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segunda-feira, 30 de maio de 2011

Perseguição.


Dercinésio era um sujeito sortudo. Desde piazinho o Dercinésio fora o que os mais antigos consideravam " Um cabra nascido com o cú virado pra Lua", e, embora nem todo mundo partilhasse a falta de polidez dos mais antigos, tinham que concordar que o Dercinésio tinha, mesmo, essa parte de sua anatomia iluminada. Não só essa parte. O Dercinésio todo era iluminado. Dercinésio, quando fedelho, era o batedor oficial de par-ou-ímpar nas peladas do parque pois jamais perdia. Enquanto os amigos de Dercinésio escolhiam uma posição onde jogar bola, e se esforçavam pra serem fixos, alas ou pivôs que segurassem o rojão, o Dercinésio jogava em qualquer parte da quadra, e sempre era bem sucedido. Se jogasse como ala, acabaria a partida com pelo menos meis dúzia de assistência improváveis pra gol, pois o seu marcador era o perna de pau do time adversário. Se jogasse como pivô, a bola literalmente espirrava nele antes de morrer no fundo da rede. Se se aventurasse na defesa, como fixo, o pivô adversário sofreria de uma severa indisposição intestinal, e não teria forças pra tentar girar pra cima de Dercinésio. E, se ele por uma eventualidade resolvesse atacar no gol, era certo que os atacantes adversários o consagrariam chutanbdo a bola sempre em cima dele.
Era assim, esporte contra o Dercinésio, era impossível.
Mas não só esporte. Na escola, se o Dercinésio estudava apenas parte da matéria antes de uma prova, pode apostar que seria aquela parte, exatamente, que cairia na prova. Se ele não estudass, a professora passaria mal ou perderia um parente próximo, e não poderia comparecer pra ministrar a avaliação. Quando Dercinésio gostava de uma menina, ela era sempre o tipo de menina que gostava de caras exatamente como Dercinésio.
Dercinésio prestou vestibular chutando todas as questões na letra A, e conseguiu passar pra Administração de Empresas. Foi sorteado na rifa que premiava com um MBA, aliás, nem me deixe começar a enumerar todos os sorteios que o Dercinésio ganhou, as rifas, premiações, e todo o resto. Digamos apenas que o Caminhão do Faustão já o ameaçara se ele continuasse enviando cupons, e que Dercinésio sempre tinha um carro do ano, embora jamais tivesse entrado em uma concessionária.
Era tão sortudo, o desgraçado, que quando resolveu se casar, sua noiva lhe disse chocada que sua mãe perdera o dom da fala imediatamente após ser avisada do pedido dele.
Uma vez o sujeito do apartamento ao lado do seu (ganho em uma promoção de margarina), após ouvir que Dercinésio ganhara na loto fácil e na dupla-sena na mesma semana, perguntou indignado de onde vinha tanta sorte. Dercinésio estendeu-lhe a mão e, ao receber o cumprimento do vizinho apresentou-se:
-Dercinésio Bolitta Fomm.
O sujeito não entendeu:
-Como? Quê?
-É meu nome - Explicou Dercinésio. -Eu me chamo Dercinésio Bolitta Fomm. Isso não é um nome, é uma maldição, uma praga. Tu pode te esforçar procurando uma piada com esse nome, mas não vai adiantar, pois eu já ouvi todas. Além disso, eu não sou muito bonito, nem inteligente. Se além de feio, burro, e me chamar Dercinésio Bolitta Fomm, eu ainda fosse azarado, bom... Aí já ia ser perseguição...

Pizza


O Genaro se sentia uma fatia de sser humano. E o pior de tudo, nem sequer se sentia uma boa fatia. Ele se sentia uma fatia de ser humano referente àquela fatia de pizza de presunto que ninguém quis comer e começa a endurecer dentro da caixa de papelão, e provavelmente é jogada fora no dia seguinte pois o queijo borrachudo é ruim demais até pro cachorro encarar.
O Genaro sempre se sentiu desse jeito. Incompleto, insatisfeito. Infeliz. Ele até gostaria de ser dessas pessoas alegres que fazem, e que acontecem e que riem da vida achando tudo uma delícia. Não era, porém, o seu caso. Se o Wander Wildner não conseguia ser alegre o tempo inteiro, o Genaro não conseguia ser feliz nunca.
Não era, a bem da verdade, algo que incomodasse o Genaro. Ele aprendera a viver sem ser, sabe? Feliz. Acabou achando que felicidade era supérfluo. Coisa de rico, igual depressão. Genaro encontrava satisfações eventuais em uma porção de coisas, nos estudos, nos amigos, em suas coisas e seus assuntos. E ia levando dessa forma.
Até conhecer a Lisiane.
Lisiane era linda, claro. Genaro admitia seu superficialismo, se Lisiane não fosse atraente, não a teria notado. Ainda bem que era atraente, outrossim, Genaro jamais teria percebido todo o imenso arsenal de qualidades que Lisiane guardava além da beleza.
Lisiane era divertida, alegre, viva. Tinha nos olhos, no rosto, no corpo e nas palavras tanta vida... Tanta indignação, e não do tipo indignação de gaveta, com cara feia e discurso, não. A indignação da Lisiane era graciosa como ela. Era a indignação de quem vê algo errado e não reclama, conserta. Era assim que era Lisiane, um poço de iniciativa linda que só, viva que só, perfeita que só, a seu modo. E Genaro, claro, encantou-se por ela. E a quis para si. Sabia, porém, que alguém como ele jamais teria atrativos para alguém como ela. O que alguém como Lisiane veria em alguém como Genaro, senão um oposto?
Genaro não sabia, e, francamente, nem quis saber. O que Genaro tinha pra si como certeza é que queria estar perto de Lisiane sempre que pudesse. Tornariam-se bons amigos, pois Genaro, mesmo triste, não era má pessoa. E, de fato, ele e Lisiane tornaram-se amigos, pois tinham, entre todas aquelas diferenças, muitas afinidades. Filmes, livros, discos, e pasmem, até visão de mundo, Genaro e Lisiane partilhavam, apenas com abordagens diferentes. Passaram por bns e por maus momentos. Riram juntos e choraram juntos, um sobre o ombro do outro. E Genaro foi percebendo que muitas coisas haviam sido agregadas à sua vida. Tantas que só faziam com que Genaro ficasse mais e mais apaixonado por Lisiane a cada dia.
Foi quando percebeu que usara a expressão "apaixonado". Não lembrava de já tê-la usado antes. Percebeu, também, que já não se sentia como uma fatia velha de pizza de presunto esfriando e envelhecendo dentro da caixa. Não se sentia mais como um fragmento de pessoa. Subitamente, sabia o que devia fazer. Quando encontrou-se com Lisiane, sento-se ao seu lado, e disse que não podia mais ser amigo dela. Disse que continuar sendo seu amigo seria uma mentira, um engodo, pois ela tornara-se muito mais do que uma amiga para ele. Ela era o que o completava, o que o fazia ser uma pessoa inteira, e não mais a sombra pálida de um ser humano, e que se Lisiane não se sentia da mesma forma, era melhor que não se vissem mais enquanto ele podia sobreviver emocionalmente à separação.
Lisiane suspirou por um longo momento. Mordeu o lábio inferior e fechou um olho enquanto tirava o cabelo da frente do rosto, e disse que não. Não se sentia da mesma forma.
-Lamento, Genaro. Mas eu já era uma pessoa completa quando a gente se conheceu.
Genaro não pôde evitar, e fechou os olhos quando Lisiane falou.
-Tudo bem... Eu entendo. Eu meio que esperava por isso...
Mas ela continuou:
-Eu já era uma pessoa completa, e já era feliz. Eu só... Bom. Me sinto mais feliz contigo por perto. E, se eu tenho um defeito, é não saber abrir mão de nenhum grão de felicidade na minha vida.
E Genaro ficou estático enquanto ela o abraçava. E se o perfume dela, a textura de seus cabelos sob seu queixo, ou o tato de seus braços enlaçando seu pescoço não eram a melhor coisa do mundo, ele não queria a melhor coisa do mundo.
E se o Genaro queria mais coisas da vida além dela, olha, francamente era tudo acessório, pois ela era, e estranhamente, de algum modo, sempre fora tudo de que ele precisava, e tudo o que ele queria.
Ao lado dela, o Genaro não podia, ou queria ser feliz. Ao lado dela, ele sabia ser feliz, e isso, bom... Isso não se acha em qualquer caixa de pizza numa esquina...

sábado, 28 de maio de 2011

Resenha Cinema: Se Beber Não Case - Parte 2


Em 2009 nenhuma comédia fez mais grana, recebeu melhores críticas, ou foi mais premiada do que Se Beber Não Case (título mais que cretino pra The Hangover, em bom português: A Ressaca.).
O filme sobre a improvável trinca de amigos formada pelo dentista Stu (Ed Helms, de The Office), Phil (Bradley Cooper, de Esquadrão Classe A), e Zach Galifianakis (Força G), que despertavam de uma bebedeira homérica após a despedida de solteiro do melhot amigo Doug (Justin Bartha) não era só engraçado, era histérico. Arrancava risadas usando todo o tipo de recurso, sem abrir mão de expedientes politicamente incorretos que iam da piada racista (Doug branco/Doug preto) ao humor físico pastelão (Mister Chow salta nu de dentro de um porta mala espancando todos com um pé de cabra).
Após tanto sucesso, era quase inevitável que houvesse uma segunda ressaca no caminho do bando de lobos, e o diretor Todd Phillips, realizador do longa original, aceitou o trabalho, e chegou ontem aos cinemas Se Beber Não Case - Parte II.
Eu estava muito ansioso pelo filme, a primeira parte se tornou uma das minhas comédias preferidas, é difícil, ainda hoje, ver a expressão no rosto de Galifianakis encarando os seios de Heather Graham e não rir, ou os acessos de pânico de Ed Helms, ao perceber que perdeu um dente, ou que seu amigo Doug pode estar em poder de sequestradores asiáticos.
Ansioso que estava pelo filme, fui dar uma conferida nas críticas que já pululavam pela internet um dia antes da estréia do longa nos cinemas, e qual não foi minha surpresa ao perceber que a imensa maioria delas estava detonando o filme, dando-lhe, em média, notas entre três e quatro. Com um pé atrás, resolvi ir assim mesmo ao cinema, e, após conferir o longa, posso dizer:
Esses críticos não manjam nada!
Se Beber Não Case - Parte II é muito engraçado, é divertido, incorreto e insano como seu antecessor, e, se perde nos quesitos originalidade e imprevisibilidade, todas as situações ganham escopo ampliado.
Stu vai se casar (eu pensei que seria com a Heather Graham, mas não é, é com uma jovem de origem tailandesa.), ainda traumatizado com os eventos de dois anos atrás, ao invés de uma despedida de solteiro, ele organiza um pequeno brunch entre amigos para celebrar. A cerimônia se dará em um luxuoso resort tailandês onde o pacato dentista espera um casamento sem problemas além do sogro que o detesta por ser mais inofensivo do que sopa de arroz.
Na antevéspera da cerimônia, os amigos, acompanhados de Doug, e do futuro cunhado de Allan, o gênio adolescente Teddy (Mason Lee), se juntam na beira da praia para brindar com uma cervejinha, e...
Acordam em um pulgueiro imundo em Bangcoc.
Phil está de ressaca, Allan de cabeça raspada, Stu com uma tatuagem tribal no rosto à la Mike Tyson, há um dedo dentro de um copo d'água, e ninguém sabe como chegaram até ali ou onde está Teddy!
Começa aí uma nova peregrinação do bando de lobos para reconstituir seus passos na noite anterior e descobrir o paradeiro de Teddy a tempo de voltar para o resort e Stu se casar com a mulher que ama. No caminho porém, eles encontram barreiras que vão desde um monge silente, convincentes travestis tailandeses, traficantes russos, macacos viciados e o retorno de Leslie Chow (Ken Jeong), o gângster oriental mais temido de Las Vegas.
Não há, de fato, grandes novidades á estrutura do filme, ele segue sendo a aventura dos três desmemoriados em busca de pistas que possam levá-los a descobrir o que aconteceu na noite de bebedeira para resgatar um companheiro sumido, as boas piadas que são requentadas, ainda funcionam, e as novas piadas idem.
Li manifestações de pessoas reclamando da homofobia do filme, é engraçado ver que a incorreção política, quando do primeiro longa foi saudada como qualidade, e agora, em tempos de hipocrisia midiática e social prómovimento gay, ela seja taxada de imprópria. Enfim, Se Beber Não Case - Parte II já sofreu suficientemente com a hipocrisia das pessoas, Mel Gibson, que interpretaria o tatuador americano que abrigava o trio protagonista em uma de suas desventuras, acabou limado da produção por conta do escândalo de suas declarações anti-semitas e sua relação conturbada com a ex-esposa.
Não vá, então, na onda dos politicamente corretos, apenas vá ao cinema, e divirta-se. Se Beber Não Case - Parte II, é uma ótima pedida pra isso.

"Eu não posso acreditar que isso está acontecendo de novo!"

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Orgulho Nerd!


Depois de tentar ser picado por uma aranha radioativa, atingido por um relâmpago, de procurar sem sucesso por um alien roxo às portas da morte com um anel energético...
Depois de tentar se alistar no exército com a condição de que fosse no projeto Super-Soldado, depois de tentar firmar um pacto com Mephisto, de tentar ser exposto à raios cósmicos, de ser dissuadido de se expôr à raios Gama após ler um livro sobre Hiroshima e Nagasaki, e de seu médico lhe dizer que não, não havia nenhum fator X em seu DNA que o fizesse mais (ou menos) que humano...
Depois de tentar, sem sucesso arrancar de seus pais e confissão de que fora encontrado em um foguete alienígena dentro de uma cratera, e de descobrir que o departamento H canadense não existia e nem estava procurando recrutas para o projeto Arma - X, depois de descobrir que seus pais não lhe deixariam uma fortuna para investir em treinamento e aparato tecnológico, ou uma armadura de ferro para combater o crime, ele chegou à conclusão de que não dava, mesmo, pra seguir os passos de seus heróis nos gibis.
Só havia então, uma coisa a fazer.
Não. Não largar essas ideias de mão.
Estudar e meditar muito pra... Virar Jedi!

Feliz Dia do Orgulho Nerd.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Vending Machine


Leonardo parou em frente àquela estranha vending machine no corredor do prédio feito de lego na avenida mais movimentada do seu incosciente. Achou a máquina estranha, tinha algumas moedas no bolso, moedas estranhas, feitas de alumínio avermelhado onde dizia "Um ponto.". Sentiu que precisava de algo de dentro da máquina, e parou diante dela. Leu a tabela abaixo das instruções de como funcionava o engenho:

Olá.

100 Pontos.

Olá!

150 Pontos.

Olááááááááááááááá!

200 Pontos.

Lembrei de ti.

500 Pontos.

Pensei em ti.

650 Pontos.

Senti a tua falta.

800 Pontos.

Senti saudades.

1000 Pontos.

Eu penso muito em ti.

1200 Pontos.

Eu gosto muito de ti.

1500 Pontos.

Eu gosto demais de ti.

1550 Pontos.

Eu não te tiro da cabeça.

1750 Pontos.

Eu te adoro.

2000 Pontos.

Tu é o que eu quero.

2250 Pontos.

Tu é tudo o que eu sempre quis, incrível que caiba em uma embalagem tão pequena!

2500 Pontos.

Se tu fosse mais perfeita eu te metia um soco, pois certamente seria armação.

2550 Pontos.

Eu te amo.

3000 Pontos.

Eu te amo. (mesmo.)

3500 Pontos.

Eu te amo. (De verdade.)

3750 Pontos.

Tu é o meu sonho transformado em mulher.

5000 Pontos.

Leonardo contou as moedas de alumínio de tamanhos e formatos variados que encontrou no seu bolso, e constatou, enquanto lembrava dela, de seu sorriso, de seus olhos, sombrancelhas, nariz, pernas, cabelos e de todas as coisas intangíveis e metafísicas que faziam dela quem ela era. Seus gostos, expressões, gestos certos e errados, como uma mãozinha mal-colocada, e percebeu, tristemente, que não tinha pontos o suficiente pra dizer tudo o que sentia. "Sem problema", pensou. "É só arranjar mais alguns.", disse a si mesmo.
Abriu os olhos com o pescoço dolorido deitado no sofá da sala. A TV ligada mostrava
a reprise do Fantástico na Globo News. Suspirou enquanto tentava se endireitar pra dormir mais um pouco. Quisera que na vida real, bastasse, como no sonho comprar suas declarações. Sentia dor no corpo, demorou um pouco, mas continuou a dormir, e sonharia novamente com ela naquela noite.

sábado, 21 de maio de 2011

Hora certa.


O Argeu era desesperado pela Francielly. Não no mau sentido, ele era desesperado por ela no bom sentido. Após algum tempo, ele supôs que a Francielly gostasse dele também. Haviam indícios espalhados por todas as interações entre ambos.
Os amigos diziam:
-Vai, Argeu, quando a égua passa encilhada, tu tem que montar.
A analogia comparando sua amada Francielly à uma égua não agradava Argeu, mas enfim, ele também achava que ela estava pronta pra ele. Talvez, quem sabe, anciosa por ele.
Argeu não tinha, porém, certeza de que estava ele preparado para Francielly, para o que representaria ela e ele se tornarem eles. Ele queria que, quando chegasse a hora, tudo estivesse perfeito. Queria tudo conforme o figurino. Queria ser o melhor ele que pudesse ser. O primeiro passo, pensou, seria não usar mais a expressão "O melhor ele que pudesse ser.". Enfim, queria que tudo estivesse nos trinques. Se não estivesse tudo como tinha que estar, então não era hora, simples assim.
Deu, momentâneamente as costas ao seu amor dizendo a si mesmo que as coisas aconteciam na hora em que tinham que acontecer.
E Argeu foi cuidar das suas coisas, melhorar como como trabalhador, estudante e homem. Cresceu na vida, ralou demais, trabalhou até quase se estourar e melhorou de emprego, de vida, de status social. Comprou um carro, comprou lençóis e colchões, e quadros pras paredes do apartamento que alugou. Estudou até pensar que seus olhos cairiam, e então continuou estudando. Com muito esforço conseguiu seu diploma, e se sentia uma pessoa mais completa e mais capaz de encarar o mundo. Assumiu responsabilidades, aprendeu a trocar resistência de chuveiro, consertar fechadura, trocar courinho de torneira, pneu de carro, e tudo mais.
Estava finalmente pronto como queria estar pra receber Francielly em sua vida. E foi atrás da dona de suas afeições.
Recebeu, porém, más notícias de amigos que a conheciam.
Ela estava praticamente casada com um sujeito chamado Carlos Eduardo, que fazia faculdade com ela e trabalhava meio período no mercado do avô. Parecia feliz, a Francielly. Como ela ousava estar feliz sem ele?
Foi isso que Argeu pensou enquanto esperava, em frente à faculdade, que Francielly saísse. Foi o que impulsionou seus passos enquanto caminhava com decisão até Francielly pra dizer à ela que se esfalfara feito um condenado à morte pra estar à altura dela, para ser a pessoa que ela merecia, e agora aquilo? Aquela apunhalada violenta nas costelas?
Quando se aproximava, porém, viu o Carlos Eduardo chegar de mansinho por trás dela, abraçá-la pela cintura e dizer em alto e bom som que a amava. Viu o sorriso dela, tão lindo, quando ela fechou os olhos e envolveu com os braços delicados o pescoço daquele pulha sortudo. Então parou. Deu dois passos pra trás, e seguiu seu caminho no sentido oposto.
Descobriu à duras penas que as coisas, de fato aconteciam na hora em que tinham que acontecer. Infelizmente, raramente essa hora era aquela que escolhemos.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Chocolate II



Ela chegou perto dele, sentado na soleira da porta, escondendo o rosto do sol com o capuz do agasalho de moletom que vestia por baixo do blazer de couro. Segurava na mão uma revista Superinteressante, que olhava sem muita certeza, dando falta dos óculos.
Ele ergueu o rosto quando ela se aproximou. Passou algum tempo olhando as pernas dela. Breves segundos. As pernas dela eram lindas. Ela era toda linda. Mas as pernas, em particular, eram espetaculares. Ele a encarou com um dos olhos fechado por causa do sol que lhe fustigou a vista, e ensaiou um sorriso.
Ela estava muito séria. Respirou fundo e começou a falar com a voz falseteada que ele aprendera a adorar:
-Comi um chocolate hoje e lembrei de você.
Ele sorriu sem dizer nada. Ela continuou:
-Será que você adivinha que chocolate era? - Perguntou, ainda muito séria.
Ele olhou pra revista que segurava em suas mãos sem ler nenhuma palavra impressa na capa. Respirou um segundo e arriscou:
-Sonho de Valsa?
Ela sacudiu a cabeça da esquerda pra direita em sinal de negativo.
-Serenata de amor? - Ele arriscou.
-Não. - Ela respondeu com a expressão fechada franzindo-lhe o cenho delicado entre as sombrancelhas bem desenhadas.
-Talento? - Ele quis saber, otimista.
-Não. - Ela respondeu quase em um suspiro.
Ele respirou fundo. Olhando pra cima. Enquanto enrolava a revista nas mãos. Tomou fôlego:
-Meio amargo... - Suspirou.
-É. - Ela assentiu, olhando pra ele, muito séria.
Ele sorriu tristemente sem dizer palavra. Ela sentou do lado dele na soleira da porta, ajeitando o vestido curto com as mãos e cruzando os joelhos um sobre o outro, também em silêncio.
Ficaram ali, os dois quietos, sendo aquecidos pelo sol naquela fria manhã de sábado.
Ele olhou pra ela. O sol e ela haviam sido feitos um para o outro. Se acreditasse em Deus, olharia pro céu e diria "Exibido". Ela olhava pra frente, escondendo a boca atrás dos braços apoiados nas pernas.
-Sabe... Antes de te conhecer, teria sido "todo amargo".
Ela o encarou por breves segundos. Ainda não aprendera a identificar quando ele estava sendo sarcástico. Ele olhou pra ela ainda sério. Ainda com um dos olhos fechado.
-De "todo amargo" pra "meio amargo", tu vai ter que concordar que é um puta avanço.
Ela sorriu, fazendo o sol sentir vergonha de si mesmo, e abraçou-lhe o pescoço. Ele respirou e olhou pra cima, aliviado enquanto a abraçava pela cintura delicada.
Quem sabe, com mais tempo, eles aprenderiam a entender um ao outro.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Construção


-Tu és ruim de aproximação, Fortunatto.
-Sim.
-Muito ruim.
-É.
-Péssimo.
-Entendo.
-Pior que péssimo. É medonho.
-Arram.
-Podre, mesmo.
-Hmm.
-Tu é tão desgraçadamente ruim de aproximação, Fortunatto.
-É.
-Tu chega a feder.
-Tá.
-Se eu fosse tu, eu me mat-
-Entendi! Eu sou muito ruim de aproximação, Ok. Isso é tudo ou tem outro ponto?
-Ninguém vai te esperar pra sempre.
-...
-Tu estás ciente disso, correto?
-... Correto.
-E?
-Eu gosto de dar às pessoas a oportunidade de me surpreenderem.
-Não seja cínico, Fortunatto. Nós dois sabemos que não te cai bem.
-É... Fazer o quê? Eu sou ruim de aproximação. Nós dois também sabemos disso.
-E então?
-Então... Eu vou esperar. Até que pare de doer, ou que algo aconteça.
-Achei que tu fosse mais proativo, pra usar uma expressão da moda.
-É... Não pra esse tipo de coisa. Não depende só de mim.
-Compreendo. O que nós vamos ouvir, então?
-Taca Construção, aí. A versão com o Chico e o MPB4, por favor.
-OK.
"Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música"
-Boa pedida, Fortunatto.
-Obrigado, doutor Fiúza.

Poesia, numa hora dessas?


Ah, Romualdo, Romualdo... Tu que não gosta de gente, Romualdo.
Que afasta quem ainda tenta ficar do teu lado, Romualdo.
Que sente tristeza na alegria, e solitude na companhia, Romualdo.
Qual é o teu problema, Romualdo? Não sabe a sorte que tem?
Não sabe como haveria gente querendo estar no teu lugar, Romualdo?
Como tem gente sozinha e desafortunada nas lides do coração.
Que assobia uma melodia sem ter ninguém pra completar com letra a canção
Ah, Romualdo. Há lábios que queriam estar nos teus, Romualdo!
Capazes de vencer distância, e de tornar possível o improvável pra isso.
E tu, incauto, te esconde com medo. Te coloca de lado. Observa omisso.
Que vergonha, Romualdo. Que vergonha de ti e do teu medo da alegria.
Que vergonha de ti que te esconde e te afasta da coisa que mais queria.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Embrulhos


Foi com a fronte suada e as mãos sujas que o Eriberto largou o pacote que acabara de embrulhar sobre a mesa.
Eriberto não gostava de suar, por isso odiava o verão. Naquele dia a temperatura era agradável, até. Dezessete graus. Eriberto gostava desse tipo de temperatura de meia-estação. Sentia-se bem com elas. Mas suava. Não por estar com um blazer e um agasalho por sobre a camiseta branca. Não. Não era por isso. Eriberto suara fazendo um embrulho. Eriberto era péssimo com embrulhos. Era péssimo com trabalhos manuais. Ele nunca gostara deles.
Lembrava-se das aulas de Artes do ensino fundamental. Quando a professora Vera, que tinha um nariz de papagaio e um aparelho chamado bio-monitor que ela usava pra conversar com plantas, dizia que a atividade do dia seria desenho livre, pintura, releitura de obras famosas, ele adorava. Quando ela avisava, no entanto, que deveriam levar jornais, revistas, tesoura, cola e cartolina ele ficava fulo. Não tinha coordenação motora, capricho, ou noção espacial o suficiente pra fazer dobraduras, colagens e origamis. Ainda hoje tinha a sensação de que se Educação Artística reprovasse, ainda estaria cursando o ensino fundamental.
Eriberto por um desses acasos do destino, volta e meia via cair em sua mesa produtos que precisavam ser embrulhados para viajar pelo correio. E sempre tomava uma surra dos embrulhos. Como essa que o fizera tirar o blazer e o agasalho e suar em um dia de temperatura amena de outono.
Lavou as mãos. Sentou-se de volta à sua escrivaninha observando a caixa de papelão enrolada em papel pardo e fita adesiva enquanto suspirava. Ela lhe veio à mente. Veio, nada. Nunca saía. Mas surgiu como uma presença mais forte ainda do que o de hábito. Ela devia ser boa nisso de embrulhos. Era delicada. Dedicada. Devia ser afeita à trabalhos manuais. Mais uma das coisas nas quais ela seria tão boa e ele tão ruim. Sentiu uma ponta de tristeza. Mas então sorriu enquanto pensava.
"Tu pode ser infinitamente melhor que eu na arte de fazer embrulhos e dobraduras, meu amor. Mas eu achei a ponta da fita adesiva tão rápido... Tu teria ficado orgulhosa..."

Ignorância.


-Existem três coisas - Disse Al-Hassan, de olhos fechados, sentado em posição de lótus dentro do tempo perdido de Bath-Saad, no alto de uma montanha na fronteira do Nepal com a Índia, vestindo uma túnica muito branca e um turbante escarlate, iluminado por tochas. Al-Hassan raramente falava enquanto meditava, então, suas palavras atrairam imediatamente a atenção de todos os discípulos que haviam se juntado a ele para beber de sua sabedoria e experimentar a paz interna oferecida pelos seus rituais de meditação silenciosa que, por vezes duravam anos. Assim que todos abriram os olhos e pararam de entoar seus mantras, ele prosseguiu com os lábios se mexendo pouco sob a barba grisalha e espetada:
-As coisas que queremos. As coisas que podemos ter. E as coisas que merecemos. Raramente merecemos as coisas que queremos, não há vergonha nisso. Existe vergonha, sim, em não merecer as coisas que podemos ter.
Enquanto isso, em Dom Pedrito, o Tavinho recebia um SMS da Adélia, loirinha coisa mais querida que trabalhava na loja Canto do Bebê, ali no calçadão, e sorria. Quando Joseane, a morena voluptuosa de olhos cor de café que estava deitada à seu lado na cama vestindo apenas o lençol cor-de-rosa que cobria ambos perguntou o que era, ele disse que ia ter que trabalhar até tarde na quinta-feira e deu-lhe um beijo estalado no ombro nu enquanto apagava a mensagem.
O Tavinho, se conhecesse Al-Hassan e seus ensinamentos, iria se envergonhar. Como não era o caso, foi encontrar Adélia na quinta depois que ela saiu do trabalho, voltou a ver Joseane na sexta, e no sábado jantou na casa da sogra, dona Martha, mãe da Fernandinha, tudo isso com a consciência tranquila, tranquila...
Pro Tavinho, a ignorância era uma benção.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Resenha Cinema: Velozes e Furiosos 5 - Operação Rio


Me lembro como se fosse ontem quando um amigo me convidou pra ver Velozes e Furiosos no cinema.
Corria o ano de 2001, Osama Bin Laden já havia derrubado o World Trade Center, e o filme era sobre carrões tunados em corridas de rua clandestinas cheias de gostosas com pouca roupa. Era estrelado pelo brucutu Vin Diesel, que além da porcaria Eclipse Mortal, fizera uma ponta como Adrian Caparzo em O Resgate do Soldado Ryan, e a voz d'O Gigante de Ferro, na animação de mesmo nome em 99. Como o mundo podia estar mergulhando na Terceira Guerra Mundial, achei que valia a pena ir ao cinema e ver uma bobagem despretenciosa. E fui.
Achei o filme muito divertido. Uma versão bombada e menos hang loose do divertido Caçadores de Emoção, de 91. Saíam os surfistas ladrões de banco, entravam rachadores ladrões de cargas.
Repeti a dose, e assisti + Velozes + Fusiosos no cinema, em 2003. A sequência, sem Diesel, trazia de volta Paul Walker, deslocado no papel de malandro, sumia com todos os outros personagens da franquia, e apresentava Pearce, um canastríssimo Tyrese Gibson. Não era bacana como o anterior.
Em 2006 não vi Velozes e Furiosos - Desafio em Tóquio no cinema. Nem em DVD. Acabei vendo o filme na TV a cabo, e achei maneiro, não era nenhuma obra prima, e o personagem mais legal do filme, o Han, morria antes do fim da película. Mas era divertido, e ainda trazia uma ponta de Vin Diesel no final.
Voltei ao cinema em 2009 e vi Velozes e Furiosos 4. Confesso que ainda não entendi a cronologia da série. Nem se ela existe ou passa a ser ignorada de algum ponto em diante.
De qualquer forma, Velozes e Furiosos 4 é um filme decente. Não é genial, nem excelente, mas é bacana, divertido e despretensioso. O suficiente pra, nesse final de semana, me tirar de casa em um sábado chuvoso pra ver Velozes e Furiosos 5 - Operação Rio, em que a turma dos carros envenenados acaba no Rio de Janeiro fugindo da lei nos EUA após libertarem Dom Toretto (Diesel).
É divertidíssimo. Não faz nenhum sentido, a geografia do Brasil é solenemente ignorada, existe um deserto pedregoso com lagos de águas verde-caribe no rio de janeiro. Esse deserto carioca é cortado por um poderoso trem! Todos os policiais brasileiros são corruptos, nossos bandidos falam português com sotaque americano, lusitano, ou são dublados ao estilo propaganda da L'oreal, quatro federais gringos sobem o morro e basta que saquem as armas pra que todos os traficantes morram de medo e recuem, a polícia civil carioca usa as viaturas mais tunadas do universo.
Ainda assim, o filme é divertidíssimo. A canastrice de Vin Diesel, Paul Walker, The Rock e companhia limitada não tem preço nem freio. Mas, ao mesmo tempo, também não há breques para as insanas (impossíveis?) sequências de ação de tirar o fôlego, pro bom humor, ás vezes involuntário, mas nem por isso menos engraçado, pras belas mulheres, e pra pancadaria épica entre Diesel e The Rock, cheio de músculos besuntados de óleo, e tensão homoerótica suficiente pra virar hit no bar Ostra Azul (Lembram do Bar Ostra Azul? De Loucademia de Polícia?).
Velozes 5 não decepciona quem sabe o que o espera quando compra o ingresso, a pipoca (miniBis), e a Coca-Cola (Fanta), e quem esperou até (um pouquinho) dos créditos passarem, sabe que vem mais por aí.
Que venha Velozes meia dúzia!

"-Eu te vejo em breve.
-Não, não vê."

sábado, 14 de maio de 2011

Rapidinhas do Capita


Não te preocupa, Bernardo. Vai dar tudo certo. Vai ficar tudo bem.
Mas ninguém disse isso pro Bernardo, e ele continuou sozinho no escuro.

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-Sabe qual é o teu problema, Vanderlei?
-Não. Mas tu vai me dizer.
-Vou. Pode apostar que eu vou. Vou sim, por que sozinho tu nunca vai descobrir. Por que tu é burro!
-Tá bem.
-Tu te distancia das pessoas.
-Esse é o meu defeito?
-Sim.
-Tá bem.
-Olha aí!
-Olha aí o quê, tchê?
-Tá te distanciando.
-De ti? Tô mesmo.
-Não... Não só de mim. De todo mundo que chega perto.
-Ah.
-Por que isso? Por que esse afastamento de todo mundo? É proposital ou instintivo?
-...
-Não, eu gostaria de uma resposta, velho. Afinal de contas, a gente já é amigo a tempo suficiente pra eu te pedir satisfações, não é?
-Tu não é meu amigo, velho. Tu é um cara que eu apóio.
-Te fode.
-OK...
-Sério, meu. Por que a distância?
-...
-Tá bem. Não quer falar, não fala. Deve ser por que tu mesmo não sabe a resposta.
-Eu sei a resposta, imbecil.
-E...?
-Eu não sou um intruso. Eu não quero impôr a minha presença na vida de ninguém. Não quero ser inconveniente, e estar ao redor sem que me queiram. Eu também não quero que as pessoas me vejam de muito perto, pois elas vão perceber todos os defeitos que eu mantenho sob controle á distância, e aí, elas não vão mais me querer por perto. Por isso a distância. Pra que as pessoas não enjoem de mim.
-Cara... Tu é meu amigo. Eu nunca vou enjoar de ti.
-Bom, no teu caso, a distância é pra eu não enjoar de ti.
-Te fode.
-Na buena, velho. Tô indo.

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A Jamille se aproximou do Alfebeu na festa e disse:
-Alfebeu, vem me dar um beijo.
O Alfebeu, que era louco pela Jamille, aliás, como todos os guris do primeiro ano, ficou pasmo:
-Sério? - Perguntou, duvidando da própria sorte.
-Sim. - Respondeu a Jamille, convicta.
Alfebeu pensou em cheirar o próprio hálito e as axilas, mas achou que era um mico demasiado pesado a se pagar. Quis ser mais alto, mais bonito, ter um cabelo mais macio e peitorais mais duros, a Jamille merecia, meu Deus do céu. Mas era difícil conseguir tudo aquilo em tão pouco tempo, o tempo que ele levaria para vencer os centímetros que separama seus lábios dos de Jamille. Ah, meu Deus, os lábios de Jamille! Pela madrugada, aqueles lábios era, tipo, o ápice, o Olimpo, o apogeu dos desejos de todos os moleques do primeiro ano. Beijar aqueles lábios, nossa, beijar aqueles lábios seria, tipo, apresentar uma certidão de nascimento lavrada em Krypton!
Alfebeu viu que aquele seria seu momento de glória, estufou o peito, encolheu a barriga, endireitou as costas e deu dois passos à frente, esticou o pescoço e fechou os olhos, venceria de boca entreaberta e olhos fechados a fronteira final, o espaço que ainda restava entre ele e a dona de suas afeições. No momento, porém, em que seus lábios encontrariam o recanto desejado colando-se aos de Jamille, um grito interrompeu o percurso:
-Que porra é essa aí?
Alfebeu abriu os olhos a tempo de ver o Érico, grandalhão do terceiro ano, que até barba na cara tinha, se aproximando.
-Ô, Jamille, que merda é essa aí? Tá de sacanagem na minha? Tá me tirando pra teu guri? Eu vou encher esse trouxa aí de pregaço, tá ligada?
O Alfebeu sentiu seu estômago colar no pescoço, a sensação não sumiu nem quando Jamille convenceu o Érico a suspender a ideia dos "pregaços", fossem eles o que fossem, e se transformou em uma sensação de embrulho nos intestinos quando ela, indo embora com aqueles Cro-magnon, se virou piscando e fazendo sinal de positivo pra ele.
Alfebeu não se casou. Não teve filhos. E vive em um apartamento sombrio na Salgado Filho consertando computadores.
Cuidado quando for brincar com os sentimentos de alguém.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O Descobrimento do Brasil


-É tipo Legião Urbana, entende?
-Vocalista veado e compositor que faz música que cala fundo pra adolescente oitentista?
-Ah, ah, ah, ah, ah, ah. Não, porra... É como eu queria que fosse. Como O Descobrimento do Brasil, sabe?
-Não... Como assim?
-Na verdade... Olha, é quase totalmente O Descobrimento do Brasil.
-"Quase totalmente"... O CD ou a música?
-A música.
-Por que "quase" totalmente?
-Bom... Por que eu me pergunto se ela vai saber o quanto eu penso nela... Com o meu coração, sabe?
-Arram...
-E tenho esperanças de que, por eu tentar ser um rapaz direito, ela, que é a menina mais bonita, tenha me escolhido.

Celular


Todo o dia o Bertacco passava por aquela moça na Rua da República. Na primeira vez, ele, sempre atrasado, sempre contido, reservado, não reparou muito nela, não. Foi apenas uma pessoa de quem ele desviou na rua pra evitar um esbarrão. Ela vinha da João Alfredo em direção à República, e ele fazia o caminho inverso. Quase se chocou com ela, que andava a passos rápidos falando ao celular. Desviou-se dela como se fosse num passo de dança e pediu desculpas presumidas com um "Ôooopa...", mas ela não respondeu. Esquivou-se dele, também, e seguiu andando.
Bertacco chegou a pensar em um insulto, em chamá-la de mal-criada, ou algo do gênero. Não em voz alta, até por que além de ser contido, reservado, e polido, não era um criador de casos, e estava atrasado demais para começar a sê-lo. Mas pensou em xingá-la para si. Algo como "Eita mulherzinha mal-criada!" enquanto seguia seu caminho. Mas, por estar atrasado, e por perceber que ela devia, também, estar, e falava ao celular e tudo mais, deixou pra lá.
Nos outro dia tornou a vê-la. Aparentemente o horário dela estava mais calmo, mais frouxo, ela ainda andava rápido, mas não estava praticamente correndo como na primeira vez. Embora continuasse falando ao celular.
Bertacco passou a vê-la com muita frequência, e prestar atenção nela.
Ás vezes carregava uma bolsa pequena pendurada pela alça no braço direito, em outras oportunidades trazia uma bolsa imensa pendurada no ombro. Em mais de uma vez Bertacco a viu carregando as duas bolsas simultâneamente, e em outras tantas a viu carregando as duas bolsas, e uma pasta enorme sob o braço. Sempre ao celular, ás vezes o segurando entre o ombro e a cabeça, entortando todo o corpo.
Bertacco olhava aquilo com um pouco de escárnio, pra ser bem franco. Algo como, "Qual o problema dessa mulher?", ele achava doentio alguém viver pendurado ao telefone móvel.
Até que em uma manhã, Bertacco particularmente atrasado, passou pela moça, e a ouviu dizendo ao telefone:
-Fiquei até surpresa quando ele parou do meu lado e disse que hoje eu podia sair no horário...
Bertacco não terminou de ouvir a conversa, mas se condoeu dela. Imaginou-a sendo acossada por um chefe explorador que demandava dela horas e mais horas extras a ponto de o único momento do dia em que ela podia falar com a mãe, com a irmã, ou com uma amiga, era naquele caminho que ela fazia, entre sua casa e o serviço, quiçá o ponto de ônibus. Bertacco, no dia seguinte, reparou mais na moça, quando se cruzaram. Era bonita, ela. Cabelos bem pretos, cortados em estilo chanel. Sombrancelhas bem desenhadas, óculos-escuros bem grandes que a faziam parecer um pouco com uma vespa. Lhe caia bem, ainda assim. Usava roupas confortáveis, práticas e simples. Calça jeans, blusa preta larga, sapatos baixos. Tinha um corpo esguio de aparência ágil. Bertacco, pela primeira vez, olhou pra ela como mais do que a "doida do telefone celular". E a achou bonita. E sentiu-se tão próximo dela que sua imagem perdurou na mente dele durante o dia todo.
Na manhã seguinte, olhando em volta procurando por ela, distraiu-se, a quando virou a esquina da República com a João Alfredo, esbarrou justamente com ela. A bolsa pequena caiu pra um lado, a bolsa grande pro outro, a enorme pasta que ela acomodara sob o braço abriu-se espalhando lâminas e transparências. Apenas o celular manteve-se incólume entre seu rosto e seu ombro. Abaixou-se envergonhado a se pôs a juntar as coisas dela. Ela se abaixou, também. Continuava ao telefone fazendo "hu-hmmm", e "sim", e "hãn". Ficaram frente a frente. Ele a ajudou a acomodar as folhas dentro da pasta, e segurou a bolsa grande enquanto ela a acomodava no ombro. Ela sorriu e o olhou com o óculos escuro na ponta do nariz, seus olhos eram tão lindos. Sorria. Piscou e fez "obrigada", apenas mexendo os lábios.
Bertacco teve ânsias de tirar-lhe o telefone das mãos, e de dizer que ela era bonita. De dizer que não devia se entortar toda pra acomodar o telefone entre a orelha e o ombro. De dar-lhe um fone de ouvido. De desejar-lhe boa sorte. De desejar-lhe um baita dia. Mas, contido, polido, reservado que era, disse apenas "de nada". E seguiu seu caminho, sem olhar pra trás. E nem soube que ela, após andar alguns metros, olhou por cima do ombro, e sorriu mais uma vez.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Entrelinhas


Dinorá gostava de Celestino. Gostava, mesmo. Ela adorava Celestino, amava ele, de fato. E supunha ser correspondida. Se conheciam a bastante tempo, estavam juntos havia pouco. E, de modo geral, Dinorá não tinha lá grandes queixas. Se incomodava com pequenas coisas, tinha lá seus arroubos de possessividade e crises de auto-confiança. Tudo dentro da normalidade do universo feminino. Mas, vá lá. Sem grandes queixas, Celestino era, afinal de contas, o homem que ela escolhera pra ser o último de sua vida.
Celestino, por sua vez, nunca tinha queixa nenhuma. E Dinorá não tinha certeza de como se sentir com relação à isso. Aliás, se em algum momento havia algo de incomodava Dinorá em sua relação com Celestino, era o fato de ele nunca, jamais, em tempo algum, responder às perguntas dela com algum resquício, por pálido que fosse, de seriedade. Todas as perguntas que Dinorah fazia a respeito da relação que ambos partilhavam, eram respondidas com chistes, ironias ou piadinhas sarcásticas que, em mais de uma vez, deixaram Dinorá com vontade de esmurrar Celestino no fígado e pular em cima de seu peito usando salto-agulha.
Mas haviam outras coisas que, por sua vez, agradavam Dinorá o suficiente pra que ela resistisse aos seus impulsos mais violentos e mantivesse o seu bom nível de civilidade. Celestino era um sujeito decente. Não que fosse a fina flor do bom-mocismo, não, embora, ás vezes, houvesse bom-mocismo em excesso na opinião de Dinorá, Celestino era um bom sujeito, mas tinha lá alguns defeitos, que, por irritantes que fossem, serviam pra mostrar que Celestino não estava atuando em sua boa índole. Ou, ao menos não estava atuando o tempo todo.
Celestino não era bonito. Não que fosse feio, não era, mas estava longe de ser um galã. Dinorá dava-lhe um caldo em termos de beleza, mas parecia não se incomodar com isso. Celestino não se cuidava. Era largadão, não dava a menor bola pra coisas que Dinorá considerava importantíssimas, como medicina preventiva, por exemplo.
Era nerd, o Celestino. Irremediavelmente nerd. E tímido, podre de tão tímido. Tão, mas tão tímido, que não era capaz sequer de responder quando Dinorá dizia que o amava.
Isso tudo incomodava a Dinorá, que até aprendeu a conviver com as bobagens de Celestino. O que nunca parava de incomodá-la, era a falta de respostas de Celestino às suas perguntas, e o seu silêncio frente às declarações que lhe eram feitas.
O desgosto de Dinorá foi tão grande, que ela resolveu que não diria mais que o amava. Assim livrava-se das dúvidas que a afligiam à cada vez em que suas juras de amor recebiam nada além de reticências do alvo de suas afeições. Dinorá não disse mais nada. Parou de se declarar a Celestino, e resolveu tocar a relação dos dois mantendo guardado dentro do peito o sentimento que a fazia querer ficar junto daquele imbecil.
Deram sequência à vida em comum que resolveram partilhar. Dinorá ainda se ressentia de nunca ouvir uma resposta de Celestino às suas perguntas, mas ele era direito, era honesto, então, se não a amava, ou se não amava o bastante pra verbalizar, paciência. Ela iria até onde fosse possível.
Foi em uma tarde qualquer, às vésperas de uma viagem a trabalho de Celestino, que ele apanhou as mãos dela pra se despedir, e lhe deu um beijo gentil nos lábios macios, dizendo que se veriam em uma semana.
Ele entrou no elevador do prédio dando-lhe tchau, e antes da porta se fechar, Dinorá não resistiu e disse:
-Eu te amo.
E antes de sumir atrás das portas, Celestino sorriu, um sorriso pretensioso, algo pro lado, e disse:
-Eu sei.
Dinorá não soube ler nas entrelinhas na hora, apenas mais tarde ela ficou sabendo, mas aquela talvez fosse a maior declaração de amor de que Celestino fosse capaz.
Foi o momento em que ele verbalizou, em que ele pôs pra fora, em que ele externou seu amor por Dinorá.
Foi quando fez dela sua Princesa Leia.

Muito Bruto


Ela e ele deitados na cama. Abraçadinhos como ela gostava. Ele sentia um calorão danado, mas não se importava com o desconforto. Haviam acabado de fazer sexo, e fora muito bom, pelo menos pra ele. Ela perguntou:
-Aí, amor... Não é o máximo, isso?
-É... Eu ainda acho que posso fazer melhor se praticarmos mais um pouco. - Ele respondeu mordendo de leve o ombro dela.
-Não, bobo. Bom, isso, também. Mas eu me refiro à gente. Nós dois juntos. Tu e eu, vivendo sob o mesmo teto, fazendo as mesmas cosas, jantando nos nossos lugares preferidos, vendo nossos filmes preferidos, ouvindo nossas músicas preferidas, tudo juntinhos.
-É.. É bom demais, mesmo.
-Eu nunca achei que a gente fosse ficar juntos, sabe?
-Não?
-Não... Tinha tanto obstáculo no caminho...
-Tipo o quê?
-Ah, coisas, né?
-Que coisas?
-Ah... A distância, tanto a física quanto a emocional. O modo como tu te fechava, tu não falar como te sente... A minha mãe que dizia que tu não era boa coisa...
-Tua mãe ainda diz que eu não sou boa coisa. Ela vem aqui todo final de semana e diz isso enquanto eu tô te ajudando com as tarefas domésticas.
-Ah, tadinha da mãe. Ela não tem o que fazer. Mas eu sei lá. Achava que não ia rolar. Que tu não gostava de mim.
-Hmmm... Bom, mas e tu?
-Eu?
-E, tu que é uma princesinha cheia de frique-frique. Eu nunca imaginei que tu ia te interessar por mim.
-Ah, mas tu... Por que eu não me interessaria?
-Por que eu sou meio rudezão, assim. Algo tosco, tu parece gostar de caras mais sofisticados, mais alinhadinhos, eu sou mega à vontade.
-Ah, nada a ver. Eu nunca te achei tosco.
-Tu vai me dizer que nada em mim te desagradava?
-Não. Nada em ti me incomodava.
-Nada?
-Nada.
-Nadinha?
-Nadica de nada.
-Hmmm. Então por que tu tá sempre tentando mudar tudo que eu faço?
-Não é mandando mudar, é só corrigindo. Te ajudando a dar uma aparada nas arestas, amor.
-Então nada te incomodava?
-Nada, nadinha, nem... Ah, não...
-O quê?
-Tinha uma coisa, sim.
-O que era?
-Na verdade... Bom, não vou dizer que não incomodava por que incomodava, sim, era bem ruim, mas era, sei lá, quase folclórico, era engraçado.
-O que era?
-O desodorante que tu usava. O que era? Algum Axe bem sem-vergonha?
-Não...
-Por que agora, OK, tu usa Rexona, não é espetacular, mas é decente. Mas aquele de antes... Nossa, parecia perfume vagabundo misturado com budum de pedreiro. O que era aquilo?
-Trés Brut de Marchand.
Ela teve um acesso de riso violento. Riu muito. Usou adjetivos que ele fez questão de esquecer pra se referir ao seu antigo desodorante. No dia seguinte,quando ela chegou em casa, foi colocar absorventes no armário do banheiro e deparou-se com três tubos de Trés Brut de Marchand. Nem era o frasco aerossol, era aquele bem fuleiro de spray em plástico. Quando se virou ele a fitava da porta, desafiador. Ela não disse nada, só fez uma careta.
Ele se decidira. Um sujeito que usava um desodorante chamado "muito bruto", não iria ser dominado pela mulher.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Rapidinhas do Capita



-Eu nunca fui rebelde, sabe?
-umm-hmmm.
-Nunca fui dessas crianças e adolescentes xaropões que ficam dando achaque. Era bem tranquilo.
-Sim.
-Só tive vontade de fugir de casa quando a minha mãe me disse que eu não ia poder trabalhar como Jedi não importava o quanto eu estudasse.
-Entendo.
-Eu tive vontade mas não fugi.
-Por que te explicaram que era ficcional...?
-Não, foram mais logística e problemas práticos, mesmo. Eu não sabia como fazer pra chegar em uma galáxia bem, bem distante, sem meus pais me colocarem no ônibus e não sabia se me aceitariam na Academia Jedi sem meus pais me matricularem.

Feliz Star-Wars day, atrasado. May The 4th Be With You.

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A Danielle e o Viktor de SanMartin (pronuncia-se SanMartã) parados na fila do super-mercado. Ela emburrada. Olhava pra frente, fazendo bico de olhos semi cerrados enquanto batia com o pé no chão, impaciente. Ele, tranquilão, olhava pras compras. Nem parecia que tinham tido uma altercação no corredor dos congelados após ele ser, nas palavras da Danielle, excessivamente gentil com uma "loira peituda que praticamente colou aquelas tetas imensas na borda do balcão pra endurecer o bico do peito, e o babacão ficar ali, olhando e se derretendo". Ele suspirou.
-Esqueci de comprar maçã...
-...
-Eu adoro maçã.
-...
-É a única fruta que eu como.
-...
-Será que dá tempo de eu voltar correndinho ali nas frutas e pegar umas maçãs?
-...
-Que sabe eu vou?
-...
-Tu me espera?
-...
-Se eu demorar pede pra essa senhora aqui atrás passar na frente.
-...
-Se eu demorar mais, vai passando as coisas e me espera ali na frente.
-...
-Se eu demorar mais ainda é por que fui ordenhar aquela loira gostosuda.
-Vai pro inferno, Viktor!

Viktor de SanMartin, o provocador, atacara novamente.

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O Gérson se ajoelhou em frente à Leila e começou a declamar:
-Chamando todas as estrelas para caírem, E pega a luz prateada do sol em sua mãos. Venha para mim, e me liberte. Me levante e me leve onde eu fique em pé.
Ela acredita em tudo, e todo mundo e você e nos seus e nos meus. Eu esperei mil anos
Para você vir e me fazer perder a cabeça...
Hey Leila, as estrelas estão para cair... Então o que você diz, Leila. O mundo em nossa volta me faz sentir tão pequeno, Leila. Se você não pode me ouvir chamar, então eu não posso dizer, Leila. Que o Céu te ajude a me pegar, se eu cair...
A Leila olhou pra ele de olhos marejados.
-Foi tu que escreveu?
-Foi. Eu te amo.
Se beijaram. Como ela não gostava de Oasis, só de Backstreet Boys e Lady Gaga, nunca descobriu que a primeira parte era mentira. Como a segunda parte era verdade, ela acabaria o perdoando. Viveram felizes pra sempre.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Fura Bolo


Estavam Gerusa e Otávio voltando pra casa. Era uma rua deserta, tarde da noite, e ele andava sorridente olhando pro céu com o braço mal-acomodado sobre o ombro esquerdo e por trás da cabeça dela. Não estava mal-acomodado por ela ter qualquer tipo de problema no ombro, não, mas por conta da diferença de altura. Ainda assim, estava satisfeito. Ela parecia satisfeita, também. Segurava a mão dele, que pendia sobre o seu ombro direito, e os dois, que haviam conversado, dançado, e se beijado naquela noite, agora voltavam juntos pra casa dela, onde ele esperava entrar, já que a noite fora tão boa.
Mais que boa, até. Ela superara totalmente as expectativas dele. Otávio sempre achara Gerusa atraente, desde antes de começar a conversar com ela no local onde trabalhavam. Mais do que isso. Na verdade "atraente" não fazia justiça aos adjetivos de estivador que Otávio em mais de uma ocasião usara para se referir à ela. E era compreensível, Gerusa era tudo de bom. Era muito bonita sem ser daquelas belezas fabricadas da TV ou das revistas, era linda sem parecer ter saído de uma linha de produção. Tinha estilo, e era provocante sem resquícios de vulgaridade, chamando demais a atenção com sua discrição charmosa.
Isso, Otávio viu de imediato. O que Otávio levou mais tempo pra perceber foi que Gerusa também era divertida. Era engraçada, inteligente e até meio malandra, no melhor dos sentidos. Tinha presença de espírito, e não se escandalizava com qualquer bobagem. Tinha bom gosto pra música, pra cinema e pra literatura, sem ser daquelas meninas xaroponas que querem parecer descolada. Gerusa simplesmente era descolada.
Otávio ficou tremendamente surpreso quando soube que Gerusa era solteira. Mais ainda ao descobrir que ela não tinha namorado, nem noivo, nem nada remotamente sério com homem algum. Chegou a considerar que, sendo o mundo como era, e andando sua sorte como andava, Gerusa devia ser homossexual, e comer a fruta de que Otávio gostava até o caroço. Mas não. Para sua surpresa e alívio, em mais de uma ocasião posterior a esse pensamento, Otávio a viu elogiar a aparência de homens em capas de revistas de colegas de trabalho. O que foi, ao mesmo tempo um alívio, e motivo de preocupação. Afinal, se elogiar a aparência de Hugh Jackman na capa da revista Set advogava em favor da opção sexual de Gerusa, também advogava em nome do bom gosto dela. E uma mulher de bom gosto não sairia com Otávio que era, quando muito um sujeito meia-boca.
Pior que isso, era pelo menos dez anos mais velho que a Gerusa. Outra pessoa não veria problema nisso, acharia tratar-se de uma bobagem tremenda, mas para Otávio era um empecilho dos grandes. Ele não era nenhum Robert Redford, não era charmoso, nem bonitão, nem sofisticado.
Ainda assim ele se aproximou dela. Sem muita esperança. Mais pelo simples prazer de tê-la por perto. Se houve alguma sugestão de flerte, fora totalmente instintiva, e não calculada. Passaram a conversar e sair como amigos, faziam compras, iam ao cinema, se exercitavam, e em tudo, apenas amizade era mirada de parte de Otávio. E ainda assim, por alguma razão, as afinidades que ambos partilhavam acabaram por atraí-los, até que aconteceu. Em um entardecer, após caminharem juntos às margens do Guaíba, Gerusa e Otávio conversavam, e, sem aviso, ela o beijou.
Otávio ficou surpreso, não sabia se era prudente se envolver com alguém que era mais jovem, mais inteligente, mais bonita e mais... Bom, quase tudo do que ele. Mas acabou mandando a rpudência ralo abaixo após sentir as mãos macias dela envolvendo seu rosto barbado, e de sentir a maciez de suas curvas ao envolve-la ela cintura com os braços.
Com mil diabos. Dá pra tentar fazer funcionar! - Pensou Otávio, otimista.
E parecia, mesmo que daria. Gerusa, como namorada, era ainda mais genial do que como amiga. Àquele rol sensacional de qualidades cresceu a ternura e a sensualidade de uma companheira com quem se podia pensar em dividir tudo. A diferença de idade que tanto preocupava Otávio nunca se mostrou um obstáculo.
Até que, naquela noite lá do início, após dançarem, conversarem e se beijarem estavam voltando pra casa quando ela disse:
-Ai... Que vontade de comer um picolé que me deu...
Ele sorriu:
-Picolé, meu amor?
-É. - Ela confirmou. - Mas picolé. Não queria sorvete, nem sacolé, nem raspadinha. Picolé, mesmo. Um... Um chicabon... Não, Chicabon, não. Um picolé de fruta, tipo...
-Tipo um La Frutta de limão?
-Não. Não... Queria de morango. Tem picolé de morango?
-Deve ter. Eu me lembro bem do Fura Bolo, tinha até as sementinhas...
-Do quê?
-Fura Bolo. Era um picolé, um picolé de morango em forma de mão, com o indicador apontando pra cima. - Explicou Otávio.
Gerusa riu demais.
-Fura Bolo, Otávio? Ah, por causa do dedo indicador, ah, ah, ah, ah, ah, ah ,ah ,ah, ah, ah, ah, ah, ah! Que ideia.
-Eu que o diga. Uma vez, quando era pequeno, fui jantar com meus pais em uma churrascaria, e antes de ir embora eu ganhei um Fura Bolo. Quando mordi o dedo, todo mundo sabe que um Fura Bolo se começa a comer pelo dedo, o garçom, de brincadeira, deu um grito de dor, e eu não consegui mais comer o picolé.
Ela riu até perder o ar. Otávio riu junto, a princípio, mas parou em seguida. Gerusa olhou pra ele ainda rindo.
-Nossa. De que época era esse picolé?
-Hã... Princípio dos anos oitenta, eu acho...
-Nossa! Eu nem pensava em nascer, ainda.
-Mas ele foi e voltou, era feito pela Nestlé, então sumia da tabela e voltava. Nos anos noventa eu comi vários Fura Bolos.
Gerusa riu muito, de novo.
-Que mais que tinha na tua época, meu anjo?
Otávio sorriu sem dizer nada. Apontou com o queixo pro prédio da Gerusa.
-Chegamos.
Ele não sabia se havia sido a diferença de idade entre eles finalmente se tornar algo palpável, ou se foi o escárnio dela ao rir de seu trauma infantil ou ao perguntar de que época o Fura Bolo era. O que ele sabia é que nunca mais procuraria por aquela insensível cocota pós-púbere. E se procurasse, seria pra furar o olho dela com um picolé Fura Bolo. Será que a Nestlé ia colocá-lo de volta nos freezeres das padarias?

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Libertinagens


Estavam o Estevão e a Dorinha no motel. A Dorinha, normalista, dezenove aninhos, recém chegada de Pantano Grande, nunca tinha estado em um motel, nunca tinha nem sequer passado na frente de um. O Estevão, aliás, andava levando ela a fazer uma porção de coisas pela primeira vez. Com o Estevão ela andara de motocicleta pela primeira vez, ainda lembrava do friozinho na espinha quando ele fazia as curvas bem fechadas e ela tinha a sensação de que iria cair, e se agarrava com força na cintura dele, que sorria e mandava que ela se acalmasse. Com o Estevão ela tomara sua primeira bebida de álcool, um Hi-Fi, que ela, aliás, estranhara ter tanta vodka e tão pouco suco de laranja. Com o Estevão ela deu seu primeiro beijo em público, imagine! Ali, na frente da escola! Na frente de todo mundo, na verdade. Chegou a ficar com medo de ser taxada de assanhada pela diretora e considerada má influência pras outras professoras.
O Estevão, moço da cidade grande, galanteador, quase um Casanova, assim que conheceu Dorinha através de uma amiga de sua mãe, foi pra cima apresentando armas. Aquela mocinha pura, virginal, com seus cabelos loiros escorridos e olhos verdes lindíssimos tinha que ser sua, era só no que pensava o Estevão assim que conhecera aquela menina tão pura.
Não foi fácil, porém. Dorinha era dura na queda e parecia imune ao charme de Estevão e seus peitorais avantajados. Tanto que o reconhecido conquistador levara mais de um mês para finalmente conseguir trocar mais de duas palavras com ela. Outro mês inteiro até conseguir, de fato, conversar.
Ele nem lebrava quanto tempo passara tentando convencê-la a sair com ele, e quando conseguiu, o máximo que pôde fazer foi levá-la até a venda do seu Chalita pra tomar uma Tubaína. E assim, mesmo, ela terminou o refrigerante, agradeceu e foi embora sem dar muito mais abertura.
A tenacidade de Estevão, então, só o impelia a seguir. Aquela doiçura virginal que emanava de Dorinha obrigava Estevão a continuar, a não desistir. Ele que comumente tinha várias namoradas ao mesmo tempo foi abandonando todas as meninas exceto Dorinha, pois ela demandava atenção "full time", e, além disso, a recompensa certamente faria a coisa toda valer a pena.
Seus amigos estranharam a mudança, o Estevão, o homem que praticamente mantinha um harém, envolvido em uma relação com apenas uma moça, e sem sexo???
Não podiam acreditar, até chacota dele fizeram, mas ele não ligou. Estava focado em seu intento.
Com muito esforço ganhou a confiança de Dorinha. Muito cinema, muita conversa, muito parque de diversões e piquenique. Muita interpretação, mostrando-se um jovem gentil e atencioso, muito esforço pra conseguir segurar seus instintos que o mandavam apalpar Dorinha à cada oportunidade que se descortinava.
Mas finalmente aconteceu. Após longo e tenebroso inverno de carícias para Estevão. Ele convenceu Dorinha a sair com ele pra um programa que envolvesse convívio sequencial por mais de duas horas. Jantar, cinema, e, rá, rá, rá: Motel!
Tinha tudo planejado, levaria Dorinha ao cinema, depois jantariam, depois iriam a um barzinho onde ele encharcaria a moçoila com álcool na medida certa. O suficiente para deixá-la alegrinha, para baixar-lhe as defesas de menina pura, mas não tanto a ponto de ela cair de bêbada. E então, o ataque do predador. Não tinha como dar errado.
Na noite do encontro fatídico, Estevão se perfumou , penteou os cabelos, comprou camisinhas suficientes para garantir a faculdade dos filhos dos seringueiros do Acre.
Agora, ali estavam, os dois no motel. Não era lá um grande motel, era bem meia-boca na verdade, mas era o mais perto, e Estevão queria agir antes que Dorinha ficasse sonolenta.
Sentaram-se na cama, Dorinha olhando pra tudo com olhos curiosos, Estevão calculando cada movimento de suas mãos, de seu corpo, de seus olhos. Perguntou, maliciosamente, se Dorinha queria ver um filme.
-Não sei... Tem Procurando Nemo? - Ela respondeu parecendo aérea.
Estevão sorriu. Abriu o menu da televisão do quarto, não tinha Procurando Nemo, "Ainda bem.", pensou. Caminhou até a televisão apanhou o controle remoto, e ligou em uma fita erótica. Na tela closes extremamente próximos das partes íntimas de um casal extremamente animado.
Estevão sentou perto de Dorinha que olhava o celular, como um tigre se aproxima de uma gazelinha incauta. Cheirou seu pescoço e passou a mão sobre seu ombro, e a puxou pra perto de si.
-Não tinha o Procurando Nemo, pode ser esse?
Sorriu, mal podia esperar para vê-la fazer uma expressão escandalizada, e depois olhar pra baixo com vergonha, talvez ela o chamasse de libertino. Ah, sim. Libertino seria ótimo.
Dorinha ergueu os olhos brevemente, e então os fixou na tela, suspirou e disse com pouco caso:
-Rocco Siffredi é fraquinho, sou mais o Lexington Steele.
Choque para Estevão, que terminou de ver o filme enquanto Dorinha dormitava ao seu lado, e depois levou pra casa onde nunca mais foi vê-la. Não era por ela tê-lo feito perder todo aquele tempo. Não era por ela tê-lo feito mudar drasticamente seu estilo de vida, era por ela ser uma... Uma... Libertina.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Descolado


O Daniel se levantou da do sofá-cama encardido onde estava deitado. Vestia uma camiseta regata branca, e calças jeas. Estava descalço. Passou a mão na parte da frente da camiseta, e sentiu o puído do tecido fino. Fazia sentido ele pensou. Era o mesmo estado de suas calças rôtas. Andou até a mesa acanhada da sala semi-iliminada pela luz amarelada que vinha da rua. Serviu um gole de whisky J&B em um copo de requeijão encardido, e bebeu em um só gole. Rumou para a janela empoeirada do apartamento que mostravas as fábricas desativadas de uma zona pouco recomendável da cidade. Escorou o ante-braço nú na guarnição suja do vidro e ficou ali, olhando as pessoas atarefadas lá embaixo.
No rádio, uma música lhe chamou a atenção quando o ruído dos carros e ônibus abaixo cessou por tempo suficiente pra ele poder ouvir o som do aparelho. Seria Nei Lisboa entoando "Telhados de Paris" ou algo semelhante? Era difícil discernir entre tantos chiados. Daniel fez força com o ouvido para identificar a letra, já que a melodia era quase irreconhecível e ele não parecia disposto à mexer na antena ou no botão de dial do rádio.
Mas tem no outono uma luz
Que acaricia essa dureza cor de giz
Que mora ao lado e mais parece outro país
Que me estranha mas não sabe se é feliz
Sim. Era Telhados de Paris. Não tinha certeza se era o Lisboa, mas era a música. Andou até o sofá-cama, sentando-se. Agachou-se e puxou as botinas surradas de couro vagamente preto debaixo do sofá e as calçou. Levantou-se de novo, no rádio, entre intervalos do ruído do tráfego, ouvia:
O tempo se foi
Há tempos que eu já desisti
Dos planos daquele assalto
E de versos retos, corretos
O resto da paixão, reguei
Apanhou do encosto de uma cadeira uma jaqueta de couro que, de tão velha, já tinha rachaduras na superície do tecido, no bolso, um maço de cigarros, puxou um, acendeu com um isqueiro Bic azul-marinho. Tragou profundamente e vestiu a jaqueta com o cigarro suspenso nos lábios.
Vai servir pra nós
O doce da loucura é teu, é meu
Pra usar à sós
Eu tenho os olhos doidos, doidos, já vi
Meus olhos doidos, doidos, são doidos por ti
Apanhou a chave, o óculos Ray-Ban estilo aviador e a carteira do lado do cinzeiro lotado de pontas de cigarros, alguns manchados de batom. Abriu a porta e saiu.
Acordou na sua cama. Não fumava e nem bebia whisky barato em copo de requeijão. Não usava botinas, nem regata, nem jeans rasgados, nem jaqueta de couro rachado. Não era descolado como alguém com pinta de roqueiro que vive em uma parte desolada da cidade. Mas no rádio, esse bem sintonizado, Nei Lisboa cantava, e os olhos dele eram, também, loucos por ela.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Entre Amigos.



Eram quatro à mesa. Todos amigos de longa data. Se conheciam já havia bons dez, quinze anos. Iam toda a sexta-feira ao bar juntos, iam acampar juntos, iam ao estádio juntos, jogavam futebol juntos, iam ao cinema juntos. Eram amigos de verdade, amigos do peito. Já haviam sobrevivido a casamentos, trocas de emprego e mudanças de endereço e filosofia de vida e faixa etária. Suas amizades haviam estremecido algumas vezes, mas sempre prevalecera. Já estavam naquela fase da vida em que não tinham mais segredos, até por que se conhecendo há tanto tempo, era difícil guardar alguma coisa dos demais. Foi o Antero, o mais velho, que depois de tomar um barulhento gole de chope falou:
-Se eu gostasse de pagode, minha banda preferida seria o Molejão.
Surpresa de todos.
Gargalhadas.
Nenhum deles gostava de pagode.
Nenhum deles ouvia pagode.
Pelo amor de Deus, eles se juntavam no carnaval pra subir a serra, ou pra viajar pra Argentina, onde não tinha essas coisas, e o Antero vinha com essa de pagode?
-Quié, isso, Antero? - Perguntou, surpreso, o Luís limpando uma lágrima do canto do olho. - Tu gosta de pagode?
-Não. - Corrigiu o Antero, sisudo. - Eu não disse que gostava. Disse que, se gostasse, no condicional, mantendo essa declaração no campo das suposições, eu seria fã do Molejão.
-Mas... Mas qual é o Molejão? - Quis saber o Dirceu, ainda rindo.
-É aquele... Aquele que o vocalista parece que tá sempre chorando... - Começou o Sérgio.
-O Netinho de Paula? - Arriscou o Luís.
Nova explosão de gargalhadas. Todos se viraram pra ele.
-Quem? - Perguntou o Antero, surpreso.
-Hã... Não sei... Tava chutando...
-Mentira! - Acusou o Sérgio. - Tu tava convicto demais. Tu sabia de quem tava falando!
-E reagiu especificamente ao lance do sujeito parecer um chorão. - Assomou Dirceu.
-É... Conte-nos mais sobre esse Netinho de Paula... - Encorajou Antero, sardônico.
-Nah... Esse cara namorava a Thaís Araújo... É por isso que eu sei quem ele é. Vi umas fotos numa revista de uma ex-namorada, uma vez... - Justificou-se o Luís, nervoso.
-E ele tem cara de choro? - Perguntou o Antero.
-Não, ele tem voz de choro. - Respondeu Luís, sem pensar.
-Arrá!!!! - Gritou o Dirceu, rindo novamente. - Tu sabe que ele tem voz de choro! Então tu, não apenas viu fotos, mas também o ouviu cantar!
-Não... Uma vez só, no Faustão, tava sem TV a cabo, esperando um jogo começar e vi ele cantando, e...
-Não me conta que eu não sou dinheiro, Luís! - Bradou Dirceu, acusador. - Tu ouvia pagode, admite!
-Não, não...
-Admite! - Insistiu Dirceu.
-Tá bem! Tá bem! - Admitiu Luís, de olhos fechados. - Eu ouvia o Negritude Júnior.
-Que quié isso? - Perguntou o Sérgio rindo demais.
-Era a banda em que o Netinho de Paula era vocalista. Eu gostava às ganhas da música da COHAB, nos anos noventa...
-Tinha uma música pra Cohab nos anos noventa? - Inquiriu Antero, surpreso.
-Tinha - Assentiu Luís. - Não era bem pra Cohab, mas se passava na Cohab. "Tô chegando na Cohab, pra curtir minha galera, dar um abraço nos amigos e um beijinho em minha cinderela..." - Cantarolou Luís, enquanto os outros faziam caretas de dor.
-Que horror.
-Eca.
-Creeeedo...
-É... Eu gostava dessa, só. Mas era difícil, meu. Naquela época só tocava isso no rádio. Ou era pagode ou era a Família Lima. Porra, Família Lima é pra foder o cu do palhaço. - Justificou-se o Luís.
-É, e Negritude Júlio é tri bom... - Provocou Dirceu.
-Negritude Júnior, burro! - Corrigiu o Luís.
Ficaram em silêncio enquanto o garçom colocava outra rodada na mesa. Antero agradeceu e todos beberam um gole longo de seus copos. Suspiraram.
Dirceu tamborilou os dedos na mesa. Antero pigarreou. Luís olhou pra cima e soprou um cabelo do ombro. Até que Sérgio quebrou o silêncio:
-Só Pra Contrariar.
Os outros olharam pra ele, que suspirou e continuou:
-Eu gostava. Aquela do mineirinho que comia quietinho e não sei o que lá... Eu curtia. Na verdade, nem curtia, mesmo, mas era uma lance com a minha namorada na época, a gente achava engraçado, então, eu ouvia aquela direto. Sabia a letra e tudo.
Os outros ficaram em silêncio, sem saber como reagir. Sérgio respirou fundo:
-Mas eu não parei por aí, não. Depois, alguns anos mais tarde, eu gostei de outra. Uma lá que o cara cantava que parecia que não parava pra respirar. Não lembro da letra... Mas o cara ia cantando, cantando, cantando, sem tomar fôlego. Achava legal. Sabia cantar e tudo.
-...
-...
-Que merda. - Disse o Antero.
-É. - Concordou o Sérgio. - Eu sei.
Todos riram de novo.
Os três se viraram pro Dirceu.
-E tu? - Perguntou, desafiador, o Luís.
-Eu, nada. - Respondeu o Dirceu, evasivo.
-Nada? - Quis saber o Sérgio.
-Nadinha. Nadica. Nadica de nada. - Respondeu Dirceu, ainda olhando pra cima.
-Desembucha. - Disse Antero, autoritário.
-É, vamo. - Aquiesceu Luís.
-Não seja frouxo. - Encoraju Sérgio.
-Não. Não tinha nenhuma de que eu gostasse. Não era fã. Ah, Jorge Aragão. Tinha uma do Jorge Aragão que era boa, uma lá do anel que ficava na baia dele e-
-Ah, cala a boca. - Interrompeu o Antero.
-É, Jorge Aragão passa. É que nem Martinho da Vila. - Concordou Luís.
-E Zeca Pagodinho. - Acrescentou Sérgio.
-Não força. - Disseram Luís e Antero olhando pro Luís fingindo preocupação enquanto riam de novo.
Terminaram seus chopes, e foram embora. O táxi foi deixando cada um deles pelo caminho. Quando chegaram à casa do Dirceu, só ele e Luís estavam no carro. Dirceu abriu a porta se despedindo, mas foi contido por Luís:
-Só entre nós... Nenhuma, mesmo?
-Nenhuma o quê? - Perguntou Dirceu, quase batendo com a cabeça no teto do táxi.
-Nenhuma música ruim?
-Nenhuma, tô te falando.
-Sério?
-Sim.
-Pô... Que sem graça...
-Sem graça? Nunca ter gostado de música ruim é sem graça?
-Não, é só... Sabe, a graça da nossa conversa toda, foi justamente o fato de que todo mundo já tinha feito uma bobagem, que à época, não era uma bobagem, era divertido, foi alguma coisa que, por alguma razão a gente achou bacana, por pior que fosse. E mesmo hoje, depois de tanto tempo, o que podia ser motivo de embaraço ainda é bacana por que serve pra gente rir com os nossos amigos.
-Tu tá bêbado, Luís.
-Tô... Tô, mesmo.
-Vai na calma, a gente se fala amanhã.
-Beleza.
Se cumprimentaram. Luís fechou a porta do táxi e deu as coordenadas finais pro motorista. Quando o carro ia arrancara, Dirceu abriu a porta, olhou bem pro Luís e cantarolou:
-Meu peru... É caseiro... Não pula no quintal de ninguém... Só fica no espaço que tem...para-rará!
Luís o olhou incrédulo por alguns segundos, e então explodiu em gargalhadas:
-Caraaaaalho, velho! É a pior de todas!!!!
-Eu sei, eu sei, Mas a minha guria ouvia tudo na época, e eu acabava ouvindo junto. Essa ficou. Sabia cantar inteira.
O táxi foi embora, levando Luís, ainda rindo muito, e prometendo que Antero e Sérgio ficariam sabendo daquilo.
Dirceu implorou que ele não contasse, mas Luís disse que contaria de um jeito ou de outro. Dirceu não se importou. Sua súplica fora da boca pra fora. Descobrira que, de vez em quando, é até divertido ser motivo de chacota.