Pensei em ti. Tempo verbal errado, desculpe. Penso em ti... Sempre penso em ti. É difícil pra mim não fazê-lo. A despeito do rumo que as coisas tomaram, por minha inteira responsabilidade, as lembranças que eu tenho de ti são todas muito agradáveis. São as minhas melhores lembranças, na verdade, pelo menos no tocante à idade adulta.
São momentos de euforia que eu não me lembro de ter experimentado antes. São alegrias genuínas que eu encontrei em coisas tão simples quanto retratos, livros, músicas, filmes e até em piadas ruins.
O engraçado foi que, mesmo com o modo como tudo seguiu adiante, eu jamais fiquei tão agoniado. Não sei se reflexo do meu pessimismo exacerbado, ou apenas uma calma profunda resultante de uma crença infundada de que, o que é pra ser, vai ser.
Talvez, bem lá no fundo, eu acreditasse que tu e eu enquanto "nós", fosse dessas coisas destinadas a acontecer, como o derretimento das calotas polares ou a extinção da raça humana.
Mas enfim, as coisas seguiram seu rumo, e aquela nova chance, talvez imerecida, vá lá... Não virá.
E eu vou seguir fazendo o que eu sempre fiz. Talvez de maneira mais mecânica... Talvez um pouco mais endurecido pela dor... Talvez não.
Uma vez, quando era jovem, sem nenhum coração partido, apenas amargura juvenil, escrevi uma coisa numa das páginas finais de um caderno. Dizia assim:
"A mim resta me conformar com o fato de que tempo e distância não arrefecem as mazelas do coração, e rogar para que nossa felicidade não dependa um do outro.", é, eu era um adolescente amargurado e piegas.
Continuava assim:
"Mas as pessoas permanecem conosco enquanto são lembradas, e eu jamais vou te esquecer.".
Eu sei. Não é la um grande verso. Mas dia desses, remexendo nas minhas coisas do segundo grau, eu encontrei esse caderno, e não pude deixar de pensar na ironia das coisas. Em como esse texto tão pobre e tão cheio de uma infundada depressão aborrescente falava tanto à minha situação, hoje.
Eu sei, entretanto, o que fiz. Se teve uma coisa nessa vida que eu aprendi, um pouco por vontade, muito por obrigação, foi a assumir a responsabilidade pelos meus atos.
Mas eu não sei se consigo, ou se quero, dizer o adeus definitivo que tu já conseguiu me dar.
Por mais espessas que sejam minhas camadas de pessimismo. Por maior que seja a carapaça das minhas defesas emocionais.
Se eu tenho alguma gota de fé, ou fagulha de esperança, elas são tuas.
E eu vou mantê-las conectadas contigo.
Quem sabe tu e eu nos perfilamos à extinção da raça humana, ao aquecimento global e tudo mais, e nos tornamos "nós" como eu sonhei uma vez?
Bem vindos a casa do Capita. O pequeno lar virtual de um nerd à moda antiga onde se fala de cinema, de quadrinhos, literatura, videogames, RPG (E não me refiro a reeducação postural geral.) e até de coisas que não importam nem um pouco. Aproveite o passeio.
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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
Resenha Cinema: A Invenção de Hugo Cabret
Martin Scorsese é desses diretores que até mesmo os filmes menores estão muito acima da média.
Ele conhece tanto cinema, e ama tanto o seu ofício, que não erra seja fazendo o que for. Seu amor pelo cinema e sua História já era público graças a coisas como a Film Foundation que preside, uma organização sem fins lucrativos que luta pela preservação de filmes mudos.
Essa paixão finalmente chegou às telonas nessa primeira incursão do diretor pelas filmagens em 3-D.
A Invenção de Hugo Cabret nos apresenta o jovem Hugo (Asa Butterfield, excelente), um órfão de 12 anos de idade que vive escondido na Gare du Nord, a estação central de trens de Paris na década de 30. Lá, protegido pelo anonimato oferecido por seu trabalho nos relógios que o guri garante que nunca atrasem, ele guarda uma única herança de seu pai (Jude Law): Um autômato encontrado no museu onde ele trabalhava, e a qual ambos se dedicavam a consertar.
O pai de Hugo, porém, morre antes que eles possam concluir o conserto, e ao menino, levado pelo tio beberrão (Ray Winstone) ao trabalho nos relógios da estação, e então abandonado, resta apenas se virar para tentar consertar o andróide da maneira que for possível.
É justamente tentando obter peças para o conserto do autômato que Hugo vê seu caminho se cruzar com o de Géorges (Ben Kingsley, soberbo), dono de uma pequena loja de brinquedos na estação, e sua afilhada Isabelle (Chloë Grace Moretz, ótima). E esse encontro pode levar Hugo a muito mais do que apenas o conserto de sua única herança.
O filme é lindo em todos os aspectos. A direção de arte (merecidamente indicada ao Oscar) é espetacular, e torna a Gale du Nord um lugar idílico e belo, uma linda fatia da Paris do cinema, onde podemos ver os pequenos dramas, alegrias e romances do dia a dia como no flerte do temível Inspetor da Estação (Sacha Baron-Cohen) com a vendedora de flores (Emily Mortimer), ou o intercâmbio de conhecimento promovido pelo livreiro (Christopher Lee), os efeitos visuais são ótimos, e a trilha de Howard Shore (Também indicada para o prêmio da academia) é igualmente sensacional. Há ainda o 3-D, usado com parcimônia e elegância pelo diretor, sempre servindo como complemento, aumentando profundidades e destacando sombras em nome da luz, e, claro, o elenco sensacional, trabalhando com precisão de relógio (desculpe o trocadilho).
Em A Invenção de Hugo Cabret, o arsenal de conhecimento técnico e narrativo de Scorsese presta serviço à uma história com pinta de fábula, e uma declaração de amor pelo cinema em sua aurora nos filmes de Géorges Méliès.
Tudo em Hugo remete ao cinema, do ruído das engrenagens dos relógios da estação, e a maneira como a luz entra entrecortada através dos mecanismos à escapulida de Hugo e Isabelle para assistir um filme de Harold Lloyd além da óbvia e merecida homenagem à obra de Méliès.
Enfim, Hugo Cabret despontou como meu favorito nessa ótima safra de filmes de começo de 2012, e já é o filme para o qual vou torcer no Oscar. Ah, não sei se há edições do filme em 2-D tradicional, mas se houver, prefira a 3-D, além da beleza do efeito nas mãos de Scorsese, serve pra esconder suas lágrimas de um bando de estranhos no cinema.
"Eu imaginei que o Mundo inteiro é uma grande máquina. Máquinas nunca vêm com partes extras, sabe. Elas sempre vêm com a quantidade exata de quê precisam. Então, eu percebi que, se o mundo é uma grande máquina, eu não podia ser peça extra. Eu tinha que estar aqui por alghuma razão. E você, também."
sábado, 18 de fevereiro de 2012
Resenha Cinema: Motoqueiro Fantasma - Espírito de Vingança
Em 2007 um dos personagens com o visual mais rock and roll dos quadrinhos ganhou sua versão em celulóide. O personagem em questão era o Motoqueiro Fantasma, um anti-herói do segundo escalão da Marvel.
Johnny Blaze, um motociclista destemido ao estilo Evil Knievel, que, com o pai às portas da morte fazia um pacto com o coisa-ruim e era amaldiçoado à perseguir os perversos e lotar o inferno com suas almas ímpias.
O filme foi dirigido por Mark Steven Johnson, que tinha feito um trabalho bem decente na versão cinematográfica do Demolidor, o elenco tinha Peter Fonda, Donal Logue, Wes Bentley, Sam Elliot, a gostosuda Eva Mendes e Nicolas Cage na pele incandescente do espírito da vingança.
Cheio de boas intenções (como o inferno), o filme, porém, não vingou. A trama morna, cheia de momentos light, uma história de amor mequetrefe entre Cage e Mendes (Que mostraram em Vício Frenético que o problema não era falta de química), e sequências de ação meia boca não convenceu e nem agradou. E, apesar de o filme deixar bem claro com todas as letras, que queria ser o primeiro capítulo de uma saga, quando o letreiro subia, a gente não estava ansioso por uma sequência.
Mas ela veio. Um roteiro escrito a partir de uma ideia do especialista David S. Goyer (Batman Begins, O Cavaleiro das Trevas, trilogia Blade) caiu no colo dos diretores Mark Neveldine e Brian Taylor, responsáveis, para o bem ou para o mal, por Adrenalina 2 : Alta Voltagem, a insana sequência de Adrenalina, com Jason Statham e Gamer, outro exemplar do cinema histérico da dupla.
Nicolas Cage voltaria ao papel principal (sem peruca, dessa vez), e enfrentaria o próprio capeta.
Vou confessar que, por mais que eu ache o Nicolas Cage um ator talentoso, que por mais que eu admire o fato de ele não se levar a sério demais, por mais que eu ache maneiro o fato de suas indicações a prêmios diversos não torná-lo um ator acomodado, eu precisava de mais do que a promessa de um filme divertido com o mestre Cage pra me tirar de casa nesse dia escaldante de verão.
Para sorte do Motoqueiro, minha camiseta nova do Inter só ficou pronta hoje, de modo que eu fui obrigado a ir ao shopping, e, uma vez lá, não pude deixar de pensar no quanto seria bom passar umas duas horas sorvendo um copo generoso de suco de laranja no ar condicionado extra potente do cinema. Aí, uma coisa levou à outra e voilá.
No filme nós encontramos Johnny Blaze (Cage, muito mais à vontade do que no filme anterior) no leste europeu procurando por uma forma de acabar com sua maldição.
Ele acaba sendo recrutado por Moreau (Idris Elba), um pastor bêbado ligado à uma ordem antiga que pede que ele encontre um menino em troca do fim de sua maldição.
O moleque Danny (Fergus Riordan), é fruto de um pacto entre sua mãe, Nadya (Violante Placido) e Roarke, o diabo em pessoa (vivido por Ciarán Hinds).
O motoqueiro entra, então, em rota de colisão com os criminosos contratados por Roarke para levar o Danny em tempo hábil ao local onde seu corpo poderá receber a essência satânica para transformá-lo no anticristo.
Neveldine e Taylor executam um trabalho bem superior ao de Mark Steven Johnson. O estilo caótico dos diretores funciona bem com o Motoqueiro, e torna essa sequência uma experiência bem mais divertida do que o antecessor. Nas mãos dos dois, a ação ganha um pouco mais de impacto, agrega algum elemento de filme de terror à experiência, mas a maior contribuição dos dois é, mesmo, fazer um longa que consegue rir de si mesmo sem se transformar em pastiche.
Não me entenda mal, Motoqueiro Fantasma - Espírito de Vingança não é uma grande obra cinematográfica. Não, é um filme de ação honesto e divertido, e não há porque almejar mais do que isso.
O Motoqueiro consegue ser ameaçador, graças tanto aos efeitos visuais que também superam os do filme anterior, quanto à expressão corporal que Nick Cage empresta ao personagem, que, em várias ocasiões, lembra uma versão V-12 do Pica-Pau em suas encarnações mais cruéis. O longa ainda dá espaço para os obrigatórios e sensacionais achaques do protagonista, gritando, rindo, fazendo caretas, enfim, perdendo as estribeiras como só o mestre Cage sabe fazer. A história segura as pontas, e há até alguns momentos de tensão respeitáveis.
A segunda incursão do Motoqueiro pode não ser, nem de longe, um filme perfeito, mas ao menos nos faz pensar no que poderia melhorar em uma sequência.
"-E como é se você precisar mijar e estiver transformado?
-É demais! É como um lança-chamas."
Rapidinhas do Capita
Recadinho do Orkut pra mim, hoje:
É melhor ter amado e perdido do que nunca ter amado.
Eh... Vai se ferrar, vai, Orkut?
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Todo ano a mesma coisa, eu vejo as imagens do carnaval de Porto Alegre e sempre termino mudando de canal e pensando que carnaval não é coisa de gaúcho. E falo isso sem preconceito, as pessoas têm todo o direito de gostar de carnaval, têm todo o direito de esperar por ele, e de se divertir a valer quando chega, mas falando sério, podiam pensar em um modo de fazer carnaval que não fizesse as alas com meia dúzia de componentes, os carros alegóricos de papelão e cola Tenaz e as fantasias com cara de trabalho escolar do ensino fundamental dessem as caras na TV.
Vergonha alheia do despreparo de quem organiza a festa.
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Encontrei um cachorro amarrado com um arame em um poste, bem no olho do sol desse verão abrasador que faz em Porto Alegre.
Foi hoje à tarde, próximo ao memorial Iberê Camargo. O cachorro, não sei se um filhote ou um cachorro pequeno, estava de pé, tentando roer o arame pra se libertar, uma vez que obviamente estava cozinhando sob o olho funesto do astro rei.
Eu libertei ele, claro. Estávamos bem perto do rio (que na versade se chama "lago" e é, de fato, um estuário), e ele correu pra matar a sede.
Gostaria de dizer que me impressionei com a maldade vil e despropositada de quem fez aquilo com o cusco.
Mas a verdade é que, em matéria de torpeza, nada que venha de um ser humano me surpreende.
Nada.
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
"What If?"
Nos quadrinhos da Marvel que eu leio desde antes de saber ler, existe uma série extremamente charmosa e dvertida chamada "What If?", que, em terras brasileiras ganhou o título de "O que aconteceria se...?". É um título que dá bem a ideia de que se tratam as revistas da série, reimaginações de histórias clássicas (ou nem tanto...) mostrando como os eventos da trama em questão poderiam ter se desenrolado se aalguma decisão diferente tivesse sido tomada.
As histórias apresentadas pelo Vigia, o alienígena Uatu, encarregado de observar sem jamais intervir, sempre eram introduzidas com uma recapitulação do que havia acontecido na história original, em seguida Uatu dizia algo como "Entretanto, em outra linha temporal...), e nos mostrava como a história podia ter sido diferente se o protagonista tivesse tomado aquela decisão crucial de maneira diferente.
Me lembro de adorar essas histórias quando era moleque. Especialmente se as coisas houvessem transcorido de maneira terrível para o protagonista, como em "O Que Aconteceria Se O Capitão Marvel Não tivesse Morrido? (Sempre fiquei apavorado com o fato de o Marvel ter morrido de câncer, e não enfrentando o Super Skrull ou algo do tipo...)".
Em dias como hoje, em que o calor de mais de quarenta graus te faz ficar inquieto não importa o que tu esteja fazendo, quando até levar o cachorro pra pasear à noite te faz sentir como Nathan Drake no deserto, em que jogar RPG com os amigos é um sacrifício mais do que um prazer, em que tudo parece fora de lugar, errado, triste... Em dias como esse eu gostaria de poder ir até o Uatu e trocar de lugar com uma versão paralela de outra dimensão.
Uatu diria algo como "Na linha narrativa que nós conecemos ele se acovardou, e tomado por medos profundos e sensações de inadequação patológicas ele sumiu. E se ocultou nas sombras envergonhado de si mesmo e de suas dúvidas.".
Aí ele iria se virar, apontar para uma tela, e então diria:
"Mas na linha narrativa que veremos a seguir, ele teve uma súbita epifania, e, percebendo tudo o que estava em jogo, apanhou o telefone, e correu para encontrá-la antes que ela partisse.", e aí, ele veria uma versão sua que estaria feliz, mesmo com os quarenta graus à sombra. Mesmo tendo que sair com o cachorro no calor absurdo da Porto Alegre. Mesmo sem encontrar posição pra dormir.
Uma versão sua que saberia o que é felicidade, pois saberia o que é estar completa.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Aprendizado
Havia muitas coisas que ele sabia. Muitas mesmo. Não tudo, claro, pois infelizmente ninguém sabe de tudo. Aprender, afinal de contas, era uma das poucas coisas da vida que ele fazia com sincero prazer. Tudo, de meteorologia à dogmas religiosos dos quais riria mais tarde, incréu que era, era absorvido com satisfação genuína.
Ele sabia coisas interessantes como porque o céu fica vermelho ao entardecer. Sabia coisas úteis como a posição onde o sol nasce e onde se põe. Sabia coisas que podiam não interessar a tantas pessoas, como por exemplo que o recentemente falecido mestre Anderson usava o traje de Darth Vader na sequência do duelo com Luke em O Retorno de Jedi, e coisas tão inúteis quanto o fato de que Christopher Reeve usava enchimento na sua sunga nos filmes do Superman por que os produtores achavam que o herói devia ser muito bem dotado.
Ele sabia que caramelo era açúcar queimado. Que tutti-fruti era uma combinação dos aromas de várias frutas, que a baunilha era gerada de uma orquídea e que frangos eram galos jovens.
O que ele não sabia, e nem queria aprender, era a não pensar nela o tempo todo.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Tocar
Estava olhando pra ela lá do outro lado da pista de dança desde que chegara à danceteria. Escorou-se em uma pilastra de sustentação munido do seu suco de uva e ficou olhando em volta. Não queria parecer um tarado, mas a verdade é que era difícil não olhar pra ela.
Era linda. O cabelo preto bem comprido, as sobrancelhas bem desenhadas, as pernas de parar o trânsito... Era linda. Ele a observou por umas três, quatro horas. Viu ela distribuir foras em meia dúzia de playboyzinhos criados a leite com pera. Se em um primeiro momento aquilo o assustou, afinal, ela estava despachando sem dó aqueles meninos alinhas com franja, camisetas justas e calças de grife, o que iria querer com ele. Um sujeito feio e nem remotamente interessante?
Mas lembrou-se que a sorte só sorri a quem tenta. E achou que, pior do que estava não ficaria. Bebeu de um gole só o seu suco, e, respirando fundo, foi ao encontro da moça.
Parou ao lado dela, meio sem jeito, e, com uma das mãos no bolso, acenou com a outra:
-Oi.
-Oi, tudo bem? - Ela respondeu, educada.
-Tudo. - Ele assentiu com um aceno de cabeça.
O silêncio reinou, exceto, claro, pela música de bate-estaca que tocava em alto volume no ambiente.
-Hã... Meu nome é Leonel. - Ele disse estendendo a mão e pensando no quanto devia parecer um deficiente mental naquele momento.
-Ruth. - Ela respondeu, apertando-lhe a mão.
Novo silêncio.
Ele colocou as duas mãos no bolso. Olhou em volta de novo.
-E essa música, hein?
-Medonha. - Ela respondeu.
Os olhos dele brilharam, resolveu arriscar:
-Melhor se fosse...?
Ele ergueu os olhos e fazendo um biquinho com os lábios apertados. "Não seja sertanejo. Não seja sertanejo. Não seja sertanejo." Ele implorou em pensamento, mas ela abriu a boca e disse:
-Ah, eu gosto de samba, gosto de rock... Mas não sei... Dependendo, talvez... Acho que Beatles seria supimpa.
- Ok -ele disse.- A gente elimina o DJ, eu assumo a cabine de som e te ajudo a subir no palco. Tu canta, sei lá... All My Loving, enquanto eu te acompanho.
-Me acompanha fazendo o quê? Levando ovada?
-Não... Primeiro porque eu acho que ninguém traz ovos pra danceterias, e segundo porque, por pior que tu seja de canto, eu toco um pouco. Na pior das hipóteses eu abafava a tua voz com o som do instrumento.
-O que tu toca? - Ela perguntou.
-Banjo. E tu? Toca algo?
Ela riu olhando pro lado, e então, erguendo os olhos respondeu com um meio sorriso:
-Kazooie.
Era oficial, ele pensou. Estava irremediavelmente apaixonado.
Resenha Cinema: O Espião que Sabia Demais
Há sempre um impacto presente nos filmes de espionagem baseados nos livros de John Le Carré. Em especial se o cinéfilo que senta na cadeira do cineplex é acostumado a pensar em espionagem no cinema em termos de Missão: Impossível, A Identidade Bourne, e James Bond 007.
Filmes como A Casa da Rússia, O Jardineiro Fiel e esse O Espião Que Sabia Demais têm, pra dizer o mínimo, um ritmo mais lento... Bem mais lento.
A lentidão, contudo, não é defeito nesse bom longa de Tomas Alfredson.
Na trama corre o ano de 1973, a Guerra Fria come solta, e a Grã-Bretanha se vê em uma desconfortável posição no meio do conflito entre soviéticos e americanos.
É nesse cenário que acompanhamos George Smiley (Gary Oldman, excepcional, encabeçando com naturalidade um elencaço de cobras), um alto funcionário da divisão Circus da Inteligência Britânica. Após uma desastrada operação na Hungria, seu mentor Control (John Hurt, sempre ótimo.) é afastado do cargo, e leva Smiley junto rumo à aposentadoria.
Entretanto, surge a informação de que um dos funcionários remanescentes, Percy Alleline (Toby Jones), Toby Esterhase (David Dencik), Roy Blase (Ciarán Hinds) e Bill Haydon (Colin Firth) pode ser um agente duplo, servindo aos soviéticos, e George é chamado de volta de sua aposentadoria para descobrir quem é o infiltrado.
Não há respostas fáceis na trama de O Espião Que Sabia Demais, todas as revelações são discretas, minimalistas, forçando o espectador a se manter tão atento quanto Smiley e seus aliados durante a investigação. Conforme Smiley faz as suas descobertas seguindo as pistas deixadas por Control revelações vão sendo feitas, sempre sem pressa, de maneira tão metódica quanto são metódicos os movimentos do espião que nunca tira seus óculos.
Ao mesmo tempo vamos fazendo descobertas sobre cada um dos personagens, muitas delas subentendidas, deixadas casualmente na tela para que façamos a descoberta por nós mesmos.
A direção escandinava de Alfredson encontra lastro nas atuações excepcionais de todo o elenco, que conta ainda com Benedict Cumberbatch, Mark Strong e Tom Hardy, todos esbanjando competência.
As pouco mais de duas horas do filme não correm velozes pela tela, entretanto, aqueles que não se importam de assistir um filme onde nem todas as respostas são entregues de mão beijada, e onde cada pequena revelação não é seguida nem precedida por um tiroteio ou uma perseguição em alta velocidade certamente desfrutarão de um dos melhores filmes dessa (ótima) safra atual.
"Nós não somos tão diferentes, você e eu. Ambos passamos nossas vidas procurando as fraquezas um do outro."
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Rapidinhas do Capita
"E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?" já perguntava uma música da Legião Urbana lá nos anos oitenta.
Mas a realidade é que existe razão nas coisas feitas pelo coração. Se não existisse, a Lisiane e o Rafael teriam se conhecido casualmente em um canto qualquer da vida e teria ficado por essas.
A Lisiane seria só mais uma moça linda que o Rafael via e depois esquecia. O Rafael seria apenas mais um sujeito de aparência mediana e olhe lá que olhava a Lisiane com interesse.
Eles teriam seguido cada um o seu caminho e não teriam mais se falado.
Mas não. O fato de ela ter medos hilários, de gostar de fazer palavras cruzadas, de passar a madrugada em claro nos finais de semana e de usar produtos de beleza com nomes maneiríssimos criou, não apenas mais interesse por parte de Rafael, mas uma coisa importantíssima chamada afinidade.
Foi isso que colocou Lisiane e Rafael no caminho um do outro.
Afinidade. Empatia. Um carinho profundo, e, claro, muita atração física.
Ao menos de parte dele.
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E o Sérgio? O Sérgio acordou de manhã com a maior de todas as ressacas do mundo. Gosto de cabo de guarda-chuva na boca, dor de cabeça, meia soquete do grêmio, um sapato preto de bico fino em um dos pés e um All Star azul-marinho no outro, de cuecas tipo sunga azul-pavão e uma camiseta do Araketu do carnaval de 1997. Na cabeça tinha um boné laranja néon daqueles aplicados à uma peruca loira bem clara fazendo parecer que ele tinha cabelos loiros e longos. Ao olhar em volta, percebeu que estava em um motel, mas motel daqueles bem fuleiros, com cama de colchão de espuma sem forro e lençóis quase transparentes de tão gastos. Nervoso, saiu vasculhando o quarto acanhado à procura de pistas que revelassem como ele fora parar ali, com quem, e em que circunstâncias.
Lembrava-se vagamente de estar em um bar... Isso era óbvio. E de ter tomado todas. Isso também era óbvio. Lembrou-se, subitamente de uma loira. Sim, uma loira alta. Corpulenta. Coxas colossais. Era bonita...? Ele não sabia dizer com certeza. Quando ela apareceu ele lembrava de os seus amigos terem assobiado e feito uma algazarra.
Ele foi até ela ou ela foi até ele? Não lembrava disso, também. Mas chegara com ela até ali, isso era certeza. Chegara com a loira ao motel, e agora acordara sozinho. Isso era um mau sinal.
Encontrou suas calças. Carteira, dinheiro, cartões. Tudo parecia OK. Por que a loira fugira, então?
O pânico tomou conta de Sérgio. Ele lembrou da lenda urbana da loira voluptuosa que arrastava um incauto para um motel, passava com ele uma noite de luxúria ímpar, e, no dia seguinte sumia deixando atrás de si apenas um recado escrito com batom:
Eu tenho AIDS, e agora você, também.
Foi com as pernas mais moles do que gelatina que o Sérgio andou, pé ante pé até o banheiro do quarto modesto. E, estendendo a mão virou a maçaneta gasta e oxidada, e abriu a porta com um leve empurrão.
Estava lá, o recado. Escrito em batom rosa vivo, mas o conteúdo do recado era diferente do texto da lenda urbana. Mas igualmente perturbador.
Sérgio caiu prostrado de joelhos ao chão como Charlton Heston ao encontrar os restos da Estátua da Liberdade em O Planeta dos Macacos.
Quando a arrumadeira da manhã chegou ao quarto, eparou-se com Sérgio deitado no carpete manchado abraçado aos joelhos, e atrás dele, o espelho do banheiro onde lia-se em caligrafia bastante clara escrito em cor de rosa:
"Me nome é Adamastor, eu sou gay. E agora, você também é."
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Wando morreu. Uma lástima. O Wando talvez fosse o último exemplar genuíno do galã escamoso de quermesse. Aquele cara que é tão, mas tão, mas tão óbvio nas suas características de sedutor de rodoviária que as mulheres acabam admirando-o, seja pela lábia, seja pela franqueza de seu romantismo de almanaque.
Wando, hoje, é um pouco mais luz, raio, estrela e luar. Mas menos iaiá e ioiô.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Trailer de O Espetacular Homem-Aranha
Minha relação com os quadrinhos sempre foi especial. Como fedelho anti social e solitário que eu era, pra mim os quadrinhos eram uma forma de arte que se transformava em refúgio. Uma válvula de escapa aos inúmeros problemas pelos quais eu passava quando era piá.
Minha relação com os quadrinhos do Homem-Aranha, em particular, era vista até com curiosidade pelos adultos da minha família. Como eu podia gostar tanto do personagem. Vou confessar que, inicialmente, não sei porque gostava tanto do Aranha. Meus contatos mais antigos com o personagem foram através do desenho animado Homem-Aranha e Seus Incríveis Amigos. Se você não tem idade pra lembrar disso, era um desenho animado onde o Aranha atuava em conjunto com o Homem-de-Gelo, dos X-Men, e com a Flama, dos Novos Guerreiros. Eu tenho uma lembrança bastante vívida de chamarem a Flama de Estrela de Fogo no desenho, mas pode ser a minha memória me pregando uma peça.
De qualquer forma, esse desenho animado foi provavelmente o desenho menos fiel que o Aranha já teve. Ele, Flama e o Homem de Gelo viviam na casa da tia May, e tinha todo um aparato de rastreamento oculto no quarto... Não fazia nenhum sentido, logo, é estranho pensar que esse desenho tenha feito com que eu gostasse do personagem.
Certamente não foi, também, por conta da série estrelada por Nicholas Hammond, que eu me tornei fã do herói.
O programa que surgiu na esteira do sucesso de O Incrível Hulk, com Bill Bixby e Lou Ferrigno era tão ou mais equivocada do que a animação. O Aranha nunca falava, nenhum dos inimigos clássicos jamais apareceu, nem tampouco os coadjuvantes dos gibis. A série teve vida curta e não deixou saudades.
Não... Não foram nem as animações e nem o seriado que me tornaram fã do personagem. Foram, mesmo, os gibis. Lembro de, aos oito ou nove anos, saindo de um supermercado, pedir que minha mãe comprasse pra mim um gibi do Aranha. Era A Teia do Aranha, série genial da editora Abril que republicava histórias das décadas de setenta e sessenta. Na capa, o Doutor Octopus continha um Homem-Aranha indefeso com seus tentáculos.
Li aquele gibi, e viciei.
Viciei em um personagem com quem eu sempre pude me identificar. Peter Parker era um moleque de aparência mediana, tímido, introspectivo, que tinha uma tia super-protetora, e tinha que conciliar sua vida de vigilante, o trabalho e os estudos, e que arcava com mais responsabilidades do que uma pessoa de sua idade deveria arcar. Conforme crescia o Aranha se transformava em um sujeito menos tímido, e tinha que lidar com problemas financeiros, conflitos familiares atrapalhando sua vida de super-herói e seus problemas de super-herói gerando conflitos na sua vida pessoal.
Não tinha como eu não me identificar com Peter Parker e me tornar fã.
Tirando breves interlúdios, como no início da fase mais farrista da minha adolescência ou a época em que a Saga do Clone me afastou dos quadrinhos, segui acompanhando o personagem de uma forma ou de outra.
Meu maior hiato sem ler nenhum quadrinho do Aranha durou pouco menos de dois anos, entre o momento em que a Abril começou a publicar os gibis em versão Premium e o momento em que a Panini assumiu as publicações no Brasil.
E logo após veio o filme.
Homem-Aranha, de 2002, dirigido por Sam Raimi e estrelado por Tobey Maguire, Kirsten Dunst e Willem Dafoe foi o sonho de muito fã de quadrinhos. Eu assisti ao filme três vezes no cinema. Uma com meu irmão, um com um amigo, e outra sozinho. Quando comprei meu primeiro DVD, foi, especificamente com o intuito de assistir Homem-Aranha. Cheguei em casa da minha peregrinação pelo Centro de Porto Alegre com um DVD player meia boca da SVA e a versão dupla de Homem-Aranha.
Quando saiu Homem-Aranha 2, em 2004, uma vez mais eu fui ao cinema. Vi o filme em pré-estréia, na estréia, e em mais duas ocasiões no cinema, e gastei o DVD de tanto assistir.
Quando, em 2007 foi lançado Homem-Aranha 3, mais uma vez eu vi o filme em uma pré-estréia para a qual eu consegui o ingresso de última hora, e no dia seguinte, na estréia. Também comprei em DVD, mas não cheguei a assistir Muitas vezes. Entre DVD, cinema, TV aberta e fechada, assisti Homem-Aranha cerca de setenta vezes. Devo ter visto Homem-Aranha 2 mais do que isso. E, mesmo achando Homem-Aranha 3 um filme menor, eu devo ter visto pelo menos umas dez vezes.
Sou fã do personagem e da trilogia que ele rendeu nas telas. Mas jamais achei que Homem-Aranha e suas sequências fossem filmes perfeitos.
Eram filmes excelentes, sim, divertidíssimos, dirigidos por um fã de Homem-Aranha, claro. Mas repletos de defeitos que incomodavam ao meu lado mais purista. Eu sentia falta das piadinhas do Homem-Aranha. Não me agradava o fato de ele permanecer praticamente mudo quando vestia o uniforme. Não me agradava o fato de o primeiro amor do personagem ser Mary Jane (uma herança da série Ultimate, assim como a aranha geneticamente modificada, e o fato de Peter e Harry Osborn serem melhores amigos já no ensino médio), nem, claro, o medonho traje de duende utilizado por Defoe.
Mas o principal, talvez fosse o fato de que eu jamais vi Peter Parker / Homem-Aranha em Tobey Maguire. Eu nem coloco em dúvida o talento do ator. Acho Maguire um ótimo intérprete. Mas acredito que o viés escolhido pra retratar o personagem tenha sido equivocado. O Peter Parker de Tobey Maguire praticamente não cresce ao longo dos três filmes. Ele acena com um grande amadurecimento no final do primeiro longa e nunca entrega esse amadurecimento nos filmes subsequentes. Isso sem contar a forma passiva como ele reage a tudo o que acontece ao seu redor... Não, definitivamente o Peter Parker de Tobey Maguire nunca me convenceu, e seu Homem-Aranha, tampouco.
Ainda assim, haviam elementos no filme que eu adorava. Um certo ar de inocência que evocava as HQs de Stan Lee, Steve Ditko e John Romita. Em alguns momentos tinha também um tom de novelão que fazia lembrar Gerry Conway e Roy Thomas, de modo que, no final das contas, ainda era uma tremenda experiência de fã assistir aos longas de Raimi, que, por mais defeitos que tivessem, ainda eram cheios de coração.
Não tive, entretanto, nenhum grande desgosto quando anunciaram o cancelamento de Homem-Aranha 4, que seria novamente dirigido por Sam Raimi e estrelado por Maguire e que acenava com um Abutre interpretado por John Malkovich como vilão. Na verdade, vi o fim da série do Aranha nas mãos de Sam Raimi justamente como uma possibilidade para que outros cineastas dessem a sua visão do herói.
Não que eu estivesse louco pra ver uma versão como a que James Cameron escreveu nos anos noventa, não... Mas, quem sabe um Homem-Aranha dirigido por David Fincher? Isso era algo em que se pensar com um sorriso.
No entanto, o escolhido pela Sony para capitanear o filme foi Marc Webb, clipeiro de carreira e que tinha apenas (500) Dias Com Ela no currículo cinematográfico. Por promissor que fosse Webb, ele era apenas uma aposta. E seu único filme falava muito mais sobre romance intimista do que sobre filme em quadrinhos. Restava, porém, a esperança de que ele repetisse Bryan Singer, diretor que nada tinha a ver com filmes de super-herói mas que fez, "apenas", X-Men e X-Men 2.
O elenco que se formou na esteira da escolha do diretor era bacana. O Eduardo Saverin de A Rede Social, Andrew Garfield foi escolhido pra viver o novo Peter Parker/Homem-Aranha, Emma Stone, de Zumbilândia viveria, não Mary Jane, mas Gwen Stacy. E o vilão do longa, o geneticista Curtis Connors que inadvertidamente se transforma no Lagarto ganharia a cara de Rhys Ifans, o eterno Spyke de Um Lugar Chamado Nothing Hill.
Claro, um bom elenco, sozinho, não faz um filme. Mesmo com um bom diretor. Há que se ter um ótimo roteiro. E recontar a origem do Homem-Aranha apenas dez anos depois de a termos visto no cinema, e nem cinco anos depois da última incursão do teioso nas telas eram grandes riscos.
A promessa do filme em 3-D e o primeiro trailer com uma sequência em primeira pessoa não chegaram a empolgar.
Foi apenas no dia 6, com o lançamento do segundo trailer do filme em um evento pelo mundo inteiro, que os fãs do cabeça de teia finalmente ficaram empolgados.
Finalmente Peter Parker parece Peter Parker, finalmente Homem-Aranha parece o Homem-Aranha. Gwen parece a namorada dos sonhos de qualquer nerd, Curt Connors parece o vilão vítima definitivo (Por alguma razão, na trilogia anterior todo o bandido tinha um "lado bom"), George Stacy, mesmo em uma versão rejuvenescida tem ecos do personagem que víamos nos gibis dos anos sessenta, o Homem-Aranha matraqueia de uniforme, e não parece um autista em sua identidade civil.
Claro, dois minutos e meio é uma amostragem muito exígua para se julgar um filme. O trailer de Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado também era muito bacana e empolgante, e o filme acabou sendo aquele horror.
Ainda assim, nesses dois minutos e meio, deu pra quem é fã de longa data do personagem ter a impressão de que, dessa vez, vai ver um retrato mais fiel do herói nas telonas.
Quem sabe vem mais um clássico por aí?
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
De saber e contar...
-Tu me ama? - Ela perguntou, subitamente enquanto tirava o rosto do meio da edição encadernada de Camelot 3000 eu tinha apoiada sobre os joelhos.
-Quê? - Ele perguntou sem tirar a cabeça do meio das páginas da versão romanceada do roteiro de Star Wars - Episódio I: A Ameaça Fantasma.
Ela, sentada em posição de lótus no chão, tirou o pesado volume de cima das pernas e o fechou colocando-o com cuidado sobre o chão de parquê. Engatinhou até ele, que estava todo torto sobre uma poltrona e perguntou de novo:
-Eu perguntei se tu me ama.
Ele riu sem dizer nada, nem mover os olhos das páginas do livro. Ela continuou parada do lado dele. Fulminando-o com o olhar castanho.
Ele terminou de ler a página e a marcou com o dedo. Endireitou-se e a encarou, também:
-Por quê isso, agora? - Estava claramente desconfortável.
-Eu quero saber. - Ela respondeu. E continuou a encará-lo, muito séria.
-... - Ele chegou a abrir a boca, mas se segurou. Jamais dissera aquilo a alguém. Dizer "eu te amo" pra ele era uma coisa importante. Ele não saia dizendo isso pra todo mundo em qualquer situação. Não que estar com ela fosse uma situação "qualquer", não era. Ela era especial, muito especial. Talvez ela fosse "A" pessoa para se dizer "eu te amo".
Ela certamente tinha todas as ferramentas. Era linda, inteligente, divertida, corajosa, tinha ótimo gosto pra música, pra cinema, pra literatura. Era alguém a quem ele amaria sem pestanejar. Mas ele tinha medo. E se ele falasse e depois de algum tempo ela e ele se separassem? O que aconteceria com o "eu te amo" que ele dissera? Se tornaria só mais um "eu te amo" vazio, jogado no vento como tantos outros que vemos em toda a parte o tempo todo?
Ele não queria que fosse assim. Queria que tivesse peso, significado, estofo, som e fúria... Queria que, ao dizer, desse à ela a certeza de que ouvira uma verdade incontestável, chamejante, coruscante, indesmentível... Mas para que sua declaração tivesse tal alicerce, ele precisava ter a mais completa e inabalável certeza do que sentia, e a melhor maneira de saber disso, era perguntando-se porque ele a amava.
E ele subitamente soube porque. Não era apenas porque ele era linda inteligente e tudo mais... Não. Também não era porque ela, por alguma razão, encontrou dentro de si espaço para acolhê-lo com todos os seus defeitos. Tampouco por ela e ele dividirem tantos gostos e desgostos em comum. Claro, tudo isso ajudava.
Mas ele soube ali, naquela fração de segundo que levou pra pensar em tudo aquilo, que a amava por sua delicadeza inata. Por ela, mesmo desencantada com a humanidade, ainda desejar ajudar aos outros. Por ela sempre ter uma palavra gentil, ainda que pessimista ou realista ou silente a quem a procurava em busca de consolo.
Sim. Ele a amava. Abriu a boca pra falar, mas ela se mexeu e apanhou, de novo, a revista, abrindo-a e fixando os olhos novamente nas páginas:
-Porque, olha... O Tristão reencarnou como uma mulher, e ainda assim, a Isolda quis ficar com ele. E tu? Se a gente reencarnasse e eu voltasse um bigodudo? Tu ia me amar o suficiente pra querer continuar comigo?
Ele ficou em silêncio, e então irrompeu em risadas.
-Não, menina. Nem com toda a reza brava do mundo. Se tu voltasse como um bigodudo eu ia ao estádio contigo, te levava pra jogar bola com os guris, mas ficar contigo, sem chance. Presta atenção em como tu vai reencarnar, senão, não rola.
Ela riu e bateu nele com a revista.
-Como tu é mau! Se tu morresse e voltasse como uma mulher eu ia querer ficar contigo!
Ele, a segurando e se protegendo dos golpes a agarrou com força, se beijaram.
Sim, ele pensou enquanto seus lábios e os dele se colavam. Ele estava bastante certo de que a amava. Por enquanto, bastava que ele soubesse.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Casual
O Thales e o Érico, escorados na parada do ônibus após o futebol, tinham no rosto expressões de cansaço.
Estavam cansados, claro, por causa do esporte. Haviam passado uma hora de intensa correria chutando bolas, dando trombadas e trocando caneladas com outros marmanjos. Agora, sorviam com sofreguidão uma água com gás e uma Pepsi, respectivamente, e esperavam o ônibus ou uma lotação. O que aparecesse primeiro.
O Érico volta e meia se agachava e colava sua lata de refrigerante na canela, ele, que era mais habilidoso com a bola no pé, apanhara feito um cachorro do Mauro, um tanque de guerra forjado na construção civil, lutador de jiu-jitsu extremamente camarada mas que tinha de estabanado o que tinha de gentil. E era muito gentil.
Thales estava bebendo sua água e olhando pro infinito pro lado de onde vinha o ônibus ou a lotação que o levaria, através de dois ou três bairros, de volta à sua casa. Tinha o olhar perdido. Suara muito jogando bola, ele suava muito sempre, mas jogando futebol, de camiseta e colete para identificar os times, vertia suor como se tivesse saído de uma sauna. Não falara muito durante a partida, ele, conhecido por ser um resmungão de marca maior. Agora, também. Apenas respondera com monossílabos aos comentários de Érico, que já estava estranhando o amigo.
Resolveu falar com Thales, agoniado que estava com o silêncio:
-Viu o trailer do Motoqueiro Fantasma?
-Arram.
-Bala, né? Achei legal. Mesmo com o Nicolas Cage...
-Como assim, "mesmo com o Nicolas Cage"? - Perguntou o Thales com uma ponta de indignação na voz.
-Ah, o Nicolas Cage já era, né, meu? O tempo do cara já passou, ele anda fazendo bomba em cima de bomba. Acho que nem anda lendo os roteiros mais, ele chega lá, faz as cenas e pega o cheque pra voltar pra casa, porque tem uns lances que não tem explicação, o que foi aquele Fúria Sobre Rodas, velho?
-Eu acho ele um baita ator. Um dos melhores da sua geração. E acho louvável que ele não se leve a sério demais. É um cara que tá sempre disposto a arriscar a imagem e fazer um filme malucão, obscuro, ou ruim, mesmo, admito. Mas ele não se sentou na sombra do Oscar e se acomodou, ele seguiu experimentando e fazendo tanto entretenimento puro, quanto filmes mais densos. Eu acho muito engraçado essa mania que as pessoas têm de julgar os outros sem ter conhecimento pleno dos fatos, sem saber por que angústias e dores elas passaram pra chegar a uma decisão, sem saber do que elas abriram mão ao fazer essa ou aquela escolha. Quem é que pode se colocar o lugar do Cage e dizer, com propriedade, onde ele estava com a cabeça quando resolveu fazer Perigo Em Bangcok? Como é que alguém se julga no direito de julgar ele por Caça as Bruxas? Será que as pessoas que achincalham ele fazem ideia do que ele estava passando na sua vida privada quando resolveu fazer esse filme? Será que alguém imagina que ele simplesmente achou que seria legal afundar a carreira dele com coisas como 60 Segundos e O Sacrifício? Esse é o problema do mundo, velho, as pessoas ficam julgando os outros baseados em fragmentos de fatos, totalmente desinformadas e baseadas em emoções conflitantes, as pessoas ficam com inveja, é isso aí, mesmo, invejinha, não fazem a mais remota migalha de ideia do que existia entre ela e eu e ficam se colocando no direito de julgar o que aconteceu com...
O Thales percebeu quando o Érico ergueu só uma sobrancelha bem alto, quase tocando no próprio cabelo sem dizer nada
-... O Cage... Ele teve até que vender os gibis dele por causa do contador e... Esse ônibus é um lenda, hein, tchê?
O Érico pigarreou enquanto bebia o último gole de sua Pepsi, e olhou pro lado de onde viria o ônibus ou a lotação:
-E tua tia? Como tá?
-Tá na fisioterapia. - Respondeu o Thales. -Mas acho que não vai adiantar. Ela é preguiçosa, não quer fazer os exercícios.
-E aí? - Inquiriu o Érico.
-E aí... E aí... - O Thales apertou os olhos e esfregou a mão na cabeça desmanchando o coque que improvisara pra arejar a nuca. - E aí, não sei, velho... Não sei mesmo. Eu não posso continuar nessa, mas se não for eu... Quem?
-Parceiro... Não carrega o mundo nas costas, não. Faz mal pra coluna, tá ligado?
Thales riu enquanto derramava a água da garrafa na cabeça.
-É... No mínimo.
Continuaram em silêncio por longos minutos, olhando na direção em que o trânsito ia dos bairros ao Centro, viram quando surgiu a lotação Ipanema à distância. Thales secou o cabelo sacudindo a cabeça feito um cachorro, provocando protestos de Érico.
Enquanto faziam sinal pra que o coletivo parasse, Érico começou:
-E o Homem-Aranha, meu? Fez até pacto com o diabo, né?
-Porra, meu, isso já faz quase dois anos...
Subiram na lotação, rindo.
Como dissera Gimli em O Senhor dos Anéis: As Duas Torres, "Continuar respirando, essa é a chave.".
Resenha Cinema: Precisamos Falar Sobre Kevin
No sábado, após perder a sessão de Millenium - Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, vi as opções disponíveis e resolvi encarar Precisamos Falar Sobre Kevin. Não tinha muita ideia de quê se tratava o longa metragem, resolvi encarar mais por conta do elenco, a sempre ótima Tilda Swinton e o competente John C. Reilly.
O filme mostra Eva Khatchadourian (Swinton, brilhante, desde já minha favorita ao Oscar, mesmo sem indicação), uma mulher lidando com um pesadelo vivo:
Seu filho, o Kevin do título (interpretado por três atores ao longo do filme, em ordem: Rock Duer, Jasper Newell e Ezra Miller), cometeu um daqueles massacres escolares americanos que nós nos acostumamos a ver nos noticiários, e cabe à ela a dor de lidar com a responsabilidade que sente, a culpa e o luto, além da condição de pária social.
A culpa que acomete Eva é justificável. A narrativa não linear da história mostra as dificuldades da personagem em se conectar a Kevin desde a mais tenra infância.
Eva não queria ser mãe. Não estava preparada nem era talhada para esse trabalho.
Enquanto seu marido Franklyn (Reilly, ótimo.), permissivo e deslumbrado, adora a ideia de ser pai e faz vista grossa aos deslizes do filho, Eva encara diariamente a face mais sombria de Kevin numa relação, desde sempre, caminhando para um mau fim.
As cenas em que Eva aparece quase como refém do seu rebento, então com cinco, seis anos de idade dão a tônica da relação dos dois durante toda a vida da família.
Após as cerca de duas horas da projeção, conferido o filme, fica a certeza de quê o maior mérito do longa é, mesmo, sua protagonista.
Não que a diretora, a escocesa Lynne Ramsay, estrague alguma coisa. Não, embora finesse não seja o forte da cineasta, ela não chega a atrapalhar o andamento do filme, e acerta ao apoiar seu roteiro nos ombros de Tilda Swinton, sempre um trunfo.
A atriz inglesa consegue mostrar vários aspectos desagradáveis de sua personagem e ainda assim, fazer uma protagonista que nos desperta simpatia, isso graças à sinceridade que ela empresta à sua Eva.
Ezra Miller, intérprete do Kevin adolescente também faz um bom trabalho. Se Lynne Ramsay exagera um pouco nas cores do longa (ás vezes literalmente. Nosso maior norteador de que faixa temporal estamos acompanhando é a constante presença de vermelho nos enquadramentos do presente.), Miller consegue contrabalancear a maldade óbvia de Kevin com uma familiar atitude de arrogância e rebeldia adolescente, não deixando seu personagem se tornar um "vilão" dos mais óbvios.
Precisamos Falar Sobre Kevin não é um filme muito regular, mas encontra equilíbrio no seu ótimo elenco, e sem se transformar naqueles made for TV de lágrimas fáceis, mostra um lado das tragédias que geralmente nos passa despercebidos.
"-A senhora sabe pra onde vai no pós-vida?
-Na verdade eu sei, vou direto pro inferno, fogo, enxofre danação eterna e tudo mais. Bom dia."
sábado, 4 de fevereiro de 2012
Manobra
Vinham a Thaís e o Fred pela rua, os dois de mãos dadas apesar do calor senegalês que fazia em Porto Alegre naquela semana. O Fred, que odiava o verão com cada fibra do seu ser, tentava manter apenas os dedos entrelaçados, com as palmas das mãos afastadas, era uma tentativa desesperada de manter o ar circulando entre a sua mão e a mão da Thaís de modo a reduzir a temperatura que aumentava conforme caminhavam.
A manobra, porém, não estava funcionando, até porque cada vez que Fred afastava a palma de sua mão da de Thaís, ela se movimentava, também, reaproximando sua mão da dele.
Fred sabia como a Thaís era, ela não era dessas meninas que grudam, que passam o dia todo coladas no sujeito, não.
Na verdade a Thaís era bem o oposto disso, ela era extremamente carinhosa quando estavam juntos, mas não era do tipo que fica estorvando, tocando o tempo todo, alisando ou puxando o rosto do sujeito. Não, ela era uma dessas meninas de toques delicados e de presença e carinho discretos. Qualidades que o Fred admirava sobremaneira em uma mulher.
Mas ali estava o verão. E o Fred era demasiado calorento. Tinha uma ojeriza patológica do calor do verão. Achava o verão uma estação para vagabundos e desocupados.
Agora estava ali, com a mão da Thaís na sua. A palma delicada dela fazendo a sua mão suar em profusão.
Queria pedir licença, mas não queria magoá-la, não queria que ela pensasse que ele não gostava do contato com ela, até porque, se havia uma coisa nos últimos anos da vida de Fred que ele aprendera a admirar fora o contato com Thaís, com sua pele macia, com o seu corpo pequeno, perfumado e delicado.
Mas o calor... Ah, o calor... Fred precisava fazer alguma coisa. Precisava de um pretexto.
Foi quando teve um estalo.
Uma mulher alta, de longas pernas e cabelos loiros muito lisos passava na direção oposta àquela em que seguiam Fred e Thaís. Rebolava o quadril generoso dentro de uma saia de tecido mole que dançava no contato com suas coxas opulentas,e tinha o busto robusto espremido em uma sumária blusa branca.
Fred esperou sorrateiro como um jaguar antes do bote que a loira voluptuosa passasse por ele e Thais, e assim que ela passou, virou o pescoço para acompanhar o rebolado hipnótico da aspirante à dançarina de axé.
Thaís parou de andar e encarou Fred com cara de contrariedade explícita.
-Que falta de vergonha, Fred. De mão comigo e encarando a bunda daquela moça?
Fred gaguejou algo, mas Thaís não lhe deu tempo. Soltou sua mão e continuou andando.
Fred, aliviado, sorriu enquanto a perseguia fingindo tentar se explicar.
Aquele pequeno deslize seria perdoado com facilidade, e certamente não faria Thaís desconfiar do apreço que Fred sentia por ela. Seria interpretado apenas como uma demonstração involuntária de um dos muitos aspectos abjetos do gênero masculino. E Fred ganharia algum tempo para deixar sua mão respirar.
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Resenha Cinema: Os Descendentes
Alexander Payne é o diretor de ótimos filmes intimistas e divertidos que podem se classificar naquela categoria que chamamos de dramédia. Sou fã de Payne desde que ele fez Eleição, com Matthew Brodderick e Reese Whiterspon.
Ele fez, também, o ótimo As Confissões de Schmidt, de 2002, talvez o melhor trabalho recente de Jack Nicholson, e, em 2004 a pequena jóia Sideways - Entre Umas e Outras, com Paul Giamatti e Thomas Haden Church. Lá se foram alguns anos investindo na carreira de produtor e na sua tele série Hung, e finalmente Payne voltou à cadeira de diretor para este Os Descendentes, estrelado por George Clooney.
Ontem, um feriado de temperatura senegaleza em Porto Alegre, corri pro cinema munido de um refrigerante e conferi o filme.
É sansacional.
Em Os Descendentes conhecemos Matt King (Clooney), um advogado que vive no Havaí com sua esposa, Elizabeth(Patricia Hastie) e a filha Scottie (Amara Miller). Matt tem outra filha mais velha, Alexandra (Shailene Woodley), que estuda em um internato em outra ilha do arquipélago. Matt faz parte de uma família que descende da realeza havaiana o que os torna guardiões de um enorme pedaço de mata virgem e, por consequência, podre de ricos.
Ao contrário dos primos, que vivem dos dividendos dessa fortuna, Matt vive do seu trabalho, que inclui aí a venda desse enorme pedaço de paraíso à um conglomerado, negócio que renderá centenas de milhões de dólares a Matt e seus primos.
Após um acidente de barco, porém, Elizabeth entra em estado de coma profundo, o que obriga Matt a se reaproximar de suas filhas.
Conforme vai tentando conciliar a rotina de pai, que lhe é totalmente estranha, o trabalho de advogado, e o problema de saúde da esposa, Matt vai fazendo descobertas. Descobertas a respeito de suas filhas, a respeito de sua esposa e a respeito de si próprio. É, aliás, uma dessas descobertas que lança Matt em uma viagem para confrontar o fracasso de seu casamento e de sua vida pessoal como um todo.
Alexander Payne dirige o filme com suavidade e beleza. Consegue trabalhar em um tema dramático sem se entregar ao dramalhão, e intercalar momentos cômicos sem fazer pastiche enquanto mostra o lado idílico do Havaí sem cair na armadiloha do cartão postal. Claro, há um ótimo elenco segurando as pontas, Shailene Woodley está ótima, a pequena Amara Miller, também, há ainda Robert Forster, como o sogro de Matt, retratando a dor deu um pai diante do fim da filha de maneira crua e convincente. Mas o grande show é mesmo de George Clooney. Sua atuação é verdadeira, franca. Nós nos identificamos e nos preocupamos com aquele sujeito cheio de defeitos e suas camisas floreadas, e torcemos por ele em suas desventuras, seus ataques de raiva e suas lágrimas sinceras.
Os Descendentes é um tremendo filme, que pode sair de mãos abanando do Oscar, mas que certamente ganhará um lugarzinho no coração da platéia.
"Não se deixe enganar. No Havaí, mesmo os mais poderosos parecem um bando de desocupados."
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Resenha Game: Uncharted 3 - Drake's Deception
Nathan Drake é o cara. O canastrão caçador de tesouros que nós já havíamos visto em Uncharted - Drake's Fortune e Uncharted 2 - Among Thieves retorna no terceiro capítulo dessa que certamente é uma das melhores franquias de Playstation em termos de games de aventura.
No terceiro capítulo da série nós encontramos Drake e seu mentor Victor Sullivan numa corrida para decifrar enigmas espalhados por Sir Francis Drake pela Europa e Oriente Médio, essas charadas podem levá-lo até Umbar, a Atlântida das Areias, um reino de riqueza imensurável encravado no meio do deserto.
Na mesma pista está Katherine Marlow, uma mulher que tem um passado em comum com Nate e Sully, e seu fiel escudeiro Talbot. Ambos são membros de um culto que pretende encontrar um item de grande poder oculto sob a cidade.
Para enfrentá-los Nate e Sully não estão sozinhos, eles contam com a ajuda de Chloe Frazer, egressa de Uncharted 2, e de Elena Fischer, que esteve presente nos dois games anteriores e Charlie Cutter, outro caçador de tesouros. Com a ajuda desses aliados Nathan vai tentar descobrir onde está a cidade oculta que sir Francis descobriu mas cuja localização jamais divulgou.
Após jogar os três games da franquia que, vou confessar, comecei a jogar só porque ganhei o game de presente de uma pessoa muito persuasiva, percebi que é impressionante como a série Uncharted dialoga com Indiana Jones. As grandes sequências de ação, o humor, o flerte entre o realismo e a fantasia descarada e o heroísmo do arqueólogo mais famoso do cinema são traços sempre presentes nos games da franquia, nesse terceiro episódio, aliás, esse diálogo com a série cinematográfica se torna mais evidente. Há uma sequência mostrando Nathan Drake na infância envolvido em uma empolgante perseguição em Cartagena, na Colômbia remontando à versão escoteiro de Indy, no início de A Última Cruzada.
Claro, a referência à cultuada série da Spielberg/Lucas por si só, não seguraria a onda por três premiados jogos.
A série Uncharted é cheia de méritos próprios, que começam pelo carisma dos protagonistas, em especial Drake e Sully. É impossível não se afeiçoar aos dois personagens e sua relação pai e filho pouco convencional. O trabalho de dublagem é excelente, tanto que a dublagem em português disponível no game chega a doer nos ouvidos depois que nos habituamos às vozes "verdadeiras" dos personagens. A parte gráfica do game é um disparate e faz jus a todos os prêmios empilhados por Uncharted. O cenário construído no capítulo "Abduzido", um cemitério de navios onde Drake é feito refém é espetacular, um dos mais belos cenários que eu já vi em um videogame, e culmina com uma sequência de fuga que só não é mais fantástica do que o cinematográfico desastre aéreo em que Drake se envolve mais adiante. Aliás, essa qualidade cinematográfica do game (que pode incomodar aos fãs de games sandbox, onde existe mais liberdade para fazer a trama andar conforme a disposição do jogador), talvez seja o grande diferencial de Uncharted, em várias ocasiões o player se sente assistindo a um (ótimo) filme de aventura, com o qual, em diversas ocasiões, tem a possibilidade de interagir.
Pra quem curte um bom game de aventura em terceira pessoa e sempre quis ser um pouco Indiana Jones, Nathan Drake e a série Uncharted são A pedida.
"Três balas! Como é que você conseguiu fazer isso com três balas?"
O completo oposto
O Leonel estava sentado na frente de casa, coisa que nunca fazia. Era finalzinho de tarde, e o Leonel estava vendo o céu ser tingido por chamejantes raios coloridos de rosa e de laranja. Ele tinha uma foto na mão. Outra coisa que Leonel não costumava fazer era ficar horas observando fotos. Mas aquela valia a pena. Mesmo quando as coisas pareciam mais difíceis, mais complicadas, o Leonel olhava pra aquela foto, colocada estratégicamente em um porta-retratos de super-herói junto à TV e ao video game, e sempre sorria.
Era uma foto dela. Regina. Na foto, ela e Leonel sorriam pra câmera. O Leonel dando o seu sorriso meia-boca, algo contrito, algo contido, algo desconfortável.
Os sorrisos do Leonel eram assim pois assim era sua vida inteira. Leonel nunca estava cem por cento relaxado em nada do que fazia. Já havia tomado lambadas demais da vida, e eventualmente ainda levava uma daqui e dali.
Isso fez com que Leonel desenvolvesse mecanismos de defesa potentes e que funcionavam em tempo integral.
Leonel era incapaz de confiar em alguém. Foi com um amálgama de surpresa e desconfiança que viu Regina vencer a distância física que os separava. Ela, intrépida, decidida, valente. Mudou toda a sua vida por causa de Leonel, que se viu, subitamente envolvido em um romance que não era mais platônico, e nem parecia ser unilateral.
O problema é que Leonel não conseguia confiar em nada nem em ninguém. Nem mesmo em Regina, que vencera distâncias por ele.
E precisava, de maneira patológica, manter um perímetro defensivo, precisava de espaço pra ter onde fugir quando a relação que partilhava com ela alcançasse o inevitável desfecho onde Regina perceberia que era boa demais pro Leonel.
Sim, ela perceberia, pois todo mundo mais já percebera. Ela linda, inteligente, corajosa, divertida, sexy, com cabelos e pernas que eram sozinhos, mais bonitos que mulheres inteiras, e um sorriso que acalentaria até o imperador Palpatine. E ele?
Ele era uma bagunça. Um arremedo de pessoa. Um esboço. Nem bonito, nem inteligente, nem nada. Lhe causava pânico imaginar que se apaixonara por uma mulher que era melhor que ele em tudo e que, em algum momento, perceberia que o era, e então, inevitavelmente, marcharia inexorável no sentido oposto a ele.
E assim fez Leonel, em sua indefectível covardia. Manteve espaço. Em algumas ocasiões, é verdade, viu-se apartado dela contra a sua vontade. Mas isso não importava. Leonel percebeu que, estando a sua vida como estava, sendo ele como era, e sendo Regina tudo o que era, ele não tinha o direito de ser uma âncora para ela e suas aspirações. E tomando o que talvez tenha sido a mais dolorosa e adulta decisão de sua vida, se afastou.
Ainda olhava de longe. Tentava saber dela. Descobrir o que ela fazia e como estava. A tristeza dela lhe doía demais, mas ele se manteve oculto. Viu orgulhoso ela erguer triunfos que se sucederiam ao longo dos próximos anos, e se banhou na luz dos sorrisos dela.
E finalmente viu, com uma tristeza que arrancou-lhe a alma, ela exorcisar os últimos resquícios de sua presença e se preparar pra seguir com sua vida sem a sombra triste de Leonel a importuná-la.
Agora, ali estava ele, pensando no que faria. Sabia que era importante ser centrado o suficiente para se sentir feliz por ela. Por tudo o que ela conquistaria sendo a pessoa doce e determinada que era. Sabia também que precisava, ele próprio, dar algum rumo à sua vida afetiva.
E decidiu-se:
Faria exatamente o oposto do que ela fizera. Manteria conversas e mensagens salvas em toda a parte. Ouviria as músicas que o lembravam dela. Veria novamente os filmes que viram juntos e os que ganhara de presente dela. E manteria aquela foto bem em cima da TV.
Ela precisava esquecê-lo e superá-lo, ele, afinal, era um equívoco.
Ele, por outro lado, precisava mantê-la, de algum modo, por perto. Ela era, e sempre seria, o seu maior acerto.
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