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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Bolo de Laranja


Gervásio abriu a porta do escritório e sentiu um cheiro fresco e adocicado. Levou uma fração de segundo, enquanto acendia a luz, para achar um símile para aquele cheiro:
Bolo de laranja.
Não era cheiro de bolo de laranja, de fato, mas era o cheiro mais próximo que Gervásio encontrou para contar à ela, mais tarde, que cheiro sentira ao abrir a porta do escritório naquela manhã. Gervásio fazia sempre essas duas coisas: Ele digeria rapidamente as coisas, no momento em que aconteciam, como forma de narrá-las depois. E sempre fazia isso procurando formas de contá-las, mais tarde, à ela. Ela estava sempre em seus pensamentos. Nas hoas boas e ruins. Quando aquele cheiro fresco e adocicado lhe encheu as narinas, ele, de imediato, pensou em si próprio falando com ela, sorrindo, dizendo-lhe "Coisa mais estranha do mundo, guria! Um cheiro adocicado de bolo de laranja, sabe? Dentro do escritório!". Pensou no que ela diria, talvez lhe perguntasse se ele comera bolo de laranja na semana passada, ao que ele responderia, fazendo cara de pouco caso que claro que não, senão o tal cheiro não seria estranho, seria apenas indício de um pouco de relaxamento. Ou, quem sabe ela virasse a cabeça pro lado, e arqueasse as sombrancelhas dizendo "Parece coisa de macumba!", sabendo que ele não acreditava em nenhuma espécie de maldição ou benção, apenas para provocá-lo a dizer que nada daquilo existia, e ela começaria uma discussão que culminaria com ele, muito maior, agarrando-a com firmeza pelas costas e parte de trás das coxas bem torneadas e a deitando no sofá enquanto a beijava em todo o rosto e pescoço de maneira sucessiva e inclemente, até ela começar a rir e perder o ar, e dizer que desistia.
Ele sorriu enquanto antevia toda a cena. Ele sorriu enquanto a imaginara dizendo as falas que imaginara pra ela com seu jeito de falar e sua voz. Sorriu enquanto imaginava seu nariz se perdendo no cabelo cheiroso dela. Enquanto imaginava os lábios dela e os seus se encontrando. Sorriu enquanto imaginava o quão piegas estava sendo, e como era interessante a sensação de não ter vergonha.
Sorriu enquanto pensava que, alguns meses antes, quiçá um ano, tudo aquilo, toda aquela calidez, ter toda aquela expectativa de melhora e de felicidade parecia, se não impossível, tão distante. Tão inacessível, tão... Tão o oposto de tudo o que ele estava acostumado a sentir, a experimentar, e a esperar receber.
E agora, ali estava ele, enquanto largava sua mochila do lado da escrivaninha, pensando em como contar à ela, com as palavras corretas, com um símile que fizesse justiça ao que sentira, uma coisa que lhe aconteceu ao chegar ao trabalho.
Pensou em não esperar até que a visse. Pensou em não esperar que ela cruzasse a distância. Apanhou o telefone e chegou a começar a escrever a mensagem onde contaria o estranho caso do cheiro de bolo de laranja no escritório. Pensou em contar, também, que a primeira coisa em que pensara naquela manhã, fora nela, quando deu de cara com um gibi que tinham em comum, Apenas uma das coisas que tinham em comum... E como, casualmente, não fora ela a última coisa na qual ele pensara na noite anterior, mas sim em um sushi de salmão que ele, que nem gosta de sushi, havia experimentado e gostado. Peças que a mente nos prega, decerto.
Mas deteve-se. Deteve-se como fazia quase sempre. Deteve-se por tantos motivos que nem sequer sabia por onde começar a listá-los. Insegurança, certamente. Ele era inseguro. Muito. Tão desgraçadamente inseguro que chegava a ser engraçado. Insegurança, incerteza, medo... Tantas coisas que ele havia decidido que deixaria de lado... Tanta coisa que Gervásio supôs poder deixar pra trás tomando apenas meia dúzia de cuidados. Gervásio, não sabia onde ela estava. Não sabia o que ela estava fazendo. Como ela se sentia. Não sabia se ela estava feliz ou triste. Não sabia se ela estava se divertindo ou cumprindo alguma obrigação chata. Não sabia se ela ainda pensava nele, ou se eliminara-o de si como se faz com uma gripe renitente. E se ela já houvesse deixado-o de lado? E se ela já estivesse fazendo o que era, afinal de contas, natural que fizesse? Vivendo sua vida, tratando de suas coisas, sendo quem devia ser, gostando do que devia gostar, e divertindo-se como precisava divertir-se, jovem e cheia de vida que era?
Que direitro tinha ele, quase um troglodita, de reclamar que ela não era capaz de ler os sinais com os quais ele acenava, quando tais sinais eram quase nulos e ininteligíveis? Ele era o culpado. Não ela.
O que restaria a fazer, pensou Gervásio, enquanto guardava o telefone no bolso interno do casaco. Como alguém, que como ele, não acreditava em amor eterno, poderia colocar as coisas nas mãos do acaso, e esperar que tudo fosse seguir seu caminho até dar certo?
Ele não sabia. Sacou o telefone de dentro do casaco de novo, e olhou a foto dela que tinha ali. Lembrou-se, então, que até bem pouco tempo atrás, nem sequer acreditava muito em amor. Quem sabe, talvez, ela o ensinasse, também, a crêr em amor eterno?
Era difícil, mas eles já haviam feito tantas coisas difíceis juntos...

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