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sábado, 30 de novembro de 2019
Resenha Game: Star Wars Jedi: Fallen Order
Não é apenas no cinema que os anos recentes têm sido sombrios para a base de fãs de Star Wars.
Após a Disney ter comprado a Lucasfilm (e extirpado a alma de Star Wars no processo) a LucasArts, bem sucedido braço de criação de games da empresa foi sumariamente executado, deixando para trás um currículo que tinha êxitos como Rogue Squad, The Force Unleashed e Knights of the Old Republic, e uma desolada base de fãs. Mal sabiam os amantes de games de Star Wars (entre os quais obviamente me incluo), que isso nem era o maior problema. A Disney, ao vender a exclusividade da produção de jogos eletrônicos de Star Wars, encontrou o pior comprador que poderia ser escolhido:
A Eletronic Arts.
É, a EA que em anos recentes se configurou num tipo de maligno Império Galáctico do mundo dos jogos eletrônicos. A empresa explora marcas e jogadores das piores maneiras, enfia loot boxes e sistemas de monetização em todos os seus títulos e chegou a declarar o fim dos games Single Player em nome dos jogos como serviço (apesar de seguir cobrando o preço tradicional de U$60,00 por seus jogos antes de começar a vender os serviços...) após ficar deslumbrada com o êxito financeiro de seu FIFA Ultimate Team, uma mina de ouro que a empresa californiana tenta reproduzir de qualquer forma.
A EA comprou e dissolveu a Visceral Games (do ótimo Dead Space) e no processo cancelou o game de Star Wars que Amy Henning, roteirista da série Uncharted desenvolvia para a empresa para, em seu lugar, lançar Star Wars Battlefront, um multiplayer de tiro online que nem sequer tinha um modo história, e ainda oferecia aos jogadores a oportunidade de pagar uma grana para comprar heróis e vilões lendários da saga para usar nas partidas contra outros jogadores. Dois anos após a publicação de Star Wars: Battlefront a EA lançaria mais um título de Star Wars.
Outro Battlefront...
Que tinha um curto e mal ajambrado modo história que amplamente criticado e apostou com tanta força em loot boxes que chegou a se tornar alvo de uma investigação nos EUA por ser excessivamente parecido com um jogo de azar.
Enquanto a Disney destruía Star Wars nos cinema (e na literatura, ao "descanonizar" todos os livros da saga, incluindo clássicos como a trilogia Thrawn para dar peso de Escritura à histórias podres como a série Aftermath e Estrelas Perdidas), a EA repetia o processo nos games.
Se nós fôssemos ter um texto subindo pela tela no ano de 2019 ele provavelmente começaria com algo como "São tempos negros para os fãs de Star Wars...", mas eis que chegou o mês de novembro, e no dia 12, houve o lançamento da excelente O Mandaloriano, melhor coisa com Star Wars no título desde A Vingança dos Sith, e, no dia 15, o lançamento desse Star Wars Jedi: Fallen Order, publicado pela EA e desenvolvido pela subsidiária Respawn Entertainment (conhecida pela série Titanfall), e que eu me senti na obrigação de comprar tanto porque os vídeos e gameplay do jogo me trouxeram reminiscências de The Force Unleashed, pra mim, uma das experiências mais divertidas que um fã de Star Wars pode ter jogando videogame, quanto porque eu sempre me sinto impelido a jogar games single player apenas pra que as produtoras continuem sabendo que há público cativo pra games que não são uma festa da uva online.
Após pouco menos de duas semanas, posso dizer que Star Wars Jedi: Fallen Order acertou na mosca.
Na história conhecemos Cal Kestnis (interpretado pelo Coringa da série Gotham, Cameron Moynaghan), que graças ao sacrifício de seu mestre Jaro Tapal, sobreviveu ao expurgo Jedi, exilando-se na orla exterior da galáxia para viver como um mecânico em um planeta ferro-velho onde espaçonaves são desmontadas e recicladas para turbinar a frota imperial.
Cinco anos se passaram desde que a Ordem 66 foi dada por Palpatine, e Cal vive ocultando sua verdadeira natureza, profundamente traumatizado pelos eventos de então, além de viver sob a sombra da culpa que sente por ter sobrevivido ao massacre.
Eventualmente, um acidente obriga Cal a usar a Força, e isso imediatamente atrai a atenção da Inquisidora Imperial conhecida como Segunda Irmã. Quando Cal está prestes a ser capturado pelo Império, ele é resgatado por Cere Junda e seu piloto, capitão Greez Ditrus, que o levam a bordo da nave Mantis e lhe oferecem uma missão: Procurar por relíquias de uma antiga civilização chamada Zeffo, em criptas onde o antigo mestre de Cere, Eno Cordova, ocultou informações capazes de revelar a localização de milhares de crianças sensitivas à Força dos registros dos Jedi, uma informação que precisa ser salvaguardada do Império tanto para proteger tais crianças de se tornarem inquisidores ou serem mortas, quanto para garantir o futuro da Ordem Jedi.
Logo, Cal, Cere e Greez ganham a companhia do dróide BD-1 (uma estranhamente adorável mistura de Wall-e, cachorro e galinha), antigo companheiro mecânico de Cordova, e partem em uma corrida para obter as informações reunidas pelo velho acadêmico Jedi antes que o Império use sua infinita máquina de guerra para fazê-lo, em uma aventura que os levará das profundas florestas verdejantes do planeta wookie de Kashyyyk até os empoeirados desertos vermelhos de Dathomir. Uma jornada que levará tanto Cal quanto Cere a superarem seus traumas e limitações enquanto arriscam tudo para dar à galáxia uma chance de emergir da escuridão do lado sombrio.
Longe de ser particularmente original, a trama de Fallen Order se encaixa muitíssimo bem na proposta do jogo. Cal é um padawan que teve seu treinamento bastante avançado, mas jamais concluído, e Cere perdeu sua padawan durante a execução da Ordem 66, ambos estão incompletos, e juntos têm a oportunidade de se tornarem quem deveriam ser.
Apesar de suas culpas e temores, Cal é essencialmente o mocinho o tempo todo. Ele jamais é perverso ou egoísta a ponto de sequer roçar no lado escuro da Força, e nesse sentido, a trágica história pretérita de Cere é mais interessante, servindo para humanizar a figura tradicional do mentor, e mesmo a principal vilã do game, a Segunda Irmã, tem uma surpreendentemente profunda vida pregressa, que enriquece a divertida trama do jogo, um curioso misto de Star Wars com Indiana Jones que deixaria George Lucas muito feliz se ele estivesse vivo (o que? Ele não morreu depois de assistir Os Últimos Jedi?).
Se à primeira vista cada um dos planetas visitados por Cal e a tripulação da Mantis parece pequeno, não é necessário muito tempo para descobrir que eles são surpreendentemente maiores conforme nós nos dedicamos à exploração (eu me perdi tanto no complexo imperial em Kashyyyk quanto nas cavernas de gelo de Zeffo, um sistema de viagem rápida faz falta em alguns momentos...) de enormes seções ocultas por atalhos ou passagens. A engenharia das fases é particularmente esperta, garantindo que o jogador de imediato saiba que, em um momento inicial, Cal não tem como acessar esse ou aquele lugar, poupando tempo.
Alguns desses cenários mudam dramaticamente de uma área para a outra, como as regiões sombrias sob as raízes da árvore sagrada de Kashyyyk, ou as criptas repletas de puzzles que, vez ou outra, fazem o jogador quebrar a cabeça para entender como fazer um mecanismo funcionar andando por cenários que contrastam de maneira flagrante com o que estamos habituados a esperar das ambientações da saga espacial, algo que se reflete no tipo de quebra-cabeças que surgem nas tumbas dos antigos Zeffo (imagine Nathan Drake usando a Força para congelar objetos em movimento por tempo suficiente para acessar uma área distante da sala, ou para empurrar uma enorme esfera metálica pelo cenário até uma caçapa magnética).
A exploração é a razão de ser desses enormes mapas, e tanto os baús (cheios de itens cosméticos) quanto os ecos da Força (sensações e memórias gravadas em certos itens que Cal é capaz de captar e que enriquecem a história do game) estão espalhados por toda a parte. Isso dá ao jogador razões de sobra para vasculhar cada canto escuro do mapa, frequentemente retornando a planetas já explorados para catar um novo traje, um novo poncho, ou aquela peça que falta para que o sabre de luz de Cal fique exatamente do jeito que nós queremos (há ainda pinturas novas para a Mantis e para BD-1). Além de personalizações e desses pequenos recortes que contam mais sobre o local explorado, eventualmente podemos encontrar até mesmo itens que afetam o gameplay na prática, como cartuchos de cura (BD-1 pode carregar até 10 deles, mas encontrar os dez demanda horas de exploração pelos mapas do jogo), ou um terço de um aumento permanente em sua barra de energia ou de Força.
Desde a cena de abertura, no planeta Bracca onde espaçonaves da trilogia prequel estão sendo transformadas em sucata, tanto a atenção aos detalhes quanto o amor dos criadores do game pelo material-fonte fica evidenciado. O visual de Jedi: Fallen Order é lindo, e transpira Star Wars tanto quanto The Mandalorian (embora seja importante dizer que os gráficos dos Wookies ficaram bastante esquisitos, parecendo bichos de pelúcia baratos). Claro, o altíssimo nível de detalhes do jogo cobra seu preço, e não é raro, ao entrar em uma nova área, haver alguns segundos de congelamento enquanto os pixels do cenários e dos inimigos nele se alinham no lugar, o que, se não chega a ser uma tragédia, por vezes é um pouco irritante. Nós podemos perdoar esses pecados à medida em que não há um imenso HUD de nenhuma espécia poluindo a tela. Até mesmo a barra de energia de Kal é discreta, BD-1, pendurado nas costas do herói geralmente faz as vezes de barra de energia, com as luzes de seu cérebro positrônico (não, essa expressão não é usada no game, mas foi a impressão que me deu), servindo de indicativo da saúde do protagonista, se o jogador se perder, também é através do pequeno dróide que um mapa tridimensional holográfico (que nem sempre é fácil de usar para encontrar o lugar onde queremos ir) aparece em cena e mesmo quando o combate começa, apenas a barra de Força e a de energia, sublinhada pela discretíssima barra de bloqueio, aparecem sobre o que estamos vendo, garantindo que os gráficos do jogo sempre tenham espaço para brilhar.
Em termos de jogabilidade, Fallen Order pega seu combate do modelo baseado em deflexões ou "parry" de Dark Souls, onde o timing dos bloqueios e saber a hora de se esquivar é a alma do negócio para não apanhar até de stormtroopers (eu comecei, cheio de moral, jogando na dificuldade Jedi Master, para após um par de fases calçar as sandálias da humildade e colocar de volta em Jedi Knight), enquanto a exploração é regida pela cartilha de Uncharted, com saltos, escalada, corrida por paredes e balanço em cordas, tudo turbinado pelos poderes da Força, um tempero que deixa tudo mais divertido, especialmente conforme novas habilidades da Força vão sendo introduzidas e ampliadas no decorrer da campanha.
Inicialmente o combate é difícil, mas a recompensa de vencer o mano a mano contra uma horda de inimigos sem sofrer um arranhão vale a curva de aprendizado.
Usando com esperteza todos as melhores facetas da cartilha dos games de aventura Star Wars Jedi: Fallen Order é um tremendo êxito da Respawn, um pedido de desculpas decente da EA, e um bálsamo para os vilipendiados fãs de Star Wars que esperavam há anos por uma volta da série a seus melhores tempos gamísticos.
Novembro de 2019, a Força está com esse mês.
"-Você não estará sozinha.Terá um amigo com você.
-Não. Eu terei um Jedi comigo."
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