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segunda-feira, 14 de maio de 2012
Duas Certezas
O Gilberto estava correndo em um parque da cidade com alguma dificuldade. Recuperava-se de uma desagradável inflamação e de algum período sedentário, e resolveu aproveitar a temperatura amena do fim de tarde para recuperar o ritmo. Correu pouco, é verdade, mas o suficiente pra se sentir bem consigo mesmo. Parou um vendedor ambulante e comprou uma água e sentou-se em um banco do parque para descansar brevemente e seguir para casa. Foi quando ele percebeu, quase ao acaso, onde estava. E a viu. A viu e se perguntou se aquilo fora um acidente ou se ele propositadamente se colocara ali, naquela hora, com o intuito de vê-la? Não importava. Ela estava ali. Tão perto dele...
Ele ficou olhando pra ela enquanto ela caminhava da loja em que trabalhava até o outro lado da rua, onde apanharia o ônibus que a levaria pra casa. Observou suas pernas, lindas, lindas, lindas alternando-se para impulsionar seu corpo pequeno e ágil pela rua. Seus cabelos longos e escuros dançando conforme ela apertava o passo para vencer a primeira faixa da movimentada avenida que a separava do ponto, estariam tão cheirosos quanto estavam da última vez em que se viram? Decerto que sim... Ela sempre cheirava bem. Seus cabelos, seu pescoço, suas orelhas seus ombros e barriga e região ilíaca... Tudo cheirava bem.
Ele observou enquanto ela projetava ligeiramente o queixo e olhava pra um lado e outro com os olhos atentos sob suas sobrancelhas arqueadas. Lembrou-se das outras vezes em que notara isso... Como ela projetava o queixo quando se concentrava em algo. Como era adorável vê-la fazer isso... Como ela ficava linda ao se concentrar... Como em inúmeras ocasiões ele tivera vontade de beijar-lhe a ponta do queixo, mas acabara não fazendo isso pois era seu instinto natural sempre procurar pelos lábios dela.
Será que ela sabia?
Será que ela sabia como era difícil pra ele não beijá-la nos lábios quando se viam? Será que ela entendia qual era o nível de contrição necessário pra ele tocar nela apenas eventualmente...? Como ele ansiava para que chegassem à beira da calçada, e assim ele poderia colocar a mão espalmada na altura da lombar dela enquanto a conduzia até o outro lado da rua? Como a única coisa boa de se despedir dela era poder abraçá-la com força e colocar o rosto entre seus cabelos?
Ele a observou com os olhos cheios de ternura e tristeza. Ternura porque ela era o depoimento da vida em autodefesa. Ela era o manifesto de que o mundo não precisava ser sempre encardido, ocre e cheio de pontas desagradáveis. Ela parecia ser a vida dizendo "Calma, eu também sei fazer coisas boas, ó.". Por tudo isso, a ternura lhe transbordava quando ele a olhava. Porque ela era, além de linda e atraente e desejável, boa. Era cálida. Era viva e verdadeira de uma forma tão singela e tão complexa... E não tinha como não sentir ternura. E ela e ele se deram tão bem... "Nós éramos ótimos juntos", era só em que ele pensava.
A ficou observando de longe conforme prometera. Não correu em sua direção sorrindo como queria. Não andou até ela de braços abertos e pronto pra beijá-la. A olhou de maneira contrita e reverente, pensando em como fora fortuito poder vê-la, ainda que de longe, ainda que rápido ainda que ela não o visse. Quando ela entrou no ônibus, porém, a ternura foi se desvanecendo conforme o veículo ganhava distância, até que ficou apenas a tristeza. A tristeza da oportunidade e da felicidade perdida. Das decisões tomadas de forma apressada. Dos desencontros, atrasos e medos a que ele se sujeitou e a sujeitou e os sujeitou... E apenas uma certeza.
Não...
Duas.
Que ele não sabia como superar aquilo. E que era irremediavelmente apaixonado por ela.
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