são os mocinhos. E que pessoas que os acobertam também pensam ser os mocinhos. O que você tem que saber a meu respeito é que eu como os mocinhos no café da manhã."