Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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domingo, 14 de fevereiro de 2010
Pés na areia
Suzana caminhava pela praia sentindo a areia molhada entre os dedos dos pés. Quando em quando, uma onda se esticava além das demais e molhava seus tornozelos brancos arrancando-lhe pequenos suspiros entre dentes por conta da temperatura da água, incrivelmente gelada. Não havia sequer uma nuvem no céu naquele dia, e o sol impunha sua presença de maneira escandalosa jogando a temperatura á estratosféricos 39 graus.
Suzana não era a mais entusiasmada frequentadora da praia. Na verdade, Suzana apostava que não figuraria em nenhuma lista de entusiasmados frequentadores de praias. Ela não gostava de sol. Não gostava de areia. Não gostava de aglomerações ou de calor. A água, porém, era interessante para Suzana. Ela sempre gostara de água. Fizera natação quando pequena, abandonada apenas pelo medo, na puberdade, de ganhar contornos de Rebeca Guzmão, de ganhar costas e ombros largos e quadris estreitos... Suzana abandonou a natação com medo de ficar com um corpo masculino, mas jamais abandonou o gosto pela água, o gosto pelo contato molhado com ela, fosse em lagos, rios, piscinas ou chuveiros. E, se ela estava ali, sentindo a eficácia de seu protetor se desvanescer á cada gosta de suor que o calor arrancava de seus poros, era unica e exclusivamente por amor á água.
Bom, por amor á água e por que o Carnaval não oferecera nenhuma outra opção. Houvessem convidado Suzana para um passeio na serra, para fazer rafting, ou trabalho voluntário, ela teria ido sem pestanejar, qualquer coisa para evitar Porto Alegre e o Carnaval.
A opção oferecida fora o litoral norte. Longe de ser o lugar preferido de Suzana, pra começar por que lá o carnaval era um elemento criador de aglomerações, e, como já foi citado, Suzana as detestava. De qualquer forma, ela pesou prós e contras e supôs que era melhor cozinhar viva e ouvir o som dos tamborins pela TV na praia do que seria fazê-lo em Porto Alegre, onde o calor seria consideravelmente mais forte e as possibilidades de fuga mais remotas.
Era, então, exatamente o que Suzana fazia naquele momento, em que as ondas do mar lambiam sua pele delicada á cada avanço. Ela fugia.
Fora á praia, pra casa da família á convite de um tio que levara a filha. Suzana esperava paz e sossego, quem sabe ler na varanda, ou no pátio dos fundos da casa? Tomar um suco, ouvir musica... Era o que ela tinha em mente.
Mas as coisas raramente, pra não dizer nunca, saíam como Suzana planejava, após chegar e se instalar, Suzana descobriu que a sua prima, com quem tivera pouco ou nenhum contato, era uma criança hiperativa na idade mais crítica da das crianças hiperativas. Aos sete anos a menina era incapaz de se manter quieta em uma atividade por mais do que dez minutos. O pai superprotetor a proibia de brincar na rua, de modo que todas as atividades de Suzana foram partilhadas, contra a sua vontade, com a criança.
Suzana fugiu de casa ao constatar que se ouvisse mais um "Que tu tá fazendo?" seria presa por duplo homicídio. Ela visualizara a cena, policiais entrando na casa após arrombar o portão, elertados por vizinhos que ouviriam os gritos primevos que Suzana urraria enquanto esmagasse a traquéia da prima com as mãos nuas, e triturasse o crânio do tio com uma pá.
Embora o sol ainda estivesse alto demais para o gosto de Suzana, ela achou que era melhor encarar o calor do que a família, de modo que ali estava ela, caminhando á beira-mar como uma dessas pessoas que adoram a praia.
Ao sentir a musculatura sobre os joelhos endurecer após um passo Suzana diminuiu o ritmo. Sentou um pouco e contemplou o mar. Viu as pessoas ao redor, pais, filhos, esposas. Ela estava ás vésperas de completar vinte e nove anos, com essa idade sua mãe já tinha três filhos, ela, porém, sequer tinha um namorado.
As pessoas perguntavam o por quê. E Suzana respondia que, se era pra namorar apenas por namorar, sem gostar de verdade de alguém, ela preferia estar sozinha. De vez em quando ela até conhecia pessoas, pessoas que a atraiam fisicamente, e com quem se divertia, porém, era apenas isso. Diversão. Suzana não se apaixonou por ninguém, e achava injusto prender alguém á si sem amar essa pessoa. Da mesma forma, a vida de Suzana não era simples. Ela tinha seus problemas, suas dúvidas e atribulações, ela era uma pessoa complicada a prova estava ali, ela acabara de se torturar andando á esmo pelo sol escaldante por não suportar ficar na mesma casa que a prima e o tio. Suzana tinha essas coisas, ela não gostava de contato excessivo, ela não gostava de estar com pessoas sem um plano B, sem um backup. Suzana precisava, pelo menos, da perspectiva de fuga. Não que ela fosse escapulir de qualqur pessoa que surgisse em seu caminho, na verdade, ela tinha a impressão de já ter conhecido pessoas que prefeririam fugir dela. Mas isso fora quando ela era bem mais jovem, agora ela se considerava madura o bastante para não grudar em ninguém, e preferia não ter ninguém grudado nela, mas havia pessoas com quem ela gostava de estar, ainda que fossem poucas, mas mesmo dessas pessoas que ela considerava especiais, Suzana ainda precisava de um espaço, uma pequena distância, um perímetro de segurança.
Ás vezes ela se perguntava se havia algo de errado com ela. Será que ela havia crescido assim, afugentando as pessoas, por causa da falta de privacidade em sua casa na infância e adolescência? Sua mãe criara uma inescapável "política de portas abertas" em casa. O único lugar onde havia privacidade era o banheiro, e ainda assim, após o tempo considerado "razoável", alguém batia na porta perguntando se estava tudo bem... Suzana detestava aquilo, ela tinha horror daquilo, talvez por isso passasse tanto tempo na casa da avó. Era onde ela podia trancar a porta do quarto e onde sua privacidade era respeitada, mas sempre havia a volta pra casa e pras portas eternamente abertas.
Talvez por ter tido pouco acesso á privacidade enquanto crescia Suzana a prezasse tanto agora que estava adulta.
Mas queria ter uma família, alguém com quem dividir o tempo, talvez filhos... Se perguntava se estaria preparada. Achava que sim. Pelo menos em termos de maturidade, ela estava pronta.
Ela se perguntava se já era hora de voltar, não tinha certeza de quanto tempo caminhara, e queria chegar em casa sem estar moída de cansaço, porém, lembrou do tio e da prima e resolveu esticar um pouco mais o tempo na areia. Além disso, o sol começava á se deitar atrás dela, o que diminuía consideravelmente o calor na orla. Suzana olhou as pessoas juntando suas coisas, fechando guarda-sóis e esteiras e toalhas, crianças resmungando por querer ficar mais um pouco, mães juntando os dejetos do dia na praia em sacolinhas plásticas... Suzana suspirou. Estava pronta para ter uma família. Mas iria preferir esperar um pouco. Ainda achava privacidade muito importante.
Se levantou, bateu a areia que grudara em seu maiô, sorriu, e seguiu caminhando.
No sentido oposto ao de sua casa...
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Eu sei o que ela sentiu...
ResponderExcluirEspero que ela realmente seja feliz...