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quarta-feira, 31 de março de 2010

Inconveniente


Ela chegou de mansinho, como quem não queria nada. Deixei-a entrar por que sou um tolo, ou talvez por que ela não tenha me dado nenhuma outra opção. Chegou acompanhando quem eu, de fato, convidara.
Não lhe neguei passagem, nunca houve, afinal, nenhuma espécie de garantia de que ela pediria minha permissão antes de chegar. Não é do feitio dela.
Deixei que entrasse, que desarrumasse as minhas coisas, que afetasse meu dia á dia, que me dissesse que filmes assistir, que músicas ouvir, que livros ler, deixei que atrapalhasse minha vida interferindo em meus horários, em meus relacionamentos, que ficasse me apontando os defeitos dos outros, e como eram, todos, tão diferentes do meu ideal.
E ela o fez, fez por que é da natureza dela, fez por que eu deixei, por que, em algum momento da vida, dei à ela a liberdade para fazer isso sempre que surgisse uma oportunidade. Ela me deixou de olhos marejados como fizera tantas outras vezes, me fez cantarolar músicas bregas de dez anos atrás ou até mais, deu significados inéditos, nenhum particularmente confortador, á trechos de filmes que vi mil vezes. Ela fez, ela fez e seguiu fazendo.
É o que ela sempre faz, diga-se de passagem. Meu erro, se é que se pode chamar assim, foi não atentar á isso antes, foi não perceber que, depois que eu a vislumbrei pela primeira vez, ela não largaria nunca mais do meu pé, como a Glen Close em Atração Fatal, e, á despeito de ela jamais cozinhar o coelho de ninguém, eu não posso simplesmente afogá-la na banheira, quisera eu fosse fácil assim.
Depois que nos conhecemos, toda a vez que eu convido a colega dela, de quem eu gosto, que coloca um sorriso no meu rosto e me faz assobiar enquanto caminho até a Beira-Rio pra dar uma corridinha, que me faz improvisar um moicano de xampu enquanto cantarolo embaixo do chuveiro, nessas ocasiões, não tarda, e ela aparece.
A amiga, de quem eu tanto gosto, se chama lembrança, e a colega inconveniente dela, se chama saudade.

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