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quinta-feira, 17 de maio de 2012
Como eu nasci...
Na mesma mesa, no mesmo bar, com as mesmas bolachas de chope fazendo número enquanto copos desenhavam anéis d'água sobre guardanapos na madeira judiada, o Paulo Roberto, casualmente olhou pra TV e viu o anúncio de um documentário de James Cameron sobre o fundo do mar. Suspirou:
-Sabe, Everaldo... Se eu pudesse escolher como morrer, acho que morreria afogado. Deve ser uma boa morte... O Dorival Caymmi não cantava que era doce de se morrer no mar?
O Everaldo, que estava observando atentamente as formas geométricas que desenhava enfileirando amendoins nem se dignou a levantar os olhos de sua atividade:
-Vai te foder, Pê Erre. Tu só pode ter merda na cabeça... Morrer afogado deve ser uma agonia sem par, criatura. Imagina a fodelança de tentar encher os pulmões de ar e entrar água? O desespero de saber que, não importa o quanto tu inspire, teus pulmões não vão se encher de ar? Que o fôlego não vai ser renovado? Vai tomar no teu cu, Pê Erre, que morte fodida do caralho...
O Paulo Roberto encarou o seu copo de Coca-Cola por um instante, e então disse:
-Morrer dormindo, então... Ataque fulminante do coração...
-Cagalhão. - Retrucou Everaldo, ainda enfileirando amendoins.
-Quê? - Surpreendeu-se Paulo Roberto.
-Tu é um cagalhão, Pê Erre. Morrer dormindo pra não ter que encarar o fim? Francamente... Tu caiu no meu conceito, irmão. - Disse Everaldo, sem olhar pro Paulo Roberto.
-Mas te decide, criatura. Antes tu me criticou porque afogamento era muito doloroso, agora me critica porque morrer dormindo não é agonizante o suficiente?
-Porra, Pê Erre... Olha, não querer uma morte tenebrosa não é a mesma coisa que não se comprometer com o fim. Eu não quero sofrer feito um condenado pra morrer, mas quero entender o que está acontecendo, vai que é um momento de iluminação espiritual pra um incréu nato que nem eu, eu preciso estar presente.
O Paulo Roberto maneou a cabeça como quem entende:
-Tipo no hospital... Preparado pra coisa toda...
-Não, Pê Erre... Caralho, velho. Eu não posso estar hospitalizado, iriam me sedar e eu não ia estar com a minha mente íntegra pro processo, eu preciso estar conectado à vida pra lidar com a morte, porra...
-Tá... Larguei. Me diz então, Everaldo. Como é que tu gostaria de morrer se pudesse escolher?
O Everaldo pensou brevemente, então finalmente desviou os olhos do amendoim, e disse:
-Como eu nasci, Pê Erre: Nu, ensanguentado e gritando enquanto sou arrancado da mulher que eu amo.
O Paulo Roberto não respondeu. De algum modo torto, aquilo fazia sentido. Ergueu o braço pra pedir mais uma coca.
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